O Livro de Urântia
PARTE IV
Esse grupo de documentos foi auspiciado por uma comissão de doze Seres Intermediários de Urântia atuando sob a supervisão de um diretor Melquisedeque de revelação.
A base dessa narrativa foi fornecida por um ser intermediário secundário que tinha sido designado anteriormente para a custódia suprahumana do Apóstolo André.
O Livro de Urântia
Documento 120
120:0.1 (1323.1) DESIGNADO por Gabriel para supervisionar a reconstituição da narrativa da vida de Michael, enquanto esteve em Urântia, à semelhança da carne mortal, eu, Melquisedeque, diretor da comissão reveladora a que essa tarefa foi confiada, encontro-me autorizado a apresentar a narrativa de certos eventos imediatamente anteriores à vinda do Filho Criador a Urântia, durante a qual ele assumiu a última etapa da sua experiência de auto-outorgas no seu universo. Viver vidas idênticas àquelas que ele impõe aos seres inteligentes da sua própria criação e, para tanto, auto-outorgar a si próprio à semelhança das várias ordens dos seus seres criados, é parte do preço que cada Filho Criador deve pagar para conquistar a soberania plena e suprema do universo de coisas e seres, criado por ele próprio.
120:0.2 (1323.2) Antes dos eventos que imediatamente passarei a descrever, Michael de Nébadon havia-se outorgado por seis vezes, à semelhança de seis ordens diferentes de seres inteligentes da sua diversificada criação. E, então, se preparou para descer até Urântia, à semelhança da carne mortal da sua mais baixa ordem de criaturas de vontade inteligente para, tal um humano do reino material, executar o ato final no drama da aquisição da soberania do universo, de acordo com os mandados dos Governantes divinos do universo dos universos, no Paraíso.
120:0.3 (1323.3) No curso de cada uma das auto-outorgas precedentes, Michael não apenas adquiriu a experiência finita de um grupo de seres criados por ele, como também, em cooperação com o Paraíso, adquiriu a experiência essencial que iria, em si e por si mesma, contribuir posteriormente para constituí-lo como o soberano do universo criado por ele próprio. Em qualquer momento do tempo passado do universo local, Michael poderia haver assumido a soberania, como Filho Criador e, como um Filho Criador, poderia haver governado o seu universo, do modo que escolhesse. Se assim tivesse sido, Emanuel e os Filhos do Paraíso coligados haveriam abandonado o universo dele. Michael, porém, não queria governar Nébadon de uma forma isolada e meramente fundamentada no seu direito inerente, de Filho Criador. Ele desejava ascender por meio da experiência factual, em subordinação cooperativa com a Trindade do Paraíso, até aquela posição elevada, na qual estivesse qualificado para governar o seu universo e administrar os assuntos do mesmo, com a mesma perfeição de discernimento e sabedoria de execução, as quais chegarão, em algum tempo, a ser a característica do governo excelso do Ser Supremo. A sua aspiração não era a perfeição de governo, como Filho Criador, mas a supremacia administrativa, com a incorporação da sabedoria universal e experiência divina do Ser Supremo.
120:0.4 (1324.1) Por conseguinte, Michael estava movido por um propósito duplo, ao realizar essas sete auto-outorgas vivendo como membro das várias ordens das suas criaturas no universo. Em primeiro lugar, estava completando a experiência de entendimento das criaturas, que é requerida de todos os Filhos Criadores antes de assumirem totalmente a soberania. Um Filho Criador pode governar o seu universo, em qualquer tempo, por direito próprio, mas, como representante supremo da Trindade do Paraíso, ele governará apenas após passar, autodoado como criatura, por todas as sete auto-outorgas nos universos. Em segundo lugar, ele aspirava ao privilégio de representar a autoridade máxima da Trindade do Paraíso, a ser exercida numa administração pessoal e direta, em um universo local. E, dessa forma, durante a experiência de cada uma das suas auto-outorgas no universo, Michael subordinou-se, voluntária e perfeitamente, às vontades variavelmente constituídas, de todas as diversas associações de pessoas da Trindade do Paraíso. E isso significa que: na sua primeira auto-outorga, ele submeteu-se à vontade combinada de Pai, Filho e Espírito; na segunda, à vontade de Pai e Filho; na terceira, à vontade de Pai e Espírito; na quarta, à vontade de Filho e Espírito; na quinta, à vontade do Espírito Infinito; na sexta, à vontade do Filho Eterno. E durante a sétima auto-outorga, a final, a ser feita em Urântia, ele submeter-se-ia à vontade do Pai Universal.
120:0.5 (1324.2) Conseqüentemente, na sua soberania pessoal, Michael, combina a vontade divina das sete fases dos Criadores universais com a experiência de compreensão das criaturas do seu universo local. Assim, a sua administração ter-se-á tornado representativa do poder com a autoridade máxima possível, e isenta de qualquer pressuposto arbitrário. O seu poder é ilimitado, pois é derivado da associação experienciada com as Deidades do Paraíso; a sua autoridade é inquestionável, pois terá sido adquirida pela experiência factual à semelhança das criaturas do seu universo; a sua soberania, assim, será suprema, pois ao mesmo tempo incorpora os pontos de vista sétuplos da Deidade do Paraíso e os pontos de vista das criaturas do tempo e do espaço.
120:0.6 (1324.3) Estando determinada, a época da sua auto-outorga final e, havendo escolhido o planeta no qual esse extraordinário evento teria lugar, Michael teve a costumeira conferência de pré-outorga com Gabriel e, então, apresentou-se perante o seu irmão mais velho do Paraíso, o seu conselheiro Emanuel. Todos os poderes da administração do universo, que não haviam sido previamente consignados a Gabriel, Michael agora os transferia à custódia de Emanuel. E, momentos antes da partida de Michael, para a encarnação em Urântia, Emanuel, aceitando a custódia do universo durante o período dessa outorga em Urântia, procedeu ao aconselhamento que serviria como um guia da encarnação, para Michael, quando este crescesse em Urântia como um mortal do reino.
120:0.7 (1324.4) Em relação a isso, deve-se ter em mente que Michael havia escolhido cumprir a sua auto-outorga à semelhança da carne mortal, sujeitando-se sempre à vontade do seu Pai do Paraíso. O Filho Criador não necessitava de instruções de ninguém para efetivar a sua encarnação, caso estivesse fazendo-o pelo simples propósito de alcançar por completo a sua soberania no universo; no entanto Michael havia embarcado em um programa de revelação do Supremo, o qual envolvia o funcionamento cooperativo das diversas vontades das Deidades do Paraíso. Dessa forma, a sua soberania, quando final e pessoalmente conquistada, seria de fato todo-incluidora da vontade sétupla da Deidade; o que culmina na vontade do Supremo. Havia ele, portanto, por seis vezes recebido as instruções dadas pelos representantes pessoais das várias Deidades do Paraíso e das suas associações; e, nesta oportunidade, estava sendo instruído pelo União dos Dias, embaixador da Trindade do Paraíso, no Universo local de Nébadon, atuando em nome do Pai Universal.
120:0.8 (1325.1) Havia vantagens imediatas e grandes compensações, resultantes da vontade com a qual esse poderoso Filho Criador, uma vez mais, subordinava a si próprio, voluntariamente, à vontade das Deidades do Paraíso, desta vez, submetendo-se à vontade do Pai Universal. Em vista da decisão de efetivar essa subordinação associativa, Michael experimentaria, nessa encarnação, não apenas a natureza do homem mortal, mas também a vontade do Pai de todos, no Paraíso. E, além disso, entraria nessa auto-outorga singular com a inteira segurança, não apenas de que Emanuel exerceria a plena autoridade do Pai do Paraíso, na administração do seu universo, durante a sua ausência para aquela autodoação em Urântia; mas também com o conhecimento confortador de que os Anciães dos Dias do superuniverso haviam decretado a segurança completa do seu reino durante todo o período da sua auto-outorga.
120:0.9 (1325.2) E, pois, essa era a situação preparada para a ocasião especial em que Emanuel apresentava-o ao seu sétimo compromisso de auto-outorga. E dessa encomenda de outorga feita por Emanuel, ao governante do universo, o qual posteriormente se tornou Jesus de Nazaré (Cristo Michael) em Urântia, é-me permitido apresentar as seguintes passagens:
120:1.1 (1325.3) “Meu irmão Criador: estou à beira de testemunhar a tua sétima auto-outorga no teu universo, e a última. Perfizeste as seis missões anteriores com grande fidelidade e perfeição; não mantenho outro pensamento a não ser o de que serás igualmente triunfante nesta que é a tua auto-outorga terminal para alcançar a soberania. Até este momento, surgiste nas esferas das tuas outorgas, como um ser plenamente desenvolvido da ordem escolhida por ti. Agora, estás na eminência de ir para Urântia, o planeta desordenado e turbulento da tua escolha, não como um mortal já plenamente desenvolvido, mas, sim, como um recém-nascido indefeso. Para ti, irmão e companheiro, esta será uma experiência nova e ainda não provada. Estás na iminência de haver pago todo o preço das auto-outorgas e à beira de experimentar o esclarecimento completo, que advém da encarnação de Criador, à semelhança de uma das suas criaturas.
120:1.2 (1325.4) “Em cada uma das tuas auto-outorgas anteriores, escolheste estar sujeito voluntariamente à vontade das três Deidades do Paraíso e às interassociações divinas Delas. Das sete fases da vontade do Supremo, tu te submeteste a todas nas tuas auto-outorgas anteriores; falta submeter-te apenas à vontade pessoal do teu Pai do Paraíso. Agora, que elegeste submeter-te integralmente à vontade do teu Pai, na tua sétima auto-outorga, como representante pessoal do nosso Pai, eu assumo a jurisdição irrestrita do teu universo, durante o tempo da tua encarnação.
120:1.3 (1325.5) “Para o ingresso na tua auto-outorga de Urântia, escolheste voluntariamente despojar-te de todo o apoio extraplanetário e de toda assistência que te pudesse ser dada, por qualquer criatura da tua própria criação. Do mesmo modo que os teus filhos criados, de Nébadon, são inteiramente dependentes de ti, para o salvo-conduto, na carreira deles, através do universo; da mesma forma, agora deves tornar-te plena e irrestritamente dependente do teu Pai do Paraíso, para o teu salvo-conduto durante as vicissitudes não-reveladas da tua vindoura carreira mortal. E, quando houveres terminado essa experiência, de autodoação, saberás, com profunda verdade, o significado pleno e o sentido abundante dessa confiança de fé que, tão invariavelmente, exiges que todas as tuas criaturas tenham como parte da relação íntima contigo, enquanto Criador local e Pai universal delas.
120:1.4 (1326.1) “Na tua outorga de Urântia, necessitas preocupar-te com uma coisa apenas: a comunhão ininterrupta entre ti e o teu Pai do Paraíso. E será por meio da perfeição desse relacionamento que o mundo da tua auto-outorga e, mesmo, todo o universo da tua criação, obterão uma revelação nova e mais compreensível do teu Pai e meu Pai, o Pai Universal de todos. A tua preocupação, portanto, deverá ser somente com a tua vida pessoal em Urântia. Plena e eficazmente, ficarei como o responsável pela segurança da continuidade da administração do teu universo, desde o momento da tua renúncia voluntária a essa autoridade, até que retornes para nós como o Soberano do Universo, confirmado pelo Paraíso, e até que recebas de volta, das minhas mãos, não a autoridade de vice-regente, que agora passas a mim, mas, sim, o poder e a jurisdição supremos do teu universo.
120:1.5 (1326.2) “E, para que saibas com certeza que tenho o poder de fazer tudo o que estou prometendo agora (mesmo sabendo plenamente que eu próprio sou a certeza, dada por todo o Paraíso, de que a minha palavra cumprir-se-á fielmente), eu anuncio que me foi enviado um mandado dos Anciães dos Dias de Uversa precavendo Nébadon contra qualquer ameaça espiritual, durante o período integral da tua outorga voluntária. Desde o momento no qual deixares de estar consciente, no começo dessa encarnação mortal, até que retornes a nós como soberano supremo e incondicional deste universo de tua própria criação e organização, nada de maior gravidade pode acontecer em todo o Nébadon. Nesse ínterim, durante a tua encarnação, manterei eu as ordens dos Anciães dos Dias, comandando irrestritamente a extinção instantânea e automática de qualquer ser culpado de rebelião ou que presuma instigar a insurreição no universo de Nébadon, enquanto estiveres ausente nessa auto-outorga. Meu irmão, em face da autoridade do Paraíso, inerente à minha presença e implementada pelo mandado judicial de Uversa, o teu universo e todas as suas leais criaturas estarão seguras durante a tua auto-outorga. Podes prosseguir na tua missão, com um pensamento apenas: a intensificação da revelação do nosso Pai, aos seres inteligentes do teu universo.
120:1.6 (1326.3) “Devo lembrar-te de que, como em cada uma das tuas auto-outorgas anteriores, exercerei eu a jurisdição do teu universo, como um irmão e fiel comissionado. Em teu nome exercerei toda a autoridade e poder. Funcionarei como o nosso Pai do Paraíso e de acordo com o teu pedido explícito de que atue eu assim no teu lugar. E, sendo esses os fatos, toda esta autoridade delegada agora, será de novo tua para que a exerças, em qualquer momento que julgues adequado requerê-la de volta. A tua auto-outorga é, na sua totalidade, plenamente voluntária. Como um mortal encarnado no reino, encontrar-te-ás desprovido de dons celestes, mas todo o teu poder abandonado poderá ser recuperado a qualquer momento e tão logo decidires reinvestir-te da autoridade universal. Se escolheres reinstalar-te em poder e em autoridade, lembra-te de que será unicamente por razões pessoais, já que eu sou o compromisso vivo cuja presença e promessa garantem uma administração segura ao teu universo de acordo com o desejo do teu Pai. A rebelião, tal como aconteceu por três vezes em Nébadon, não poderá ocorrer durante a tua ausência de Sálvington, para essa outorga. Os Anciães dos Dias decretaram que qualquer rebelião em Nébadon, durante o período da tua outorga de Urântia, seja automaticamente investida com a semente do seu próprio aniquilamento.
120:1.7 (1326.4) “Em todo o tempo durante o qual ficarás ausente, nessa outorga final e extraordinária, comprometo-me (com a cooperação de Gabriel) fazer uma administração fiel do teu universo; e, ao comissionar-te para que assumas esse ministério de revelação divina e para que passes pela experiência do entendimento humano perfeccionado, eu atuo em nome do nosso Pai e te ofereço os conselhos seguintes, que devem guiar-te enquanto viveres a tua vida terrena, à medida que tu te tornares progressivamente autoconsciente da tua missão divina, na tua permanência na carne”
120:2.1 (1327.1) “1. De acordo com os costumes, e em conformidade com a técnica de Sonárington — cumprindo os mandados do Filho Eterno do Paraíso — , tomei todas as providências para a tua imediata entrada nessa auto-outorga mortal, em harmonia com os planos formulados por ti e entregues a mim por Gabriel. Tu crescerás em Urântia como uma criança do reino; completarás a tua educação humana — submetido todo o tempo à vontade do teu Pai do Paraíso — , viverás a tua vida em Urântia como o determinaste tu mesmo; completarás a tua estada planetária e preparar-te-ás para a ascensão até o teu Pai, para receber Dele a soberania suprema do teu universo.
120:2.2 (1327.2) “2. Independentemente da tua missão na Terra e da revelação que farás ao universo, mas como uma conseqüência advinda disso, Eu aconselho-te, depois que estiveres suficientemente autoconsciente da tua identidade divina, que assumas a tarefa adicional de dar por finda, tecnicamente, a rebelião de Lúcifer, no sistema de Satânia; e que tu faças tudo isso como o Filho do Homem; e, assim, enquanto criatura mortal do reino, na fraqueza tornada poderosa pela submissão-fé à vontade do teu Pai, sugiro que graciosamente realizes tudo aquilo que, reiteradamente tu te declinaste de executar de modo arbitrário, pela via do poder e da força com as quais eras dotado à época em que essa rebelião pecaminosa e injustificada ainda estava incipiente. Eu consideraria um ápice adequado, à tua auto-outorga mortal, se retornasses a nós, como o Filho do Homem e Príncipe Planetário de Urântia, tanto quanto Filho de Deus e soberano supremo do teu universo. Como homem mortal, o tipo mais baixo de criatura inteligente de Nébadon, enfrenta e faze o julgamento das pretensões blasfemas de Caligástia e Lúcifer e, nesse assumido estado de humildade, dá um fim, para todo o sempre, às representações equivocadas e errôneas e às falsidades vergonhosas cometidas por esses filhos caídos da luz. Já que te negaste, firmemente, a desacreditar esses rebeldes, por meio do exercício das tuas prerrogativas de criador, seria próprio que tu, agora, na semelhança da mais baixa criatura da tua criação, tirasses das mãos desses Filhos caídos o domínio, de modo que todo o teu universo local reconheça, para sempre, e de forma clara, a justiça do teu ato, feito enquanto tu estiveste no papel de mortal na carne, que é o de efetuar coisas que a tua misericórdia admoestou-te que não fizesses por meio do poder de uma autoridade arbitrária. E, havendo assim estabelecido, com a tua outorga, a possibilidade da soberania do Supremo em Nébadon, tu irás, com efeito, trazer um encerramento para os assuntos, não julgados ainda, de todas as insurreições precedentes, não obstante o lapso de tempo, maior ou menor, que seja gasto na realização dessa tarefa. Em essência, com esse ato, as dissidências pendentes no teu universo serão liquidadas. E, com o subseqüente dom da soberania suprema que terás, no teu universo, os desafios semelhantes à tua autoridade não poderão nunca ser recorrentes, em qualquer parte da tua grande criação pessoal.
120:2.3 (1327.3) “3. Quando houveres obtido o êxito, que sem dúvida irás ter, em terminar com a secessão de Urântia, eu aconselho-te a aceitar que Gabriel confira a ti o título de “Príncipe Planetário de Urântia”, em reconhecimento eterno, da parte do teu universo, à tua experiência final de auto-outorga; e, que daí em diante, faças todas e quaisquer coisas consistentes com o propósito da tua outorga e que possam servir aos seres de Urântia, como compensação pelo sofrimento e confusão produzidos neste mundo, pela traição de Caligástia e a subseqüente falta Adâmica.
120:2.4 (1328.1) “4. Gabriel e todos aqueles que estiverem envolvidos, de acordo com o teu pedido, cooperarão contigo na realização do teu desejo expresso de culminar a auto-outorga em Urântia com o pronunciamento de um juízo dispensacional daquele reino, acompanhado do encerramento de uma era, com a ressurreição dos mortais sobreviventes adormecidos e com o estabelecimento da dispensação do Espírito da Verdade, a ser concedido.
120:2.5 (1328.2) “5. No que concerne ao planeta da tua outorga e à geração imediata dos homens que viverão contemporaneamente à tua autodoação mortal, aconselho-te que atues predominantemente segundo o papel de mestre. Dá atenção, primeiro, à libertação e à inspiração da natureza espiritual do homem. Em seguida, ilumines o obscurecido intelecto humano; alivies as almas dos homens e emancipes as suas mentes de temores ancestrais. E então, com a tua sabedoria mortal, que atendas ao bem-estar físico e ao alívio das condições materiais dos teus irmãos na carne. Vive a vida religiosa ideal, para inspiração e edificação de todo o teu universo.
120:2.6 (1328.3) “6. No planeta da tua outorga, libera espiritualmente o homem segregado pela rebelião. Em Urântia, dá mais uma contribuição à soberania do Supremo, estendendo, assim, o estabelecimento dessa soberania até os amplos domínios da tua criação pessoal. Nesta, que será a tua outorga na matéria, à semelhança da carne, tu irás experimentar o esclarecimento final de um Criador no tempo-espaço: terás a experiência dual de trabalhar de dentro da natureza humana mas com a vontade do teu Pai do Paraíso. Na tua vida temporal, a vontade da criatura finita e a vontade do Criador Infinito estão para tornar-se uma, da mesma forma que também estão unindo-se na Deidade evolutiva do Ser Supremo. Derrama, por sobre o planeta da tua auto-outorga, o Espírito da Verdade e, assim, faze com que a todos os mortais normais daquela esfera isolada seja imediata e plenamente acessível a recepção e o ministério da presença distinguida do nosso Pai do Paraíso, o Ajustador do Pensamento dos reinos.
120:2.7 (1328.4) “7. Em tudo que puderes realizar no mundo da tua outorga, tem constantemente em mente que estarás vivendo uma vida para a instrução e edificação de todo o teu universo. Que estarás autodoando-te nessa vida de encarnação mortal, em Urântia, mas que essa vida tu irás viver para a inspiração espiritual de todas as inteligências humanas e supra-humanas que já viveram, que existem agora ou que ainda possam viver, em todos os mundos habitados, já formados, que ora se formam ou que ainda possam vir a se formar, como parte da vasta galáxia do teu domínio administrativo. A tua vida na Terra à semelhança da carne mortal não será, dessa forma, vivida para se constituir apenas em um exemplo para os mortais de Urântia, nos dias da tua permanência na Terra, nem apenas para qualquer geração subseqüente de seres humanos em Urântia ou em qualquer outro mundo. A tua vida na carne, em Urântia, será, mais que tudo, a inspiração para todas as vidas, sobre todos os mundos de Nébadon, para todas as gerações nas eras que estão para vir.
120:2.8 (1328.5) “8. Essa tua grande missão, a ser realizada e experienciada na encarnação mortal, está abrangida pela tua decisão de viver uma vida dedicada do fundo do coração a fazer a vontade do teu Pai do Paraíso; e, assim, dedicada a revelar a Deus, o teu Pai, na carne, e especialmente às criaturas da carne. Ao mesmo tempo, irás também interpretar, com uma nova força de engrandecimento, o nosso Pai, para os seres supramortais de todo o Nébadon. Da mesma forma, com esse ministério de nova revelação e interpretação ampliada do Pai do Paraíso, para os tipos de mente humana e supra-humana, tu funcionarás de modo a fazer, também, uma nova revelação do homem para Deus. Demonstra, na tua curta vida na carne, de forma nunca antes vista em todo o Nébadon, as possibilidades transcendentes daquilo que pode ser alcançado por um ser humano conhecedor de Deus, durante a curta carreira na existência mortal; e faze uma interpretação iluminadora e nova do homem e das vicissitudes da vida planetária dele, para todas as inteligências supra-humanas de todo o Nébadon, para todo o sempre. Tu estás à beira de descer até Urântia, à semelhança da carne mortal, e de viver como um homem do teu tempo e geração e, assim, irás atuar de modo a mostrar ao teu universo inteiro o ideal da técnica perfeccionada, do engajamento supremo, no cuidado dos assuntos da tua vasta criação: o êxito que tem Deus, na Sua busca do homem, encontrando-o e o fenômeno do homem procurando Deus e encontrando-O; e tu farás tudo isso, para satisfação mútua, e o farás em um curto período de vida na carne.
120:2.9 (1329.1) “9. Recomendo que tenhas sempre em mente, ainda que de fato estejas para tornar-te um humano comum do reino, que permanecerás sendo um Filho Criador do Pai do Paraíso, em potencial. Durante essa encarnação, ainda que estejas vivendo e agindo como um Filho do Homem, os atributos criadores da tua divindade pessoal acompanhar-te-ão, desde Sálvington até Urântia. Sob a decisão da tua vontade estará sempre o poder de dar por finda a encarnação, a qualquer momento, após a chegada do teu Ajustador do Pensamento. Antes da chegada e da recepção do Ajustador, garantir-te-ei eu a tua integridade de personalidade. Contudo, após a chegada do teu Ajustador e concomitantemente com o teu progressivo reconhecimento da natureza e importância da tua missão de outorga, deverás abster-te da formulação de qualquer vontade, realização ou poder supra-humano, tendo em vista o fato de que as tuas prerrogativas de criador permanecerão associadas à tua personalidade mortal, dada a inseparabilidade entre esses atributos e a tua presença pessoal. Nenhuma repercussão supra-humana acompanhará, pois, a tua carreira na Terra, fora da vontade do Pai do Paraíso, a menos que, por um ato de vontade consciente e deliberada, tu tomes a decisão cabal que culmine em uma opção pela tua personalidade total”.
120:3.1 (1329.2) “E pois, agora, meu irmão, deixando-te enquanto te preparas para partir para Urântia e após haver feito esse aconselhamento a respeito da conduta geral, na tua outorga, permite-me apresentar certos conselhos que me ocorreram quando em consulta com Gabriel e que dizem respeito a aspectos menores da tua vida mortal. Assim pois sugerimos, ainda:
120:3.2 (1329.3) “1. Na busca do ideal, na tua vida mortal na Terra, dês alguma atenção também a dar o exemplo na realização de algumas coisas práticas e de ajuda imediata para os teus semelhantes mortais.
120:3.3 (1329.4) “2. No que diz respeito às relações familiares, dês precedência aos costumes consagrados de vida familiar, do modo como os encontrares estabelecidos nos dias e geração da tua auto-outorga. Vive a tua vida de família e comunidade, de acordo com as práticas dos povos entre os quais elegeste aparecer.
120:3.4 (1329.5) “3. Nas tuas relações com a ordem social, aconselhamos que dirijas os teus esforços mais à regeneração espiritual e à emancipação intelectual. E que evites quaisquer entrelaçamentos com a estrutura econômica e comprometimentos políticos com os teus dias. Mais especificamente, que devote-te a viver a vida religiosa ideal em Urântia.
120:3.5 (1329.6) “4. Em nenhuma circunstância nem mesmo quanto ao menor detalhe, deverias interferir na ordem da evolução progressiva e normal das raças de Urântia. Que essa proibição, no entanto, não seja interpretada como limitadora dos teus esforços para deixar, atrás de ti, um sistema duradouro e melhorado de ética religiosa positiva. Como um Filho dispensacional, a ti são concedidos certos privilégios no que concerne ao avanço no desenvolvimento espiritual e religioso dos povos daquele mundo.
120:3.6 (1330.1) “5. À medida que considerares adequado, poderás identificar-te com movimentos espirituais e religiosos existentes, da forma como forem encontrados em Urântia; mas procura, de todas as maneiras possíveis, evitar o estabelecimento formal de um culto organizado, de uma religião cristalizada ou da formação de um agrupamento ético de seres mortais que seja segregador. A tua vida e os teus ensinamentos estão destinados a se transformarem na herança comum de todas as religiões e de todos os povos.
120:3.7 (1330.2) “6. Com a finalidade de que não contribuas, desnecessariamente, para a criação de sistemas subseqüentes estereotipados de crenças religiosas, em Urântia, ou de outros tipos de lealdades a religiões que possam não ser progressivas, aconselhamos-te ainda que: Não deixes documentos escritos para trás de ti, naquele planeta. Exime-te de deixar escritos feitos em materiais permanentes; conclama os teus semelhantes a não criarem imagens ou outras figuras da tua figura, como um Michael encarnado. Assegura-te de que nada potencialmente idólatra seja deixado no planeta, à época da tua partida.
120:3.8 (1330.3) “7. Embora vivendo a vida normal social comum no planeta, como um indivíduo normal do sexo masculino, possivelmente não terás relações matrimoniais, ainda que essas poderiam ser inteiramente honrosas e consistentes com a tua outorga; mas devo lembrar-te de que um dos mandados de Sonárington, que regem as encarnações, proíbe aos Filhos do Paraíso que deixem qualquer descendência humana, em qualquer planeta da sua auto-outorga.
120:3.9 (1330.4) “8. Com respeito a qualquer outro detalhe da tua outorga vindoura, nós encomendamos o teu ser ao guiamento do Ajustador residente, aos ensinamentos do espírito divino sempre presente, este mesmo espírito que guia os humanos, e ao julgamento da razão da tua mente em expansão de dotação hereditária humana. Tal associação de atributos de criatura e Criador, segundo cremos, capacitarte-á a viver para nós a vida perfeita de homem nas esferas planetárias; uma vida perfeita, não necessariamente do ponto de vista de um homem específico, em um mundo determinado (e menos ainda o de Urântia), mas plena e supremamente completa, se avaliada pelos mundos mais altamente perfeccionados, ou em via de perfeccionamento, do teu vasto universo.
120:3.10 (1330.5) “E agora, possa o teu Pai, e meu Pai, que sempre nos apoiou em nossos trabalhos anteriores, guiar-te e sustentar-te e estar contigo a partir do momento em que nos deixares para realizar a rendição da tua consciência de personalidade, até o momento de retornares gradualmente ao reconhecimento da tua identidade divina, encarnada na forma humana e, mesmo, por todo o período da tua experiência da auto-outorga em Urântia, até a tua liberação da carne e a tua ascensão à mão direita do nosso Pai, em soberania. E, quando novamente eu te vir em Sálvington, desejo saudar o teu retorno a nós, já sendo tu o soberano supremo e incondicional deste universo, da tua criação, do teu serviço e da tua plena compreensão.
120:3.11 (1330.6) “Em teu lugar, eu reino agora. E assumo a jurisdição de todo o Nébadon, como soberano ativo, durante todo o ínterim da tua auto-outorga, a sétima e mortal, em Urântia. E a ti, Gabriel, passo a missão da salvaguarda do Filho do Homem, que está prestes a vir, até o momento em que ele haja retornado a mim, pleno de glória e poder, como o Filho do Homem e o Filho de Deus. E, Gabriel, sou eu o vosso soberano até que Michael a nós retorne.”
* * *
120:3.12 (1330.7) Imediatamente, então, e em presença de toda a Sálvington reunida, Michael retirou-se do nosso meio; e nós não mais o vimos no seu lugar de costume, até o seu retorno como governante supremo e pessoal do universo; após o cumprimento da sua carreira de auto-outorga em Urântia.
120:4.1 (1331.1) E, assim, todos aqueles filhos indignos de Michael, os mesmos que haviam acusado o seu Pai-Criador de buscar egoisticamente o governo e que se atreveram a insinuar que o Filho Criador se estava mantendo no poder, arbitrária e autocraticamente, em virtude da lealdade nada razoável de um universo iludido de criaturas subservientes, estavam pois já a ponto de serem silenciados para sempre e deixados em confusão e desilusão, em conseqüência de uma vida de doação e serviço e auto-esquecimento, na qual o Filho de Deus entraria como Filho do Homem — submetendo-se sempre à “vontade do Pai do Paraíso”.
120:4.2 (1331.2) Contudo, ao lerdes esses documentos, que não cometais nenhum engano; Cristo Michael, ainda que sendo um ser de origem dual, nunca foi uma personalidade dupla. Ele não foi Deus, em associação com o homem; mas foi, sim, Deus encarnado no homem. E ele foi sempre, precisamente, esse ser combinado. O único fator progresivo, em tal relação incompreensível, é o do entendimento e do reconhecimento da autoconsciência gradativos (da sua mente humana), desse fato, de ser Deus e homem.
120:4.3 (1331.3) Cristo Michael não se tornou gradativamente Deus. E Deus não se tornou homem, em algum momento vital na vida terrena de Jesus. Jesus foi Deus e homem — sempre e para sempre. E esse Deus e esse homem foram e são, agora, Um; do mesmo modo que a Trindade do Paraíso, de três seres, na realidade, é uma Deidade.
120:4.4 (1331.4) Nunca percais de vista o fato de que o propósito supremo da auto-outorga de Michael foi o de acentuar e engrandecer a revelação de Deus.
120:4.5 (1331.5) Os mortais de Urântia têm conceitos variáveis sobre o miraculoso, mas, para nós, que vivemos como cidadãos do universo local, há poucos milagres e, de todos, os mais intrigantes são, e de longe, as outorgas de encarnação dos Filhos do Paraíso. O surgimento, no vosso mundo, de um Filho Divino, por processos aparentemente naturais, é visto por nós como um milagre — o efeito de leis universais que estão além da nossa compreensão. Jesus de Nazaré foi uma pessoa miraculosa.
120:4.6 (1331.6) Nessa experiência extraordinária, e por meio dela, Deus, o Pai, escolheu manifestar-Se a Si próprio, como Ele sempre faz — do modo habitual — pela via normal, natural e confiável da ação divina.
O Livro de Urântia
Documento 121
121:0.1 (1332.1) ATUANDO sob a supervisão de uma comissão de doze membros da Irman- dade Unida dos Intermediários de Urântia, promovida conjuntamente pelo presidente da nossa ordem e o Melquisedeque relator; eu, sendo o intermediário que esteve outrora destinado ao apóstolo André, estou autorizado a colocar neste registro a narrativa dos atos da vida de Jesus de Nazaré, do modo como foram observados pela minha ordem de criaturas terrenas e como foram subseqüentemente registrados, de uma maneira parcial, pelo indivíduo humano que esteve sob a minha guarda temporal. Sabendo o quanto o seu Mestre evitava, tão escrupulosamente, deixar registros escritos atrás de si, André recusou-se firmemente a efetuar em profusão cópias da sua narrativa escrita. Uma atitude semelhante da parte dos outros apóstolos de Jesus atrasou bastante a redação dos evangelhos.
121:1.1 (1332.2) Jesus não veio a este mundo durante uma idade de decadência espiritual. Na época do seu nascimento, Urântia estava experienciando um renascimento do pensamento e da vivência religiosos, como não havia conhecido em toda a sua história anterior pós-Adâmica, nem conheceria em qualquer era, desde então. Quando Michael encarnou em Urântia, o mundo apresentava a condição mais favorável para a auto-outorga do Filho Criador, entre todas as que haviam prevalecido anteriormente, ou que haviam sido geradas, desde então. Durante os séculos imediatamente anteriores a essa época, a cultura e a língua gregas haviam- se espalhado pelo Ocidente e pelo Oriente próximos, e os judeus, sendo de uma raça levantina de natureza meio ocidental e meio oriental, estavam, pois, eminentemente qualificados para utilizar esse quadro cultural e lingüístico na disseminação eficaz de uma nova religião, tanto para o leste quanto para o oeste. Tais circunstâncias ficaram mais favoráveis ainda devido ao governo dos romanos ser politicamente tolerante para com o Mundo Mediterrâneo.
121:1.2 (1332.3) Toda essa combinação de influências mundiais é bem ilustrada pelas atividades de Paulo, que, tendo a cultura religiosa de um hebreu entre os hebreus, proclamou o evangelho de um Messias judeu, na língua grega, sendo ele próprio um cidadão romano.
121:1.3 (1332.4) Nada como a civilização da época de Jesus foi visto no Ocidente, antes ou depois daquela época. A civilização européia foi unificada e coordenada sob uma extraordinária influência tríplice:
121:1.4 (1332.5) 1. O sistemas político e social dos romanos.
121:1.5 (1332.6) 2. A língua e a cultura gregas — em uma certa medida, também a filosofia grega.
121:1.6 (1332.7) 3. A influência, de veloz expansão, da religião e dos ensinamentos morais judeus.
121:1.7 (1332.8) Quando Jesus nasceu, todo o Mundo Mediterrâneo era um império unificado. Boas estradas interligavam vários dos maiores centros, pela primeira vez na história do mundo. Os mares estavam livres de piratas; e uma grande era de comércio e de viagens estava rapidamente avançando. A Europa não gozou novamente de um período como esse, de viagens e de comércio, até o século dezenove depois de Cristo.
121:1.8 (1333.1) Não obstante a paz interna e a prosperidade superficial do mundo greco-romano, uma maioria de habitantes do império definhava em uma miséria sórdida. A classe superior, pouco numerosa, era rica; e uma classe inferior miserável empobrecida abrangia toda a massa da Humanidade. Não havia, naqueles dias, uma classe média feliz e próspera, essa classe mal estava começando a surgir na sociedade romana.
121:1.9 (1333.2) As primeiras lutas entre os Estados de Roma e da Pérsia haviam sido concluídas, em um passado então recente, deixando a Síria nas mãos dos romanos. Nos tempos de Jesus, a Palestina e a Síria estavam gozando de um período de prosperidade, de paz relativa e de grandes relações comerciais com as terras do Oriente e do Ocidente.
121:2.1 (1333.3) Os judeus eram uma parte da raça semítica mais antiga, que também incluía os babilônios, os fenícios e os cartagineses, inimigos mais recentes de Roma. Durante o início do primeiro século depois de Cristo, os judeus eram, dentre os povos semitas, o grupo de maior influência e aconteceu que eles ocuparam uma posição geográfica peculiarmente estratégica no mundo, que, naquela época, era governado e organizado para o comércio.
121:2.2 (1333.4) Muitas das grandes estradas ligando as nações da antigüidade passavam pela Palestina, que se havia tornado assim um ponto de confluência onde se cruzavam as estradas de três continentes. Os viajantes, o comércio e os exércitos da Babilônia, Assíria, Egito, Síria, Grécia, Pérsia e Roma atravessaram a Palestina sem cessar. Desde tempos imemoriais muitas frotas de caravanas do Oriente passavam por alguma parte dessa região, indo para os poucos portos marinhos da extremidade oriental do Mediterrâneo, de onde os barcos carregavam as suas cargas para todo o Ocidente marítimo. E mais da metade desse tráfego de caravanas passava por dentro ou próximo da pequena cidade de Nazaré, na Galiléia.
121:2.3 (1333.5) Embora a Palestina fosse a terra da cultura religiosa judaica e o local de nascimento do cristianismo, os judeus estavam espalhados pelo mundo, morando em muitas nações e fazendo comércio em todas as províncias dos estados de Roma e da Pérsia.
121:2.4 (1333.6) A Grécia contribuiu com uma língua e uma cultura, Roma construiu as estradas e unificou um império, mas, a dispersão dos judeus e as suas mais de duzentas sinagogas e comunidades religiosas bem organizadas, espalhadas aqui e ali, em todo o mundo romano, forneceram os centros culturais nos quais o novo evangelho do Reino do céu teve a sua recepção inicial, e dos quais, subseqüentemente, ele espalhou-se até os confins do mundo.
121:2.5 (1333.7) Cada sinagoga judaica tolerava uma faixa à parte de crentes gentios, de homens “devotos” ou “tementes a Deus”, e foi nessa faixa de prosélitos que Paulo fez a maior parte dos seus primeiros convertidos ao cristianismo. Até mesmo o templo em Jerusalém possuía uma área especial decorada para os gentios. Havia uma ligação muito estreita entre a cultura, o comércio e o culto, entre Jerusalém e a Antioquia. Na Antioquia, os discípulos de Paulo foram chamados de “cristãos” pela primeira vez.
121:2.6 (1333.8) A centralização do culto no templo judaico em Jerusalém constituía não apenas o segredo da sobrevivência do monoteísmo deles, mas também a promessa da manutenção e disseminação, para o mundo, de um conceito novo e ampliado daquele único Deus de todas as nações e Pai de todos os mortais. O serviço, no templo em Jerusalém, representava a sobrevivência de um conceito cultural religioso em face da queda da sucessão de suseranos nacionais gentios e de perseguidores raciais.
121:2.7 (1334.1) O povo judeu dessa época, embora sob a suserania dos romanos, desfrutava de um grau considerável de autogoverno. E, pois, relembrando os então recentes atos de heroísmo de libertação executados por Judas Macabeus e pelos seus sucessores imediatos os judeus estavam vibrantes na expectativa da aparição imediata de um libertador ainda mais magnífico, o Messias, há tanto tempo esperado.
121:2.8 (1334.2) O segredo da sobrevivência da Palestina, o reino dos judeus, como um Estado semi-independente, estava envolto na política externa do governo romano, que desejava manter o controle sobre as estradas na Palestina e que a ligavam à Síria e ao Egito, bem como aos terminais ocidentais das rotas das caravanas entre o Oriente e o Ocidente. Roma não queria que nenhuma potência surgisse no Levante, que pudesse restringir a sua expansão futura naquelas regiões. A política da intriga, que tinha por objetivo colocar a Síria seleucida e o Egito ptolomaico um contra o outro, necessitava de que se fortalecesse a Palestina como um Estado separado e independente. A política romana, a degeneração do Egito e o enfraquecimento progressivo dos seleucidas, diante da emergência do poder da Pérsia, explicam por que, durante muitas gerações, um grupo, assim pequeno e sem poder, de judeus houvesse sido capaz de manter a sua independência, apesar de ter contra si os seleucidas ao norte e os ptolomaicos ao sul. Essa liberdade e independência fortuitas dos governos políticos dos povos vizinhos mais poderosos eram atribuídas pelos judeus ao fato de serem eles o “povo escolhido”, e à interferência direta de Yavé. Tal atitude de superioridade racial tornou mais difícil, para eles, resistirem à suserania romana, quando, finalmente, ela se abateu sobre a terra deles. Ainda assim, mesmo nessa hora triste, os judeus recusaram- se a compreender que a sua missão no mundo era espiritual, não política.
121:2.9 (1334.3) Os judeus encontravam-se extraordinariamente apreensivos e suspeitosos, durante a época de Jesus, porque estavam então sendo governados por um estrangeiro, Herodes, o idumeu que, insinuando-se com esperteza por entre os governantes romanos, havia tomado a si a suserania da Judéia. Embora Herodes professasse lealdade às observâncias cerimoniais dos hebreus, ele continuava a erigir templos para muitos deuses estranhos.
121:2.10 (1334.4) As relações amistosas de Herodes com os governantes romanos permitiam que os judeus viajassem com segurança pelo mundo, e assim ficava aberto o caminho para a penetração crescente dos judeus até mesmo nas partes distantes do império romano e em nações estrangeiras com as quais Roma mantinha tratados, levando o novo evangelho do Reino do céu. O reino de Herodes também contribuiu muito para a fusão ulterior das filosofias hebraica e helênica.
121:2.11 (1334.5) Herodes construiu o porto de Cesaréia, que, mais tarde, ajudou a transformar a Palestina em um ponto de confluência das estradas do mundo civilizado. Ele morreu no ano 4 a.C., e o seu filho, Herodes Antipas, governou a Galiléia e a Peréia durante a juventude e o ministério de Jesus, até o ano 39 d.C. Antipas, como o seu pai, era um grande construtor. Ele construiu muitas das cidades da Galiléia, incluindo o importante centro comercial de Séforis.
121:2.12 (1334.6) Os galileus não tinham muito prestígio junto aos líderes religiosos, nem junto aos mestres rabinos de Jerusalém. A Galiléia era mais gentia do que judia, quando Jesus nasceu.
121:3.1 (1334.7) Embora as condições sociais e econômicas do estado romano não fossem da ordem mais elevada, reinava uma paz doméstica bem disseminada, e a prosperidade era propícia para a auto-outorga de Michael. No primeiro século depois de Cristo, a sociedade do Mundo Mediterrâneo consistia de cinco substratos bem definidos:
121:3.2 (1335.1) 1. A aristocracia. As classes superiores, com dinheiro e poder oficial, os grupos governantes privilegiados.
121:3.3 (1335.2) 2. Os grupos de negócios. Os príncipes mercadores e os banqueiros, os negociantes — os grandes importadores e exportadores — , os mercadores internacionais.
121:3.4 (1335.3) 3. A pequena classe média. Embora esse grupo fosse de fato pequeno, era muito influente e constituiu a coluna dorsal moral da igreja cristã inicial, pois esta encorajava tais grupos a continuar nos seus vários ofícios e comércios. Entre os judeus, muitos dos fariseus pertenciam a essa classe de comerciantes.
121:3.5 (1335.4) 4. O proletariado livre. Esse grupo tinha uma posição social baixa ou nula. Embora orgulhosos da sua liberdade, eles estavam em grande desvantagem, porque eram forçados a competir com o trabalho escravo. As classes altas dedicavam- lhes um certo desdém, pois consideravam que eram inúteis, exceto para os “propósitos da reprodução”.
121:3.6 (1335.5) 5. Os escravos. Metade da população do estado romano era de escravos; muitos deles eram indivíduos superiores que rapidamente abriram caminho até o proletariado livre, e mesmo entre os comerciantes. A maioria ou era medíocre, ou muito inferior.
121:3.7 (1335.6) A escravidão, mesmo a de povos superiores, era um aspecto das conquistas militares romanas. O poder do senhor sobre o seu escravo era irrestrito. A igreja cristã inicial, em grande parte, compunha-se das classes mais baixas e desses escravos.
121:3.8 (1335.7) Os escravos superiores muitas vezes recebiam salários e, por meio de economias, tornavam-se capazes de comprar a sua liberdade. Muitos desses escravos emancipados alcançaram altas posições no Estado, na Igreja e no mundo dos negócios. E foram exatamente tais possibilidades que tornaram a igreja cristã inicial tão tolerante com essa forma modificada de escravidão.
121:3.9 (1335.8) Não havia nenhum problema social generalizado no império romano, no primeiro século depois de Cristo. A maior parte da população considerava-se como pertencente ao grupo cuja sorte as levara a nascer. Havia, sempre aberta, uma porta através da qual os indivíduos talentosos e capazes poderiam ascender do substrato inferior ao superior da sociedade romana; mas o povo, em geral, compunha-se de pessoas contentes com a sua posição social. E não possuíam consciência de classe, nem consideravam essas distinções de classe como sendo injustas ou erradas. O cristianismo não foi, em nenhum sentido, um movimento econômico, tendo como propósito melhorar as misérias das classes oprimidas.
121:3.10 (1335.9) Embora a mulher gozasse de mais liberdade em todo o império romano do que na sua posição restrita na Palestina, a devoção e a afeição familiar natural dos judeus transcendiam em muito as do mundo gentio.
121:4.1 (1335.10) Os gentios eram, de um ponto de vista moral, um pouco inferiores aos judeus, mas havia, presente nos corações dos gentios mais nobres, um solo abundante de bondade natural e de potencial de afeição humana no qual era possível à semente do cristianismo germinar e produzir uma abundante colheita de caráter moral e de realização espiritual. O mundo gentio de então se encontrava dominado por quatro grandes filosofias, todas derivadas mais ou menos do platonismo anterior dos gregos. Essas escolas de filosofia eram:
121:4.2 (1335.11) 1. A epicuriana. Essa escola de pensamento dedicava-se à busca da felicidade. Os melhores epicurianos não eram dados a excessos sensuais. Ao menos essa doutrina ajudou a livrar os romanos de uma forma mais nefasta de fatalismo, pois ensinou que os homens poderiam fazer alguma coisa para melhorar o seu status terrestre. E combateu, com eficácia, as superstições ignorantes.
121:4.3 (1336.1) 2. A estóica. O estoicismo era a filosofia superior das classes melhores. Os estóicos acreditavam que um controle do Destino-Razão dominava toda a natureza. Ensinavam que a alma do homem era divina; que estava aprisionada no corpo mau da natureza física. A alma do homem alcançava a liberdade, vivendo em harmonia com a natureza, com Deus; assim, a virtude tornava-se a sua própria recompensa. O estoicismo elevou-se até uma moralidade sublime, a ideais nunca transcendidos por qualquer sistema puramente humano de filosofia. Embora os estóicos professassem ser “a progênie de Deus”, eles não tiveram êxito em conhecê-Lo e, portanto, falharam em encontrá-Lo. O estoicismo permaneceu como uma filosofia; nunca se transformou em uma religião. Os seus seguidores buscaram sintonizar as suas mentes com a harmonia da mente Universal, mas deixaram de ver-se como os filhos de um Pai amoroso. Paulo inclinou-se fortemente para o estoicismo, quando escreveu: “Eu aprendi que, em qualquer estado em que me encontre, devo estar contente”.
121:4.4 (1336.2) 3. A cínica. Embora a filosofia dos cínicos remonte a Diógenes de Atenas, eles tiraram uma boa parte da sua doutrina dos ensinamentos remanescentes de Maquiventa Melquisedeque. O cinismo havia sido, anteriormente, mais uma religião do que uma filosofia. Ao menos, os cínicos fizeram da sua religião-filosofia algo democrático. Nos campos e nas praças dos mercados pregavam continuamente a sua doutrina, segundo a qual “o homem podia salvar a si próprio, se quisesse”. Eles pregavam a simplicidade e a virtude, e estimulavam os homens a enfrentar a morte destemidamente. Esses pregadores cínicos itinerantes muito fizeram no sentido de preparar a população, espiritualmente faminta, para os missionários cristãos posteriores. O seu plano de pregação popular estava bastante de acordo com o modelo e com o estilo das Epístolas de Paulo.
121:4.5 (1336.3) 4. A cética. O ceticismo afirmava que o conhecimento era falacioso, e que a convicção e a certeza eram impossíveis. Era uma atitude puramente negativa, e nunca se tornou difundida de um modo geral.
121:4.6 (1336.4) Essas filosofias eram semi-religiosas; e, muitas vezes, eram revigorantes, éticas e enobrecedoras, mas, em geral, estavam acima da gente comum. Com exceção possivelmente do cinismo, eram filosofias para o forte e o sábio; não eram religiões de salvação, nem para o pobre, nem para o fraco.
121:5.1 (1336.5) Durante as idades precedentes, a religião havia sido, principalmente, um assunto da tribo ou da nação; dificilmente, todavia, foi um assunto de preocupação do indivíduo. Os deuses eram tribais ou nacionais, não pessoais. Tais sistemas religiosos proporcionavam pouca satisfação para as aspirações espirituais individuais da pessoa comum.
121:5.2 (1336.6) Nos tempos de Jesus, as religiões do Ocidente incluíam:
121:5.3 (1336.7) 1. Os cultos pagãos. Estes eram uma combinação da mitologia helênica e latina, de patriotismo e de tradição.
121:5.4 (1336.8) 2. O culto ao imperador. Essa deificação do homem como símbolo do Estado era muito seriamente ressentida pelos judeus e pelos primeiros cristãos, e desembocou diretamente nas perseguições amargas a ambas as igrejas pelo governo romano.
121:5.5 (1337.1) 3. A astrologia. Essa pseudociência da Babilônia desenvolveu-se como uma religião por todo o Império Greco-Romano. Mesmo o homem do século vinte ainda não se libertou totalmente dessa crença supersticiosa.
121:5.6 (1337.2) 4. As religiões dos mistérios. Nesse mundo de tanta fome espiritual, uma enchente de cultos misteriosos irrompeu: eram religiões novas e estranhas do Levante que seduziam a gente comum e que prometiam a salvação individual. Essas religiões rapidamente tornaram-se as crenças aceitas pelas classes mais baixas do mundo greco-romano. E fizeram muito para preparar o caminho para a disseminação rápida dos ensinamentos vastamente superiores do cristianismo, que apresentavam às pessoas inteligentes um conceito majestoso da Deidade associado a uma teologia excitante e uma oferta generosa de salvação de todos, incluindo a média dos homens comuns ignorantes, mas espiritualmente famintos, daqueles dias.
121:5.7 (1337.3) As religiões dos mistérios marcaram o fim das crenças nacionais e resultaram no nascimento dos inúmeros cultos pessoais. Os mistérios eram muitos, mas eram todos caracterizados por:
121:5.8 (1337.4) 1. Alguma lenda mítica, um mistério — daí o seu nome. Em geral, esse mistério dizia respeito à história da vida, à morte e à ressurreição de algum deus, como ilustrado nos ensinamentos do mitraísmo, que, durante um certo tempo, foi contemporâneo e competidor do culto cristão crescente de Paulo.
121:5.9 (1337.5) 2. Os mistérios eram não-nacionais e inter-raciais. Eram pessoais e fraternais, dando surgimento a irmandades religiosas e inúmeras sociedades sectárias.
121:5.10 (1337.6) 3. Eles eram, nos seus serviços, caracterizados por cerimônias elaboradas de iniciação e por sacramentos espetaculares de adoração. Os seus ritos e rituais secretos algumas vezes eram horríveis e revoltantes.
121:5.11 (1337.7) 4. Não importando a natureza das suas cerimônias, nem o grau dos seus excessos, esses mistérios invariavelmente prometiam a salvação aos seus devotos, “a libertação do mal, a sobrevivência depois da morte e uma vida duradoura em reinos abençoados além deste mundo de tristezas e de escravidão”.
121:5.12 (1337.8) Não cometais, contudo, o erro de confundir os ensinamentos de Jesus com os dos mistérios. A popularidade dos mistérios revela a busca do homem pela sobrevivência, retratando, assim, a fome e a sede real de religião pessoal e de retidão individual. Embora os mistérios hajam fracassado em satisfazer adequadamente a essa aspiração, eles prepararam o caminho para o surgimento posterior de Jesus, que verdadeiramente trouxe a este mundo o pão e a água da vida.
121:5.13 (1337.9) Paulo, em um esforço de aproveitar a adesão ampla dos tipos melhores das religiões dos mistérios, fez certas adaptações dos ensinamentos de Jesus, de modo a torná-los mais aceitáveis para um número maior de convertidos em potencial. No entanto, os ensinamentos de Jesus (o cristianismo), mesmo com as concessões de Paulo, eram superiores ao melhor dos mistérios, pois que:
121:5.14 (1337.10) 1. Paulo ensinou uma redenção moral, uma salvação ética. O cristianismo abriu o caminho de uma nova vida e proclamou um novo ideal. Paulo abandonou os ritos mágicos e as cerimônias de encantamento.
121:5.15 (1337.11) 2. O cristianismo apresentava uma religião que atacava o problema humano com soluções finais, pois não apenas oferecia a salvação da tristeza e mesmo da morte, mas também prometia a libertação do pecado, seguida da graça de um caráter reto de qualidades de sobrevivência eterna.
121:5.16 (1338.1) 3. Os mistérios eram edificados sobre mitos. O cristianismo, como Paulo o pregava, fundava-se em um fato histórico: a auto-outorga de Michael, o Filho de Deus, doando-se à humanidade.
121:5.17 (1338.2) A moralidade entre os gentios não era necessariamente relacionada nem à filosofia nem à religião. Fora da Palestina, nem sempre ocorria às pessoas que um sacerdote de uma religião deveria levar uma vida moral. A religião judaica e, subseqüentemente, os ensinamentos de Jesus e, mais tarde ainda, o cristianismo em evolução, de Paulo, foram as primeiras religiões européias a colocar uma mão na moral e outra na ética, insistindo em que os religiosos dessem alguma atenção a ambas.
121:5.18 (1338.3) E foi em uma tal geração de homens, dominada por sistemas tão incompletos de filosofia e em meio à perplexidade, por causa de cultos religiosos complexos, que Jesus nasceu na Palestina. E a essa mesma geração ele posteriormente deu o seu evangelho de religião pessoal — de filiação a Deus.
121:6.1 (1338.4) Ao final do primeiro século antes de Cristo, o pensamento religioso de Jerusalém havia sido fortemente influenciado e um tanto modificado pelos ensinamentos culturais gregos e mesmo pela filosofia grega. Na longa divergência entre as visões da escola de pensamento hebreu do Ocidente e do Oriente, Jerusalém e o restante do Ocidente e do Levante, em geral, adotaram a visão judaica oriental ou o ponto de vista helenista modificado.
121:6.2 (1338.5) Nos dias de Jesus, três línguas predominavam na Palestina: o povo comum falava algum dialeto do aramaico; os sacerdotes e os rabinos falavam o hebreu; as classes educadas e o substrato melhor dos judeus em geral falavam o grego. As primeiras traduções das escrituras dos hebreus para o grego em Alexandria foram responsáveis, em uma grande medida, pela predominância subseqüente da ramificação grega na cultura e na teologia judaicas. E os escritos dos educadores cristãos estavam para surgir, em breve, nessa mesma língua. A renascença do judaísmo data da tradução, para o grego, das escrituras dos hebreus. Isso foi uma influência vital que determinou, mais tarde, a tendência do culto cristão de Paulo de ir na direção do Ocidente, em vez de ir na direção do Oriente.
121:6.3 (1338.6) Embora as crenças judaicas helenizadas fossem pouco influenciadas pelos ensinamentos dos epicurianos, elas foram bastante afetadas, materialmente, pela filosofia de Platão e pelas doutrinas de auto-abnegação dos estóicos. A grande invasão do estoicismo é exemplificada pelo Quarto Livro dos Macabeus; a influência tanto da filosofia platônica quanto das doutrinas estóicas é demonstrada na sabedoria de Salomão. Os judeus helenizados trouxeram, para as escrituras dos hebreus, uma interpretação de tal modo alegórica que eles não encontraram nenhuma dificuldade em conformar a teologia dos hebreus à filosofia aristotélica reverenciada por eles. Tudo isso, porém, levou a uma confusão desastrosa, até que tais problemas fossem encampados pela mão de Filo de Alexandria, que harmonizou e sistematizou a filosofia grega e a teologia dos hebreus em um sistema compacto e bastante consistente de crenças e práticas religiosas. Era esse ensinamento ulterior da filosofia grega, conjugado com a teologia dos hebreus, que prevalecia na Palestina, enquanto Jesus viveu e ensinou, e que Paulo utilizou como fundação sobre a qual construir o seu culto cristão, mais avançado e iluminado.
121:6.4 (1338.7) Filo era um grande educador; desde Moisés, nenhum homem vivera que houvesse exercido uma influência tão profunda sobre o pensamento ético e religioso do mundo ocidental. Na questão da combinação dos melhores elementos dos sistemas contemporâneos de ensinamentos éticos e religiosos, houve sete educadores humanos que se destacaram: Setard, Moisés, Zoroastro, Lao-tsé, Buda, Filo e Paulo.
121:6.5 (1339.1) Muitas, mas não todas, inconsistências de Filo, resultantes do esforço de combinar a filosofia mística grega e as doutrinas estóicas dos romanos com a teologia legalista dos hebreus, Paulo identificou-as e eliminou-as, sabiamente, na sua teologia pré-cristã básica. Filo franqueou a Paulo um caminho amplo para restaurar o conceito da Trindade do Paraíso, que havia muito estava adormecido na teologia dos judeus. Apenas em um ponto Paulo deixou de se manter à altura de Filo ou de transcender os ensinamentos desse rico e educado judeu da Alexandria, e esse foi o da doutrina da expiação; Filo ensinava a necessidade da libertação da doutrina de que o perdão não seria obtido senão pelo derramamento de sangue. Ele possivelmente visualizou a realidade e a presença dos Ajustadores do Pensamento mais claramente do que Paulo o fizera. Contudo, a teoria de Paulo sobre o pecado original, as doutrinas da culpa hereditária e do mal inato e da sua redenção eram parcialmente de origem mitraica, tendo pouco em comum com a teologia hebraica, com a filosofia de Filo ou com os ensinamentos de Jesus. Alguns aspectos dos ensinamentos de Paulo acerca do pecado original e da expiação eram originários dele próprio.
121:6.6 (1339.2) O evangelho de João, a última das narrativas da vida terrena de Jesus, era endereçado aos povos ocidentais e apresenta a sua história sobremaneira à luz do ponto de vista dos cristãos tardios de Alexandria, que eram também discípulos dos ensinamentos de Filo.
121:6.7 (1339.3) Por volta da época de Cristo, uma estranha reviravolta de sentimentos para com os judeus ocorreu em Alexandria e desse antigo bastião dos judeus surgiu uma onda virulenta de perseguição estendendo-se até Roma, de onde muitos milhares deles foram banidos. Todavia, essa campanha de deturpação dos fatos não se prolongou; logo o governo imperial restaurou total e amplamente as liberdades dos judeus em todo o império.
121:6.8 (1339.4) Em todo o vasto mundo, não importando por onde os judeus se encontrassem dispersados, por causa do comércio ou da opressão, eles mantinham, de comum acordo, os seus corações centrados no templo sagrado de Jerusalém. A teologia judaica sobreviveu do modo como foi interpretada e praticada em Jerusalém, não obstante haver sido, por muitas vezes, salva do esquecimento por intervenções oportunas de certos educadores babilônios.
121:6.9 (1339.5) Cerca de dois milhões e meio desses judeus dispersados eram dados ao hábito de vir a Jerusalém, para a celebração dos festivais nacionais religiosos. E, não importando as diferenças teológicas ou filosóficas entre os judeus do Oriente (os babilônios) e os do Ocidente (os helênicos), todos estavam de acordo sobre Jerusalém ser o centro do seu culto e sobre terem sempre esperança na vinda do Messias.
121:7.1 (1339.6) Na época de Jesus, os judeus haviam chegado a um conceito estabelecido sobre a sua origem, história e destino. Haviam construído um muro rígido de separação entre eles próprios e o mundo gentio; e encaravam todos os hábitos gentios com um extremo desprezo. O seu culto seguia a letra da lei e eles entregavam- se a uma forma de hipocrisia baseada no orgulho falso da sua descendência. Haviam formado noções preconcebidas a respeito do Messias prometido, e a maioria dessas expectativas visualizava um Messias que viria como parte da sua história nacional e racial. Para os hebreus daqueles dias, a teologia judaica estava irrevogavelmente estabelecida, e para sempre fixada.
121:7.2 (1339.7) Os ensinamentos e práticas de Jesus a respeito da tolerância e da bondade iam contra a atitude bem antiga dos judeus para com outros povos, os quais eles consideravam pagãos. Durante gerações, os judeus haviam nutrido uma atitude para com o mundo exterior que tornou impossível a eles aceitarem os ensinamentos do Mestre sobre a irmandade espiritual dos homens. E não se encontravam dispostos a compartilhar Yavé em termos de igualdade com os gentios e, do mesmo modo, não se dispunham a aceitar, como sendo Filho de Deus, um homem que ensinava doutrinas tão novas e estranhas.
121:7.3 (1340.1) Os escribas, os fariseus e o sacerdócio mantinham os judeus em uma escravidão terrível de ritualismo e de legalismo, uma escravidão muito mais real do que a do governo político romano. Os judeus da época de Jesus não eram mantidos apenas sob o jugo da lei, mas estavam igualmente presos às exigências escravizadoras das tradições, que envolviam e invadiam todos os domínios da vida pessoal e social. Essas regulamentações minuciosas de conduta perseguiram e dominaram todos os judeus leais, e não é estranho que rejeitassem prontamente qualquer um dentre eles que presumisse ignorar as suas tradições sagradas e que ousasse desprezar as suas regras de conduta social já havia tanto tempo honradas. Dificilmente poderiam eles ver favoravelmente os ensinamentos de um homem que não hesitava em se contrapor aos dogmas que eles consideravam como tendo sido ordenados pelo próprio Pai Abraão. Moisés havia dado a eles as suas leis e eles não se comprometeriam em concessões.
121:7.4 (1340.2) À época do primeiro século depois de Cristo, a interpretação oral da lei feita pelos educadores reconhecidos, os escribas, havia-se transformado em uma autoridade mais alta do que a própria lei escrita. E tudo isso tornou mais fácil para alguns líderes religiosos dos judeus predispor o povo contra a aceitação de um novo evangelho.
121:7.5 (1340.3) Tais circunstâncias tornaram impossível aos judeus realizar o seu destino divino como mensageiros do novo evangelho de liberdade religiosa e de liberdade espiritual. Eles não podiam quebrar as cadeias da tradição. Jeremias dissera sobre a “lei a ser escrita nos corações dos homens”, Ezequiel falara sobre um “novo espírito que viveria na alma do homem”, e o salmista orara para que Deus viesse “criar um coração interior limpo e um espírito reto renovado”. Quando, porém, a religião judaica das boas obras e da escravidão à lei caiu como vítima da estagnação da inércia tradicionalista, o movimento de evolução religiosa deslocou- se para o Ocidente, para os povos europeus.
121:7.6 (1340.4) E assim, um povo diferente foi convocado a levar ao mundo uma teologia avançada, um sistema de ensinamentos que incorporava a filosofia dos gregos, a lei dos romanos, a moralidade dos hebreus e o evangelho da santidade da personalidade e da liberdade espiritual; como fora formulado por Paulo, com base nos ensinamentos de Jesus.
121:7.7 (1340.5) O culto cristão de Paulo tinha, na sua moralidade, um sinal judeu de nascimento. Os judeus consideravam a história como conseqüência da providência de Deus — do trabalho de Yavé. Os gregos trouxeram ao novo ensinamento os conceitos mais claros da vida eterna. As doutrinas de Paulo haviam sido influenciadas, na teologia e na filosofia, não apenas pelos ensinamentos de Jesus, mas também por Platão e Filo. Na ética, ele se inspirou não apenas em Cristo, mas também nos estóicos.
121:7.8 (1340.6) O evangelho de Jesus, como foi incorporado no culto do cristianismo da Antioquia de Paulo, tornou-se um amálgama dos ensinamentos seguintes:
121:7.9 (1340.7) 1. O raciocínio filosófico dos prosélitos gregos do judaísmo, incluindo alguns dos seus conceitos da vida eterna.
121:7.10 (1340.8) 2. Os atraentes ensinamentos dos cultos dos mistérios que prevaleciam, especialmente as doutrinas mitraicas da redenção, da expiação e da salvação, por meio do sacrifício feito a algum deus.
121:7.11 (1340.9) 3. A robusta moralidade da religião judaica estabelecida.
121:7.12 (1341.1) O império romano do Mediterrâneo, o reino da Pérsia e os povos adjacentes da época de Jesus alimentavam, todos, idéias imaturas e primitivas a respeito da geografia do mundo, da astronomia, da saúde e das doenças; e, naturalmente, ficaram impressionados com os pronunciamentos novos e surpreendentes do carpinteiro de Nazaré. As idéias da possessão pelos espíritos bons e maus aplicavam- se, não apenas a seres humanos, mas até mesmo às rochas e às árvores, e muitos viam-nas como sendo possuídas por espíritos. Essa foi uma idade encantada, e todos acreditavam em milagres como acontecimentos bastante comuns.
121:8.1 (1341.2) Tanto quanto possível, e em consistência com o nosso mandado, esforçamos- nos para utilizar e coordenar, em uma certa medida, os arquivos existentes, que são relacionados com a vida de Jesus em Urântia. Embora tenhamos desfrutado do acesso aos registros perdidos do apóstolo André, e nos beneficiado da colaboração de uma vasta hoste de seres celestes a qual esteve na Terra durante a época da auto-outorga de Michael (e, especialmente do seu Ajustador, agora Personalizado), tem sido o nosso propósito também fazer uso dos assim chamados evangelhos de Mateus, de Marcos, de Lucas e de João.
121:8.2 (1341.3) Esses registros do Novo Testamento tiveram a sua origem nas circunstâncias seguintes:
121:8.3 (1341.4) 1. O evangelho segundo Marcos. João Marcos escreveu o primeiro registro (excetuando-se as notas de André), o mais breve e o mais simples, da vida de Jesus. Ele apresentou o Mestre como um ministro, como um homem entre os homens. Embora Marcos fosse um jovem, evoluindo em meio às muitas cenas que ele retrata, o seu registro é, na realidade, o evangelho segundo Simão Pedro. Inicialmente, ele fora mais ligado a Pedro, e, mais tarde, a Paulo. Marcos escreveu esse registro estimulado por Pedro e por um pedido sincero da igreja de Roma. Sabendo quão consistentemente o Mestre havia-se recusado a escrever os seus ensinamentos, quando na Terra e na carne, Marcos, como os apóstolos e outros discípulos importantes, hesitava em colocá-los por escrito. Pedro, porém, sentiu que a igreja de Roma requisitava a assistência dessa narrativa por escrito, e Marcos consentiu em prepará-la. E fez muitas notas antes de Pedro morrer, no ano 67 d.C., e, de acordo com as linhas gerais, aprovadas por Pedro e pela igreja em Roma, começou a escrevê-las logo depois da morte de Pedro. O evangelho ficou pronto lá pelo final do ano 68 d.C. Marcos escreveu-o recorrendo inteiramente á própria memória e a partir das memórias de Pedro. Esse registro, desde então, tem sido alterado consideravelmente; inúmeras passagens foram retiradas e algumas, mais tarde, foram acrescentadas, com a finalidade de repor o último quinto do evangelho original, que foi perdido do primeiro manuscrito antes de haver sido jamais copiado. Esse registro, feito por Marcos, em conjunção com as anotações de André e as de Mateus, foi a base escrita de todas as narrativas subseqüentes dos Evangelhos que procuraram retratar a vida e os ensinamentos de Jesus.
121:8.4 (1341.5) 2. O evangelho de Mateus. O chamado evangelho segundo Mateus é o registro da vida do Mestre que foi escrito para a edificação dos cristãos judeus. O autor desse registro procura continuamente mostrar que, na vida de Jesus, muito do que ele fez foi para que “pudesse ser cumprido aquilo que foi dito pelo profeta”. O evangelho de Mateus retrata Jesus como um filho de Davi, apresentando- o como se houvesse tido um grande respeito pela lei e pelos profetas.
121:8.5 (1341.6) O apóstolo Mateus não escreveu esse evangelho. Foi escrito por Isador, um dos seus discípulos, que teve, no seu trabalho, a ajuda não apenas da lembrança pessoal de Mateus desses acontecimentos, mas também um certo registro que este último havia feito sobre as palavras de Jesus, exatamente depois da sua crucificação. Esse registro de Mateus foi escrito em aramaico; Isador escreveu-o em grego. Não houve a intenção de enganar, ao creditar-se a obra a Mateus; pois era costume, naqueles dias, os discípulos prestarem assim homenagem aos seus mestres.
121:8.6 (1342.1) O registro original de Mateus foi editado e recebeu aditamentos no ano 40 d.C., pouco antes de Mateus haver deixado Jerusalém para entrar em pregação evangelizadora. Era um registro particular, a última cópia havendo sido destruída pelo incêndio em um monastério sírio, no ano 416 d.C.
121:8.7 (1342.2) Isador escapou de Jerusalém no ano 70 d.C., depois da invasão da cidade pelos exércitos de Tito, levando consigo para Pela uma cópia das notas de Mateus. No ano 71 enquanto vivia em Pela, Isador escreveu o evangelho segundo Mateus. Ele também tinha consigo os primeiros quatro quintos da narrativa de Marcos.
121:8.8 (1342.3) 3. O evangelho segundo Lucas. Lucas, o médico da Antioquia em Pisídia, era um gentio convertido por Paulo, e escreveu uma história totalmente diferente da vida do Mestre. Ele começou a seguir Paulo e a aprender sobre a vida e os ensinamentos de Jesus no ano 47 d.C. Lucas preserva muito da “graça do Senhor Jesus Cristo” no seu registro, pois ele reuniu esses fatos de Paulo e de outros. Lucas apresenta o Mestre como “o amigo de publicanos e pecadores”. Ele transformou em evangelho muitas das suas anotações, somente depois da morte de Paulo. Lucas escreveu-o no ano 82 d.C., em Acáia. Ele planejou três livros tratando da história de Cristo e da cristandade, mas morreu no ano 90 d.C. pouco antes de haver terminado o segundo desses trabalhos, os “Atos dos Apóstolos”.
121:8.9 (1342.4) Para material de compilação desse evangelho, Lucas primeiro usou da história da vida de Jesus, como Paulo a relatara a ele. O evangelho de Lucas é, portanto, de algum modo, o evangelho segundo Paulo. Lucas, no entanto, teve outras fontes de informação. Ele não apenas entrevistou dezenas de testemunhas oculares dos inúmeros episódios da vida de Jesus, os quais ele registrou, mas também possuía consigo uma cópia do evangelho de Marcos, isto é, os primeiros quatro quintos da narrativa de Isador, e um breve registro feito no ano 78 d.C., em Antioquia, por um crente chamado Cedes. Lucas também possuía uma cópia mutilada e muito modificada de algumas notas que supostamente teriam sido feitas pelo apóstolo André.
121:8.10 (1342.5) 4. O evangelho de João. O evangelho segundo João relata grande parte do trabalho de Jesus na Judéia e perto de Jerusalém, que não consta em outros registros. Esse é o assim chamado evangelho segundo João, o filho de Zebedeu, e embora João não o haja escrito, ele o inspirou. Desde a primeira vez que foi escrito foi editado várias vezes de modo a fazê-lo parecer ter sido escrito pelo próprio João. Quando esse registro foi feito, João estava de posse dos outros Evangelhos, e viu que muita coisa havia sido omitida; e, desse modo, no ano 101 d.C., ele encorajou o seu discípulo, Natam, um judeu grego de Cesaréia, a começar a escrevê-lo. João forneceu o seu material de memória, e sugeriu que ele se baseasse nas referências feitas nos três registros já existentes. João nada tinha que houvesse sido escrito por ele próprio. A epístola conhecida como “Primeira de João” foi escrita pelo próprio João, como uma carta de apresentação para o trabalho que Natam executara sob a sua direção.
121:8.11 (1342.6) Todos esses escritores apresentaram retratos honestos de Jesus como eles o viam, lembravam ou haviam aprendido dele, e como os conceitos que eles tinham desses acontecimentos distantes foram afetados pela sua posterior adoção da teologia cristã de Paulo. E tais registros, imperfeitos como eram, foram ainda suficientes para mudar o curso da história de Urântia por quase dois mil anos.
121:8.12 (1343.1) [Esclarecimentos: Ao cumprir minha missão de reconstituir os ensinamentos e recontar a história dos feitos de Jesus de Nazaré, lancei mão livremente de todas as fontes de registros e informações do planeta. Minha motivação principal foi a de preparar documentos que viessem a ser esclarecedores, não apenas para a geração de homens que vive agora, mas que pudesse ser também de bastante proveito para todas as gerações futuras. Do vasto estoque de informações disponível para mim, escolhi tudo aquilo que seria mais adequado à realização desse propósito. Tanto quanto possível, obtive minhas informações de fontes puramente humanas. Apenas quando tais fontes demonstraram ser insuficientes é que tive de recorrer aos arquivos supra-humanos. Sempre que as idéias e os conceitos da vida e dos ensinamentos de Jesus foram expressos de um modo aceitável por uma mente humana, eu dei preferência, invariavelmente, a tal modelo de pensamentos, aparentemente humano. Embora haja procurado ajustar a expressão verbal de modo tal que melhor se conformasse ao nosso conceito da significação real e da verdadeira importância da vida e ensinamentos do Mestre, eu me ative, tanto quanto possível, aos conceitos factuais e ao modelo humano de pensamento, em todas as minhas narrativas. Sei muito bem que os conceitos que tiveram origem na mente humana tornar-se-ão mais aceitáveis e serão de maior ajuda para todas as outras mentes humanas. Sempre que não me foi possível encontrar os conceitos necessários nos registros humanos, nem nas expressões humanas, em seguida, eu lancei mão dos recursos de memória da minha própria ordem de criaturas da Terra, os intermediários. E sempre que essa fonte secundária de informação se mostrou inadequada, eu recorri, sem hesitar, às fontes supraplanetárias de informação.
121:8.13 (1343.2) Os memorandos que eu reuni, e, a partir dos quais preparei esta narrativa da vida e dos ensinamentos de Jesus — independentemente do registro escrito da memória do apóstolo André — , abrangem preciosidades do pensamento e conceitos superiores dos ensinamentos de Jesus, reunidos por mais de dois mil seres humanos que viveram na Terra desde os dias de Jesus até a época da elaboração destes textos de revelação, ou, mais corretamente dizendo, de restabelecimentos deles. Recorreu-se à permissão para fazer revelações apenas quando os registros humanos e os conceitos humanos falharam em fornecer um modelo adequado de pensamento. A minha missão de revelar proibiu-me de recorrer a fontes extra- humanas, fosse de informação, fosse de expressão, antes do momento em que eu pudesse atestar que havia fracassado nos meus esforços de achar a expressão conceitual exigida, por intermédio de fontes puramente humanas.
121:8.14 (1343.3) Conquanto haja eu elaborado esta narrativa de acordo com o conceito que tenho de uma seqüência efetiva para a sua organização, e em resposta à minha escolha de expressão imediata, e contando com a colaboração dos meus onze companheiros intermediários agregados, e sob a supervisão do Melquisedeque relator, todavia, a maioria das idéias e mesmo das expressões efetivas que eu utilizei, desse modo, tiveram a sua origem nas mentes dos homens de muitas raças que viveram na Terra, durante gerações sucessivas até aquelas que ainda viviam na época deste trabalho. Na realidade, eu tenho servido mais como um colecionador e como um editor do que como um narrador original. Eu me apropriei, sem hesitar, daquelas idéias e conceitos, preferivelmente humanos, que me capacitaram a criar o retrato mais eficiente da vida de Jesus e que me qualificaram para restabelecer os seus ensinamentos sem par, por meio de um estilo de frases que fosse de maior proveito e mais universalmente elucidativo. Em nome da Irmandade dos Intermediários Unidos de Urântia, desejo expressar a nosso reconhecimento e gratidão a todas as fontes de registros e conceitos que foram aqui utilizados para a elaboração destes nossos restabelecimentos da vida de Jesus, na Terra.]
O Livro de Urântia
Documento 122
122:0.1 (1344.1) DIFICILMENTE será possível esclarecer de modo pleno sobre as muitas razões que levaram à escolha da Palestina como a terra para a auto- outorga de Michael; e especialmente sobre a razão pela qual a família de Maria e José fosse selecionada como o núcleo imediato para a vinda desse Filho de Deus em Urântia.
122:0.2 (1344.2) Após um estudo da informação especial sobre as condições dos mundos segregados, preparado pelos Melquisedeques em conselho com Gabriel, Michael finalmente escolheu Urântia como o planeta onde cumprir a sua auto-outorga final. Depois dessa decisão Gabriel fez uma visita pessoal a Urântia e, pelo resultado do seu estudo dos grupos humanos e da sua pesquisa das características espirituais, intelectuais, raciais e geográficas do mundo e seus povos, ele decidiu que os hebreus possuíam aquelas vantagens relativas que garantiriam a sua seleção como a raça para a auto-outorga. Depois que Michael aprovou essa decisão, Gabriel destacou a Comissão Familiar dos Doze — selecionada dentre as mais elevadas personalidades deste universo — e despachou-a para Urântia, encarregando-a da tarefa de efetuar uma investigação sobre as famílias judaicas. Quando essa comissão terminou os seus trabalhos, Gabriel estava presente em Urântia e recebeu o informe que designava três casais com a perspectiva de poderem ser, na opinião dessa comissão, as famílias igualmente mais favoráveis à auto-outorga em prospecto, para a encarnação projetada de Michael.
122:0.3 (1344.3) Dos três casais apontados, a escolha pessoal de Gabriel recaiu sobre José e Maria; em seguida ele fez a sua aparição pessoal a Maria, ocasião em que lhe comunicou as boas-novas de que havia sido ela a escolhida para tornar-se a mãe terrena do menino auto-outorgado.
122:1.1 (1344.4) José, o pai humano de Jesus (Joshua ben José), era um hebreu entre os hebreus, embora trazendo muitos traços hereditários não judeus, que vinham sendo adicionados à sua árvore genealógica, de tempos em tempos, pela linhagem feminina dos seus progenitores. A linhagem ancestral do pai de Jesus remontava aos dias de Abraão e, através desse venerável patriarca, remetia-se até as linhas mais antigas de hereditariedade, que se ligavam aos sumérios e noditas e, através das tribos meridionais dos antigos homens azuis, até Andon e Fonta. Davi e Salomão não estavam na linha direta dos antepassados de José, nem a sua linhagem ia diretamente a Adão. Os ancestrais imediatos de José eram trabalhadores em artefatos — construtores, carpinteiros, pedreiros e forjadores. José, ele próprio, era carpinteiro e mais tarde foi um empreiteiro. A sua família pertencia a uma longa e ilustre linhagem notável de gente comum, acentuada, aqui e ali, pelo aparecimento de indivíduos incomuns, que se haviam distinguido de algum modo e que estiveram ligados à evolução da religião em Urântia.
122:1.2 (1345.1) Maria, a mãe terrena de Jesus, era descendente de uma longa linhagem de ancestrais singulares, que abrangia várias das mulheres mais notáveis na história das raças de Urântia. Embora Maria fosse uma mulher comum, dos seus dias e geração, dona de um temperamento bastante corriqueiro, ela contava entre os seus antepassados com mulheres bem conhecidas como Anon, Tamar, Rute, Betsabá, Ansie, Cloa, Eva, Enta e Ratta. Nenhuma mulher judia, daquela época, era de linhagem mais ilustre de progenitores e nenhuma remontava a origens mais auspiciosas. A uniformidade na linha dos ancestrais de Maria, e a de José, caracterizada pela predominância de indivíduos fortes mas comuns, era quebrada aqui e ali por várias personalidades que se destacavam na marcha da civilização e da evolução progressiva da religião. Do ponto de vista racial, não seria próprio considerar Maria como judia. Na cultura e na crença ela era judia, mas, pelos dons hereditários, era mais uma composição de sangue sírio, hitita, fenício, grego e egípcio, de modo que a sua herança racial era mais genérica do que a de José.
122:1.3 (1345.2) De todos os casais que viviam na Palestina por volta da época da auto- outorga projetada de Michael, José e Maria possuíam a combinação ideal de parentescos raciais abertos e de dons de personalidade acima do normal. Era plano de Michael aparecer na Terra como um homem comum, de modo tal que a gente comum o entendesse e o recebesse; e por isso é que Gabriel havia selecionado pessoas como José e Maria para tornarem-se os progenitores nessa auto-outorga.
122:2.1 (1345.3) O trabalho da vida de Jesus em Urântia, na verdade, foi iniciado por João Batista. Zacarias, o pai de João, era um sacerdote judeu, enquanto a sua mãe, Isabel, era membro do ramo mais próspero do mesmo grande grupo familiar ao qual também pertencia Maria, a mãe de Jesus. Zacarias e Isabel, embora estivessem casados há muitos anos, não tinham filhos.
122:2.2 (1345.4) Era já o final do mês de junho, do ano 8 a.C., cerca de três meses após o casamento de José e Maria, quando Gabriel, certo dia, apareceu para Isabel, ao meio-dia, tal como mais tarde se apresentaria perante Maria. E Gabriel disse a ela:
122:2.3 (1345.5) “O teu marido, Zacarias, está diante do altar em Jerusalém, enquanto o povo reunido ora pela chegada do libertador, e eu, Gabriel, vim para anunciar que tu irás dentro em pouco conceber um filho que será o precursor do seu divino mestre; e chamarás de João ao teu filho. Ele crescerá dedicado ao senhor seu Deus e, quando atingir a maturidade, ele alegrará ao teu coração, porque conduzirá muitas almas para Deus, e também irá proclamar a vinda do curador de almas do vosso povo e o libertador do espírito de toda a humanidade. A tua prima Maria será a mãe desse menino prometido e eu também aparecerei diante dela”.
122:2.4 (1345.6) Essa visão amedrontou grandemente a Isabel. Depois da partida de Gabriel ela repassou a experiência, revirando-a na sua mente, ponderando longamente sobre as palavras do majestoso visitante, mas não falou da revelação a ninguém, exceto ao seu marido, até que posteriormente afinal visitasse Maria, em princípios de fevereiro do ano seguinte.
122:2.5 (1345.7) Durante cinco meses, contudo, Isabel guardou aquele seu segredo até mesmo do marido. E quando contou a ele sobre a visita de Gabriel, Zacarias permaneceu cético e durante semanas duvidou de toda a experiência; só consentindo em acreditar na visita de Gabriel à sua esposa, e sem maior entusiasmo, quando não mais podia duvidar de que ela esperava uma criança. Zacarias ficou muito perplexo com a maternidade próxima de Isabel, mas não duvidou da integridade da sua esposa, apesar da idade avançada dele. E, apenas seis semanas antes do nascimento de João, é que Zacarias, em conseqüência de um sonho impressionante, tornou-se plenamente convencido de que Isabel estava para tornar-se a mãe de um filho do destino, aquele que iria preparar o caminho para a vinda do Messias.
122:2.6 (1346.1) Gabriel apareceu para Maria por volta de meados de novembro, do ano 8 a.C., no momento em que ela estava trabalhando na sua casa em Nazaré. Mais tarde, após haver sabido que era certo que estava para ser mãe, Maria persuadiu José a deixá-la viajar à cidade de Judá, a sete quilômetros a oeste de Jerusalém, nas montanhas, para visitar Isabel. Gabriel tinha informado a cada uma dessas duas futuras mães sobre a sua aparição à outra. Naturalmente ficaram ansiosas para encontrarem-se, para compartilhar as experiências, e para falar sobre o futuro provável dos seus filhos. Maria permaneceu com a sua prima distante por três semanas. Isabel fez muito para fortalecer em Maria a fé na visão de Gabriel, de modo que esta voltou para a sua casa mais plenamente dedicada ao chamado de ser mãe do menino predestinado, a quem ela, muito em breve, iria apresentar ao mundo como um bebê indefeso, uma criança comum e normal deste reino.
122:2.7 (1346.2) João nasceu na cidade de Judá, aos 25 de março, do ano 7 a.C. Zacarias e Isabel rejubilaram-se grandemente com o fato de que um filho tivesse vindo para eles como Gabriel havia prometido; e, ao oitavo dia, quando apresentaram a criança para a circuncisão, eles o batizaram formalmente como João, exatamente como se lhes havia sido ordenado. E logo um sobrinho de Zacarias partiu para Nazaré, levando até Maria a mensagem de Isabel que proclamava o nascimento de um filho cujo nome seria João.
122:2.8 (1346.3) Desde a mais tenra infância os pais inculcaram em João a idéia de que ele cresceria e tornar-se-ia um líder espiritual e um mestre religioso. E, no coração de João, o solo sempre foi sensível a essas sementes sugestivas. Ainda quando criança o encontravam freqüentemente no templo durante os ofícios do serviço do seu pai; e João ficava imensamente impressionado com o significado de tudo o que via.
122:3.1 (1346.4) Uma tarde, por volta do cair do sol, antes que José tivesse retornado ao lar, Gabriel apareceu a Maria, ao lado de uma mesa baixa de pedra, e após ela haver- se recomposto, ele disse: “Venho a pedido daquele que é o meu Mestre, a quem tu irás amar e nutrir. A ti, Maria, trago alegres novas e anuncio que a concepção em ti foi ordenada pelo céu e que, no tempo devido, tu te tornarás a mãe de um filho; tu o chamarás Joshua; e ele irá inaugurar o Reino do céu na Terra entre os homens. Nada digas disso a ninguém, exceto a José e Isabel, a tua parente, para quem também eu apareci e que deve também agora conceber um filho cujo nome será João e será ele quem preparará o caminho para a mensagem de libertação que o teu filho irá proclamar aos homens com uma grande força e uma convicção profunda. E não duvides tu de minha palavra, Maria, pois este lar foi escolhido como a residência mortal do menino predestinado. A minha bênção recai sobre ti e os poderes dos Altíssimos irão fortalecer-te; e o Senhor de toda a Terra acobertar-te-á na Sua sombra”.
122:3.2 (1346.5) Maria ponderou sobre essa visitação, secretamente, no seu coração, durante várias semanas, antes de ousar abrir-se com o marido a respeito desses acontecimentos inusitados, até que estivesse certa de que carregava em si uma criança. Ao escutar sobre tudo isso, ainda que grande fosse a sua confiança em Maria, José ficou muito perturbado e não pôde dormir por várias noites. A princípio José tinha dúvida sobre a visita de Gabriel. Depois, quando estava quase se persuadindo de que Maria tinha realmente ouvido a voz e visto a forma do mensageiro divino, José torturava-se ao pensar sobre como poderiam ser essas coisas. Como a progênie de seres humanos, poderia ser um filho com destino divino? E José não podia nunca reconciliar essas idéias conflitantes até que, depois de várias semanas de muito pensar, ambos, ele e Maria, chegaram à conclusão de que tinham sido escolhidos para tornarem-se os pais do Messias; ainda que o conceito judeu não fosse, nem um pouco, o de que o libertador aguardado deveria ter a natureza divina. Ao chegarem a essa importante conclusão, Maria apressou-se a partir para uma visita a Isabel.
122:3.3 (1347.1) Quando retornou, Maria foi visitar os seus pais, Joaquim e Ana. Seus dois irmãos, as duas irmãs, bem como seus pais sempre foram muito céticos sobre a missão divina de Jesus, embora até esse momento, evidentemente, nada ainda soubessem da visitação de Gabriel. Mas Maria confidenciou à sua irmã Salomé que achava que o seu filho estava destinado a tornar-se um grande mestre.
122:3.4 (1347.2) O anúncio que Gabriel fez a Maria aconteceu no dia seguinte à concepção de Jesus e foi o único evento de ocorrência sobrenatural ligado a toda a experiência de Maria de conceber e trazer dentro de si o menino da promessa.
122:4.1 (1347.3) José não se conformou com a idéia de que Maria estivesse para tornar-se mãe de uma criança extraordinária, até que teve a experiência de um sonho de forte impressão. Nesse sonho um mensageiro celestial brilhante apareceu a ele e, entre outras coisas, disse: “José, apareço sob o comando Daquele que agora reina nas alturas; e tenho o mandado de instruí-lo a respeito do filho que Maria irá gerar e que se tornará uma grande luz para o mundo. Nele estará a vida; e a sua vida tornar-se-á a luz da humanidade. Ele virá primeiro para o seu próprio povo, todavia poucos destes o receberão; mas, a quantos o receberem, será revelado que são os filhos de Deus”. Depois dessa experiência José deixou totalmente de duvidar da história de Maria sobre a visita de Gabriel e sobre a promessa de que a criança que estava para nascer tornar-se-ia um mensageiro divino para o mundo.
122:4.2 (1347.4) Em todas essas visitações nada foi dito sobre a casa de Davi. Nada jamais deixou transparecer que Jesus tornar-se-ia o “libertador dos judeus”, nem mesmo que seria o Messias há muito esperado. Jesus não era um Messias tal como os judeus haviam antecipado, mas era o libertador do mundo. A sua missão não se dirigia apenas a um povo, era para todas as raças e povos.
122:4.3 (1347.5) José não tinha a linhagem do Rei Davi. Maria tinha mais ancestrais na linha de Davi do que José. Bem verdade é que José havia ido a Belém, cidade de Davi, para ser registrado no censo romano, mas isso aconteceu porque seis gerações antes, o ancestral de José, naquela geração, sendo um órfão, tinha sido adotado por um certo Zadoc, que era descendente direto de Davi; e por isso José podia ser também contado como sendo da “casa de Davi”.
122:4.4 (1347.6) A maioria das chamadas profecias messiânicas, no Antigo Testamento, puderam ser aplicadas a Jesus, e sobretudo muito tempo depois que a sua vida na Terra havia já sido vivida. Durante séculos, os profetas hebreus haviam proclamado a vinda de um libertador; e essas promessas tinham sido elaboradas por gerações sucessivas e referiam-se a um governante judeu que iria sentar-se no trono de Davi e que, por meio dos métodos miraculosos de Moisés, estabeleceria os judeus na Palestina como uma nação poderosa, livre do domínio estrangeiro. Novamente, muitas das passagens figurativas encontradas nas escrituras dos hebreus foram posteriormente aplicadas de modo distorcido à missão da vida de Jesus. Muitos dos dizeres do Antigo Testamento foram deformados de modo a parecerem adequar-se a algum episódio da vida do Mestre na Terra. Jesus certa vez negou publicamente, ele próprio, qualquer ligação com a casa real de Davi. Até mesmo aquela passagem: “uma jovem dará à luz um filho”, foi levada a ser lida como sendo: “uma virgem dará à luz um filho”. Isso também é verdade sobre muitas das genealogias feitas, tanto de José quanto de Maria, as quais foram elaboradas depois da carreira de Michael na Terra. Muitas dessas linhagens contêm bastante da linha ancestral do Mestre, mas no todo elas não são genuínas e nem confiáveis como sendo verdadeiras. Os primeiros seguidores de Jesus freqüentemente sucumbiam à tentação de fazer com que todas as velhas expressões proféticas parecessem encontrar a sua realização na vida do seu Senhor e Mestre.
122:5.1 (1348.1) José era um homem de maneiras suaves, extremamente consciente e, de todos os modos, fiel às convenções e práticas religiosas do seu povo. Falava pouco, mas pensava muito. A condição sofrida do povo judeu causava muita tristeza em José. Na sua juventude, entre os seus oito irmãos e irmãs, ele havia sido mais alegre, mas nos primeiros anos da sua vida de casado (durante a infância de Jesus) esteve sujeito a períodos de um desencorajamento espiritual leve. Essas manifestações do seu temperamento foram bastante atenuadas, um pouco antes da sua morte prematura, depois que a situação econômica da sua família melhorou, em conseqüência do seu progresso, quando passou, de carpinteiro, à posição de um próspero empreiteiro.
122:5.2 (1348.2) O temperamento de Maria era completamente oposto ao do marido. Geralmente era alegre, muito raramente ficava abatida e possuía uma disposição sempre ensolarada. Maria permitia-se dar livre e freqüente vazão à expressão dos seus sentimentos e emoções e nunca se sentira afligida, até a súbita morte de José. E mal se recuperara desse choque quando teve de enfrentar as ansiedades e perplexidades que se lançaram sobre ela, por causa da carreira extraordinária do seu filho mais velho, que se desenrolou muito rapidamente diante do seu olhar atônito. Mas, durante toda essa experiência inusitada, Maria manteve-se calma, corajosa e bastante sábia no seu relacionamento com o seu estranho e pouco compreendido primogênito e com os irmãos e irmãs ainda vivos dele.
122:5.3 (1348.3) Muito da doçura especial de Jesus e da sua compreensão compassiva da natureza humana, ele herdara do seu pai; o dom de ser um grande mestre e a sua imensa capacidade de indignar-se, por retidão, ele herdara da sua mãe. Nas reações emocionais ao meio ambiente, na sua vida de adulto, Jesus era também como o seu pai: meditativo e adorador; o que algumas vezes deixava transparecer tristeza, mas, mais freqüentemente, ele conduzia-se de maneira otimista e com a disposição determinada da sua mãe. No conjunto, a tendência era de que o temperamento de Maria dominasse a carreira do filho divino, durante o seu crescimento e nos passos decisivos da sua carreira adulta. Jesus era uma mistura dos traços dos seus pais, em algumas das suas atitudes; em outras ele demonstrava mais as características de um deles do que as do outro.
122:5.4 (1348.4) De José, Jesus tinha a educação estrita nos usos dos cerimoniais judeus e o conhecimento excepcional das escrituras dos hebreus; de Maria, ele trazia um ponto de vista mais amplo da vida religiosa e um conceito mais liberal da liberdade espiritual pessoal.
122:5.5 (1349.1) As famílias de ambos, José e Maria, eram bem instruídas para a sua época. José e Maria haviam sido educados muito acima da média da sua época, considerando a sua situação social. Ele, um homem de muito pensar e ela, uma mulher planejadora, dotada de adaptabilidade e prática na execução imediata das coisas. José era moreno, de olhos negros; e Maria era do tipo quase louro, de olhos castanhos.
122:5.6 (1349.2) Tivesse José vivido mais e ter-se-ia tornado, indubitavelmente, um crente firme na missão do seu filho mais velho. Maria alternava-se, ora acreditando, ora duvidando, sendo grandemente influenciada pela posição tomada pelos seus outros filhos e pela dos seus amigos e parentes, mas sempre era fortalecida, na sua atitude final, pela memória da aparição de Gabriel imediatamente depois que a criança fora concebida.
122:5.7 (1349.3) Maria era uma hábil tecelã e possuía uma habilidade acima da média na maioria das artes caseiras da época; era uma boa dona-de-casa e muito caprichosa no forno. Tanto José quanto Maria eram bons educadores e cuidaram para que os seus filhos se tornassem bem versados nos ensinamentos da época.
122:5.8 (1349.4) Quando ainda rapaz, José tinha sido empregado do pai de Maria no trabalho de construir uma extensão da sua casa; e, quando Maria trouxe a José um copo de água, durante a refeição do meio-dia, foi que realmente aqueles dois, destinados a ser os pais de Jesus, começaram a fazer a corte um ao outro.
122:5.9 (1349.5) José e Maria casaram-se de acordo com os costumes judeus, na casa de Maria, nas proximidades de Nazaré, quando José tinha vinte e um anos de idade. Esse casamento concluiu um noivado normal que durou quase dois anos. Pouco depois se mudaram para a casa em Nazaré, que havia sido construída por José com a ajuda de dois dos seus irmãos. A casa situava-se ao pé de uma elevação que dominava, de modo encantador, a paisagem do campo. Nessa casa, especialmente preparada, esses jovens pais, na expectativa de dar as boas-vindas ao menino prometido, não sabiam que aquele evento, memorável para todo um universo, estava para acontecer enquanto eles estivessem fora de casa, em Belém, na Judéia.
122:5.10 (1349.6) A parte maior da família de José converteu-se aos ensinamentos de Jesus, mas pouquíssimos entre os da gente de Maria acreditaram nele, antes que ele deixasse este mundo. José inclinava-se mais para o conceito espiritual de um Messias esperado, mas Maria e a sua família, especialmente o seu pai, ativeram-se à idéia de que o Messias seria um libertador temporal e um governante político. Os ancestrais de Maria haviam-se identificado manifestamente com as atividades dos Macabeus ainda recentes naqueles tempos.
122:5.11 (1349.7) José apegava-se vigorosamente ao ponto de vista oriental, ou Babilônico, da religião judaica; Maria inclinava-se fortemente para a interpretação ocidental, ou helenista, mais liberal e aberta, da lei e dos profetas.
122:6.1 (1349.8) A casa de Jesus não ficava longe do alto da colina, na parte norte de Nazaré, a uma certa distância da nascente de água da cidade que era na parte leste. A família de Jesus morava nos arredores da cidade e isso facilitou, posteriormente, as caminhadas dele ao campo e as subidas à montanha próxima, a mais alta de todas, na parte sul da Galiléia, exceto pela cadeia do monte Tabor, a leste, e o monte Naim, que tinham aproximadamente a mesma altitude. Esta casa localizava-se um pouco ao sul e a leste da parte sul do promontório desse monte e a meio caminho entre a base dessa elevação e a estrada que vai de Nazaré a Caná. Além de subir o monte, o passeio favorito de Jesus era seguir uma trilha estreita que serpenteava desde a base da montanha, indo na direção nordeste, até um ponto onde se juntava à estrada de Séforis.
122:6.2 (1350.1) A casa de José e Maria tinha a estrutura de pedra e um cômodo com um teto plano e uma construção adjacente para abrigar os animais. A mobília consistia de uma mesa baixa de pedra, utensílios de barro, pratos e potes de pedra, um tear, uma lamparina, vários bancos pequenos e esteiras para dormir sobre o chão de pedra. No quintal ao fundo, perto do anexo dos animais, ficava o abrigo que protegia o forno e o moinho para moer os grãos. Eram necessárias duas pessoas para operar esse tipo de moinho, uma para provê-lo de grãos e outra para moer. Quando ainda menino, Jesus muitas vezes cuidava de dosar os grãos no moinho, enquanto a sua mãe girava o moedor.
122:6.3 (1350.2) Mais tarde, quando a família cresceu, todos se agrupavam em volta da mesa de pedra, que foi aumentada, para desfrutarem das refeições, servindo-se do alimento em um prato comum, ou potiche. Durante o inverno, na refeição noturna, a mesa estaria iluminada por uma lâmpada pequena e achatada de terracota, cheia de óleo de oliva. Após o nascimento de Marta, José construiu uma outra acomodação, um quarto grande, usado como carpintaria durante o dia e como quarto de dormir à noite.
122:7.1 (1350.3) No mês de março do ano 8 a.C. (mês em que José e Maria casaram-se), César Augustus decretou que todos os habitantes do império romano fossem contados; que deveria ser feito um censo de modo a poder ser utilizado para uma cobrança mais eficiente dos impostos. Os judeus sempre tiveram muita prevenção contra qualquer tentativa de “enumerar o povo” e isso, além das dificuldades domésticas com Herodes, rei da Judéia, havia conspirado para causar o adiamento, por um ano, na concretização desse censo, no reino dos judeus. Em todo o império romano esse censo ficou registrado no ano 8 a.C., exceto no reino de Herodes, na Palestina, onde foi feito um ano mais tarde, no ano 7 a.C.
122:7.2 (1350.4) Não se fazia necessário que Maria fosse a Belém fazer esse registro — José estava autorizado a efetuar o registro por toda a sua família — , mas Maria, sendo uma pessoa dinâmica e ousada, insistiu em acompanhá-lo. Ela temia que, sendo deixada sozinha, a criança nascesse enquanto José estava ausente e, Belém não sendo longe da cidade de Judá, Maria previu a possibilidade de uma agradável visita à sua parenta Isabel.
122:7.3 (1350.5) José praticamente proibiu Maria de acompanhá-lo, mas foi inútil; quando a comida estava sendo empacotada para a viagem de três ou quatro dias, ela preparou rações duplas e aprontou-se para a viagem. E, antes que saíssem de fato, José já se havia acostumado com a idéia de Maria ir junto e então, alegremente, eles partiram de Nazaré ao alvorecer do dia.
122:7.4 (1350.6) José e Maria eram pobres e, como tivessem apenas um burro de carga, Maria cavalgava o animal, estando já adiantada na gravidez, junto com as provisões, enquanto José caminhava guiando o animal. A construção e a manutenção de uma casa havia sido um grande peso para José, pois ele devia também contribuir para a sobrevivência dos seus pais, já que o seu pai recentemente tinha-se tornado incapacitado para tal. E assim o casal judeu partiu da sua humilde casa, na manhã de 18 de agosto, do ano 7 a.C., para a sua viagem a Belém.
122:7.5 (1351.1) No seu primeiro dia de viagem eles contornaram os contrafortes ao sopé do monte Gilboa, onde passaram a noite, acampados à margem do Jordão. Ali, eles perguntaram a si próprios, profundamente, sobre a natureza do filho que nasceria deles; José aderindo ao conceito de um mestre espiritual e Maria sustentando a idéia de um Messias judeu, um libertador da nação hebraica.
122:7.6 (1351.2) Cedo, na brilhante manhã de 19 de agosto, José e Maria estavam de novo a caminho. Tomaram a sua refeição do meio-dia junto ao pé do monte Sartaba, que domina o vale do Jordão, e continuaram viagem chegando a Jericó à noite, onde pararam em uma hospedaria na estrada nos arredores da aldeia. Depois da refeição da noite e de muita discussão sobre a opressão do governo romano, sobre Herodes, sobre os registros do recenseamento e a influência relativa de Jerusalém e Alexandria como centros da cultura e ensino judeus, os viajantes de Nazaré retiraram-se para o repouso noturno. Bem cedo, pela manhã do dia 20 de agosto, retomaram a sua viagem e alcançaram Jerusalém antes do meio-dia. Visitaram o templo e tomaram, de novo, o seu caminho para chegar a Belém bem no meio da tarde.
122:7.7 (1351.3) O albergue estava superlotado e José, então, procurou um alojamento entre os parentes distantes, mas todos os quartos em Belém encontravam-se repletos. Ao retornarem à praça na frente do albergue, José foi informado de que os animais dos estábulos das caravanas, construídos nos flancos do rochedo e situados exatamente abaixo do albergue, haviam sido retirados e que tudo estava limpo exatamente para receber os hóspedes. Deixando o asno na área à frente do albergue, José colocou os sacos de roupas e provisões sobre os seus ombros e desceu, com Maria, os degraus de pedra, até os alojamentos de baixo. Viram-se instalados naquilo que era uma sala de estocagem de grãos, na frente dos estábulos e das manjedouras. Cortinas de tendas haviam sido dependuradas e eles se deram por muito felizes de terem alojamentos tão confortáveis.
122:7.8 (1351.4) José havia pensado em registrar-los logo em seguida, mas Maria achava-se cansada, bastante extenuada mesmo, e suplicou-lhe que permanecesse com ela e ele ficou ali.
122:8.1 (1351.5) Durante toda essa noite Maria estivera inquieta, de forma que nenhum dos dois dormiu muito. Ao amanhecer, as pontadas do parto já estavam bem evidentes e, no dia 21 de agosto do ano 7 a.C., ao meio-dia, com a ajuda e as ministrações carinhosas de mulheres viajantes amigas, Maria deu à luz um pequeno varão. Jesus de Nazaré havia nascido para o mundo; encontrava-se enrolado nas roupas que Maria tinha trazido consigo, para essa contingência possível, e deitado em uma manjedoura próxima.
122:8.2 (1351.6) Da mesma forma que todos os bebês tinham vindo ao mundo até então e viriam desde então, nasceu o menino prometido e, ao oitavo dia, conforme a prática judaica, foi circuncidado e formalmente denominado Joshua (Jesus).
122:8.3 (1351.7) No dia seguinte ao nascimento de Jesus, José fez o seu registro. Encontrando- se então com um homem com quem haviam conversado duas noites atrás, em Jericó, foi levado por ele até um amigo abastado que possuía um quarto na pousada e este homem se dispôs, com prazer, a trocar de quartos com o casal de Nazaré. Naquela tarde eles se mudaram para a pousada, onde ficaram por quase três semanas, até que encontraram hospedagem na casa de um parente distante de José.
122:8.4 (1351.8) Ao segundo dia após o nascimento de Jesus, Maria enviou uma mensagem a Isabel dizendo que o seu filho havia chegado e recebeu em resposta um convite feito a José, para ir a Jerusalém, a fim de falar de todos os assuntos com Zacarias. Na semana seguinte, José foi a Jerusalém para conversar com Zacarias. Zacarias e Isabel achavam-se ambos sinceramente convencidos de que Jesus estava destinado a se tornar o libertador judeu, o Messias; e que João, o filho deles, seria o seu principal colaborador, o braço direito no seu destino. E, já que Maria compartilhava dessas mesmas idéias, não foi difícil convencer José a permanecer em Belém, a cidade de Davi, para que Jesus pudesse crescer e se tornar o sucessor de Davi no trono de todo o Israel. Desse modo, permaneceram eles em Belém por mais de um ano, tendo José se dedicado ao seu ofício de carpinteiro durante esse tempo.
122:8.5 (1352.1) No dia do nascimento de Jesus, ao meio-dia, os serafins de Urântia, reunidos com os seus diretores, cantaram hinos de glória sobre a manjedoura de Belém, mas esses cânticos de glória não foram escutados por ouvidos humanos. Nenhum pastor, nem quaisquer outras criaturas mortais vieram prestar a sua homenagem ao menino de Belém, até o dia da chegada de certos sacerdotes de Ur, que haviam sido enviados de Jerusalém por Zacarias.
122:8.6 (1352.2) A esses sacerdotes da Mesopotâmia havia sido contado, há algum tempo, por um estranho professor religioso, do país deles, o qual em um sonho havia sido informado de que a “luz da vida” estava a ponto de aparecer sobre a Terra, na forma de um menino, entre os judeus. E os três sacerdotes partiram, pois, em busca dessa “luz da vida”. Após muitas semanas de infrutífera procura em Jerusalém, estavam para voltar a Ur, quando conheceram Zacarias que lhes confiou sobre a sua crença de que Jesus era o objeto da procura deles e os enviou a Belém, onde encontraram o menino e deixaram as suas oferendas com Maria, a sua mãe terrena. A criança estava então com quase três semanas de idade à época da visita deles.
122:8.7 (1352.3) Esses sábios homens não tiveram nenhuma estrela a guiá-los para Belém. A belíssima lenda da estrela de Belém originou-se da seguinte forma: Jesus nasceu aos 21 de agosto, ao meio-dia do ano 7 a.C. Em 29 de maio do mesmo ano houve uma extraordinária conjunção entre Júpiter, Saturno e a constelação de Peixes. E é um acontecimento astronômico marcante que conjunções semelhantes hajam ocorrido aos 29 de setembro e aos 5 de dezembro do mesmo ano. Com base nesses acontecimentos extraordinários, mas inteiramente naturais, os bem- intencionados zelotes, das gerações que sucederam, elaboraram a lenda atraente da estrela de Belém e dos Reis Magos adoradores, conduzidos pela estrela, até a manjedoura, para contemplar e adorar o recém-nascido. As mentes orientais e do Oriente-Próximo deleitam-se com fábulas e inventam constantemente belos mitos sobre a vida dos seus dirigentes religiosos e dos seus heróis políticos. Na falta de uma imprensa, quando a maior parte do conhecimento humano se transmitia, de uma geração a outra pela palavra saída da boca, era muito fácil que os mitos se tornassem tradição e que as tradições finalmente acabassem aceitas como fatos.
122:9.1 (1352.4) Moisés havia ensinado aos judeus que todos os filhos primogênitos pertenciam ao Senhor e que, em lugar do seu sacrifício, como era costume entre as nações pagãs, esse filho poderia viver desde que os seus pais o redimissem com o pagamento de cinco moedas a qualquer sacerdote autorizado. Também existia uma regulamentação mosaica que dizia que uma mãe, após um certo período de tempo, devia apresentar-se ao templo, para a purificação (ou ter alguém que fizesse o sacrifício adequado em lugar dela). Era costumeiro que tais cerimônias ocorressem ambas ao mesmo tempo. Assim sendo, José e Maria foram ao templo de Jerusalém, pessoalmente, para apresentar Jesus aos sacerdotes e efetivar a sua redenção e também fazer o sacrifício apropriado para assegurar a Maria a purificação cerimonial da suposta impureza do dar à luz.
122:9.2 (1353.1) Nas cortes do templo estavam freqüentemente presentes duas figuras dignas de nota, Simeão, um cantor, e Anna, uma poetisa. Simeão era da Judéia e Anna, da Galiléia. Esses dois estavam quase sempre juntos e ambos eram íntimos do sacerdote Zacarias, que havia confiado o segredo de João e Jesus a eles. E, tanto Simeão quanto Anna, ansiavam pela vinda do Messias e a sua convicção em Zacarias levara-os a acreditar que Jesus fosse o libertador esperado do povo judeu.
122:9.3 (1353.2) Zacarias sabia o dia esperado para José e Maria aparecerem no templo com Jesus; e acertou com Simeão e Anna, antecipadamente, que indicaria, com a saudação da sua mão levantada, qual, na procissão das crianças recém-nascidas, era Jesus.
122:9.4 (1353.3) Para essa ocasião Anna havia escrito um poema que Simeão passou a cantar, para surpresa de José, de Maria e de todos os que estavam reunidos nos pátios do templo. E o hino deles, para a redenção do filho primogênito, foi assim:
122:9.5 (1353.4) Abençoado seja o Senhor, Deus de Israel,
122:9.6 (1353.5) Que nos visitou e trouxe a redenção ao seu povo;
122:9.7 (1353.6) A trombeta da salvação, Ele fez soar por todos nós
122:9.8 (1353.7) Na casa do seu servo Davi.
122:9.9 (1353.8) Assim como falou da boca dos seus sagrados profetas
122:9.10 (1353.9) -Salvação dos nossos inimigos e da mão de todos aqueles que nos odeiam;
122:9.11 (1353.10) Para mostrar misericórdia para com os nossos pais, na lembrança da Sua santa aliança — ,
122:9.12 (1353.11) O juramento que fez a Abraão, nosso pai,
122:9.13 (1353.12) De conceder-nos que nós, sendo libertados da mão dos nossos inimigos,
122:9.14 (1353.13) Pudéssemos servir a ele sem temores,
122:9.15 (1353.14) Em santidade e retidão perante ele, por todos os nossos dias.
122:9.16 (1353.15) E que tu, assim, menino prometido, sejas chamado de Profeta do Altíssimo;
122:9.17 (1353.16) Porque irás, diante do semblante do Senhor, estabelecer o Seu Reino;
122:9.18 (1353.17) Dar conhecimento da salvação a Seu povo
122:9.19 (1353.18) Em remissão dos seus pecados.
122:9.20 (1353.19) Regozijemos com a doce misericórdia do nosso Deus, porque veio nos visitar a aurora do alto
122:9.21 (1353.20) Para resplandecer sobre aqueles que estão nas trevas e na sombra da morte;
122:9.22 (1353.21) Para guiar os nossos pés nos caminhos da paz.
122:9.23 (1353.22) E, pois, deixemos agora o Vosso servo partir em paz, Ó Senhor, conforme a Vossa palavra,
122:9.24 (1353.23) Pois os meus olhos viram já a Vossa salvação,
122:9.25 (1353.24) Que por Vós foi preparada diante da vista de todos os povos;
122:9.26 (1353.25) Luz que resplandece para esclarecimento mesmo até dos gentios
122:9.27 (1353.26) E para glória do nosso povo de Israel.
122:9.28 (1353.27) De volta a Belém, José e Maria permaneceram em silêncio — confusos e intimidados. Maria encontrava-se bastante perturbada pelas palavras de despedida de Anna, a poetisa anciã, e José não se sentia bem em harmonia com aquele esforço prematuro de fazer de Jesus o Messias prometido do povo judeu.
122:10.1 (1353.28) Os informantes de Herodes, todavia, não permaneceram inertes. Quando reportaram a ele sobre a visita dos sacerdotes de Ur a Belém, Herodes convocou esses caldeus a aparecerem diante de si. E, insistente, ele inquiriu a esses homens sábios sobre o novo “rei dos judeus”, mas eles deram-lhe pouca satisfação, explicando apenas que o menino nascera de uma mulher que viera a Belém com o seu marido para comparecer ao censo. Herodes, não satisfeito com essa resposta, despediu-os, dando-lhes uma bolsa de dinheiro; e mandou-lhes que encontrassem a criança para que também ele pudesse ir lá e adorá-la, já que eles haviam declarado que o Reino dela devia ser espiritual, não temporal. Todavia, ao perceber que os sábios não voltariam, Herodes encheu-se de suspeitas. E, enquanto ele pensava nisso, os seus informantes voltaram e lhe fizeram um relato completo das ocorrências recentes no templo, trazendo-lhe uma cópia de partes da canção de Simeão, que havia sido cantada nas cerimônias de redenção de Jesus. No entanto, eles não seguiram José e Maria; e Herodes ficou irado com eles, quando viu que não podiam dizer para onde o casal tinha levado a criança. Então, despachou espiões para localizar José e Maria. Sabendo que Herodes perseguia a família de Nazaré, Zacarias e Isabel permaneceram longe de Belém. O menino ficou escondido com uns parentes de José.
122:10.2 (1354.1) José temia procurar trabalho; e as suas poucas economias estavam desaparecendo rapidamente. Mesmo na época das cerimônias de purificação no templo, José considerava-se pobre o suficiente para limitar a dois pequenos pombos a sua oferta para Maria, como Moisés havia determinado, para a purificação das mães, entre os pobres.
122:10.3 (1354.2) Quando, após mais de um ano de buscas, os espiões de Herodes não haviam achado Jesus; e em vista da suspeita de que a criança ainda estava escondida em Belém, Herodes preparou uma ordem comandando fosse feita uma busca sistemática em todas as casas de Belém, e que todos os bebês meninos de menos de dois anos fossem mortos. Desse modo Herodes esperava assegurar-se de que tal criança, que haveria de tornar-se o “rei dos judeus”, fosse destruída. E assim pereceram, em um só dia, dezesseis bebês meninos em Belém da Judéia. A intriga e o assassinato, mesmo na família imediata de Herodes, assim, eram acontecimentos corriqueiros na sua corte.
122:10.4 (1354.3) O massacre desses infantes aconteceu em meados de outubro, do ano 6 a.C., quando Jesus tinha pouco mais de um de ano idade. Mas havia crentes no Messias vindouro, até mesmo no séquito da corte de Herodes, e um desses, sabendo da ordem de assassinar os meninos de Belém, comunicou-se com Zacarias, e este por sua vez despachou um mensageiro até José; e, na noite anterior ao massacre, José e Maria partiram com a criança, de Belém para Alexandria, no Egito. Para evitar atrair a atenção, eles viajaram sozinhos com Jesus, para o Egito. Foram para Alexandria com o dinheiro providenciado por Zacarias, e lá José trabalhou no seu ramo, enquanto Maria e Jesus alojaram-se com parentes abastados da família de José. Eles permaneceram em Alexandria por dois anos inteiros, não retornando a Belém senão depois da morte de Herodes.
O Livro de Urântia
Documento 123
123:0.1 (1355.1) DEVIDO às incertezas e ansiedades da estada em Belém, Maria não desmamou a criança até que tivessem chegado com segurança em Alexandria, onde a família era capaz de estabelecer-se com uma vida normal. Viveram com parentes e José foi bastante capaz de sustentar a sua família, pois conseguiu trabalho logo depois de chegarem. Esteve empregado como carpinteiro por vários meses quando, então, foi promovido à posição de feitor de um grupo grande de operários de um dos prédios públicos, então em processo de construção. Essa nova experiência deu-lhe a idéia de se transformar em um empreiteiro e construtor, depois que voltassem para Nazaré.
123:0.2 (1355.2) Durante todos esses primeiros anos da infância, em que Jesus era ainda uma criança indefesa, Maria manteve uma vigília longa e constante para que nada acontecesse ao seu filho, que pudesse ameaçar o seu bem-estar ou que de algum modo interferisse na sua futura missão na Terra; nenhuma mãe foi mais devotada ao seu filho. Na casa onde Jesus estava havia duas outras crianças aproximadamente da mesma idade e, entre os vizinhos mais imediatos, havia ainda seis outras cujas idades eram suficientemente próximas da dele, o que os tornavam companheiros adequados nas brincadeiras. A princípio, Maria mantinha- se disposta a manter Jesus bem perto de si, temendo que algo pudesse acontecer a ele se lhe fosse permitido brincar no jardim com as outras crianças, todavia, com a ajuda dos seus parentes, José conseguiu convencê-la de que caso isso acontecesse Jesus ficaria privado da experiência útil de aprender como se ajustar às crianças da sua própria idade. E, compreendendo que um programa de resguardo e proteção, de tal modo incomum e exagerada, poderia levá-lo a tornar-se artificial e de um certo modo egocêntrico, Maria afinal deu o seu consentimento ao plano de permitir à criança prometida crescer como qualquer outra criança; e, embora tenha obedecido a essa decisão, ela encarregou-se de manter-se sempre vigilante, enquanto os pequeninos brincavam perto da casa ou no jardim. Apenas uma mãe afeiçoada pode saber o peso que Maria carregava no seu coração, pensando na segurança do seu filho durante esses anos da primeira infância e meninice.
123:0.3 (1355.3) Durante os dois anos nos quais permaneceram em Alexandria, Jesus desfrutou de boa saúde e continuou crescendo normalmente. Afora uns poucos amigos e parentes, não se contou a ninguém sobre Jesus ser um “filho prometido”. Um dos parentes de José revelou isso a alguns amigos em Mênfis, descendentes distantes de Iknaton, e eles, com um pequeno grupo de crentes de Alexandria, reuniram-se na casa palaciana dos parentes e benfeitores de José, pouco tempo antes do retorno à Palestina, para dar os melhores votos à família de Nazaré e para prestar os seus respeitos à criança. Nessa ocasião aqueles amigos reunidos presentearam a Jesus com uma cópia completa da tradução grega das escrituras dos hebreus. Essa cópia das escrituras sagradas dos judeus, entretanto, não foi colocada nas mãos de José antes que tivessem ambos, ele e Maria, finalmente recusado o convite dos amigos de Mênfis e Alexandria para que permanecessem no Egito. Esses crentes insistiram que a criança predestinada seria capaz de exercer sobre o mundo uma influência muito maior, como residente de Alexandria do que em outro lugar qualquer na Palestina. Essas tentativas de persuasão atrasaram a partida deles para a Palestina, por algum tempo, depois de terem recebido a notícia da morte de Herodes.
123:0.4 (1356.1) José e Maria partiram finalmente de Alexandria em um barco pertencente a Ezraeon, amigo deles, rumo a Jopa; chegando àquele porto no fim de agosto do ano 4 a.C. Dali, foram diretamente para Belém, onde passaram o mês inteiro de setembro aconselhando-se com os seus amigos e parentes para saber se deviam permanecer lá ou se retornavam para Nazaré.
123:0.5 (1356.2) Maria nunca havia abandonado completamente a idéia de que Jesus devesse crescer em Belém, a cidade de Davi. José não acreditava de fato que o filho deles devesse tornar-se um rei libertador de Israel. E isso, sobretudo por saber não ser, ele próprio, realmente um descendente de Davi; pois ele era reconhecido como sendo da progênie de Davi devido ao fato de um dos seus ancestrais ter sido adotado em uma família da linha davídica de descendência. Maria julgava, é claro, que a cidade de Davi fosse o local mais apropriado para se criar o novo candidato ao trono de Davi, mas José preferiu tentar a sorte com Herodes Antipas a tentá-la com Arquelau, o irmão dele. José alimentava um grande temor pela segurança da criança em Belém ou em qualquer outra cidade na Judéia; e supunha que Arquelau estaria mais inclinado a continuar as políticas ameaçadoras do seu pai, Herodes, do que Antipas, na Galiléia. E além de todas essas razões, José era franco na sua preferência pela Galiléia, como um local melhor para criar e educar o menino, mas foram necessárias três semanas para superar as objeções de Maria.
123:0.6 (1356.3) Por volta de primeiro de outubro, José havia convencido Maria e todos os amigos de que era melhor que eles voltassem para Nazaré. Assim, no princípio de outubro, de 4 a.C., eles foram de Belém para Nazaré, passando por Lida e Sitópolis. Eles partiram cedo, em um domingo pela manhã; Maria e o menino montados no burro de carga recém-comprado, enquanto José e cinco parentes acompanhavam-nos a pé; os parentes de José recusaram a permitir-lhes fazer a viagem a Nazaré sozinhos. Eles temiam ir para a Galiléia por Jerusalém e pelo vale do Jordão, pois as estradas do oeste não eram de todo seguras para dois viajantes sozinhos com uma criança de tenra idade.
123:1.1 (1356.4) No quarto dia da viagem, o grupo chegou ao seu destino em segurança. Eles vieram sem anunciar, à casa de Nazaré, que havia sido ocupada durante mais de três anos por um dos irmãos casados de José, o qual ficou realmente surpreso ao vê-los; tão em silêncio haviam eles feito tudo, que nem a família de José nem a de Maria sabiam, nem mesmo que haviam deixado a Alexandria. No dia seguinte, o irmão de José mudou-se com a sua família; e, pela primeira vez desde o nascimento de Jesus, Maria estabeleceu-se com a sua pequena família e passou a desfrutar da vida na sua própria casa. Em menos de uma semana, José arranjou trabalho como carpinteiro e eles ficaram extremamente felizes.
123:1.2 (1356.5) Jesus estava com cerca de três anos e dois meses de idade, na época em que eles voltaram para Nazaré. Ele havia passado muito bem em todas essas viagens, era dono de uma saúde excelente e estava cheio de brincadeiras infantis e de exultação com aquela propriedade onde podia correr e se divertir. Mas sentia muita falta da companhia dos seus amigos de Alexandria.
123:1.3 (1356.6) A caminho de Nazaré, José tinha persuadido Maria de que seria pouco prudente fazer com que todos os seus amigos e parentes da Galiléia soubessem que Jesus era uma criança prometida. E concordaram em refrear-se e não mencionar, a todos, nada sobre tal questão. E ambos permaneceram muito fiéis em manter essa promessa.
123:1.4 (1357.1) Todo o quarto ano na vida Jesus foi um período normal de desenvolvimento físico, mas de uma atividade mental incomum. Nesse meio tempo Jesus tinha estabelecido uma amizade muito forte com um garoto da sua idade, na vizinhança, chamado Jacó. Jesus e Jacó estavam sempre felizes com as suas brincadeiras e cresceram como grandes amigos e companheiros leais.
123:1.5 (1357.2) O próximo acontecimento de importância na vida dessa família de Nazaré foi o nascimento do segundo filho, Tiago, nas primeiras horas da manhã de 2 de abril, do ano 3 a.C. Jesus ficou emocionado com a idéia de ter um irmão bebê; e manteve-se por perto todo o tempo só para observar as primeiras atividades do bebê.
123:1.6 (1357.3) Em meados do verão desse mesmo ano, José construiu uma pequena oficina perto da fonte da cidade e do ponto de parada das caravanas. Depois disso, fez pouquíssimo trabalho de carpinteiro durante o dia. Ele tinha como sócios dois dos próprios irmãos e vários outros trabalhadores, a quem enviava para trabalhar enquanto permanecia na loja fazendo juntas de bois e arados e outros trabalhos em madeira. Ele também fazia algum trabalho em couro, com cordas e lona. E Jesus, depois de crescido, quando não estava na escola, dividia o seu tempo igualmente entre ajudar a sua mãe nos afazeres domésticos e observar o seu pai trabalhando na oficina e, nos intervalos, escutava a conversa e os mexericos dos condutores das caravanas e dos passageiros dos quatro cantos da Terra.
123:1.7 (1357.4) Em julho desse ano, um mês antes de Jesus completar quatro anos, uma epidemia de problemas intestinais graves espalhou-se por toda a Nazaré, vinda do contato com os viajantes das caravanas. Maria ficou tão alarmada com o perigo de Jesus ficar exposto a essa epidemia, que arrumou as malas de ambos os seus filhos e fugiu para a casa de campo do seu irmão, a muitos quilômetros ao sul de Nazaré, na estrada de Megido, perto de Sarid. E não voltaram a Nazaré durante mais de dois meses; Jesus teve muito prazer nessa que foi a sua primeira experiência em uma fazenda.
123:2.1 (1357.5) Pouco mais de um ano depois do retorno a Nazaré, o menino Jesus chegou à idade da sua primeira decisão moral pessoal sincera; e um Ajustador do Pensamento veio residir nele, uma dádiva divina do Pai do Paraíso, que havia, algum tempo atrás, servido com Maquiventa Melquisedeque, ganhando assim a experiência de funcionar em ligação com a encarnação de um ser supramortal, vivendo à semelhança da carne mortal. Esse acontecimento deu-se aos 11 de fevereiro do ano 2 a.C. Jesus não esteve mais consciente da vinda do Monitor divino do que ficam os milhões e milhões de outras crianças as quais, antes e depois desse dia, do mesmo modo, têm recebido esses Ajustadores do Pensamento para residir nas suas mentes e trabalhar pela espiritualização definitiva das mentes e pela sobrevivência eterna das suas almas imortais.
123:2.2 (1357.6) Nesse dia de fevereiro, terminou a supervisão direta e pessoal dos Governantes Universais, no que estava relacionado à integridade da encarnação infantil de Michael. A partir desse dia, durante todo o desenvolvimento humano da sua encarnação, a guarda de Jesus estava destinada a permanecer sob a confiança desse Ajustador residente e dos serafins guardiães agregados, suplementada de tempos em tempos pela ministração dos intermediários designados à execução de certas tarefas definidas de acordo com a instrução dos seus superiores planetários.
123:2.3 (1357.7) Jesus estava com cinco anos de idade em agosto desse mesmo ano, e nós iremos, por isso, referir-nos a este como o seu quinto (no calendário) ano de vida. Nesse ano, o ano 2 a.C., pouco mais de um mês antes do seu quinto aniversário, Jesus ficou muito feliz com a vinda da sua irmã Míriam, que nasceu na noite de 11 de julho. Durante a noite do dia seguinte, Jesus teve uma longa conversa com o seu pai a respeito da maneira pela qual vários grupos de coisas vivas nascem neste mundo, como indivíduos separados. A parte mais valiosa da educação inicial de Jesus proveio dos seus pais, por meio das respostas às suas perguntas pensativas e profundas. José nunca deixou de cumprir o seu dever e, a duras penas, passava o tempo respondendo às numerosas perguntas do menino. Desde o momento em que Jesus tinha cinco anos de idade até ter dez anos, ele foi um ponto de interrogação contínuo. Embora José e Maria não pudessem sempre responder às suas perguntas, nunca deixaram totalmente de falar algo sobre as averiguações dele e de ajudá-lo, de todos os modos possíveis, nos seus esforços para alcançar uma solução satisfatória sobre a questão que a sua mente alerta estava sugerindo.
123:2.4 (1358.1) Desde que retornaram a Nazaré eles vinham tendo uma vida familiar bastante intensa e José estivera especialmente ocupado, construindo a sua nova loja e fazendo com que o seu negócio funcionasse novamente. Tão ocupado que não achara tempo de fazer um berço para Tiago, mas isso foi corrigido muito antes que Míriam nascesse, de modo que ela possuiu um desses de grades altas, bastante confortável, no qual se aninhar, enquanto a família a admirava. E o Jesus menino entrou de coração em todas essas experiências naturais e normais. Ele gostava muito do seu irmão pequeno e da sua irmã bebezinha e foi de grande ajuda para Maria, cuidando deles.
123:2.5 (1358.2) No mundo gentio daqueles dias, havia uns poucos lares que podiam dar a uma criança uma educação intelectual, moral e religiosa melhor do que os lares judeus da Galiléia. Os judeus, ali, possuíam um programa sistemático de criar e de educar as suas crianças. Eles dividiam a vida de uma criança em sete estágios:
123:2.6 (1358.3) 1. A criança recém-nascida, do primeiro até o oitavo dia.
123:2.7 (1358.4) 2. A criança de peito.
123:2.8 (1358.5) 3. A criança desmamada.
123:2.9 (1358.6) 4. O período de dependência da mãe, durando até o fim do quinto ano.
123:2.10 (1358.7) 5. O princípio da independência da criança e, para os filhos homens, o pai assumindo a responsabilidade pela sua educação.
123:2.11 (1358.8) 6. Os jovens e as jovens adolescentes.
123:2.12 (1358.9) 7. Os jovens homens; as jovens mulheres.
123:2.13 (1358.10) Era hábito dos judeus da Galiléia que a mãe ficasse com a responsabilidade pela instrução da criança até o quinto aniversário e, então, se a criança fosse um menino, o pai ficaria responsável pela educação dele, daquela época em diante. Nesse ano, portanto, Jesus passaria ao quinto estágio da carreira de uma criança judia na Galiléia e, desse modo, em 21 de agosto do ano 2 a.C., Maria formalmente o entregaria a José, para a sua instrução posterior.
123:2.14 (1358.11) Embora José estivesse agora assumindo a responsabilidade direta pela educação intelectual e religiosa de Jesus, a sua mãe ainda dedicava cuidados com a sua instrução em casa. E ensinaria a ele como conhecer e cuidar das vinhas e das flores que cresciam nas paredes do jardim e rodeavam completamente o terreno da casa. Ela também colocava no terraço da casa (o quarto de verão) caixas rasas com areia, nas quais ele fazia mapas e grande parte das suas primeiras práticas em escrever o aramaico, o grego e, mais tarde, o hebreu; e assim, em pouco tempo, Jesus aprendeu a ler, a escrever e a falar fluentemente essas três línguas.
123:2.15 (1358.12) Jesus parecia ser uma criança quase perfeita fisicamente e continuava a fazer progressos normais mental e emocionalmente. Ele teve um leve distúrbio digestivo, a sua primeira doença benigna, na segunda metade desse seu quinto ano (segundo o calendário).
123:2.16 (1359.1) Embora José e Maria conversassem freqüentemente sobre o futuro do filho primogênito, caso estivésseis lá, iríeis ter apenas observado o crescimento, no seu tempo e na sua época, de um menino normal, saudável, despreocupado; porém, excessivamente ávido de conhecimentos.
123:3.1 (1359.2) Com a ajuda da sua mãe, Jesus havia já dominado o dialeto da língua aramaica da Galiléia; e agora o seu pai começava a ensinar-lhe o grego. Maria conhecia pouco o grego, mas José falava fluentemente tanto o aramaico quanto o grego. O manual para o estudo da língua grega era a cópia das escrituras dos Hebreus — uma versão completa da lei e dos profetas, incluindo os Salmos — , que havia sido presenteada a eles ao deixarem o Egito. Havia apenas duas cópias completas das escrituras em grego em toda a Nazaré e, uma delas estando na família do carpinteiro, fez da casa de José um local muito procurado e proporcionou a Jesus, à medida que crescia, conhecer uma procissão quase sem fim de estudantes e buscadores sinceros da verdade. Antes que esse ano terminasse, Jesus havia assumido a custódia desse manuscrito de valor inapreciável, tendo-lhe sido dito, no seu sexto aniversário, que o livro sagrado havia sido um presente dado a ele pelos amigos e parentes de Alexandria. Assim, dentro de pouco tempo Jesus poderia lê-lo correntemente.
123:3.2 (1359.3) O primeiro grande choque de Jesus, na sua vida de menino, ocorreu quando ele ainda não tinha seis anos. Queria parecer ao menino que o seu pai — ou, ao menos, o seu pai e a sua mãe, juntos — de tudo soubesse. E imaginem, pois, a surpresa desse garoto inquisitivo quando, ao perguntar ao seu pai sobre a causa de um pequeno terremoto que acabara de ocorrer, escutou de José: “Meu filho, eu realmente não sei”. Assim começou aquela longa e desconcertante desilusão de Jesus ao descobrir que os seus pais terrenos não eram todo-sábios nem todo- conhecedores.
123:3.3 (1359.4) O primeiro pensamento de José foi dizer a Jesus que o terremoto havia sido causado por Deus, mas uma reflexão momentânea aconselhou-o no sentido de que essa resposta iria, imediatamente, causar outras perguntas ainda mais embaraçosas. Mesmo em uma idade tão tenra, era muito difícil responder às perguntas de Jesus sobre os fenômenos físicos ou sociais, dizendo a ele sem pensar que Deus ou que o diabo eram responsáveis. Em harmonia com as crenças predominantes do povo judeu, Jesus estava disposto a aceitar a doutrina dos bons e dos maus espíritos como explicação possível dos fenômenos mentais e espirituais, mas, muito cedo, ele começou a duvidar de que essas influências não visíveis pudessem ser responsáveis pelos acontecimentos físicos do mundo natural.
123:3.4 (1359.5) Antes que Jesus tivesse seis anos de idade, no começo do verão do I ano a.C., Zacarias, Isabel e João, o filho deles, vieram visitar a família de Nazaré. Jesus e João tiveram um momento feliz durante esse que, segundo o que se lembravam, foi o seu primeiro encontro. Embora os visitantes só pudessem ficar por alguns dias, os parentes conversaram sobre muitas coisas, inclusive sobre os planos futuros para os seus filhos. E, enquanto se ocupavam com isso, os pequenos brincavam com blocos na areia, na parte de cima da casa, divertindo-se de muitas outras maneiras, ao verdadeiro modo dos meninos.
123:3.5 (1359.6) Tendo conhecido João, que viera de perto de Jerusalém, Jesus começou a demonstrar um interesse inusitado sobre a história de Israel e passou a perguntar, com detalhes profundos, sobre o significado dos ritos do sabat ou sábado, dos sermões na sinagoga e sobre as festas repetidas de comemorações. Seu pai explicou- lhe o significado de todas essas celebrações das estações. A primeira festa, a da iluminação festiva do meio do inverno, durava oito dias, começando com uma vela na primeira noite e adicionando uma nova a cada noite; e comemorava a consagração do templo depois da restauração dos serviços mosaicos por Judas Macabeu. Em seguida vinha a do princípio da primavera, a celebração de Purim, a festa de Ester e da libertação de Israel por intermédio dela. Logo viria a Páscoa solene, que os adultos celebravam em Jerusalém, quando possível, enquanto em casa as crianças lembrar-se-iam de que nenhum pão fermentado deveria ser comido durante toda a semana. Mais tarde vinha a festa das primeiras frutas, a entrada da colheita; e, afinal, a mais solene de todas, a festa do ano novo, o dia das expiações e propiciações. Embora algumas dessas celebrações e observâncias fossem difíceis para a jovem mente de Jesus entender, ele as ponderou seriamente e então aderiu à alegria da Festa de Tabernáculos, a estação anual de férias de todo o povo judeu, o tempo em que eles acampavam em tendas frondosas e entregavam-se à alegria e prazeres.
123:3.6 (1360.1) Durante esse ano, José e Maria tiveram um problema com as orações de Jesus. Ele insistia em falar ao seu Pai celeste do mesmo modo que falava a José, o seu pai terreno. Esse relaxamento do modo mais solene e reverente de comunicação com a Deidade era um tanto desconcertante para os seus pais, especialmente para a sua mãe, mas nada o persuadiria a mudar; ele diria as suas preces exatamente como lhe fora ensinado, depois do que ele insistia em ter “só uma pequena conversa com o meu Pai no céu”.
123:3.7 (1360.2) Em junho desse ano José cedeu a loja de Nazaré aos seus irmãos e, formalmente, começou o seu trabalho como empreiteiro. Antes que o ano terminasse, a renda da família havia mais do que triplicado. Nunca mais, até a morte de José, a família de Nazaré sentiu o aperto da pobreza. A família cresceu e ficou cada vez maior; e eles gastaram muito dinheiro com a educação e as viagens complementares, pois a renda crescente de José manteve-se no ritmo crescente das despesas.
123:3.8 (1360.3) Nos poucos anos seguintes, José fez uma quantidade considerável de trabalho em Caná, Belém (da Galiléia), Magdala, Naim, Séforis, Cafarnaum e En-dor, bem como muitas construções na região de Nazaré. À medida que Tiago crescia o suficiente para ajudar a sua mãe no trabalho da casa e cuidar das crianças mais novas, Jesus fazia viagens freqüentes a essas cidades e vilas vizinhas, com o seu pai. Jesus era um observador aguçado e adquiriu muito conhecimento prático nessas viagens para longe de casa; estava assiduamente acumulando conhecimentos a respeito do homem e do modo como todos viviam na Terra.
123:3.9 (1360.4) Nesse ano, Jesus fez grandes progressos ajustando os seus fortes sentimentos e os seus impulsos vigorosos às demandas da cooperação com a família e com a disciplina do lar. Maria era uma mãe amorosíssima, mas bastante exigente como disciplinadora. De muitos modos, contudo, José exercia um controle maior sobre Jesus, pois era hábito seu assentar-se com o menino e explicar-lhe tudo sobre as razões implícitas pelas quais havia a necessidade de disciplinar os desejos pessoais em deferência ao bem-estar e à tranqüilidade de toda a família. Depois de explicada a situação a Jesus, ele ficava, de um modo inteligente, sempre disposto a cooperar com os desejos dos seus pais e com as regras da família.
123:3.10 (1360.5) Grande parte do seu tempo disponível, quando a sua mãe não precisava da sua ajuda na casa, ele passava estudando as flores e plantas, de dia, e as estrelas à noite. Ele demonstrou uma tendência inconveniente de deitar de costas e ficar olhando contemplativamente para o céu estrelado até muito depois da hora de dormir, no seu bem ordenado lar em Nazaré.
123:4.1 (1361.1) Esse foi, sem dúvida, um ano movimentado na vida de Jesus. No início de janeiro, uma grande tempestade de neve aconteceu na Galiléia. A neve caiu até uns sessenta centímetros de altura; foi a neve mais intensa que Jesus viu durante a sua vida e uma das maiores de Nazaré em cem anos.
123:4.2 (1361.2) As distrações das crianças judias nos tempos de Jesus eram bastante limitadas; muito freqüentemente distraíam-se com as coisas mais sérias que observavam os mais velhos fazendo. Elas brincavam muito em casamentos e funerais, cerimônias que tanto presenciavam e que eram tão espetaculares. Elas dançavam e cantavam, mas havia poucos jogos organizados, do modo que as crianças atuais tanto gostam.
123:4.3 (1361.3) Jesus, na companhia de um garoto vizinho e mais tarde com o seu irmão Tiago, deliciava-se de brincar na esquina afastada da loja de carpintaria da família, onde se divertiam com a serralha e blocos de madeira. Sempre difícil para Jesus era compreender o mal contido em certos tipos de brincadeiras proibidas no sábado, mas nunca deixou de cumprir os desejos dos seus pais. Ele possuía uma capacidade de humor e de brincar que pouca oportunidade de expressão desfrutava nos ambientes daqueles dias e geração, e, até a idade de quatorze anos, ele esteve alegre e bem humorado a maior parte do tempo.
123:4.4 (1361.4) Maria mantinha um pombal no topo do estábulo, adjacente à casa; e eles usavam os lucros da venda dos pombos como um fundo especial de caridade, que Jesus administrava depois que tirava o dízimo e o entregava ao oficial da sinagoga.
123:4.5 (1361.5) O único acidente real que Jesus teve até essa época foi uma queda na escada do fundo, a qual levava até o quarto coberto de lona. Aconteceu em julho, durante uma tempestade inesperada de areia, vinda do leste. Os ventos quentes, trazendo rajadas de areia fina, via de regra sopravam durante a estação das chuvas, especialmente em março e abril. Era extraordinário que houvesse esse tipo de tempestade em julho. Quando a tempestade surgiu, Jesus estava no andar de cima da casa, brincando, como era o seu hábito, pois, durante grande parte da estação seca, era lá o seu local de brincar. Tendo sido cegado pela areia quando descia as escadas, Jesus caiu. Depois desse acidente José construiu uma balaustrada em ambos os lados da escada.
123:4.6 (1361.6) De nenhum modo esse acidente poderia ter sido impedido. Não era de se acusar as criaturas intermediárias, guardiãs temporais dele, de negligência; um intermediário primário e um secundário haviam sido designados para cuidar do menino; nem o serafim guardião podia ser acusado. Simplesmente não poderia ter sido evitado. Mas esse leve acidente tendo ocorrido enquanto José estava em En-dor, causou uma ansiedade tão grande na mente de Maria, que ela, agindo de um modo pouco sábio, tentou manter Jesus excessivamente perto de si durante alguns meses.
123:4.7 (1361.7) Os acidentes materiais, acontecimentos comuns de natureza física, não sofrem a interferência arbitrária das personalidades celestes. Sob circunstâncias normais, apenas as criaturas intermediárias podem intervir nas condições materiais para a salvaguarda pessoal dos homens e das mulheres do destino e, mesmo em situações especiais, esses seres só podem atuar assim em obediência a mandados específicos dos seus superiores.
123:4.8 (1361.8) E esse foi apenas um, de um sem número de tais acidentes menores que sobrevieram na vida desse inquisitivo e aventureiro jovem. Se vós visualizardes a meninice média de um menino e de um jovem bastante ativo, vós tereis uma idéia bastante boa da juventude de Jesus; e sereis capazes de imaginar a ansiedade que ele trouxe aos seus pais, particularmente à sua mãe.
123:4.9 (1362.1) O quarto membro da família de Nazaré, José, nasceu numa quarta-feira pela manhã, 16 de março do ano 1 d.C.
123:5.1 (1362.2) Jesus agora estava com sete anos, aquela idade em que se espera que as crianças judias comecem a sua instrução formal nas escolas das sinagogas. E, assim, em agosto desse mesmo ano, iniciou a sua movimentada vida escolar em Nazaré. Esse menino era um leitor já fluente e até escrevia e falava duas línguas, o aramaico e o grego. Estava agora para ambientar-se com a tarefa de aprender a ler, escrever e falar a língua hebraica. E Jesus estava realmente ávido pela nova vida escolar que tinha diante de si.
123:5.2 (1362.3) Durante três anos — até que completasse os dez — freqüentou a escola elementar da sinagoga de Nazaré. Nesse período de três anos, estudou os rudimentos do Livro da Lei como estava registrado na língua hebraica. Durante os três anos seguintes estudou na escola adiantada e memorizou, pelo método de repetir em voz alta, os ensinamentos mais profundos da lei sagrada. Graduou-se nessa escola da sinagoga, no seu décimo terceiro ano de vida e foi entregue aos seus pais pelos chefes da sinagoga como um instruído “filho do mandamento” — e, doravante, um cidadão responsável, da comunidade de Israel; o que lhe impunha assistir à Páscoa em Jerusalém; conseqüentemente, ele participou da sua primeira Páscoa naquele ano, em companhia do seu pai e da sua mãe.
123:5.3 (1362.4) Em Nazaré, os alunos sentavam-se no chão em um semicírculo, enquanto o professor, o chazam, o oficial da sinagoga, assentava-se de frente para eles. Começando com o Livro do Levítico, passavam a estudar os outros livros da lei, seguindo-se o estudo dos Profetas e dos Salmos. A sinagoga de Nazaré possuía uma cópia completa das escrituras em hebraico. Apenas as escrituras, e nada mais, eram estudadas antes do décimo segundo ano. Nos meses de verão, as horas da escola eram abreviadas em muito.
123:5.4 (1362.5) Muito cedo Jesus tornou-se um mestre em hebraico e, enquanto jovem ainda, quando acontecia que nenhum visitante proeminente estava de passagem por Nazaré, era-lhe muitas vezes solicitado que lesse as escrituras em hebraico para os fiéis reunidos na sinagoga nos serviços regulares de sábado.
123:5.5 (1362.6) Essas escolas das sinagogas, evidentemente, não tinham livros curriculares. Ao ensinar, o chazam pronunciaria uma afirmação enquanto os alunos repeti-la- iam em uníssono, em seguida. Pelo fato de ter acesso aos livros escritos da lei, o estudante aprendia a sua lição lendo em voz alta e pela repetição constante.
123:5.6 (1362.7) Em seguida, além da sua escolaridade mais formal, Jesus começou a ter contato com a natureza humana dos quatro cantos da Terra, pois homens de muitos locais entravam e saíam da loja de reparos do seu pai. Já com um pouco mais de idade, circulava livremente em meio às caravanas, enquanto os seus membros permaneciam perto da fonte para um descanso e para alimentar-se. Por falar fluentemente o grego, Jesus não tinha problemas em conversar com a maioria dos viajantes e condutores das caravanas.
123:5.7 (1362.8) Nazaré era um ponto de parada no caminho das caravanas de encruzilhada das rotas; e tinha uma grande população de gentios; ao mesmo tempo em que era bastante conhecida como um centro de interpretação liberal da lei tradicional dos judeus. Na Galiléia os judeus misturavam-se com os gentios, mais livremente do que era a prática comum na Judéia. E entre os judeus de todas as cidades da Galiléia, os de Nazaré eram os mais liberais na interpretação das restrições sociais baseadas nos medos da contaminação pelo contato com os gentios. E essas condições deram origem a um ditado em Jerusalém, que era: “Pode algo de bom vir de Nazaré?”
123:5.8 (1363.1) Jesus recebeu a sua educação moral e a sua cultura espiritual principalmente na sua própria casa. Grande parte da sua educação intelectual e teológica ele adquiriu do chazam. Mas a sua real educação — aquele aparato da mente e do coração para a luta real com os difíceis problemas da vida — ele obteve misturando- se aos seus irmãos homens. Foi essa associação íntima com os seus irmãos humanos, jovens e velhos, judeus e gentios, que lhe proporcionou a oportunidade de conhecer a raça humana. Jesus era altamente educado, no sentido em que, aos humanos, ele os entendia profundamente e os amava com devoção.
123:5.9 (1363.2) Durante os seus anos na sinagoga havia sido um estudante brilhante, tendo uma grande vantagem por ser fluente em três línguas. O chazam de Nazaré, na ocasião em que Jesus terminou o curso na sua escola, observou a José que temia que ele próprio “tivesse aprendido mais com a pesquisa para responder a Jesus” do que havia “tido a oportunidade de ensinar ao pequeno”.
123:5.10 (1363.3) Durante o correr dos seus estudos, Jesus aprendeu muito e se inspirou grandemente nos sermões regulares do sábado na sinagoga. Era costumeiro pedir aos visitantes ilustres, que passavam o sábado em Nazaré, que tomassem a palavra na sinagoga. À medida que Jesus cresceu, pode escutar muitos grandes pensadores do mundo judeu expondo seus pontos de vista; e muitos também que eram judeus pouco ortodoxos, pois a sinagoga de Nazaré era um centro avançado e liberal do pensamento e da cultura hebraica.
123:5.11 (1363.4) Ao entrar para a escola, aos sete anos (nessa época os judeus tinham acabado de inaugurar uma lei de educação compulsória), era costume que os alunos escolhessem o seu “texto de aniversário”, uma espécie de regra dourada a guiá-los durante os seus estudos, e sobre a qual eles tinham, certamente, de dissertar quando da sua graduação aos treze anos de idade. O texto que Jesus escolheu era do profeta Isaías: “O espírito do Senhor Deus está comigo, pois o Senhor me ungiu; ele me enviou para trazer boas-novas aos meigos, para consolar os de coração partido, para proclamar a liberdade aos cativos e para dar a liberdade aos prisioneiros espirituais”.
123:5.12 (1363.5) Nazaré era um dos vinte e quatro centros de sacerdócio da nação hebraica. Mas o sacerdócio da Galiléia era mais liberal, na interpretação das leis tradicionais, do que os escribas judeus e os rabinos. E em Nazaré, todos também eram mais liberais com respeito à observância do sábado. Era então costume de José levar Jesus para passear nas tardes de sábado e uma das caminhadas favoritas deles era subir o alto morro perto da casa, de onde eles podiam ter uma vista panorâmica de toda a Galiléia. A noroeste, em dias claros, eles podiam ver a longa cumeeira do monte Carmelo correndo até o mar; e muitas vezes Jesus ouviu o seu pai relatar a história de Elias, um dos primeiros daquela longa linhagem de profetas hebreus, que reprovou Arrab e desmascarou os sacerdotes de Baal. Ao norte, subia o pico nevado do monte Hermom, em um esplendor majestoso, que monopolizava a linha do céu, quase a mil metros de altura; as suas escarpas mais elevadas resplandecendo pelo branco das neves perpétuas. Ao longe, a leste, eles podiam divisar o vale do Jordão e ainda mais longe os rochosos montes de Moabe. E também ao sul e a leste, quando o sol brilhava sobre os seus paredões de mármore, eles podiam ver as cidades greco-romanas da Decápolis, com os seus anfiteatros e templos pretensiosos. E, quando eles voltavam-se para o pôr-do-sol, a oeste, podiam distinguir os barcos velejando no Mediterrâneo distante.
123:5.13 (1364.1) De quatro direções Jesus podia observar os grupos das caravanas enquanto seguiam os seus caminhos, entrando e saindo de Nazaré e, ao sul, a planície larga e fértil dos campos de Esdraelon, estendendo-se na direção do monte Gilboa e de Samaria.
123:5.14 (1364.2) Quando não escalavam os cumes para ver a paisagem distante, eles passeavam pelos campos e estudavam a natureza e os seus humores variados, de acordo com as estações. O primeiro aprendizado de Jesus, à parte aqueles dentro do próprio lar, teve a ver com um contato de reverência e de simpatia com a natureza.
123:5.15 (1364.3) Antes dos oito anos de idade, ele era conhecido de todas as mães e de todos os jovens de Nazaré, que o haviam encontrado e falado com ele na fonte, a qual não ficando longe da sua casa era um dos centros sociais de contato e de mexericos para toda a cidade. Nesse ano Jesus aprendeu a tirar o leite da vaca da família e a tomar conta dos outros animais. Ainda durante esse ano e no ano seguinte ele também aprendeu a fazer queijo e a tecer. Quando tinha dez anos de idade, ele já operava o tear com habilidade. E foi nessa época que Jesus e Jacó, o menino vizinho, tornaram-se grandes amigos do ceramista que trabalhava perto da fonte corrente; e enquanto eles observavam os dedos ágeis de Natam moldando a argila sobre a roda, muitas vezes ambos almejavam ser ceramistas quando crescessem. Natam queria muito bem aos garotos e sempre lhes dava argila para brincar; buscando estimular a sua imaginação criativa, sugeria que fizessem competições de modelagem de vários objetos e animais.
123:6.1 (1364.4) Esse foi um ano interessante na escola. Embora Jesus não fosse um estudante fora do comum, ele era um aluno aplicado e pertencia ao primeiro terço mais avançado da classe, fazendo o seu trabalho tão bem que era dispensado de estar presente por uma semana a cada mês. Essa semana ele usualmente passava com o seu tio pescador, nas praias do mar da Galiléia, perto de Magdala, ou na fazenda de um outro tio (irmão da sua mãe) a oito quilômetros ao sul de Nazaré.
123:6.2 (1364.5) Embora a sua mãe permanecesse excessivamente ansiosa com a sua saúde e segurança, gradativamente acostumou-se com essas viagens para fora de casa. Os tios e as tias de Jesus, todos o amavam muito tanto que surgiu entre eles uma disputa viva para assegurar a sua companhia nessas visitas mensais, nesse ano e nos anos imediatamente seguintes. A sua primeira semana de estada na fazenda do seu tio (desde a infância) foi em janeiro desse ano; a sua primeira semana de pescaria no mar da Galiléia aconteceu no mês de maio.
123:6.3 (1364.6) Nessa época, Jesus conheceu um professor de matemática de Damasco e, aprendendo algumas técnicas novas com os números, ele dedicou muito do seu tempo às matemáticas, durante vários anos. Desenvolveu um senso muito depurado para lidar com os números, distâncias e proporções.
123:6.4 (1364.7) Jesus começou a apreciar muito o seu irmão Tiago e, lá pelo fim desse ano, ele havia começado já a ensinar-lhe o alfabeto.
123:6.5 (1364.8) Nesse ano, Jesus fez arranjos para trocar produtos de leite por lições de harpa. Tinha um gosto excepcional para tudo da música. Mais tarde, tudo ele fez para promover o interesse pela música vocal entre os seus camaradas mais jovens. Na época em que tinha onze anos de idade, já tocava habilmente a harpa e sentia um grande prazer em entreter a família e os amigos com as suas interpretações extraordinárias e os seus belos improvisos.
123:6.6 (1365.1) Jesus continuava a fazer progressos invejáveis na escola mas as coisas não eram muito fáceis nem para os pais nem para os professores. Ele continuava a fazer muitas perguntas embaraçosas a respeito da ciência e da religião, e particularmente a respeito da geografia e da astronomia. Ele insistia especialmente em saber por que havia uma estação seca e uma estação chuvosa na Palestina. Repetidamente buscou a explicação para a grande diferença entre as temperaturas de Nazaré e as do vale do Jordão. Ele simplesmente nunca parou de fazer tais perguntas inteligentes, mas desconcertantes.
123:6.7 (1365.2) O seu terceiro irmão, Simão, nasceu em uma sexta-feira à noite, no dia 14 de abril desse que foi o ano 2 d.C.
123:6.8 (1365.3) Em fevereiro, Nahor, um dos professores de uma academia dos rabinos em Jerusalém, veio a Nazaré para observar Jesus, depois de haver cumprido uma missão semelhante na casa de Zacarias, perto de Jerusalém. Veio a Nazaré por uma sugestão do pai de João. Ao mesmo tempo em que, a princípio, ficou um tanto chocado com a franqueza de Jesus e sua maneira pouco convencional de se relacionar com as coisas da religião, ele atribuía isso à distância da Galiléia dos centros do ensino e da cultura hebraica e aconselhou a José e Maria que lhe permitissem levar Jesus consigo a Jerusalém, onde ele poderia ter as vantagens da educação e da instrução do centro da cultura judaica. De um certo modo Maria ficou persuadida a consentir; estava convencida de que o seu primogênito devia transformar-se no Messias, o libertador judeu; José ficou hesitante, e, mesmo convencido de que Jesus devia crescer e tornar-se um homem do destino, viu-se profundamente incerto quanto a qual devia ser esse destino. No entanto nunca realmente duvidou de que o seu filho iria cumprir uma grande missão na Terra. Quanto mais pensava sobre o conselho de Nahor, mais ele punha em dúvida se era sábio fazer esse estágio, como era proposto, em Jerusalém.
123:6.9 (1365.4) Por causa dessa diferença de opinião entre José e Maria, Nahor pediu permissão para colocar toda a questão para Jesus. Jesus escutou com atenção, conversou com José, com Maria e com um vizinho, Jacó, o pedreiro, cujo filho era o seu companheiro favorito, e, então, dois dias mais tarde, disse que, havendo uma tal divergência de opinião entre os seus pais e os conselheiros, e, posto que ele próprio não se sentia competente para assumir a responsabilidade por uma tal decisão, por não se sentir tão inclinado nem para uma decisão nem para a outra, finalmente, em vista de toda a situação, decidiu “conversar com o meu Pai que está no céu”; e, enquanto não estivesse absolutamente certo quanto à resposta, Jesus sentiu que deveria permanecer em casa “com o meu pai e a minha mãe”, e acrescentou: “eles que tanto me amam devem ser capazes de fazer mais por mim e de guiar-me de um modo mais seguro do que estranhos, que enxergam apenas o meu corpo e observam a minha mente, de fora, mas dificilmente podem me conhecer de verdade”. Todos ficaram maravilhados; e Nahor tomou o seu caminho de volta para Jerusalém. E se passaram muitos anos, antes que a questão de Jesus ir para longe de casa de novo voltasse a ser levada em consideração.
O Livro de Urântia
Documento 124
124:0.1 (1366.1) EMBORA Jesus pudesse ter desfrutado, em Alexandria, de uma oportunidade melhor para estudar, do que na Galiléia, ele não teria tido um ambiente tão esplêndido para trabalhar nos problemas da sua própria vida, com um mínimo de orientação educacional e, ao mesmo tempo, desfrutar da grande vantagem de estar em contato constante com um número tão vasto de todas as espécies de homens e mulheres, vindos de todas as partes do mundo civilizado. Houvesse ele permanecido na Alexandria e a sua educação teria sido dirigida pelos judeus e conduzida ao longo de uma linha exclusivamente judaica. Em Nazaré, ele assegurou uma educação e recebeu uma instrução que o preparou de modo mais aceitável para compreender os gentios; e deu a ele uma idéia melhor e mais equilibrada dos méritos relativos das visões da teologia hebraica oriental, ou babilônica, e da ocidental ou helênica.
124:1.1 (1366.2) Embora de fato não possa ser dito que Jesus tenha estado doente seriamente, ele teve algumas das doenças mais leves da infância nesse ano, junto com os seus irmãos e a sua irmã bebê.
124:1.2 (1366.3) Continuou na escola e era ainda um aluno favorecido, tendo uma semana livre a cada mês; e continuou a dividir o seu tempo igualmente entre as viagens às cidades da vizinhança com o seu pai, as permanências na fazenda do seu tio no sul de Nazaré e as excursões de pescaria em Magdala.
124:1.3 (1366.4) O problema mais sério, a acontecer ainda na escola, ocorreu no final do inverno quando Jesus ousou desafiar o chazam a respeito do ensinamento de que todas as imagens, pinturas e desenhos eram idólatras, pela sua natureza. Jesus deliciava-se em desenhar paisagens tanto quanto em modelar uma grande variedade de objetos em cerâmica. Tudo, nesse sentido, era estritamente proibido pela lei judaica, mas até esse momento Jesus havia conseguido desarmar as objeções dos seus pais de um modo tal que eles lhe tinham permitido continuar com essas atividades.
124:1.4 (1366.5) Mas o problema foi novamente levantado na escola, quando um dos alunos mais atrasados descobriu Jesus fazendo, a carvão, um desenho do professor no chão da sala de aula. Lá estava, claro como o dia; e muitos dos anciães tinham visto aquilo antes que o comitê fosse chamar José para exigir que algo fosse feito para acabar com o incumprimento da lei por parte do seu filho primogênito. E, embora não tenha sido essa a primeira vez que as reclamações chegavam a José e Maria, sobre as coisas que o seu versátil e ativo menino fazia, era essa a mais séria de todas as acusações que até então haviam sido lançadas contra ele. Jesus escutou a acusação, sobre os seus esforços artísticos, durante algum tempo, assentado que estava em uma grande pedra no lado de fora da porta dos fundos. Ele ressentiu-se de que houvessem culpado o seu pai pelos erros que alegavam haverem sido cometidos por ele; e assim avançou, destemidamente, para confrontar-se com os seus acusadores. Os anciães ficaram confusos. Alguns estavam inclinados a ver o episódio com humor, enquanto um ou dois pareciam pensar que o menino fosse um sacrílego, se não até blasfemo mesmo. José estava perplexo e Maria indignada, mas Jesus insistia em ser ouvido. E ele teve a palavra e, corajosamente, defendeu o seu ponto de vista com o consumado e amplo autocontrole e anunciou que se conformaria à decisão do seu pai, nesta, como em todas as outras questões controvertidas. E o comitê dos anciães partiu em silêncio.
124:1.5 (1367.1) Maria fez um esforço para influenciar José a permitir que Jesus modelasse a argila em casa, desde que ele prometesse não fazer nenhuma dessas atividades questionáveis na escola, mas José sentia-se compelido a impor que a interpretação rabínica do segundo mandamento devesse prevalecer. E, assim, Jesus não mais desenhou nem modelou à semelhança de nada, daquele dia em diante, durante todo o tempo em que viveu na casa do seu pai. Mas ele não estava convencido de que aquilo que havia feito era errado; e abandonar esse passatempo favorito constituiu-se em uma das maiores provações da sua vida de jovem.
124:1.6 (1367.2) Na segunda metade de junho, Jesus, na companhia do seu pai, pela primeira vez, escalou o cume do monte Tabor. Era um dia claro e a vista estupenda. Parecia, a este garoto de nove anos, que estava realmente contemplando o mundo inteiro, exceto a Índia, a África e Roma.
124:1.7 (1367.3) Marta, a segunda irmã de Jesus, nasceu em uma quinta-feira à noite, 13 de setembro. Três semanas depois da chegada de Marta, José, que estivera em casa, por um certo período, iniciou a construção de uma extensão da casa, uma combinação de oficina e de quarto de dormir. Uma pequena bancada de trabalho foi construída para Jesus e, pela primeira vez, ele teve ferramentas que lhe pertenciam. Nas horas vagas, durante muitos anos, ele trabalhou nessa bancada e tornou-se altamente perito em fazer juntas.
124:1.8 (1367.4) Esse inverno e o próximo foram, por muitas décadas, os mais frios em Nazaré. Jesus tinha visto a neve nas montanhas e, muitas vezes, ela havia caído em Nazaré, permanecendo no chão apenas por pouco tempo; mas, antes desse inverno, ele jamais tinha visto o gelo. O fato de que a água podia ser um sólido, um líquido e um vapor — e tanto havia ele já ponderado sobre o vapor a escapar das panelas ferventes — levou o pequeno a pensar bastante sobre o mundo físico e a sua constituição; e, todavia, a personalidade corporificada nesse jovem em crescimento era, durante todo esse tempo, a do verdadeiro criador e organizador de todas essas coisas, em todo um vastíssimo universo.
124:1.9 (1367.5) O clima de Nazaré não era severo. Janeiro era o mês mais frio, a temperatura média girando em torno de 10°C. Durante o mês de julho e agosto, os meses mais quentes, a temperatura variava entre 24° e 32° Celsius. Das montanhas até o Jordão e o vale do mar Morto, o clima da Palestina variava desde o frígido até o tórrido. E, assim, de um certo modo, os judeus estavam preparados para viver em todo e qualquer dos climas variáveis do mundo.
124:1.10 (1367.6) Mesmo durante os meses do mais quente verão, em geral, uma brisa fresca vinda do mar soprava do oeste, das dez da manhã até por volta das dez da noite. Mas, de quando em quando, terríveis ventos quentes vindos do leste do deserto sopravam por toda a Palestina. Essas rajadas quentes, em geral, vinham em fevereiro e março, perto da estação chuvosa. Nesses dias, de novembro a abril, a chuva caía em pancadas refrescantes, mas não chovia sem parar. Havia apenas duas estações na Palestina, o verão e o inverno, a estação seca e a estação chuvosa. Em janeiro, as flores começavam a florescer e, no fim de abril, toda a terra era um vasto jardim florido.
124:1.11 (1367.7) Em maio desse ano, na fazenda do seu tio, pela primeira vez, Jesus ajudou na colheita dos cereais. Antes que chegasse aos treze anos, tinha conseguido descobrir coisas sobre praticamente tudo com que os homens e as mulheres trabalhavam em Nazaré, exceto o trabalho em metal; sendo assim, ele passou vários meses em uma oficina de ferreiro quando ficou mais velho, depois da morte do seu pai.
124:1.12 (1368.1) Quando o trabalho e as viagens das caravanas estavam em baixa, Jesus fazia muitas viagens com o seu pai, por prazer ou a negócios, até perto de Caná, En-dor e Naim. Mesmo sendo um menino, ele visitava Séforis freqüentemente, a apenas pouco mais de cinco quilômetros a noroeste de Nazaré, e que fora, do ano 4 a.C. até cerca de 25 d.C., a capital da Galiléia e uma das residências de Herodes Antipas.
124:1.13 (1368.2) Jesus continuou a crescer, física, intelectual, social e espiritualmente. As suas viagens para longe de casa muito fizeram para dar a ele um entendimento melhor e mais generoso da sua própria família e, nessa época, mesmo os seus pais estavam começando a aprender dele, do mesmo modo como lhe ensinavam. Jesus era um pensador original e muito hábil para ensinar, mesmo quando ainda muito jovem. Ele entrava em constante desacordo com a chamada “lei transmitida oralmente”, mas sempre procurou adaptar-se às práticas da sua família. Dava-se bastante bem com as crianças da sua idade, mas freqüentemente ficava desencorajado com a lentidão das suas mentes. Antes de ter dez anos de idade, ele havia se transformado no líder de um grupo de sete garotos, que constituíram uma sociedade para a promoção dos quesitos do amadurecimento — físico, intelectual e religioso. Entre esses meninos, Jesus teve êxito em introduzir muitos novos jogos e vários métodos aperfeiçoados de recreação física.
124:2.1 (1368.3) Era o primeiro sábado do mês, 5 de julho, quando Jesus, enquanto passeava com o seu pai pelos campos no interior, pela primeira vez, deu expressão aos sentimentos e idéias que indicavam que ele estava tornando-se autoconsciente da natureza inusitada da missão da sua vida. José escutou atento as palavras importantes do seu filho e poucos comentários fez, não contribuindo com nenhuma informação. No dia seguinte Jesus teve uma conversa semelhante, mas mais longa, com a sua mãe. Maria, do mesmo modo, escutou os pronunciamentos do garoto, mas também ela não quis adiantar nenhuma informação. Quase dois anos depois é que Jesus novamente falou aos seus pais sobre a revelação que crescia dentro da sua própria consciência a respeito da natureza da sua personalidade e do caráter da sua missão na Terra.
124:2.2 (1368.4) Ele entrou na escola adiantada da sinagoga em agosto. Na escola, estava constantemente gerando impasses com as perguntas que continuava fazendo. E, cada vez mais, Jesus mantinha toda a Nazaré em uma espécie de efervescência. Aos seus pais repugnava a idéia de proibir que ele fizesse esses questionamentos inquietantes; e o seu professor principal estava bastante intrigado com a curiosidade do jovem, o seu discernimento interior e sua fome de conhecimento.
124:2.3 (1368.5) Os companheiros de Jesus nada viam de sobrenatural na sua conduta; pela maioria dos seus modos ele era exatamente como eles. O seu interesse nos estudos era de um certo modo acima do normal, mas não inteiramente inusitado. Na escola ele fazia mais perguntas do que os outros na sala de aula.
124:2.4 (1368.6) Talvez a sua característica mais incomum e destacada fosse a sua pouca disposição de lutar pelos direitos próprios. Como ele era um garoto tão bem desenvolvido para sua idade, parecia estranho aos seus companheiros que ele não estivesse inclinado a defender-se sequer das injustiças, nem quando submetido a abuso pessoal. Como quer que fosse, ele não sofria muito em vista dessa sua característica, por causa da sua amizade com Jacó, o garoto vizinho, que era um ano mais velho. Filho de um pedreiro, sócio de José nos negócios, Jacó era um grande admirador de Jesus e tomou a si a tarefa de fazer com que a ninguém fosse permitido impor-se a Jesus, às custas da aversão que ele tinha ao combate físico. Muitas vezes os jovens mais velhos e mais rudes atacavam Jesus, confiando na sua reputação de docilidade, mas eles sofriam sempre uma retribuição, rápida e certa, das mãos do seu abnegado campeão e defensor voluntário, Jacó, o filho do pedreiro.
124:2.5 (1369.1) Jesus, em geral, era o líder aceito dos meninos de Nazaré, daqueles que tinham os ideais mais elevados naqueles dias e na sua geração. Era realmente amado pelos companheiros do seu círculo, não apenas por ser justo, mas também por ser dono de uma simpatia rara e compreensiva que revelava amor e beirava uma compaixão discreta.
124:2.6 (1369.2) Nesse ano Jesus começou a demonstrar uma preferência marcante pela companhia de pessoas mais velhas. Deliciava-se em conversar sobre as coisas culturais, educacionais, sociais, econômicas, políticas e religiosas com mentes mais amadurecidas; e a sua profundidade de raciocínio e agudeza de observação tanto encantava aos seus amigos adultos que eles estavam sempre mais do que dispostos a dialogar com ele. Antes que se tornasse responsável por sustentar a casa, os seus pais estavam constantemente buscando conduzi-lo para que ele se ligasse àqueles da sua própria idade, ou mais próximos da sua idade, de preferência aos indivíduos mais velhos e mais bem informados, pelos quais ele evidenciava certa predileção.
124:2.7 (1369.3) Mais tarde, nesse ano, Jesus teve, com muito êxito, uma experiência de pescaria, durante dois meses, com o seu tio no mar da Galiléia. Antes de transformar-se em um homem adulto, era já um pescador de grande habilidade.
124:2.8 (1369.4) O seu desenvolvimento físico continuou; era um aluno adiantado e privilegiado na escola; em casa dava-se bastante bem com os seus irmãos e irmãs, todos mais jovens, tendo a vantagem de ser três anos e meio mais velho do que o mais velho deles. Ele era bem tido em Nazaré, menos pelos pais de alguns dos meninos mais obtusos, que sempre se referiam a Jesus como sendo muito atrevido, como não tendo a devida humildade e a reserva devida de um jovem. Ele manifestava uma tendência crescente de orientar as atividades das brincadeiras e dos jogos dos seus amigos jovens em uma direção mais séria e mais refletida. Jesus nascera para ensinar e simplesmente não podia refrear-se de agir assim, mesmo quando supostamente empenhado em brincar.
124:2.9 (1369.5) José começou muito cedo a ensinar-lhe os diversos meios para ganhar a vida, explicando as vantagens da agricultura sobre a indústria e o comércio. A Galiléia era um distrito mais belo e mais próspero do que a Judéia, e lá se gastava cerca de um quarto do que se gastava para viver em Jerusalém e na Judéia. Era uma província de aldeias agrícolas e de cidades industriais adiantadas, contendo mais de duzentas cidades com população de mais de cinco mil, e trinta de mais de quinze mil habitantes.
124:2.10 (1369.6) Quando da sua primeira viagem, com o seu pai, feita para observar a indústria de pesca no lago da Galiléia, Jesus havia acabado de se decidir por ser um pescador; mas a convivência estreita com a vocação do seu pai o levou, mais tarde, a tornar-se carpinteiro, enquanto, mais tarde ainda, uma combinação de influências levou-o à escolha final por tornar-se o instrutor religioso de uma nova ordem de coisas.
124:3.1 (1369.7) Durante esse ano Jesus continuou fazendo viagens para longe de casa com o seu pai, mas também visitava freqüentemente a fazenda do seu tio e, ocasionalmente, ia a Magdala para sair em pescaria com o tio que morava perto daquela cidade.
124:3.2 (1369.8) José e Maria muitas vezes se viram tentados a demonstrar algum favoritismo especial por Jesus ou a revelar o conhecimento de que ele era uma criança prometida, um filho do destino. Mas ambos sempre comportaram-se de modo extraordinariamente sábio e sagaz em relação a todas essas questões. Nas poucas vezes que, de qualquer modo, demonstraram alguma preferência por ele, mesmo no mais leve grau, o jovem foi logo rejeitando tal consideração especial.
124:3.3 (1370.1) Jesus passava um tempo considerável na loja de suprimentos para caravanas, e, assim, conversando com os viajantes de todas as partes do mundo, acumulou um volume incrível de informações sobre assuntos internacionais, considerando a sua idade. Esse foi o último ano no qual ele desfrutou de bastante tempo livre para as alegrias da juventude. Dessa época em diante, as dificuldades e responsabilidades multiplicaram-se rapidamente na vida desse jovem.
124:3.4 (1370.2) À noite, na quarta-feira, 24 de junho do ano 5 d.C., nasceu Judá. O nascimento dessa criança, a sétima, acarretou complicações. Durante várias semanas, Maria ficou tão doente que José permaneceu em casa. Jesus ficou muito ocupado, cuidando das tarefas do seu pai e dos muitos deveres ocasionados pela doença séria da sua mãe. Nunca mais a esse jovem foi possível voltar à atitude juvenil dos seus anos anteriores. Desde o tempo da doença da sua mãe — pouco antes dele fazer onze anos de idade — ele havia sido compelido a assumir as responsabilidades de primogênito; assim foi levado a fazê-lo um ou dois anos antes que essas cargas caíssem normalmente sobre os seus ombros.
124:3.5 (1370.3) O chazam, a cada semana, passava uma noite com Jesus, ajudando-o a aprofundar o seu domínio das escrituras hebraicas. E mantinha-se muito interessado no progresso do seu aluno, que era uma promessa; e, assim, estava disposto a ajudá-lo de muitos modos. Esse pedagogo judeu exerceu uma grande influência sobre aquela mente em crescimento, mas nunca foi capaz de compreender por que Jesus ficava tão indiferente a todas as suas sugestões concernentes ao projeto de ir para Jerusalém e continuar a sua educação com os doutos rabinos.
124:3.6 (1370.4) Em meados do mês de maio, o jovem acompanhou o seu pai em uma viagem de negócios a Sitópolis, a principal cidade grega da Decápolis, a antiga cidade hebraica de Betsean. No caminho, José contou grande parte da antiga história do rei Saul, dos filisteus e dos eventos subseqüentes da história turbulenta de Israel. Jesus ficou tremendamente impressionado com a aparência de limpeza e de ordem dessa cidade tida como pagã. Maravilhou-se com o teatro a céu aberto e admirou-se com a beleza do templo de mármore, dedicado à adoração dos deuses “pagãos”. José ficou bastante perturbado com o entusiasmo do jovem e tentou contrabalançar essas impressões favoráveis exaltando a beleza e a grandeza do templo judeu de Jerusalém. Da montanha de Nazaré, muitas vezes Jesus havia contemplado, com curiosidade, essa magnífica cidade grega e tantas vezes perguntara sobre os seus extensos edifícios públicos ornados; o seu pai todavia sempre procurara evitar responder a tais perguntas. Agora estavam face a face com as belezas dessa cidade gentia, e José não podia ignorar gratuitamente as perguntas de Jesus.
124:3.7 (1370.5) E aconteceu que os jogos competitivos anuais, exatamente naquele momento, estavam em andamento, bem como as demonstrações de preparo físico entre as cidades gregas da Decápolis, no anfiteatro de Sitópolis, e Jesus insistiu para que o seu pai o levasse para ver os jogos, e foi tão insistente que José hesitou em negar-lhe aquilo. O jovem ficou entusiasmado com os jogos e entrou, sinceramente, no espírito das demonstrações do desenvolvimento físico e da habilidade atlética. José ficou inexplicavelmente chocado de ver o entusiasmo do seu filho, diante daquelas exibições de vaidade “pagã”. Depois que os jogos terminaram, José tomou-se da maior surpresa da sua vida quando ouviu Jesus expressar a sua aprovação a eles e sugerir que seria bom para os jovens de Nazaré caso pudessem ser beneficiados de tal modo por aquelas atividades físicas ao ar livre. José falou honesta e longamente com Jesus sobre a natureza má de tais práticas, mas ele bem sabia que o filho não se convencera.
124:3.8 (1371.1) A única vez que Jesus viu o seu pai manifestar raiva com ele foi naquela noite no quarto da estalagem, quando, no decorrer da discussão, o jovem, então esquecido dos preceitos judeus, chegou a sugerir que, ao voltarem para casa, eles trabalhassem na construção de um anfiteatro em Nazaré. Quando José ouviu o seu primogênito expressando sentimentos tão pouco judaicos, esqueceu o seu comportamento calmo de costume e, tomando Jesus pelo ombro, furiosamente exclamou: “Meu filho, que eu não ouça nunca mais você exprimir um pensamento tão mau, enquanto você viver!” Jesus ficou assustado com aquela demonstração de emoção feita pelo seu pai; nunca antes tinha sido levado a sentir a indignação pessoal do seu pai e ficara atônito e chocado, mais do que era possível exprimir. E apenas respondeu: “Está bem, meu pai, assim será”. E nunca mais o jovem fez a mais leve alusão, de qualquer modo, aos jogos e outras atividades atléticas dos gregos, enquanto o seu pai viveu.
124:3.9 (1371.2) Posteriormente, Jesus viu o anfiteatro grego em Jerusalém e ficou sabendo o quanto essas coisas podem ser odiosas do ponto de vista judaico. Porém, durante a sua vida, esforçou-se para introduzir a idéia da recreação saudável nos seus planos pessoais e, até onde a prática judaica permitiu, no programa de atividades regulares dos seus doze apóstolos.
124:3.10 (1371.3) Ao final desse décimo primeiro ano de vida, Jesus era um jovem vigoroso, bem desenvolvido, moderadamente bem-humorado e bastante alegre, mas, desse ano em diante, ele tornava-se mais dado a períodos peculiares de profunda meditação e contemplação circunspecta. Era hábito pensar sobre como devia encarar as obrigações para com a sua família e, ao mesmo tempo, ser obediente ao chamado da sua missão para com o mundo; e, então, Jesus já concebia que o seu ministério não deveria se limitar a melhorar o povo judeu.
124:4.1 (1371.4) Esse foi um ano cheio de acontecimentos na sua vida. Jesus continuou a fazer progressos na escola e foi infatigável no seu estudo da natureza, e, cada vez mais firmemente, prosseguia nos seus estudos dos métodos pelos quais o homem ganha a vida. Começou a fazer um trabalho regular na carpintaria de casa e lhe foi permitido administrar os seus próprios ganhos, um arranjo muito inusitado para uma família judia. Nesse ano, também aprendeu como é sábio manter esses assuntos como um segredo de família. Estava tornando-se consciente de que tinha causado problemas na cidade, e, doravante, tornar-se-ia cada vez mais discreto, guardando segredo sobre tudo o que pudesse levá-lo a ser considerado como diferente dos seus companheiros.
124:4.2 (1371.5) Durante esse ano ele vivenciou muitos períodos de incerteza, para não dizer de dúvida real, a respeito da natureza da sua missão. A sua mente humana, em desenvolvimento natural, ainda não captava plenamente a realidade da sua natureza dual. O fato de que tivesse uma única personalidade tornava difícil para a sua consciência reconhecer a dupla origem dos fatores que compunham a natureza ligada àquela mesma personalidade.
124:4.3 (1371.6) Dessa época em diante ele teve mais êxito em lidar com os seus irmãos e irmãs. Cada vez com mais tato, era sempre mais compassivo e atento ao bem- estar e à felicidade deles; e manteve sempre um bom relacionamento com todos até o começo da sua ministração pública. Para ser mais explícito: ele dava-se de um modo excelente com Tiago, Míriam, e com as duas crianças mais jovens (ainda não nascidas, então), Amós e Rute, e sempre muito bem com Marta. Todo o problema que ele tinha em casa surgia, quase sempre, de atritos com José e Judá, particularmente com este último.
124:4.4 (1372.1) Foi uma experiência de provação, para José e Maria, realizar a formação dessa combinação sem precedentes de divindade e de humanidade; e ambos merecem um grande crédito por desincumbirem-se tão fielmente e com tanto sucesso das suas responsabilidades de progenitores. Os pais de Jesus iam compreendendo cada vez mais que havia algo de supra-humano residindo neste seu filho mais velho, mas eles nunca, sequer de longe, sonhariam que esse filho de promessa era de fato e na verdade o criador verdadeiro deste universo local de coisas e de seres. José e Maria viveram, e morreram, sem jamais saber que o seu filho Jesus realmente era o Criador do Universo, encarnado na carne mortal.
124:4.5 (1372.2) Nesse ano, Jesus deu mais atenção do que nunca à música; e continuou a ensinar aos seus irmãos e irmãs na escola de casa. E foi por volta dessa época que o jovem tornou-se mais claramente consciente da diferença entre os pontos de vista de José e Maria a respeito da natureza da sua missão. Ele ponderava muito sobre as opiniões divergentes dos seus pais, muitas vezes ao ouvir as suas discussões, quando eles julgavam que ele estava imerso em um profundo sono. Mais e mais se inclinava para a visão do seu pai, de um tal modo que a sua mãe estava destinada a sensibilizar-se com a percepção de que o seu filho estivesse gradualmente rejeitando a sua orientação para as questões que tinham a ver com a carreira da sua vida. E, à medida que os anos passaram, essa lacuna de compreensão ampliou-se. Cada vez menos Maria compreendia o significado da missão de Jesus, e, crescentemente, essa boa mãe ressentia-se com o fato de que o seu filho favorito não correspondesse às expectativas acalentadas por ela.
124:4.6 (1372.3) José alimentava uma crença, cada vez maior, na natureza espiritual da missão de Jesus. E, à parte outras razões mais importantes, parece uma pena de fato que ele não pudesse ter vivido para ver o cumprimento da sua noção do que era a auto-outorga de Jesus na Terra.
124:4.7 (1372.4) Durante o seu último ano na escola, quando tinha doze anos de idade, Jesus contestou perante o seu pai o costume judeu de tocar o pedaço de pergaminho, pregado no portal, todas as vezes que se entra ou que se sai da casa, em seguida sempre beijando o dedo que tocou o pergaminho. Como uma parte desse ritual, era costumeiro dizer: “O Senhor preservará o nosso sair e o nosso entrar, desta vez em diante e para sempre”. José e Maria tinham reiteradamente instruído a Jesus quanto às razões para não fazer imagens ou desenhar figuras, explicando que essas criações poderiam ser usadas com propósitos idólatras. Embora Jesus não compreendesse inteiramente as proscrições contra as imagens e figuras, ele possuía um alto conceito do que é a consistência lógica e, assim sendo, ele destacou para o seu pai a natureza essencialmente idólatra dessa obediência habitual, quanto ao pergaminho do portal. E José retirou o pergaminho, depois que Jesus houvera assim argumentado com ele.
124:4.8 (1372.5) Com o passar do tempo, Jesus fez muita coisa para modificar as práticas das formalidades religiosas dos seus pais, tais como as preces familiares e outros costumes. E foi possível fazer muitas dessas coisas em Nazaré, pois a sinagoga ali se encontrava sob a influência de uma escola liberal de rabinos, representada por José, o renomado instrutor de Nazaré.
124:4.9 (1372.6) Durante esse ano e os dois seguintes, Jesus sofreu um grande desgaste mental por causa do esforço constante de ajustar a sua visão pessoal das práticas religiosas e das amenidades sociais às crenças estabelecidas dos seus pais. Ele atormentava-se com o conflito entre o desejo de ser leal às suas próprias convicções e a exortação da sua consciência ao dever de ser submisso aos seus pais; o seu conflito supremo sendo entre os dois grandes comandos predominantes na sua mente jovem. Um era: “Sê leal aos ditames das tuas convicções mais elevadas sobre a verdade e a retidão”. O outro era: “Honrar o teu pai e a tua mãe, pois eles te deram a vida e te alimentaram desde então”. Contudo, Jesus nunca deixou de lado a responsabilidade de fazer os ajustes cotidianos necessários entre esses domínios: o da lealdade às convicções pessoais e o do dever para com a família. E alcançou a satisfação de saber fundir de um modo cada vez mais harmonioso as convicções pessoais e as obrigações familiares em um conceito magistral de solidariedade grupal, baseado na lealdade, na justiça, na tolerância e no amor.
124:5.1 (1373.1) Durante esse ano, o jovem de Nazaré passou da juvenilidade para o alvorecer da sua juventude como homem; a sua voz começou a mudar, e outros traços da sua mente e do seu corpo evidenciaram o estado iminente da fase de amadurecimento.
124:5.2 (1373.2) No domingo à noite, 9 de janeiro do ano 7 d.C., o seu irmão Amós nasceu. Judá não tinha ainda nem dois anos de idade e a irmã Rute estava ainda para vir; assim pode-se ver que Jesus tinha uma família bastante numerosa, de pequenas crianças, sob os seus cuidados, quando o seu pai encontrou sua morte acidental no ano seguinte.
124:5.3 (1373.3) Foi por volta do meio do mês de fevereiro que Jesus teve a certeza humana de que estava destinado a cumprir, na Terra, uma missão para a iluminação do homem e para a revelação de Deus. Decisões fundamentais, combinadas a planos de longo alcance, estavam sendo formulados na mente desse jovem que era, para efeitos externos, um jovem judeu dentro da média de Nazaré. A vida inteligente de todo o Nébadon contemplava fascinada e maravilhada a tudo que começava a se desenvolver no pensamento e na ação do filho do carpinteiro, agora adolescente.
124:5.4 (1373.4) No primeiro dia da semana, 20 de março, do ano 7 d.C., Jesus graduou-se no curso de instrução, da escola local ligada à sinagoga de Nazaré. Esse era um grande dia na vida de qualquer família judaica ambiciosa, o dia em que o filho primogênito era pronunciado um “filho do mandamento” e o primogênito resgatado do Senhor Deus de Israel, uma “criança do Altíssimo” e servo do Senhor de toda a Terra.
124:5.5 (1373.5) Na sexta-feira da semana anterior, José tinha retornado de Séforis, onde estivera encarregado dos trabalhos de um novo edifício público, para estar presente a essa ocasião festiva. Com muita confiança, o professor de Jesus acreditava que esse diligente e aplicado aluno estivesse destinado a alguma carreira de proeminência, a alguma missão distinguida. Os decanos, não obstante todo o problema que tinham tido com as tendências inconformistas de Jesus, estavam bastante orgulhosos do jovem e tinham já começado a tecer planos para capacitá-lo a ir para Jerusalém e continuar a sua educação nas renomadas academias hebraicas.
124:5.6 (1373.6) Quando ouvia esses planos sendo discutidos, de tempos em tempos, Jesus ficava ainda mais certo de que nunca iria a Jerusalém para estudar com os rabinos. Ele mal sonhava, todavia, com a tragédia iminente e que iria obrigá-lo mesmo a abandonar todos esses planos, que o levaria a assumir a responsabilidade do sustento e da direção de uma grande família, em breve consistindo já de cinco irmãos e três irmãs, bem como da sua mãe e dele próprio. Jesus teve uma experiência maior e mais longa, criando essa família, do que a que teve José, o seu pai; e demonstrou estar à altura do padrão que subseqüentemente estabeleceu para si próprio: o de tornar-se um mestre e um irmão mais velho sábio, paciente, compreensivo e eficiente para uma família — a sua família — assim tão subitamente tocada pela dor de uma perda inesperada.
124:6.1 (1374.1) Jesus, tendo agora atingido o limiar da vida de amadurecimento, e estando já graduado formalmente nas escolas da sinagoga, estava qualificado para ir a Jerusalém com os seus pais e participar com eles da celebração da sua primeira Páscoa. A festa da Páscoa desse ano caía em um sábado, 9 de abril, do ano 7 d.C. Um grupo numeroso (cento e três pessoas) preparou-se para partir de Nazaré, na segunda-feira, 4 de abril, pela manhã, rumo a Jerusalém. E viajaram para o sul, rumo a Samaria, mas ao chegar em Jezreel, tomaram a direção leste, rodeando o monte Gilboa até o vale do Jordão, para evitar passar por Samaria. José e a sua família teriam querido passar por Samaria, pelo caminho do poço de Jacó e de Betel, mas, posto que os judeus desgostavam de lidar com os samaritanos, decidiram ir com os seus vizinhos pelo caminho do vale do Jordão.
124:6.2 (1374.2) O muito temido Arquelau havia sido deposto, e eles pouco tinham a temer ao levar Jesus a Jerusalém. Doze anos eram passados, desde que o primeiro Herodes havia tentado destruir a criança de Belém; e ninguém agora pensaria em associar aquele caso a esse obscuro jovem de Nazaré.
124:6.3 (1374.3) Antes de chegar na encruzilhada de Jezreel, à medida que caminhavam para frente, muito em breve, à esquerda, eles passaram pela antiga aldeia de Shunem e, Jesus, outra vez, escutou a história da virgem mais bela de todo o Israel, que certa vez viveu lá; e também sobre as fantásticas obras que Eliseu havia realizado ali. Ao passar por Jezreel, os pais de Jesus contaram sobre a façanha de Ahab e de Jezebel e sobre a bravura de Jehu. Passando ao redor do monte Gilboa muito eles falaram sobre Saul, que tinha tirado a sua própria vida nos penhascos dessa montanha; do Rei Davi e de outros acontecimentos desse local histórico.
124:6.4 (1374.4) Ao passar pela periferia de Gilboa, os peregrinos puderam ver a cidade grega de Sitópolis à direita. Eles olharam as estruturas de mármore à distância e não chegaram muito perto da cidade gentia para não se sujarem, pois se o fizessem eles não poderiam participar das cerimônias solenes sagradas dessa Páscoa em Jerusalém. Maria não pôde compreender por que nem José nem Jesus falaram de Sitópolis. Ela não sabia da controvérsia que tinham tido no ano anterior, pois nada revelaram a ela desse episódio.
124:6.5 (1374.5) A estrada agora descia imediatamente até o vale tropical do Jordão e, logo, Jesus colocava o seu olhar de admiração sobre o tortuoso e sempre sinuoso Jordão, com as suas águas resplandecentes e ondulantes à medida que fluía para o mar Morto. Eles colocaram de lado os seus agasalhos enquanto viajavam para o sul nesse vale tropical, desfrutando dos campos luxuriantes de cereais e das belas oleáceas cobertas de flores rosadas, enquanto o maciço do monte Hermom, com a sua calota de neve, levantava-se ao longe no lado norte, dominando majestosamente o vale histórico. A pouco mais de umas três horas de viagem, de Sitópolis, eles chegaram a uma fonte borbulhante, e acamparam ali durante a noite, sob o céu estrelado.
124:6.6 (1374.6) No seu segundo dia de viagem passaram por onde o Jabok, vindo do leste, flui para o Jordão e, olhando para leste no vale desse rio, recordaram-se dos dias de Gideão, quando os medianitas invadiram essa região para ocupar as suas terras. No final do segundo dia de viagem acamparam perto da base da montanha mais alta, que domina o vale do Jordão, o monte Sartaba, cujo cume foi ocupado pela fortaleza alexandrina onde Herodes manteve presa uma das suas esposas e enterrou os seus dois filhos estrangulados.
124:6.7 (1375.1) No terceiro dia, passaram por duas aldeias que haviam sido recentemente construídas por Herodes e perceberam a sua arquitetura evoluída e os seus belos jardins de palmeiras. Ao cair da noite alcançaram Jericó, onde permaneceram até o dia seguinte. Naquela noite José, Maria e Jesus caminharam, por cerca de três quilômetros, até o local antigo de Jericó, onde Joshua, cujo nome foi dado a Jesus, tinha realizado as suas renomadas façanhas, de acordo com a tradição judaica.
124:6.8 (1375.2) No quarto e último dia de viagem, a estrada era uma contínua procissão de peregrinos. Agora eles começavam a escalar as colinas que levavam até Jerusalém. Ao chegarem ao topo podiam ver, ao fundo e ao sul do vale do Jordão, as montanhas sobre as águas quietas do mar Morto. Na metade do caminho até Jerusalém, Jesus pôde ver, pela primeira vez, o monte das Oliveiras (a região que se integraria como uma parte subseqüente da sua vida), e José indicou para ele que a Cidade Santa estava pouco além dessa crista; e o coração do garoto bateu mais depressa em uma antecipação da alegria que seria contemplar, em breve, a cidade e a casa do seu Pai celeste.
124:6.9 (1375.3) Nos declives a leste das Oliveiras eles fizeram uma pausa para descansar às margens de uma pequena aldeia chamada Betânia. Os aldeões hospitaleiros puseram- se a oferecer os seus préstimos aos peregrinos e aconteceu que José e a sua família haviam parado perto da casa de um certo Simão, que tinha três filhos com idades próximas da de Jesus — Maria, Marta e Lázaro. Eles convidaram a família de Nazaré para entrar e tomar um refresco; e então, uma amizade, que haveria de durar toda uma vida, floresceu entre as duas famílias. Muitas vezes, depois disso, na sua vida cheia de acontecimentos, Jesus passou por essa casa.
124:6.10 (1375.4) Logo se puseram a caminho e logo chegaram ao alto do monte das Oliveiras; e, pela primeira vez (segundo a sua memória), Jesus viu a Cidade Santa, os palácios pretensiosos e os templos inspiradores do seu Pai. Em nenhuma época da sua vida, Jesus provou uma experiência de emoção tão puramente humana como nesta que nesse momento o tomou completamente, quando ele parou ali nessa tarde de abril no monte das Oliveiras, sorvendo a sua primeira vista de Jerusalém. E nos anos posteriores, nesse mesmo local, ele deteve-se e chorou sobre a cidade que estava a ponto de rejeitar um outro profeta, o último e o maior dos seus mestres celestes.
124:6.11 (1375.5) Mas, apressados, eles tomaram o caminho de Jerusalém. Agora já era quinta- feira à tarde. Ao chegar na cidade, eles passaram pelo templo, e nunca Jesus havia visto uma tal multidão de seres humanos. Ele meditou profundamente sobre como esses judeus haviam-se reunido ali, vindos das partes mais distantes do mundo conhecido.
124:6.12 (1375.6) Pouco depois chegaram ao local previsto, onde se iriam acomodar durante a semana da Páscoa, a casa ampla de um parente abastado de Maria o qual, por intermédio de Zacarias, conhecia algo do início da história de João e de Jesus. No dia seguinte, o Dia da Preparação, eles aprontaram-se para a celebração própria do sábado de Páscoa.
124:6.13 (1375.7) Embora toda Jerusalém estivesse ocupada com as preparações da Páscoa, José encontrou tempo para levar o seu filho para dar uma volta e visitar a academia onde tinha sido arranjado para ele continuar a sua educação, dois anos mais tarde, tão logo alcançasse a idade necessária de quinze anos. José ficou de fato perplexo ao observar quão pequeno era o interesse evidenciado por Jesus por todos aqueles planos tão cuidadosamente elaborados.
124:6.14 (1375.8) Jesus ficou profundamente impressionado com o templo e com todos os serviços e as outras atividades ligadas ao mesmo. Pela primeira vez, desde os quatro anos de idade, estava ele ocupado demais com as próprias meditações a ponto de não fazer tantas perguntas. E, ainda assim, ele fez ao seu pai várias perguntas embaraçosas (como tinha feito em ocasiões anteriores), tais como por que o Pai celeste exigia o sacrifício de tantos animais inocentes e desamparados. E o seu pai sabia muito bem, pois lia na expressão do rosto do jovem, que as suas respostas e tentativas de explicação eram insatisfatórias para aquele jovem filho, de pensamentos tão profundos e raciocínio tão preciso.
124:6.15 (1376.1) No dia anterior ao sábado da Páscoa, uma torrente de iluminação espiritual atravessou a mente mortal de Jesus e preencheu o seu coração humano, até transbordar de piedade e compaixão afetuosa pelas multidões espiritualmente cegas e moralmente ignorantes que se reuniam para celebrar a Páscoa, na antiga comemoração. Esse foi um dos dias mais extraordinários que o Filho de Deus passou na carne; e, durante a noite, pela primeira vez na sua carreira terrena, apareceu para ele um mensageiro especial de Sálvington, enviado por Emanuel, que disse: “É chegada a hora. Já é tempo de começares a cuidar dos assuntos do teu Pai”.
124:6.16 (1376.2) E, assim, antes mesmo de que as pesadas responsabilidades da família de Nazaré caíssem sobre os seus jovens ombros, surgia esse mensageiro celeste para relembrar agora a este jovem, que ainda não havia completado treze anos de idade, de que a hora era chegada, de começar a retomar as responsabilidades de um universo. Esse foi o primeiro ato de uma longa seqüência de acontecimentos que culminaram finalmente na consumação completa da auto-outorga do Filho, em Urântia, e na restituição do “governo de um universo aos seus ombros humano- divinos”.
124:6.17 (1376.3) Com o passar do tempo, o mistério da encarnação tornou-se cada vez mais insondável para todos nós. Dificilmente poderíamos compreender que este jovem de Nazaré fosse o criador de todo o Nébadon. Ainda hoje, não compreendemos como o espírito deste mesmo Filho Criador e o espírito do seu Pai, do Paraíso, estão relacionados às almas da humanidade. Com o passar do tempo, pudemos ver que a sua mente humana, enquanto ele vivia a sua vida na carne, discernia cada vez mais que, em espírito, a responsabilidade de um universo repousava sobre os seus ombros.
124:6.18 (1376.4) E assim termina a carreira do jovem de Nazaré; e começa a narrativa sobre o ser adolescente — o ser divino humano cada vez mais autoconsciente — que agora começa a contemplação da sua carreira no mundo, ao mesmo tempo em que luta para integrar o propósito, em expansão, da sua vida, aos desejos dos seus pais e às suas obrigações para com a sua família e para com a sociedade do seu tempo e idade.
O Livro de Urântia
Documento 125
125:0.1 (1377.1) NENHUM episódio, em toda a movimentada carreira de Jesus na Terra, foi mais atraente e mais humanamente emocionante do que essa que foi a sua primeira visita relembrável a Jerusalém. Ele estava especialmente estimulado pela experiência de comparecer sozinho às discussões no templo, e isso se destacou durante muito tempo na sua memória como o grande acontecimento da sua segunda infância e começo da juventude. Essa era a sua primeira oportunidade de aproveitar de uns poucos dias de vida independente, na alegria de ir e de vir sem constrangimento nem restrições. Esse breve período de vida sem imposições, durante a semana que veio depois da Páscoa, foi a primeira completamente livre de responsabilidades que ele jamais havia gozado. E muitos anos decorreriam antes que ele tivesse novamente um período livre de todo o senso de responsabilidade, ainda que por um curto tempo.
125:0.2 (1377.2) As mulheres raramente iam à festa de Páscoa em Jerusalém; não lhes era exigido que estivessem presentes. Jesus, entretanto, recusou-se terminantemente a ir, a menos que sua mãe pudesse acompanhá-los. E, quando sua mãe decidiu ir, muitas outras mulheres de Nazaré foram levadas a fazer a viagem, e desse modo o grupo da Páscoa de Nazaré tinha, proporcionalmente ao de homens, o maior número de mulheres a terem ido à Páscoa. De quando em quando, a caminho de Jerusalém, eles cantavam o Salmo 130.
125:0.3 (1377.3) Desde o momento em que deixaram Nazaré, até que tivessem alcançado o monte das Oliveiras, Jesus vivenciou uma longa tensão de expectativa antecipada. E, em toda a sua alegre infância, havia ouvido falar de Jerusalém e do seu templo reverentemente; agora, em breve ele iria contemplá-los na realidade. Do monte das Oliveiras e do lado de fora, em uma vista mais aproximada, o templo era tudo e até mais do que Jesus esperava; mas, tão logo ele entrou nos seus portais sagrados, a grande desilusão teve início.
125:0.4 (1377.4) Em companhia dos seus pais Jesus passou pelos recintos do templo, para reunir-se ao grupo de novos filhos da lei que estava para ser consagrado como cidadãos de Israel. Ele ficou um pouco desapontado pelo comportamento geral das multidões no templo, mas o primeiro grande choque do dia veio quando sua mãe os abandonou no intuito de ir para a galeria das mulheres. Nunca havia ocorrido a Jesus que a sua mãe não iria acompanhá-lo às cerimônias de consagração, e ele estava profundamente indignado com o fato de que ela havia sido levada a sofrer essa discriminação injusta. Enquanto ele ressentia-se fortemente disso, à parte alguns poucos comentários de protesto feitos ao seu pai, ele nada disse. Mas pensou, e pensou profundamente, como exatamente ficou demonstrado quando fez novas perguntas aos escribas e aos professores uma semana mais tarde.
125:0.5 (1377.5) Jesus participou dos rituais da consagração, mas ficara decepcionado com a natureza superficial e rotineira deles. E perdera aquele interesse pessoal que caracterizava as cerimônias da sinagoga de Nazaré. E então retornou para saudar a sua mãe e preparar-se para acompanhar o seu pai na sua primeira volta pelo templo e suas várias praças, galerias e corredores. Os recintos do templo podiam acomodar mais de duzentos mil adoradores ao mesmo tempo, e a vastidão desses prédios — em comparação com qualquer outro que ele havia antes visto — impressionou muito a sua mente; no entanto estava mais curioso para observar a significação espiritual das cerimônias e cultos do templo.
125:0.6 (1378.1) Embora muitos dos rituais do templo hajam tocado o seu senso do belo e do simbólico, ele ficou decepcionado sempre com a explicação dos sentidos reais dessas cerimônias, que os seus pais ofereceram em resposta às suas muitas perguntas perspicazes. Jesus simplesmente não aceitava as explicações para a adoração e a devoção religiosa envolvendo a crença na ira de Deus ou na braveza atribuída ao Todo-Poderoso. Numa discussão posterior dessas questões, depois de concluírem a visita ao templo, quando o seu pai insistiu com suavidade para que ele declarasse aceitar as crenças ortodoxas judaicas, Jesus voltou-se subitamente para os seus pais e, olhando com apelo dentro dos olhos do seu pai, disse: “Meu pai, não pode ser verdade — o Pai nos céus não pode tratar assim os seus filhos que erram pela Terra. O Pai celeste não pode amar os seus filhos menos do que tu me amas. E eu sei bem, não importa quão pouco sábio seja o que eu possa chegar a fazer, tu não irias jamais derramar a tua ira sobre mim, nem expandir a tua raiva em mim. Se tu, meu pai terreno, possuis esses reflexos humanos do divino, quão mais pleno de bondade não deve ser o Pai celeste e transbordante de misericórdia. Eu me recuso a acreditar que o meu Pai nos céus me ame menos do que o meu pai na Terra”.
125:0.7 (1378.2) Quando José e Maria ouviram essas palavras vindas do seu primogênito, eles ficaram em paz. E nunca mais novamente procuraram mudar a sua opinião sobre o amor de Deus e a misericórdia do Pai nos céus.
125:1.1 (1378.3) Em todos os lugares por onde ia, pelos pátios do templo, Jesus ficava chocado e enojado com o clima de irreverência que observava. Considerava a conduta da multidão no templo como sendo inconsistente com a presença deles na “casa do seu Pai”. E o grande choque da sua jovem vida veio quando o seu pai o acompanhou à praça dos gentios, onde se ouvia um jargão espalhafatoso, um vozeio alto, um praguejar e tudo isso misturado indiscriminadamente aos balidos das ovelhas e ao murmúrio ruidoso que denunciava a presença de cambistas de moedas e vendedores de animais para o sacrifício e de diversas outras mercadorias comerciais.
125:1.2 (1378.4) Mas, acima de tudo, o seu senso de conveniência sentiu-se ultrajado quando viu as cortesãs frívolas circulando nesse recinto do templo, mulheres tão pintadas como as que ele havia visto recentemente, quando em visita a Séforis. Essa profanação do templo alevantou totalmente a sua jovem indignação, e ele não hesitou em expressar tudo isso livremente a José.
125:1.3 (1378.5) Jesus admirava o sentimento e o serviço do templo, mas estava chocado com a feiúra espiritual que via nas faces de tantos dos adoradores irrefletidos.
125:1.4 (1378.6) Eles passavam agora pela praça dos sacerdotes, abaixo da saliência da rocha, em frente do templo, onde o altar ficava, e observavam a matança de manadas de animais e a lavagem do sangue das mãos dos sacerdotes que oficiavam a chacina na fonte de bronze. A calçada manchada de sangue, as mãos dos sacerdotes intumescidas de sangue, e os grunhidos dos animais que morriam eram mais do que este jovem amante da natureza podia suportar. A visão terrível deixou o jovem de Nazaré doente; ele agarrou o braço do seu pai e implorou que fosse levado embora dali. Eles voltaram pela praça dos gentios, e, mesmo em meio ao riso grosseiro e aos gracejos profanos que eram ouvidos ali, tudo era um alívio para a visão que havia acabado de ter.
125:1.5 (1379.1) José viu como o seu filho ficara enojado ao ver os ritos do templo e, sabiamente, o levou para ver a “porta da beleza”, a porta artística feita de bronze coríntio. Jesus, todavia, já havia visto o suficiente para essa sua primeira visita ao templo. Eles voltaram para a praça superior em busca de Maria e caminharam ao ar livre, afastando-se da multidão durante uma hora, vendo o palácio Asmoneano, a casa governamental de Herodes e a torre dos guardas romanos. Durante essa caminhada, José explicou a Jesus que só aos habitantes de Jerusalém era permitido testemunhar os sacrifícios diários no templo e que os habitantes da Galiléia vinham três vezes por ano para participar do culto do templo: na Páscoa, na festa de Pentecostes (sete semanas depois da Páscoa) e na Festa de Tabernáculos, em outubro. Essas festas haviam sido instauradas por Moisés. E então eles conversaram sobre essas duas festas mais recentemente estabelecidas, a da consagração e a de Purim. Em seguida foram para os seus alojamentos e se prepararam para a celebração da Páscoa.
125:2.1 (1379.2) Cinco famílias de Nazaré e os seus amigos foram convidados pela família de Simão, de Betânia, para a celebração da Páscoa; Simão havia comprado o cordeiro pascal para todo o grupo. A matança desses cordeiros, em quantidades tão enormes, era o que tinha afetado tanto a Jesus, na sua visita ao templo. O plano, para a Páscoa, era de comer com os parentes de Maria, mas Jesus persuadiu os seus pais a aceitarem o convite para irem a Betânia.
125:2.2 (1379.3) Naquela noite eles reuniram-se para os ritos da Páscoa, comendo a carne tostada com o pão sem levedura e as ervas amargas. A Jesus, sendo ele um novo filho da aliança, lhe foi pedido que contasse sobre a origem da Páscoa; e ele fez isso muito bem, mas deixou os próprios pais desconcertados, de uma certa maneira, ao incluir várias observações que refletiam, com suavidade, as impressões causadas na sua mente jovem, mas profunda, pelas coisas que ele havia visto e ouvido tão recentemente. Esse era o começo das cerimônias dos sete dias da festa da Páscoa.
125:2.3 (1379.4) Mesmo ainda tão jovem, Jesus, embora não tivesse dito nada sobre essas questões aos seus pais, havia começado a se perguntar sobre como seria celebrar a Páscoa sem a matança de cordeiros. Ele sentiu-se seguro no seu próprio pensamento de que o Pai no céu não estava contente com esse espetáculo de ofertas de sacrifícios e, com o passar dos anos, ele tornou-se cada vez mais determinado a estabelecer a celebração de uma Páscoa sem sangue, algum dia.
125:2.4 (1379.5) Jesus pouco dormiu naquela noite. O seu descanso foi bastante perturbado por sonhos revoltantes, de matanças e de sofrimentos. A sua mente estava perturbada e o seu coração dilacerado por causa das inconsistências e absurdos da teologia de todo o sistema judaico de cerimônias. Os seus pais do mesmo modo dormiram pouco. Eles ficaram bastante desconcertados com os acontecimentos do dia que terminava. Tinham os seus corações completamente perturbados pela atitude determinada e, para eles, estranha, do jovem. Maria ficou nervosamente agitada durante a primeira parte da noite, mas José permaneceu calmo, embora estivesse igualmente intrigado. Ambos temiam falar francamente com o jovem sobre esses problemas, embora Jesus, muito prazerosamente, tivesse querido conversar com os seus pais, caso eles tivessem ousado encorajá-lo.
125:2.5 (1379.6) Os serviços do dia seguinte, no templo, foram mais aceitáveis para Jesus e em muito colaboraram para aliviar as memórias desagradáveis do dia anterior. Na manhã seguinte o jovem Lázaro tomou Jesus pela mão, e começaram uma exploração sistemática de Jerusalém e dos seus arredores. Antes que o dia tivesse acabado, Jesus descobriu os diversos locais perto do templo nos quais havia conferencistas a ensinar e a responder perguntas; e, à parte umas poucas visitas ao santo dos santos, nas quais ele se perguntara com espanto o que estava realmente por trás do véu da separação, ele passou a maior parte do seu tempo perto do templo, nessas conferências de ensino.
125:2.6 (1380.1) Durante a semana da Páscoa, Jesus se manteve no seu lugar junto aos novos filhos do mandamento, e isso significava que ele devia assentar-se do lado de fora da grade que separava todas as pessoas que não eram cidadãos completos de Israel. Assim, sendo obrigado a tomar consciência da sua juventude, ele absteve-se de fazer as muitas perguntas que iam e vinham na sua mente; ao menos ele se conteve até que as celebrações da Páscoa tivessem chegado ao fim, pois, com isso, também as restrições aos jovens recém-consagrados ficavam suspensas.
125:2.7 (1380.2) Na quarta-feira da semana da Páscoa, foi permitido a Jesus ir para casa com Lázaro e passar a noite em Betânia. Nessa noite, Lázaro, Marta e Maria ouviram Jesus falar sobre coisas temporais e eternas, humanas e divinas e, daquela noite em diante, todos os três passaram a amá-lo como se fosse um irmão deles.
125:2.8 (1380.3) No fim da semana, Jesus viu Lázaro menos, pois este não tinha o direito de ser admitido nem no círculo mais externo das discussões do templo, embora fosse a algumas palestras públicas dadas nas praças externas. Lázaro era da mesma idade que Jesus, mas, em Jerusalém, os jovens raramente eram admitidos à consagração dos filhos da lei antes que tivessem treze anos completos de idade.
125:2.9 (1380.4) Durante a semana da Páscoa, os pais de Jesus encontrá-lo-iam muitas vezes assentado a sós com as mãos na sua cabeça jovem, pensando profundamente. Eles nunca o haviam visto comportar-se daquela maneira e estavam sentidamente perplexos, não sabendo o quão confusa estaria a mente dele nem quais problemas havia no seu espírito por causa da experiência pela qual estava passando; e eles não sabiam o que fazer. Ficaram contentes com o final da semana da Páscoa, pois almejavam ter de volta em Nazaré, a salvo, aquele filho de atitudes tão estranhas.
125:2.10 (1380.5) Dia após dia, Jesus pensava em todos os questionamentos. Ao final da semana ele tinha feito já muitas adequações; mas, quando chegou a hora de voltar para Nazaré, a sua mente jovem ainda fervilhava de perplexidades e era ainda assaltada por uma série de perguntas não respondidas e questões por resolver.
125:2.11 (1380.6) Antes que tivessem deixado Jerusalém, em companhia do professor de Jesus em Nazaré, José e Maria tomaram as providências definitivas para que Jesus voltasse, quando ele tivesse a idade de quinze anos, para começar o seu longo curso de estudos, em uma das mais conhecidas academias dos rabinos. Jesus acompanhou os seus pais e o seu professor nas visitas à escola, mas eles ficaram ansiosos ao observarem o quão indiferente ele parecera a tudo o que disseram e fizeram. Maria estava profundamente atormentada com as suas reações à visita a Jerusalém, e José profundamente perplexo com as observações estranhas do jovem e a sua conduta incomum.
125:2.12 (1380.7) Afinal, a semana de Páscoa tinha sido um grande acontecimento na vida de Jesus. Ele desfrutara da oportunidade de encontrar um grande número de rapazes da sua própria idade, companheiros candidatos à consagração e utilizara desses contatos como meio de aprender sobre o modo de vida do povo na Mesopotâmia, Turquestão e Pérsia, tanto quanto nas províncias do extremo oriente de Roma. Ele estava já bastante familiarizado com o modo com o qual os jovens do Egito e de outras regiões perto da Palestina eram criados e cresciam. Havia milhares de meninos em Jerusalém nessa época e o jovem de Nazaré pode conhecer e entrevistar, pessoalmente, de forma mais ou menos prolongada, mais de cento e cinqüenta deles. Estivera particularmente interessado naqueles que provinham dos países do extremo ocidente e do oriente mais remoto. Como resultado desses contatos o jovem começou a alimentar um desejo de viajar pelo mundo com o propósito de aprender como os vários grupos dos seus irmãos trabalhavam para viver.
125:3.1 (1381.1) Havia sido arranjado para que o grupo de Nazaré se reencontrasse perto do templo, no primeiro dia da semana seguinte, no meio da manhã, depois que o Festival da Páscoa houvesse terminado. Eles fizeram isso e iniciaram o retorno a Nazaré. Jesus tinha ido ao templo para ouvir as discussões, enquanto os seus pais esperavam pela reunião de todos viajantes. Em breve, o grupo preparou- se para partir, os homens caminhando em um grupo e as mulheres em outro, como era o costume ao viajar para os festivais de Jerusalém. Jesus havia ido para Jerusalém em companhia da sua mãe e das mulheres. E, sendo agora um homem consagrado, supunha-se que fizesse o caminho de volta para Nazaré em companhia do seu pai e dos outros homens. Mas, tão logo o grupo de Nazaré movimentou-se, na direção de Betânia, Jesus estava tão completamente absorto na discussão sobre os anjos, no templo, que se esqueceu totalmente de que passara o momento da partida dos seus pais. E só percebeu que havia sido deixado para trás na hora da interrupção das conferências do templo, ao meio-dia.
125:3.2 (1381.2) Os viajantes de Nazaré não sentiram a falta de Jesus porque Maria supunha que ele viajava com os homens, enquanto José pensava que ele viajava com as mulheres, pois tinha vindo a Jerusalém com elas guiando o jumento de Maria. E não descobriram a sua ausência senão quando chegaram a Jericó e se preparavam para passar a noite. Depois de perguntarem aos últimos grupos que chegaram a Jericó e, verificando que nenhum deles tinha visto o seu filho, eles passaram uma noite sem dormir, remoendo nas suas mentes o que poderia ter acontecido, relembrando as suas inúmeras reações inusitadas aos acontecimentos da semana da Páscoa e, com suavidade, repreendendo-se um ao outro por não terem feito com que ele estivesse no grupo antes que partissem de Jerusalém.
125:4.1 (1381.3) Nesse meio tempo, Jesus havia permanecido no templo durante a tarde, ouvindo às discussões e desfrutando de uma atmosfera a mais quieta e decorosa, pois as grandes multidões da semana da Páscoa tinham já praticamente desaparecido. Depois da conclusão das discussões da tarde, de nenhuma das quais Jesus havia participado, ele partiu para Betânia, chegando exatamente na hora em que a família de Simão fazia-se pronta para tomar a refeição da noite. Os três jovens estavam cheios de alegria de poderem estar com Jesus que permaneceu na casa de Simão naquela noite; no entanto, ele pouco conversou, passando grande parte da noite a sós, no jardim, meditando.
125:4.2 (1381.4) Cedo, no dia seguinte, Jesus estava de pé e a caminho do templo. Parou no topo do monte das Oliveiras, e as lágrimas derramaram-se dos seus olhos por causa da vista que contemplava — um povo espiritualmente empobrecido, tolhido pelas tradições e vivendo sob a vigilância de legiões romanas. Bem cedo, pela manhã, Jesus encontrava-se já no templo com a sua mente pronta para tomar parte nas discussões. Enquanto isso, José e Maria também estavam, já bem cedo, de pé e com a intenção de retomar o caminho até Jerusalém. Primeiro, eles se apressaram a ir até a casa dos seus parentes, onde se tinham alojado como uma família durante a semana da Páscoa; todavia ficou claro o fato de que ninguém havia visto Jesus. Depois de procurarem o dia inteiro sem encontrarem sequer um vestígio dele, voltaram para a casa dos seus parentes para passarem a noite.
125:4.3 (1382.1) Na segunda conferência, Jesus tinha ousado fazer umas perguntas e participara, de uma maneira muito surpreendente, das discussões no templo mas sempre de um modo consistente com a sua juventude. Algumas vezes as suas perguntas incisivas eram um tanto embaraçosas para os doutos professores da lei judaica, mas ele evidenciava um tal espírito de honestidade cândida, combinada a uma fome evidente de conhecimento, que a maioria dos professores do templo se viu disposta a tratá-lo com toda a consideração. Quando, no entanto, ele presumiu perguntar sobre a justiça que seria condenar à morte um gentio bêbado que havia vagado pelo lado de fora da praça dos gentios e que, inadvertidamente, entrara nos recintos proibidos e reputadamente sagrados do templo, um dos mais intolerantes professores ficou impaciente com as críticas implícitas do jovem e, olhando furiosamente para ele, perguntou quantos anos tinha. Jesus respondeu: “Treze anos, menos pouco mais de quatro meses”. “Então”, retomou o professor agora irado: “Por que estás aqui, desde que não tens a idade de um filho da lei?” E quando Jesus explicou que havia recebido a consagração durante a Páscoa, e que era um estudante das escolas de Nazaré, que tinha completado os seus estudos, os professores em um acorde único retorquiram com ironia: “Deveríamos ter sabido; ele é de Nazaré”. Mas o líder insistiu que Jesus não devia ser inculpado, se os dirigentes da sinagoga em Nazaré tinham-no efetivamente graduado, quando ele tinha doze anos de idade em vez de treze; e, não obstante vários dos seus caluniadores haverem abandonado o local, a regra era de que o jovem devesse participar sem ser perturbado, como um aluno, nas discussões do templo.
125:4.4 (1382.2) Quando terminou esse seu segundo dia no templo, novamente Jesus foi para Betânia, passar a noite. E, novamente, ficou no jardim para meditar e orar. Evidentemente a sua mente estivera preocupada na contemplação de problemas graves.
125:5.1 (1382.3) O terceiro dia de Jesus com os escribas e os professores no templo testemunhou a reunião de muitos espectadores que, havendo ouvido falar desse jovem da Galiléia, vieram para usufruir da experiência de presenciar o jovem confundir os homens sábios da lei. Simão também veio de Betânia, para ver o que o menino faria. Durante esse dia, José e Maria continuaram a sua procura ansiosa por Jesus, indo mesmo por várias vezes, até o templo, mas nunca pensando em escrutinar os vários grupos de discussões, embora houvessem tido a impressão, em determinado momento, de terem ouvido a voz fascinante dele à distância.
125:5.2 (1382.4) Antes que o dia houvesse terminado, toda a atenção do principal grupo de discussão do templo estava focalizada nas perguntas feitas por Jesus. Entre as suas muitas perguntas estavam:
125:5.3 (1382.5) 1. O que realmente existe no santo dos santos, atrás do véu?
125:5.4 (1382.6) 2. Por que as mães em Israel deviam ser segregadas dos adoradores masculinos do templo?
125:5.5 (1382.7) 3. Se Deus é um Pai que ama os seus filhos, por que toda essa matança de animais para ganhar o favor divino — teriam os ensinamentos de Moisés sido mal interpretados?
125:5.6 (1382.8) 4. Se o templo é dedicado à adoração do Pai no céu, é coerente permitir a presença daqueles que estão empenhados em meras trocas seculares e no comércio?
125:5.7 (1382.9) 5. O esperado Messias será um príncipe temporal a assentar-se no trono de Davi, ou irá ele funcionar como a luz da vida para o estabelecimento de um Reino espiritual?
125:5.8 (1383.1) E, durante todo o dia, aqueles que o escutaram, maravilharam-se com essas perguntas, e ninguém ficara mais atônito que Simão. Durante mais de quatro horas, esse jovem de Nazaré pressionou os instrutores judeus com perguntas que instigavam o pensamento e que sondavam os corações. Ele fazia poucos comentários sobre as respostas dos mais velhos. Passava o seu ensinamento por meio das perguntas que fazia. Com a frase hábil e sutil de uma pergunta, ao mesmo tempo desafiava o ensinamento deles e sugeria o seu próprio. Pelo seu modo de formular uma pergunta, havia uma atraente combinação de sagacidade e de humor que o tornavam querido até mesmo por aqueles que mais ou menos se ressentiam da sua juventude. Ele era sempre eminentemente justo e cheio de consideração, pelo modo como fazia as perguntas penetrantes. Nessa tarde memorável, no templo, Jesus demonstrou aquela mesma relutância em tirar vantagem injusta de um oponente, coisa que caracterizou toda a sua ministração pública subseqüente. Enquanto jovem, e mais tarde como um homem, ele parecia estar totalmente isento de todo o desejo egoísta de vencer uma discussão para experimentar meramente um triunfo lógico sobre os seus semelhantes; estando interessado supremamente apenas em uma coisa: em proclamar a verdade perene e assim efetuar uma revelação mais completa do Deus eterno.
125:5.9 (1383.2) Quando o dia terminou, Simão e Jesus dirigiram-se para Betânia. Durante a maior parte do caminho, o homem e o menino permaneceram em silêncio. De novo Jesus parou no cume do monte das Oliveiras, mas enquanto via a cidade e o seu templo Jesus não chorou; apenas inclinou a sua cabeça em uma devoção silenciosa.
125:5.10 (1383.3) Depois da refeição da noite, em Betânia, novamente ele declinou-se de juntar- se ao círculo feliz; em vez disso, indo para o jardim, lá se demorou noite adentro, empenhando-se em vão em encontrar algum plano definido de abordagem da questão do trabalho da sua vida e de como decidir o que de melhor fazer para revelar aos seus irmãos, espiritualmente cegos, um conceito mais belo do Pai celeste e, desse modo, libertá-los da sua terrível servidão à lei, ao ritual, ao cerimonial e à tradição obsoleta. Mas nenhuma luz clara veio ao jovem buscador da verdade.
125:6.1 (1383.4) Estranhamente, Jesus encontrava-se esquecido dos seus pais terrenos; mesmo no desjejum, quando a mãe de Lázaro observou que os seus pais deviam estar em casa naquele momento, Jesus não pareceu compreender que eles deveriam estar, de algum modo, preocupados por ele haver ficado para trás.
125:6.2 (1383.5) Novamente Jesus caminhou até o templo, mas não parou para meditar no topo do monte das Oliveiras. Durante as discussões da manhã, grande parte do tempo foi devotada à lei e aos profetas; e os instrutores ficaram espantados por Jesus estar tão familiarizado com as escrituras tanto em hebreu, quanto em grego. Todavia, estavam mais estupefatos com a sua pouca idade do que com os seus conhecimentos da verdade.
125:6.3 (1383.6) Nas palestras da tarde, mal haviam começado a responder a sua pergunta relacionada ao propósito da prece, quando o líder convidou o jovem a adiantar-se e, assentando-se ao seu lado, instou-o a falar sobre a sua própria visão a respeito da prece e da adoração.
125:6.4 (1383.7) Na noite anterior, os pais de Jesus haviam ouvido falar sobre um estranho adolescente que tão primorosamente argumentava com os comentadores da lei, mas não lhes ocorrera que fosse o seu filho. Haviam decidido ir até a casa de Zacarias, pois pensavam que Jesus poderia ter ido até lá para ver Isabel e João. Pensando que Zacarias pudesse talvez estar no templo, pararam lá a caminho da cidade de Judá. E, passando pelas praças do templo, imaginai a surpresa deles e o seu assombro quando reconheceram a voz do jovem desaparecido e o viram assentado entre os instrutores do templo.
125:6.5 (1384.1) José ficou incapaz de falar, mas Maria deu vazão à sua emoção, por tanto tempo contida, de medo e ansiedade, e, correndo até o jovem, agora de pé para saudar os seus pais atônitos, ela disse: “Meu filho, por que nos trataste desse modo? Já faz mais de três dias que o seu pai e eu procuramos desesperadamente por ti. O que te deu para nos abandonar?” Foi um momento tenso. Todos os olhos estavam voltados para Jesus, para ouvir o que ele diria. O seu pai olhou para ele em reprovação, mas sem nada dizer.
125:6.6 (1384.2) Deve ser lembrado que era de se esperar que Jesus fosse como um jovem cresido. Ele havia acabado a escola regular de um menino, havia sido reconhecido como um filho da lei e recebera a consagração como cidadão de Israel. E, ainda assim, a sua mãe, mais do que levemente o repreendia perante todo o povo reunido, bem no meio do esforço mais sério e sublime da sua jovem vida; conduzindo a um fim inglório, assim, uma das maiores oportunidades que jamais lhe seriam concedidas para atuar como um instrutor da verdade, um pregador da retidão, um revelador do caráter amoroso do seu Pai no céu.
125:6.7 (1384.3) Mas o jovem mostrou estar à altura das circunstâncias. Se levardes em justa consideração todos os fatores que se combinaram para criar essa situação, estareis mais bem preparados para penetrar a sabedoria da resposta do jovem à censura sem intenção da sua mãe. Depois de pensar por um momento, Jesus respondeu à sua mãe, dizendo: “Por que me procuraste por tanto tempo? Não devias esperar encontrar-me na casa do meu Pai, já que é chegado o momento em que devo cuidar dos assuntos do meu Pai?”
125:6.8 (1384.4) Todos ficaram surpreendidos com a maneira do jovem falar. Silenciosamente foram se retirando e deixaram-no de pé sozinho, com os seus pais. Em breve o jovem rapaz aliviou a todos os três, de um embaraço, dizendo calmamente: “Ora, meus pais, ninguém fez nada senão aquilo que supunha ser o melhor. O nosso Pai nos céus determinou estas coisas; voltemos para casa”.
125:6.9 (1384.5) E partiram em silêncio, chegando em Jericó para passar a noite. Apenas uma vez eles pararam, e foi no cume do monte das Oliveiras, quando o jovem levantou o seu bastão para o alto e, agitando o corpo da cabeça aos pés sob a onda de uma intensa emoção, disse: “Ó Jerusalém, Jerusalém, e seus habitantes, que escravos sois — subservientes ao jugo romano e vítimas das vossas próprias tradições — , mas eu voltarei para purificar o templo e para libertar o meu povo dessa servidão!”
125:6.10 (1384.6) Durante os três dias de viagem a Nazaré, Jesus pouco falou; e os seus pais pouco disseram na sua presença. Ficaram realmente sem entender a conduta do seu primogênito; mas guardaram nos seus corações o que ele dissera, ainda que não pudessem compreender plenamente o significado daquilo.
125:6.11 (1384.7) Ao chegarem em casa, Jesus fez uma breve declaração aos seus pais, assegurando a sua afeição por eles e deixando implícito que não havia nada a temer, pois ele não daria de novo oportunidade para que sofressem ansiedades em conseqüência da sua conduta. E concluiu essa declaração significativa dizendo: “Embora eu deva cumprir a vontade do meu Pai no céu, eu serei também obediente ao meu pai na Terra. Aguardarei a minha hora”.
125:6.12 (1384.8) Embora, na sua mente, por muitas vezes, Jesus chegasse a recusar a consentir nos esforços bem intencionados, mas mal orientados, dos seus pais, não aceitando que eles ditassem o andamento do seu pensamento nem que estabelecessem o plano do seu trabalho na Terra, ainda assim, e de um modo totalmente consistente com a sua dedicação a fazer a vontade do seu Pai do Paraíso, ele conformou-se, com toda a graça, aos desejos do seu pai terreno e aos costumes da sua família na carne. E, mesmo nas coisas em que não podia consentir, tudo de possível ele faria para conformar-se. Ele era um artista na questão do ajustamento da sua dedicação ao dever para com as suas obrigações de lealdade à família e serviço ao semelhante.
125:6.13 (1385.1) José ficara confuso, mas Maria, refletindo sobre essas experiências, ficou confortada, finalmente, considerando aquela elocução, no monte das Oliveiras, como sendo profética da missão messiânica do filho dela, como o libertador de Israel. Ela se pôs a trabalhar com energia renovada, para orientar os pensamentos de Jesus nos canais patrióticos e nacionalistas e recorreu aos esforços do seu irmão, o tio favorito de Jesus; e de vários outros modos a mãe de Jesus dedicou-se à tarefa de preparar o seu primeiro filho para assumir a liderança daqueles que iriam restaurar o trono de Davi retirando para sempre aquele povo da servidão política e do jugo dos gentios.
O Livro de Urântia
Documento 126
126:0.1 (1386.1) DE TODAS as experiências de Jesus, na sua vida na Terra, o décimo quarto e o décimo quinto anos foram os mais cruciais. Esses dois anos, após haver-se tornado autoconsciente da sua própria divindade e destino e antes do momento em que começaria a se comunicar, de um modo mais amplo com o seu Ajustador residente, foram os anos de maior provação da sua movimentada vida em Urântia. É esse período de dois anos que deveria ser chamado de a grande prova, a tentação real. Nenhum ser humano jovem, passando pelas primeiras confusões e ajustamentos aos problemas da adolescência, jamais experimentou um teste mais crucial do que aquele pelo qual Jesus passou durante essa transição até a adolescência e a maturidade.
126:0.2 (1386.2) Esse importante período de desenvolvimento, na juventude de Jesus, começou com a conclusão da visita a Jerusalém e o retorno a Nazaré. A princípio, Maria estava feliz com o pensamento de que, uma vez mais o seu filho estava de volta e que Jesus havia voltado para casa para ser um filho dócil — não que ele tivesse jamais sido de um outro modo — e que ele seria, daí em diante, mais sensível aos planos que ela havia feito para a sua vida no futuro. Mas não seria por muito tempo que ela iria aquecer-se ao calor desse sol de ilusão maternal e de orgulho familiar inconsciente; logo iria desiludir-se mais completamente. Cada vez mais o jovem permanecia apenas em companhia do seu pai, e menos vinha até ela trazendo os seus problemas; mas, ao mesmo tempo, ambos não conseguiam compreender as freqüentes alternâncias dele, entre os assuntos deste mundo e a contemplação da sua relação com os assuntos do seu Pai celeste. Dizendo com franqueza, eles não o compreendiam, mas certamente o amavam.
126:0.3 (1386.3) À medida que Jesus crescia, a piedade e o amor que tinha pelo povo judeu aprofundavam-se, mas, com o passar dos anos, desenvolveu-se na sua mente um justo ressentimento pela presença, no templo do seu Pai, de sacerdotes politicamente escolhidos. Jesus tinha um grande respeito pelos fariseus sinceros e pelos escribas honestos, mas tinha pelos fariseus hipócritas e pelos teólogos desonestos um grande desprezo; via com desdém todos os líderes religiosos que não eram sinceros. Quando examinava minuciosamente a conduta dos dirigentes de Israel, algumas vezes, ficava tentado a ver favoravelmente a possibilidade de tornar-se o Messias segundo a expectativa dos judeus, mas nunca cedeu a tal tentação.
126:0.4 (1386.4) A história das suas façanhas diante dos sábios do templo em Jerusalém foi gratificante para toda a Nazaré, especialmente para os seus antigos professores da escola da sinagoga. Durante um certo tempo, um elogio a Jesus estava em todos os lábios. Toda a aldeia relatava a sabedoria da sua infância e a sua conduta meritória, e predizia que ele estava destinado a tornar-se um grande líder de Israel; finalmente um grande mestre estava para sair de Nazaré, na Galiléia. E eles todos se rejubilavam antecipadamente com a época em que ele iria fazer quinze anos de idade, quando lhe seria permitido ler regularmente as escrituras na sinagoga no sábado.
126:1.1 (1387.1) No calendário, esse ano 8 d.C. é o ano do seu décimo quarto aniversário. Ele havia-se transformado em um fabricante de cangas e trabalhava bem com a lona e com o couro. Havia-se tornado rapidamente também um hábil carpinteiro e marceneiro. E nesse verão ele fizera viagens freqüentes até o alto da colina, a noroeste de Nazaré, para orar e meditar. Estava gradativamente ficando mais autoconsciente da natureza da sua auto-outorga na Terra.
126:1.2 (1387.2) Esta colina havia sido, há pouco mais de cem anos, “o ponto alto de Baal”; e agora era o local da tumba de Simeão, um renomado homem santo de Israel. Do topo da colina de Simeão, Jesus podia ver toda a Nazaré e o campo à sua volta. Divisava Meguido e lembrava-se da história do exército egípcio tendo a sua primeira grande vitória na Ásia; e de como, mais tarde, outro exército derrotara Josias, o rei judeu. E, não muito ao longe, Jesus podia ver Tanac, onde Débora e Barak derrotaram Sisera. E, ainda, ao longe, podia ver as colinas de Dotan, onde, segundo os ensinamentos, os irmãos de José venderam-no à escravidão egípcia. E, ao voltar a sua vista para Ebal e Gerizim, rememorava-se das tradições de Abraão, de Jacó, e de Abimeleque. E de tudo isso ele se relembrava na sua mente, e revirava os acontecimentos históricos e tradicionais do povo do seu pai José.
126:1.3 (1387.3) Jesus continuava com os seus cursos avançados de leitura, sob a orientação dos mestres da sinagoga; e também prosseguia dando instrução aos seus irmãos e irmãs, em casa, quando atingiam as idades apropriadas.
126:1.4 (1387.4) No princípio desse ano, José arranjou um modo de reservar a renda das suas propriedades de Nazaré e Cafarnaum, para pagar o longo curso de Jesus em Jerusalém, tendo sido planejado que ele se mudaria para Jerusalém em agosto do próximo ano, quando fizesse quinze anos de idade.
126:1.5 (1387.5) Quando começou esse ano, tanto José quanto Maria alimentavam freqüentes dúvidas quanto ao destino do seu primogênito. De fato era uma criança brilhante e adorável, mas era tão difícil de entender, tão duro de penetrar e, por outro lado, nada de extraordinário ou miraculoso jamais vinha dele. Quantas vezes a sua orgulhosa mãe havia aguardado, em uma antecipação quase sem fôlego, à espera de ver o seu filho executar algum feito supra-humano ou miraculoso, mas as suas esperanças eram sempre desfeitas em uma decepção cruel. E tudo isso a deixava desencorajada e mesmo abatida. O povo devoto daqueles dias acreditava, de verdade, que os profetas e os homens prometidos sempre manifestariam a comprovação da sua missão e estabeleceriam a sua autoridade divina realizando milagres e coisas prodigiosas. Mas Jesus não fazia nenhuma dessas coisas; por isso a confusão dos seus pais crescia com o passar do tempo, quando contemplavam o futuro dele.
126:1.6 (1387.6) A condição econômica melhorada da família de Nazaré refletia-se, de muitos modos, na casa e especialmente no grande número de tábuas brancas lisas que eram usadas como quadros para escrever, as letras sendo feitas com carvão. Jesus também podia retomar as suas aulas de música, pois gostava muito de tocar harpa.
126:1.7 (1387.7) Durante todo esse ano, pode-se dizer, em verdade, que Jesus “cresceu no favorecimento dos homens e de Deus”. As perspectivas da família pareciam boas; o futuro resplandecia.
126:2.1 (1388.1) Tudo ia bem até aquela terça-feira fatídica, 25 de setembro, quando um mensageiro de Séforis trouxe a esse lar em Nazaré a trágica notícia de que José havia sido gravemente ferido pela queda de um mastro, enquanto trabalhava na residência do governador. O mensageiro de Séforis havia parado na oficina, a caminho da casa de José, e informara a Jesus sobre o acidente do seu pai, e eles foram juntos até a casa para levar as notícias tristes a Maria. Jesus desejou ir imediatamente até onde estava o seu pai, mas Maria nada escutaria, não quis senão apressar-se para ficar ao lado do seu marido. E decidiu que Tiago, então com dez anos de idade, iria acompanhá-la a Séforis, enquanto Jesus permaneceria em casa com as crianças mais novas, até que ela retornasse, já que não sabia quão seriamente José estava ferido. Mas José morreu por causa dos ferimentos, antes de Maria chegar até ele. Trouxeram-no para Nazaré e, no dia seguinte, foi enterrado junto aos seus pais.
126:2.2 (1388.2) Logo naquele momento, em que as perspectivas eram boas e o futuro parecia prometedor, uma mão aparentemente cruel abatia-se sobre o pai dessa família de Nazaré. Os assuntos da casa ficaram interrompidos, e todos os planos para Jesus e a sua instrução foram por terra. Este jovem carpinteiro, agora com pouco mais de quatorze anos de idade, despertou para a compreensão de que não apenas tinha de cumprir a missão do seu Pai celeste, de revelar a natureza divina na Terra e na carne, mas que seria necessário que a sua jovem natureza humana assumisse, também, a responsabilidade de tomar conta da sua mãe viúva e de sete irmãos e irmãs — e de um outro mais, que estava para nascer. Este jovem de Nazaré, agora, tornava-se o único esteio e conforto dessa família tão subitamente enlutada. Assim, pois, foram permitidos que ocorressem esses fatos de ordem natural em Urântia, fatos que forçariam este jovem predestinado a assumir tão cedo as responsabilidades tão pesadas, mas altamente educativas e disciplinadoras, de tornar-se o dirigente de uma família humana, de tornar-se pai dos seus próprios irmãos e irmãs, de sustentar e proteger a sua mãe, de funcionar como guardião do lar do seu pai, o único lar no qual viveria enquanto neste mundo.
126:2.3 (1388.3) Jesus aceitou de bom grado as responsabilidades tão subitamente confiadas a ele e assumiu-as fielmente até o fim. Pelo menos um grande problema e uma dificuldade, que se antecipavam em sua vida, haviam sido resolvidos de forma trágica — não seria agora esperado que ele fosse para Jerusalém, estudar com os rabinos. E continuaria verdadeiro que Jesus “não seria acólito de ninguém”. Ele estava sempre à disposição para aprender, mesmo da mais humilde das criancinhas, mas jamais obteve de fontes humanas a autoridade para ensinar a verdade.
126:2.4 (1388.4) E, contudo, Jesus nada sabia da visita feita por Gabriel à sua mãe antes do seu nascimento; e soube disso, por meio de João, só no dia do seu batismo, no começo da sua ministração pública.
126:2.5 (1388.5) Com o passar dos anos, este jovem carpinteiro de Nazaré avaliava cada vez mais aprimoradamente as instituições da sociedade e o uso de cada religião, por meio do invariável teste: O que faz pela alma humana? Ela traz Deus ao homem? Leva o homem a Deus? Conquanto este jovem não negligenciasse os aspectos recreativos e sociais da vida, cada vez mais ele devotava o seu tempo e suas energias a dois propósitos apenas: cuidar da sua família e preparar-se para cumprir, na Terra, a vontade celeste do seu Pai.
126:2.6 (1389.1) Nesse ano, tornou-se costume os vizinhos aparecerem durante as tardes de inverno, para ouvir Jesus tocar a harpa, para escutar as suas histórias (pois o jovem era mestre em contar histórias); e para escutá-lo lendo partes das escrituras gregas.
126:2.7 (1389.2) Os assuntos econômicos da família continuavam a correr tranqüilamente, pois havia uma boa soma de dinheiro à mão, no momento da morte de José. Jesus, muito cedo, demonstrou possuir tino e sagacidade para os negócios financeiros. Ele era liberal, mas com simplicidade; era econômico, mas generoso. Revelou-se um administrador sábio e eficiente dos bens do seu pai.
126:2.8 (1389.3) Contudo, a despeito de tudo o que Jesus e os vizinhos de Nazaré pudessem fazer para trazer alegria àquela casa, Maria, e também as crianças, estavam cheias de tristeza. José havia partido; ele tinha sido excepcional como marido e como pai, e todos sentiam a sua falta. Parecia ainda mais terrivelmente trágico pensar que o seu pai morrera antes que eles pudessem conversar com ele, e antes de receberem uma bênção de despedida.
126:3.1 (1389.4) Em meados do seu décimo quinto ano — e estamos considerando o tempo de acordo com o calendário do século vinte, não pelo ano judeu — , Jesus possuía, sob suas mãos firmes, a direção da sua família. Antes que esse ano tivesse passado, contudo, as economias deles haviam desaparecido e estavam enfrentando a necessidade de dispor de uma das casas de Nazaré, a qual José possuía em sociedade com o seu vizinho Jacó.
126:3.2 (1389.5) Na quarta-feira, 17 de abril do ano 9 d.C., à noite, nasceu Rute, o bebê da família. E, com a sua melhor disposição, Jesus empenhou-se em ocupar o lugar do seu pai, confortando e ministrando à sua mãe durante essa provação difícil e peculiarmente triste. Por quase vinte anos (até ele começar o seu ministério público) nenhum pai poderia ter amado e cuidado de uma filha com mais afeição e fidelidade do que Jesus cuidou da pequena Rute. E ele foi um pai igualmente bom para todos os outros membros da sua família.
126:3.3 (1389.6) Durante esse ano, pela primeira vez, Jesus formulou a oração que posteriormente ensinou aos seus apóstolos e que, para muitos, havia-se tornado conhecida como o “O Pai nosso”. Num certo sentido, ela representou o auge do altar familiar; pois eles tinham muitas formas de louvar e várias preces formais. Depois da morte do seu pai, Jesus tentou ensinar às crianças mais velhas como se expressar individualmente na prece — do modo como ele tanto gostava de fazer — , mas elas não podiam compreender o seu pensamento e, inevitavelmente, voltavam às preces memorizadas. E, nesse esforço de estimular os seus irmãos e irmãs maiores a dizer preces individuais, Jesus tentaria conduzi-los por meio de frases sugestivas mas logo, sem intenção da parte dele, acontecia que acabavam todos usando uma forma de oração construída, em grande parte, a partir daquelas linhas sugestivas que Jesus lhes havia ensinado.
126:3.4 (1389.7) Finalmente Jesus desistiu da idéia de ter todos os membros da família fazendo preces espontâneas e, em uma noite de outubro, ele assentou-se perto da pequena lâmpada, junto à mesa baixa de pedra e, com um pedaço de carvão, escreveu em uma tábua quadrada lisa de cedro, de uns quarenta e cinco centímetros de lado, a oração que, desde aquele momento, tornou-se a prece modelo da sua família.
126:3.5 (1389.8) Nesse ano Jesus foi bastante atormentado por reflexões confusas. As responsabilidades familiares tinham, de um modo eficaz, apagado todos os pensamentos de cumprir imediatamente qualquer plano que dizia respeito àquilo que a visitação de Jerusalém lhe impunha, no sentido de que ele “cuidasse dos assuntos do seu Pai”. Jesus raciocinou, acertadamente, que cuidar da família terrena do seu pai devia ter precedência sobre todos os deveres; que sustentar a sua família devia tornar-se a sua primeira obrigação.
126:3.6 (1390.1) No decorrer desse ano, Jesus encontrou uma passagem no chamado Livro de Enoch, que o influenciou na sua adoção futura do termo “Filho do Homem” como designação para a sua missão de autodoação em Urântia. Ele havia cuidadosamente considerado a idéia do Messias judeu e estava firmemente convencido de que ele não seria aquele Messias. Almejava ajudar o povo do seu pai, mas jamais levando exércitos judeus a livrarem a Palestina do domínio estrangeiro. Ele sabia que jamais se assentaria no trono de Davi, em Jerusalém. E também não acreditava que a sua missão fosse a de um libertador espiritual, nem a de um educador moral, apenas para o povo judeu. Em nenhum sentido, portanto, a missão da sua vida poderia vir a ser a concretização da intensa aspiração das supostas profecias messiânicas das escrituras hebraicas; pelo menos, não como os judeus entendiam essas predições dos profetas. Do mesmo modo Jesus estava certo de que nunca apareceria como o Filho do Homem descrito pelo profeta Daniel.
126:3.7 (1390.2) Mas quando chegasse a hora de sair como um pregador, para o mundo, como iria chamar-se a si mesmo? O que assumiria para essa missão? Por qual nome deveria ser chamado pela gente que iria acreditar nos seus ensinamentos?
126:3.8 (1390.3) Enquanto repassava todas essas questões na sua mente, ele encontrou, na biblioteca da sinagoga, em Nazaré, entre os livros apocalípticos que havia estudado, esse manuscrito chamado “O Livro de Enoch”; e, embora estivesse certo de que não tinha sido escrito pelo Enoch de outrora, o livro o deixou bastante intrigado; e ele o leu e releu muitas vezes. Havia uma passagem que particularmente o impressionara, uma passagem na qual esse termo “Filho do Homem” aparecia. E o escritor desse chamado Livro de Enoch contava sobre o Filho do Homem, descrevendo o trabalho que ele faria na Terra, explicando que esse Filho do Homem, antes de descer a esta Terra para trazer a salvação à humanidade, havia percorrido as cortes da glória dos céus, com o seu Pai, o Pai de todos; e que ele tinha dado as costas a toda essa grandeza e glória para descer à Terra e proclamar a salvação aos mortais necessitados. À medida que Jesus lia essas passagens (entendendo muito bem que grande parte do misticismo oriental, que havia sido mesclado a esses ensinamentos, era equivocada), ele respondia no seu coração e reconhecia na sua mente que, de todas as predições messiânicas das escrituras dos hebreus e de todas as teorias sobre o libertador judeu, nenhuma estava tão próxima da verdade quanto essa história, relegada a um segundo plano, nesse Livro de Enoch, apenas parcialmente acreditado; e então, ali mesmo, ele decidiu adotar “Filho do Homem” como o seu primeiro nome. E assim foi feito por ele quando, subseqüentemente, começou o seu trabalho público. Jesus possuía uma inequívoca capacidade de reconhecer a verdade; e jamais hesitou em abraçar a verdade, não importava de que fonte ela emanasse.
126:3.9 (1390.4) Nessa época, já, muito cuidadosamente, ele havia estabelecido diversas coisas sobre o seu trabalho vindouro para o mundo, mas nada disse sobre essas questões à sua mãe, que ainda se apegava ferrenhamente à idéia de que ele deveria ser o Messias judeu.
126:3.10 (1390.5) A grande confusão dos dias da juventude de Jesus aflorava agora. Tendo estabelecido algo sobre a natureza da sua missão na Terra, “de como proceder ao cuidar dos assuntos do seu Pai” — de fazer toda a humanidade saber da natureza amorosa do seu Pai — , ele começou ponderando, novamente, sobre as muitas afirmações, nas escrituras, que se referiam à vinda de um libertador nacional, de um mestre ou um rei judeu. A quais acontecimentos essas profecias referiam-se? Seria ele um judeu? Ou não seria? Era ou não era da casa de Davi? A sua mãe afirmava que ele era; o seu pai julgava que ele não fosse. E Jesus decidiu que não era. Mas teriam os profetas confundido a natureza e a missão do Messias?
126:3.11 (1391.1) Afinal, seria possível que a sua mãe estivesse certa? Na maioria das questões, quando surgiram divergências de opinião no passado, ela estivera certa. Se ele fosse um novo mestre e não o Messias, então como poderia ele reconhecer o Messias judeu, caso este aparecesse em Jerusalém durante o tempo da sua missão na Terra; e, além disso, qual deveria ser a sua relação com esse Messias judeu? E qual deveria ser a sua relação com a sua família, depois que assumisse a missão da sua vida? E, também, com a comunidade e a religião judaica, com o império romano, com os gentios e as suas religiões? Cada uma dessas questões relevantes ia sendo revolvida na mente desse jovem galileu seriamente ponderado, enquanto ele continuava a trabalhar na bancada de carpinteiro, ganhando a vida laboriosamente para si próprio, a sua mãe e mais oito outras bocas famintas.
126:3.12 (1391.2) Antes do fim desse ano, Maria viu as economias da família diminuírem. E confiou a venda dos pombos a Tiago. Em breve compraram uma segunda vaca para, com a ajuda de Míriam, iniciarem a venda de leite aos vizinhos de Nazaré.
126:3.13 (1391.3) Os seus profundos períodos de meditação, as suas idas freqüentes ao topo da colina para orar e as muitas idéias estranhas que Jesus anunciava, de tempos em tempos, alarmavam profundamente a sua mãe. Algumas vezes ela pensava que o jovem estava fora de si, e então controlava os seus medos lembrando-se de que Jesus, afinal, era um filho prometido e, de muitos modos, diferente dos outros jovens.
126:3.14 (1391.4) Mas Jesus começava a aprender a não falar dos seus pensamentos, a não apresentar todas as suas idéias ao mundo, nem mesmo à sua própria mãe. Desse ano em diante, as divulgações que Jesus fazia sobre o que se passava na sua mente diminuíram visivelmente; isto é, ele falava cada vez menos sobre as coisas que uma pessoa mediana não entendesse; e que o levariam a ser considerado como peculiar ou diferente da gente comum. Para todos os efeitos, na aparência, tornou-se um jovem comum e convencional, se bem que almejasse achar alguém que pudesse entender os seus problemas. Jesus desejava ter um amigo fiel e digno de confiança, mas os seus problemas eram complexos demais para os seus semelhantes humanos compreenderem. A singularidade dessa situação excepcional compeliu-o a carregar o seu fardo sozinho.
126:4.1 (1391.5) Com a vinda do seu décimo quinto aniversário, Jesus podia oficialmente ocupar o púlpito da sinagoga no sábado. Muitas vezes antes, na ausência de oradores, havia sido pedido a Jesus que lesse as escrituras; mas agora havia chegado o dia em que, de acordo com a lei, ele podia conduzir os serviços. E, por isso, no primeiro sábado depois do seu décimo quinto aniversário, o chazam arranjou para que Jesus conduzisse o serviço matinal na sinagoga. E, quando todos os fiéis de Nazaré estavam reunidos, o jovem, havendo feito a sua seleção das escrituras, levantou-se e começou a ler:
126:4.2 (1391.6) “O espírito do Senhor Deus está em mim, pois o Senhor me ungiu; Ele enviou- me para trazer as boas-novas aos mansos, medicar os que tiverem o coração alquebrado, proclamar a liberdade aos prisioneiros e libertar os confinados espiritualmente; para proclamar o ano da graça e o dia do ajuste com o nosso Deus; para confortar todos os que pranteiam e dar a eles a beleza em lugar de cinzas, o óleo da alegria em lugar do luto, uma canção de louvor em vez do espírito da tristeza, para que sejam chamadas de árvores da retidão aquelas que foram plantadas pelo Senhor e com as quais Ele pode ser glorificado.
126:4.3 (1392.1) “Buscai o bem e não o mal, para que possais viver e assim o Senhor, Deus das hostes, possa estar convosco. Odiai o mal e amai o bem, estabelecei o julgamento à entrada da porta. Talvez o Senhor Deus conceda Sua graça aos remanescentes de José.
126:4.4 (1392.2) “Lavai-vos e purificai-vos; afastai o mal dos vossos atos perante os Meus olhos; cessai de fazer o mal e aprendei a fazer o bem; buscai a justiça; aliviai os oprimidos. Defendei o órfão e pedi pela viúva.
126:4.5 (1392.3) “Com o que me apresentarei perante o Senhor para inclinar-me diante desse Senhor de toda a Terra? Deverei chegar diante Dele com ofertas em holocausto e bezerros de um ano? Será que o Senhor ficará satisfeito com milhares de carneiros, dezenas de milhares de ovelhas ou com rios de óleo? Por causa da minha transgressão, deveria eu desfazer-me do meu primogênito, do fruto do meu corpo, por causa do pecado da minha alma? Não! Pois o Senhor nos mostrou, ó homens, o que é bom. E, o que o Senhor espera de vós, a não ser que sejais justos, que ameis a misericórdia e caminheis humildemente junto ao vosso Deus?
126:4.6 (1392.4) “A quem, então, comparareis o Deus que domina o círculo da Terra? Levantai os vossos olhos e contemplai Aquele que criou todos os mundos, que gera as Suas hostes segundo um número certo e as chama a todas pelos nomes. E faz todas essas coisas graças à grandeza do Seu poder; e, pois, Ele sendo forte em poder, nenhuma delas falha. Ele dá poder aos fracos e àqueles que estão exauridos Ele lhes dá mais força. Não temais, pois Eu estou convosco; não desanimeis, pois Eu sou o vosso Deus. Eu fortalecer-vos-ei e ajudar-vos-ei; sim, Eu sustentar- vos-ei com a mão direita da minha retidão, pois sou o Senhor, vosso Deus. E segurarei a vossa mão direita, dizendo a vós: não temais, pois Eu ajudar-vos-ei.
126:4.7 (1392.5) “E sois, pois, as Minhas testemunhas, diz o Senhor, e os Meus servidores, a quem Eu escolhi para que todos saibam e acreditem em Mim e compreendam que sou o Eterno. Sim, Eu sou o Senhor, e além de Mim não há nenhum salvador”.
126:4.8 (1392.6) E quando terminou essa leitura, Jesus assentou-se, e o povo voltou para as suas casas, pensando nas palavras que tinha tão graciosamente lido para eles. Nunca o povo da sua cidade o havia visto tão magnificamente solene; eles não haviam jamais ouvido a sua voz sendo mais honesta e sincera; nunca eles o haviam visto tão maduro, decisivo e com tanta autoridade.
126:4.9 (1392.7) Nesse sábado à tarde Jesus subiu a colina de Nazaré com Tiago e, quando retornaram à casa, escreveu os dez mandamentos em grego, com carvão, em duas tábuas de madeira polida. Mais tarde, Marta coloriu e desenhou coisas nessas tábuas, e, durante muito tempo, elas ficaram dependuradas na parede, sobre o pequeno banco de trabalho de Tiago.
126:5.1 (1392.8) Gradualmente, Jesus e a sua família retornaram à vida simples dos seus anos anteriores. As suas roupas e mesmo a sua comida tornaram-se mais simples. Eles possuíam bastante leite, manteiga e queijo. Desfrutavam dos produtos do seu jardim durante as estações próprias, mas, cada mês que passava, obrigava-os à prática de uma frugalidade maior. O desjejum deles era bem simples; deixavam a sua melhor comida para a refeição da noite. Contudo, entre os judeus, a falta de riqueza não implicava inferioridade social.
126:5.2 (1392.9) Esse jovem tinha quase já a compreensão total de como os homens viviam nos seus dias. E os seus ensinamentos posteriores mostram como Jesus havia entendido bem a vida no lar, no campo e nas oficinas; e tais ensinamentos revelam, de modo bastante completo, a intimidade do seu contato com todas as fases da experiência humana.
126:5.3 (1392.10) O chazam de Nazaré continuou na crença de que Jesus devia tornar-se um grande mestre, provavelmente o sucessor do renomado Gamaliel, em Jerusalém.
126:5.4 (1393.1) Aparentemente, todos os planos de Jesus, para a sua carreira, estavam frustrados. Do modo como estavam as questões agora, o futuro não parecia muito brilhante. Mas ele não vacilou e não se desencorajou. Continuou a viver o dia a dia, fazendo bem os deveres do momento e fielmente desempenhando-se das responsabilidades imediatas daquele período da sua vida. A vida de Jesus é o consolo eterno de todos os idealistas desapontados.
126:5.5 (1393.2) O salário de um dia de trabalho de um carpinteiro comum estava diminuindo aos poucos. Ao fim desse ano Jesus podia ganhar, trabalhando desde cedo pela manhã e até o fim da tarde, apenas o equivalente a cerca de um quarto de dólar por dia. No próximo ano, eles acharam difícil pagar os impostos civis, sem mencionar as contribuições para a sinagoga e os impostos de meio siclo para o templo. Nesse ano, o coletor de impostos tentou extorquir mais dinheiro de Jesus, ameaçando até mesmo levar a sua harpa.
126:5.6 (1393.3) Temendo que o exemplar das escrituras gregas pudesse ser descoberto e confiscado pelos coletores de impostos, Jesus, no seu décimo quinto aniversário, presentou-o à biblioteca da sinagoga de Nazaré como uma oferta, da sua maturidade, ao Senhor.
126:5.7 (1393.4) O grande choque do seu décimo quinto ano de idade veio quando Jesus foi a Séforis, para saber sobre a decisão de Herodes a respeito do apelo feito a ele quanto ao montante do dinheiro devido a José, desde a época da sua morte acidental. Jesus e Maria estavam esperando receber uma soma considerável de dinheiro; mas o tesoureiro de Séforis ofereceu a eles uma soma irrisória. Os irmãos de José haviam apelado ao próprio Herodes; agora, no palácio Jesus ouvia Herodes decretar que nada era devido ao seu pai na época da sua morte. E, por essa decisão injusta, Jesus nunca mais confiou em Herodes Antipas. Não é de se surpreender que certa vez ele haja feito alusão a Herodes como “aquela raposa”.
126:5.8 (1393.5) O trabalho assíduo, na bancada de carpinteiro, durante esse ano e nos seguintes privou Jesus da oportunidade de entrar em contato com os passageiros das caravanas. O seu tio havia já tomado posse da loja que dava suprimento à família; e Jesus trabalhava na oficina da casa todo o tempo, onde podia ficar por perto para ajudar Maria com a família. Nessa época ele começou a enviar Tiago à parada de camelos para colher informações sobre os acontecimentos do mundo; e assim ele buscava estar em contato com as notícias atuais.
126:5.9 (1393.6) À medida que cresceu até a idade adulta, ele passou por todos esses conflitos e confusões pelos quais a média das pessoas jovens de épocas anteriores e posteriores passa. E a experiência rigorosa, de sustentar a sua família, foi uma salvaguarda segura contra a possibilidade de haver tempo de sobra para pensamentos ociosos ou para permitir-se tendências místicas.
126:5.10 (1393.7) Esse foi o ano em que Jesus arrendou um terreno de tamanho considerável, ao norte da casa, que foi dividido como um jardim e uma horta da família. Cada uma das crianças maiores possuía uma horta individual; e entraram em competição viva nos seus esforços de agricultores. O seu irmão mais velho passava algum tempo com eles no jardim, todos os dias, durante a estação de cultivo dos vegetais. Quando Jesus trabalhava com os seus irmãos e irmãs mais novos na horta, muitas vezes alimentava o desejo de que fossem todos morar em uma fazenda no interior, onde podiam gozar da independência e da liberdade de uma vida sem entraves. Mas eles não se viam crescendo no campo; e Jesus, sendo um jovem bastante prático, bem como um idealista, enfrentava os problemas de um modo enérgico e inteligente e como ele julgava que devia; e fazia tudo dentro do seu poder e do da sua família para ajustar-se às realidades da situação e adaptar-se à sua condição, de modo a terem todos a mais alta satisfação possível dentro das suas aspirações individuais e coletivas.
126:5.11 (1393.8) A um dado momento, Jesus esperou vagamente que pudesse ser capaz de juntar meios suficientes, desde que tivesse sido possível receber a soma considerável de dinheiro devida ao seu pai, pelo trabalho no palácio de Herodes, para garantir a compra de uma pequena fazenda. Realmente ele havia dado uma séria atenção ao plano de mudar com a sua família para o campo. Mas, quando Herodes recusou-se a lhes pagar qualquer fundo devido a José, eles deixaram de lado a ambição de possuir um lar no campo no interior. E então, do modo como ficaram as coisas, acabaram encontrando o meio de desfrutar, em muito, da experiência de uma vida de fazenda, já que agora eles tinham três vacas, quatro ovelhas, uma criação de galinhas, um burro e um cão, além dos pombos. Mesmo os menores tinham os seus deveres regulares para fazer, dentro do esquema bem controlado de organização que caracterizava a vida do lar dessa família de Nazaré.
126:5.12 (1394.1) Ao fim desse décimo quinto ano, Jesus havia acabado de atravessar o período perigoso e difícil, da existência humana, aquela época de transição entre os anos complacentes da infância e aqueles da consciência da aproximação da idade adulta, com maiores responsabilidades e oportunidades de adquirir experiências adiantadas no desenvolvimento de um caráter nobre. O período de crescimento da mente e do corpo havia terminado, e agora começava a verdadeira carreira desse jovem de Nazaré.
O Livro de Urântia
Documento 127
127:0.1 (1395.1) À MEDIDA que entrava nos anos de adolescência, Jesus viu-se como o di- rigente único de uma grande família e como o seu único suporte. Uns poucos anos depois da morte do seu pai, todas as propriedades deles tinham sido perdidas. Com o passar do tempo, mais consciente ele ficava da sua preexistência; e, ao mesmo tempo passou a compreender mais plenamente que estava presente na Terra e na carne com o propósito expresso de revelar o seu Pai do Paraíso aos filhos dos homens.
127:0.2 (1395.2) Nenhum adolescente que haja vivido ou que irá jamais viver neste, ou em qualquer outro mundo, teve ou terá problemas mais graves a resolver ou dificuldades mais intrincadas para desembaraçar. Nenhum jovem de Urântia jamais será convocado a passar por conflitos mais angustiantes e por provas mais duras do que Jesus, nestes esses árduos anos entre os seus quinze e os vinte anos de idade.
127:0.3 (1395.3) Tendo, pois, conhecido a experiência real de viver esses anos da adolescência em um mundo assediado pelo mal e atormentado pelo pecado, o Filho do Homem adquiriu todo o conhecimento sobre a experiência de vida dos jovens de todos os reinos de Nébadon e assim, para sempre, ele tornou-se o refúgio de compreensão para os adolescentes angustiados e perplexos de todas as idades e em todos os mundos do universo local.
127:0.4 (1395.4) Lentamente, mas com segurança e por meio de uma experiência real, esse Filho divino está conquistando o direito de tornar-se o soberano do seu universo, o dirigente supremo e inquestionável de todas as inteligências criadas em todos os mundos do universo local, e um refúgio de compreensão para todos os seres, de todas as idades e graus de dons pessoais e de experiência.
127:1.1 (1395.5) O Filho encarnado passou pela meninice e experimentou uma infância sem nada de extraordinário. Então, emergindo daquele período de transição cheio de provações, entre a infância e a juventude, tornou-se o Jesus adolescente.
127:1.2 (1395.6) Nesse ano, alcançou a sua estatura física definitiva. Era um jovem formoso e viril. Tornou-se cada vez mais sóbrio e circunspecto, mas era compassivo e amável. Os seus olhos eram doces, mas inquisidores; o seu sorriso era sempre simpático e calmo. A sua voz era musical, mas autoritária; a sua saudação cordial, sem afetação. Sempre, mesmo no mais comum dos contatos, parecia evidenciar- se uma natureza dupla, a humana e a divina. E, sempre, demonstrava a combinação da compaixão do amigo e a autoridade do mestre. E esses traços de personalidade cedo se tornaram manifestos, mesmo nos anos adolescentes.
127:1.3 (1395.7) Esse jovem forte e robusto fisicamente também teve o crescimento pleno do seu intelecto humano; não a experiência total do pensamento humano, mas a plenitude da capacidade para o desenvolvimento intelectual. Ele possuía um corpo saudável e bem proporcional, uma mente penetrante e analítica, uma disposição simpática e gentil, um temperamento flutuante, de um certo modo, mas ativo, e tudo isso estava tornando-se organizado em uma personalidade forte, tocante e atraente.
127:1.4 (1396.1) Com o tempo, tornou-se mais difícil para sua mãe e para seus irmãos compreendê- lo; eles tropeçavam no que ele dizia e interpretavam mal o que fazia. Não estavam preparados para compreender a vida do irmão mais velho, porque a sua mãe havia dado-lhes a entender que Jesus estivesse destinado a tornar-se o libertador do povo judeu. Depois que essas indicações foram dadas por Maria como uma confidência de família, imaginai a confusão deles quando Jesus negava francamente todas essas idéias e intenções.
127:1.5 (1396.2) Nesse ano, Simão entrou para a escola, e foram obrigados a vender outra casa. Tiago, agora, encarregava-se de ensinar as suas três irmãs, duas das quais tinham já idade suficiente para começar a estudar seriamente. Tão logo Rute cresceu, foi confiada às mãos de Míriam e de Marta. Comumente as meninas das famílias judias recebiam pouca educação, mas Jesus era da opinião (com o que a sua mãe concordava) de que as meninas deviam ir à escola como os garotos e, já que a escola da sinagoga não as receberia, nada havia a fazer senão dar aulas especiais em casa para elas.
127:1.6 (1396.3) Durante esse ano, Jesus ficou confinado à sua bancada de trabalho. Felizmente tinha bastante trabalho; e o que fazia era de uma qualidade tão superior que nunca ficava sem ter o que fazer, não importa quão escasso ficasse o trabalho naquela região. Por vezes tinha tanta coisa para fazer que Tiago lhe ajudava.
127:1.7 (1396.4) Lá pelo fim desse ano ele havia já decidido que, depois de criar todos e de vê-los casados, iniciaria publicamente o seu trabalho de mestre da verdade como um revelador do Pai celeste ao mundo. Sabia que não iria tornar-se o esperado Messias judeu, e concluiu que era quase inútil discutir essa questão com sua mãe; e decidiu permitir-lhe alimentar as idéias que quisesse, pois tudo o que ele havia dito no passado pouco ou nenhum efeito tivera sobre ela, além do que se lembrava de que o seu pai nunca tinha sido capaz de dizer nada que mudasse a opinião dela. Desse ano em diante, ele passou a falar cada vez menos com a sua mãe e com todos os outros, sobre os seus problemas. A sua missão era tão singular que a nenhum ser vivo na Terra era possível dar-lhe conselhos sobre como cumpri-la.
127:1.8 (1396.5) Ainda que muito jovem, era um pai real para a família; passava cada hora possível com os mais jovens e, de fato, eles o amavam. Sua mãe afligia-se de vê- lo trabalhando tão duramente; lamentava que ficasse, dia após dia, labutando na bancada de carpinteiro, ganhando a vida para a família, em vez de estar, como tão carinhosamente haviam planejado, em Jerusalém estudando com os rabinos. Mesmo havendo tanta coisa no seu filho que Maria não conseguia entender, ela o amava e apreciava profundamente a boa vontade com a qual ele assumia a responsabilidade da casa.
127:2.1 (1396.6) Nessa época houve uma considerável agitação, especialmente em Jerusalém e na Judéia, uma rebelião contra o pagamento de impostos a Roma. Estava surgindo um forte partido nacionalista, que logo seria chamado de zelote. Os zelotes, contrariamente aos fariseus, não estavam dispostos a esperar pela vinda do Messias. Eles propunham precipitar as resoluções por meio da revolta política.
127:2.2 (1396.7) Um grupo de organizadores, de Jerusalém, chegou na Galiléia e estava obtendo êxito quando se apresentou em Nazaré. Vieram para ver Jesus, e ele os escutou com atenção e fez muitas perguntas, mas se recusou a aderir ao partido. Não quis revelar as razões que tinha, para não aderir, e a sua recusa teve o efeito de manter à parte também muitos dos seus companheiros jovens de Nazaré.
127:2.3 (1397.1) Maria tudo fez para induzi-lo a aderir, mas não conseguiu levá-lo a ceder em nada. Ela chegou mesmo a insinuar que a recusa, em aceder ao pedido dela, de abraçar a causa nacionalista, fosse insubordinação dele, uma violação da sua promessa, feita ao voltarem de Jerusalém, de que ele seria obediente aos seus pais; contudo, em resposta a essa insinuação, ele apenas colocou gentilmente a mão no ombro dela e, olhando em seu rosto, disse: “Minha mãe, como pudeste?” E Maria retratou-se.
127:2.4 (1397.2) Um dos tios de Jesus (Simão, irmão de Maria) havia já aderido a esse grupo, tornando-se depois oficial na divisão da Galiléia. E, durante vários anos, houve algo como um estranhamento entre Jesus e o seu tio.
127:2.5 (1397.3) No entanto outras encrencas mais começaram a acontecer em Nazaré. A atitude de Jesus, nessas questões, havia gerado uma cisão entre os jovens judeus da cidade. Cerca da metade estava ligada à organização nacionalista, e a outra metade começou a formar um grupo de oposição, de patriotas moderados, esperando que Jesus assumisse a liderança. E ficaram estupefatos quando Jesus recusou a honra que lhe havia sido oferecida, dando como desculpa as suas pesadas responsabilidades familiares, coisa que todos admitiram. Mas a situação ficou ainda mais complicada quando, pouco depois, um judeu abastado, Isaac, que emprestava dinheiro aos gentios, adiantou-se, concordando em sustentar a família de Jesus, se ele deixasse as suas ferramentas e assumisse a liderança desses patriotas de Nazaré.
127:2.6 (1397.4) Jesus, então, mal havendo completado dezessete anos de idade, encontrou-se frente a uma situação das mais delicadas e difíceis do princípio da sua vida. As questões de patriotismo, especialmente quando complicadas por uma opressão estrangeira na coleta de impostos, são sempre difíceis de lidar, para os líderes espirituais, e sem dúvida assim se deu nesse caso, já que a religião judaica encontrava- se envolvida em toda essa agitação contra Roma.
127:2.7 (1397.5) A posição de Jesus tornou-se ainda mais difícil porque a sua mãe e o tio, e até mesmo Tiago, o seu primeiro irmão, todos, pressionaram-no para unir-se à causa nacionalista. Os melhores judeus de Nazaré haviam sem exceção aderido, e aqueles jovens todos, que não tinham aderido ao movimento, alistar-se-iam no momento em que Jesus mudasse de idéia. E ele não possuía senão um conselheiro sábio, em toda a Nazaré, e este era o chazam, o seu velho professor o qual lhe aconselhou sobre a sua decisão ao comitê dos cidadãos de Nazaré, quando viessem perguntar-lhe sobre a sua resposta ao apelo público que havia sido feito. Em toda a sua jovem vida essa era, de fato, a primeira vez que Jesus recorria conscientemente a uma manobra pública de estratégica. Até então, contara sempre com uma exposição franca da verdade, para esclarecer as situações, mas agora não podia declarar toda a verdade. Não podia dar a entender que fosse mais do que um homem; não podia desvelar a idéia da missão que o esperava, até que alcançasse uma idade mais madura. A despeito de todas essas limitações, a sua fidelidade religiosa e a sua lealdade nacional estavam diretamente em jogo. A sua família estava em tumulto, os seus amigos de juventude divididos, e todo o contingente judeu da cidade estava em ebulição. E pensar que ele era considerado o responsável por tudo aquilo! Mas quão inocente ele fora quanto à intenção de causar quaisquer complicações e, menos ainda, uma conturbação daquela espécie.
127:2.8 (1397.6) Algo tinha de ser feito. Jesus devia reafirmar a sua posição, e foi o que fez, brava e diplomaticamente, para a satisfação de muitos, mas não de todos. Manteve- se nos termos do seu argumento inicial, sustentando que o seu primeiro dever era para com a sua família, que uma mãe viúva e oito irmãos e irmãs necessitavam de algo mais do que o dinheiro poderia comprar — as necessidades físicas da vida — , que eles tinham direito aos cuidados e à orientação de um pai, e que ele não podia, em sã consciência, eximir-se da obrigação colocada em seus ombros por um acidente cruel. Elogiou a sua mãe e o seu irmão Tiago, o de mais idade, por terem tido a boa vontade de liberá-lo, mas reiterava que a sua lealdade a um pai morto o proibia de deixar a família, não importava quanto dinheiro viesse a ser dado para o sustento material deles, fazendo a inesquecível afirmação de que “o dinheiro não pode amar”. No decorrer da sua fala, Jesus fez várias referências veladas à sua “missão de vida”, explicando que, esta, independentemente de ser compatível ou não com idéias de militarismo, como tudo o mais na sua vida, havia sido deixada de lado para que ele pudesse ser capaz de desincumbir-se fielmente do seu compromisso com a família. Todos em Nazaré sabiam bem que ele era um bom pai para a sua família, e essa questão ficava tão próxima do coração de todos os judeus nobres, que o pretexto alegado por Jesus havia encontrado uma reação de boa apreciação nos corações de muitos dos seus ouvintes; e alguns daqueles que não estavam com essa boa predisposição ficaram desarmados por um discurso feito por Tiago, o qual, ainda que não estando no programa, foi pronunciado nesse momento. Naquele mesmo dia o chazam tinha ensaiado esse discurso com Tiago, mas isso havia sido mantido como um segredo deles.
127:2.9 (1398.1) Tiago declarou que ele estava certo de que Jesus ajudaria a libertar o seu povo, se ele (Tiago) tivesse idade suficiente para assumir a responsabilidade pela família, mas que, caso apenas eles consentissem que Jesus permanecesse “conosco, sendo o nosso pai e mestre, então eles teriam não só um líder na família de José, mas em breve cinco leais nacionalistas, pois não há cinco de nós rapazes prontos para crescer e, sob a liderança do nosso pai-irmão, servir a nossa nação?” E assim o menino trouxe um final bem feliz a uma situação bastante tensa e ameaçadora.
127:2.10 (1398.2) A crise chegara ao fim, pelo momento, mas esse incidente nunca foi esquecido em Nazaré. A agitação perdurou; não mais Jesus estava nas graças de um favorecimento universal; a divisão dos sentimentos nunca foi totalmente superada. E, agravada por outras ocorrências subseqüentes, foi essa uma das razões principais pelas quais ele mudou-se para Cafarnaum, anos depois. Daí em diante, Nazaré manteve os seus sentimentos divididos em relação ao Filho do Homem.
127:2.11 (1398.3) Tiago diplomou-se na escola, nesse ano, e começou a trabalhar em período integral na oficina de carpintaria em casa. Tornara-se um trabalhador inteligente com as ferramentas e, agora, estava encarregado de fazer os balancins e as juntas de arados enquanto Jesus passou a ocupar-se mais com os serviços de acabamento interior e os trabalhos mais delicados de marcenaria.
127:2.12 (1398.4) Nesse ano, Jesus fez um grande progresso na organização da sua mente. Gradualmente, vinha ele conseguindo harmonizar as suas naturezas divina e humana, e conseguira toda essa organização do seu intelecto por força das suas próprias decisões e apenas com a ajuda do seu Monitor residente, exatamente o mesmo Monitor que todos os mortais normais, em todos os mundos de pós- outorga, têm dentro das suas mentes. Até então, nada de supranatural havia acontecido, na carreira desse jovem, excetuando-se a visita de um mensageiro que certa vez aparecera para ele durante a noite em Jerusalém, despachado por Emanuel, o seu irmão mais velho.
127:3.1 (1398.5) Durante esse ano, todas as propriedades da família, exceto a casa e o jardim, foram liquidadas. A última peça de propriedade, em Cafarnaum (exceto parte de uma outra) a qual já estava hipotecada, foi vendida. O que receberam foi usado nos impostos, na compra de algumas novas ferramentas para Tiago e no pagamento de uma dívida, devido à posse da loja de suprimento e reparos, que há muito servia à família, perto da parada das caravanas, e que Jesus agora propunha comprar de volta, já que Tiago tinha idade suficiente para trabalhar na oficina da casa e ajudar Maria com o lar. Com a pressão financeira assim aliviada momentaneamente, Jesus decidiu levar Tiago à Páscoa. E saíram para Jerusalém, com um dia de folga, para ficarem a sós, passando por Samaria. Foram caminhando, e Jesus contou a Tiago sobre os locais históricos do percurso, do modo como o seu pai havia ensinado a ele durante uma viagem semelhante, cinco anos antes.
127:3.2 (1399.1) Ao passarem por Samaria, viram muitos espetáculos estranhos. Nessa viagem puderam falar de muitos dos problemas pessoais, familiares e nacionais. Tiago era o tipo de jovem bem religioso e, embora não concordasse plenamente com a sua mãe a respeito do pouco que sabia sobre os planos para o trabalho da vida de Jesus, esperava ansiosamente que chegasse o momento em que fosse capaz de assumir a responsabilidade pela família, para que Jesus pudesse começar a sua missão. Apreciava muito que Jesus o estivesse levando à Páscoa e, mais abertamente do que nunca, conversaram sobre o futuro.
127:3.3 (1399.2) Jesus pensou muito enquanto atravessavam Samaria, particularmente em Betel, e enquanto bebiam do poço de Jacó. Ele e o seu irmão conversaram sobre as tradições de Abraão, Isaac e Jacó. Jesus empenhou-se muito em preparar Tiago para aquilo que este devia testemunhar em seguida em Jerusalém, procurando assim minimizar o impacto que ele próprio experimentara na sua primeira visita ao templo. Mas Tiago não era tão sensível a algumas dessas cenas. Comentou sobre o modo rotineiro e duro com o qual alguns dos sacerdotes executavam os seus deveres, mas no todo Tiago gostou muito da sua permanência em Jerusalém.
127:3.4 (1399.3) Jesus levou Tiago a Betânia para a ceia Pascal. Simão tinha falecido e descansava ao lado dos seus pais e Jesus ocupou o lugar do chefe da família na cerimônia Pascal, havendo trazido o cordeiro pascal do templo.
127:3.5 (1399.4) Depois da ceia de Páscoa, Maria assentou-se para conversar com Tiago, enquanto Marta, Lázaro e Jesus conversaram até bem tarde da noite. No dia seguinte foram aos serviços no templo, e Tiago foi recepcionado na comunidade de Israel. Naquela manhã, quando pararam no cume do monte das Oliveiras, para ver o templo, enquanto Tiago expressava a sua admiração, Jesus contemplou Jerusalém em silêncio. Tiago não pode compreender o comportamento do irmão. Naquela noite, novamente, eles retornaram a Betânia e teriam partido para casa no dia seguinte, mas Tiago insistiu em irem visitar de novo o templo, dizendo que queria escutar os mestres. E, se bem que isso fosse verdade, secretamente no fundo do seu coração, o que ele queria mesmo era ver Jesus participar das discussões, como ele tinha ouvido a sua mãe contar. Assim, foram ao templo e ouviram as discussões, mas Jesus não fez nenhuma pergunta. Tudo aquilo pareceu pueril e insignificante por demais para aquela mente de homem e de Deus que despertava — ele conseguia apenas sentir piedade deles. Tiago estava decepcionado, porque Jesus nada dissera. E, às perguntas do irmão, Jesus apenas respondeu: “Minha hora ainda não chegou”.
127:3.6 (1399.5) No dia seguinte, viajaram para casa pelo caminho de Jericó e pelo vale do Jordão, e Jesus contou muitas coisas no caminho, inclusive falou sobre a sua viagem anterior pela mesma estrada, quando tinha treze anos de idade.
127:3.7 (1399.6) Ao retornar a Nazaré, Jesus começou a trabalhar na velha loja de reparos da família e achava-se muito contente por estar sendo capaz de se encontrar com tanta gente, de todos os cantos do país e dos distritos vizinhos, que vinha todos os dias. Jesus amava o povo verdadeiramente — toda a gente comum. E todos os meses ele fazia o pagamento da loja e, com a ajuda de Tiago, continuava a manter a família.
127:3.8 (1399.7) Várias vezes por ano, sempre que não havia visitantes para desempenhar essa função, Jesus continuava a ler as escrituras aos sábados na sinagoga e, muitas vezes, oferecia comentários sobre a leitura, mas usualmente selecionava as passagens para as quais os comentários seriam desnecessários. Ele era hábil, e arranjava a ordem de leitura das várias passagens, de modo que uma iluminaria a outra. Ele nunca deixou, quando o tempo permitia, de levar os seus irmãos e irmãs nas tardes de sábado, para os seus passeios junto à natureza.
127:3.9 (1400.1) Nessa época o chazam inaugurou um clube de jovens para uma discussão filosófica, que se reunia em casas de diferentes membros e, muitas vezes, na sua própria casa, e Jesus tornou-se um membro proeminente desse grupo. Assim, pois, ele capacitava-se a recuperar um pouco do seu prestígio local, perdido na época das recentes controvérsias nacionalistas.
127:3.10 (1400.2) A sua vida social, ainda que restrita, não estava de todo negligenciada. Tinha muitos amigos calorosos e admiradores fervorosos, tanto entre os jovens rapazes, quanto entre as moças de Nazaré.
127:3.11 (1400.3) Em setembro, Isabel e João vieram visitar a família em Nazaré. João, havendo perdido o seu pai, tinha a intenção de voltar para as colinas da Judéia e ocupar-se da agricultura e cuidar de rebanhos, a menos que Jesus o aconselhasse a permanecer em Nazaré para tornar-se carpinteiro ou para fazer alguma outra espécie de trabalho. Eles não sabiam que a família de Nazaré estava praticamente sem um tostão. Quanto mais Maria e Isabel conversavam sobre os seus filhos, mais ficavam convencidas de que seria bom para os dois jovens homens trabalharem juntos e verem um pouco mais um ao outro.
127:3.12 (1400.4) Jesus e João tiveram várias conversas; e falaram sobre muitas questões íntimas e pessoais. Quando terminaram esse encontro, decidiram não mais se ver, até que se encontrassem no ministério público depois que “o Pai celeste chamasse” a ambos para o serviço. João ficara fortemente impressionado por tudo que vira em Nazaré; e, assim, devia retornar à casa e trabalhar para sustentar a sua mãe. Estava convencido de que seria uma parte da missão da vida de Jesus, mas percebeu que Jesus deveria ocupar-se, por muitos anos ainda, com a criação da sua família; e assim, pois, ele ficava mais contente ainda por retornar à sua casa e estabelecer-se, cuidando da pequena fazenda deles e atendendo às necessidades da sua mãe. E nunca mais João e Jesus se viram, até o dia em que o Filho do Homem apresentou-se para o batismo, no Jordão.
127:3.13 (1400.5) No dia 3 de dezembro desse ano, um sábado, à tarde, pela segunda vez, a morte atingiu essa família de Nazaré. O pequeno Amós, o irmão ainda bebê morreu depois de ficar doente por uma semana, com uma febre alta. Depois de passar o tempo da tristeza, mantendo o seu primogênito como único apoio, Maria afinal, no sentido mais pleno, reconheceu Jesus como sendo realmente o chefe da família; e ele estivera realmente sendo digno de sê-lo.
127:3.14 (1400.6) Por quatro anos o padrão de vida deles declinou de fato; ano após ano sentiram o aperto crescente da pobreza. No final desse ano enfrentaram uma das mais difíceis experiências de todas as suas árduas lutas. Tiago não havia ainda começado a ganhar bem, e as despesas de um funeral, somadas a todo o restante, vinha consterná-los ainda mais. Jesus, todavia, diria apenas à sua mãe, ansiosa e triste: “Mãe Maria, a tristeza não vai nos ajudar; estamos todos dando o melhor de nós, e o sorriso da mãe bem que poderia nos inspirar a fazermos ainda melhor. Dia a dia somos fortalecidos para essas tarefas, pela nossa esperança de dias melhores que virão”. O seu otimismo sólido e prático era verdadeiramente contagiante; todas as crianças viviam em uma atmosfera de antecipação de tempos melhores e de coisas melhores. E a coragem esperançosa de Jesus contribuiu poderosamente para desenvolver neles um caráter forte e nobre, a despeito da pobreza deprimente que atravessavam.
127:3.15 (1400.7) Jesus possuía a capacidade de mobilizar efetivamente todos os seus poderes de mente, alma e corpo, para a tarefa imediatamente à mão. Era capaz de concentrar a sua mente em profundos pensamentos, no problema que queria resolver, e isso, junto com a sua paciência inexaurível, fazia-o capaz de resistir serenamente às provações de uma existência mortal difícil — de viver como se estivesse “vendo Aquele que é Invisível”.
127:4.1 (1401.1) Nessa época, Jesus e Maria estavam entendendo-se muito melhor. Ela considerava- o menos como um filho; ele havia transformado-se mais em um pai para os filhos dela. A vida de cada dia estava repleta de dificuldades práticas e imediatas. E falavam menos freqüentemente da obra da vida dele, com o passar do tempo, e o pensamento de cada um deles estava devotado de ambas as partes ao sustento e à criação da família de quatro garotos e três meninas.
127:4.2 (1401.2) No começo desse ano, Jesus havia conquistado totalmente a aceitação da sua mãe para os seus métodos na educação das crianças — o estímulo positivo para que fizessem o bem, em lugar do velho método judeu de proibir de fazer o mal. Na sua casa, e em toda a sua carreira de ensinamento público, Jesus invariavelmente empregou a forma positiva de exortação. Sempre, e em todos os lugares, ele dizia: “Tu devias fazer isso — deverias fazer aquilo”. Ele nunca empregava o modo negativo de ensinar, que se derivava de tabus antigos. Ele evitava colocar ênfase no mal, proibindo-o, e ao mesmo tempo exaltava o bem por exigir que ele fosse feito. A hora da prece no lar era a ocasião para discutir toda e qualquer coisa relativa ao bem-estar da família.
127:4.3 (1401.3) Jesus tão sabiamente disciplinou os seus irmãos e irmãs, desde a mais tenra idade, que pouca ou quase nenhuma punição jamais se fazia necessária para assegurar a obediência pronta e sincera deles. A única exceção era Judá, a quem, em diversas ocasiões, Jesus julgou necessário impor penalidades, pelas suas infrações às regras da casa. Em três ocasiões, quando foi considerado sábio punir Judá por violações deliberadas e confessas das regras de conduta da família, a sua punição foi fixada por decisão unânime dos irmãos mais velhos, sendo consentida pelo próprio Judá, antes de ser ministrada.
127:4.4 (1401.4) Ao mesmo tempo em que Jesus era muito metódico e sistemático, em tudo o que fazia, havia também, em todas as suas decisões administrativas, uma elasticidade saudável e benevolente de interpretação e uma individualidade de adaptação que impressionavam muito a todas crianças, pelo espírito de justiça com que atuava o seu pai-irmão. Ele nunca disciplinava os seus irmãos e irmãs arbitrariamente, e essa equanimidade uniforme e essa consideração pessoal faziam com que Jesus fosse muito querido em toda a sua família.
127:4.5 (1401.5) Tiago e Simão cresceram tentando seguir o plano de Jesus, de aplacar os seus companheiros belicosos, e, algumas vezes irados, pela persuasão e pela não-resistência, no que haviam tido bastante êxito; mas José e Judá, ao mesmo tempo em que consentiam nessa educação em casa, apressavam-se em defender a si próprios, quando atacados pelos seus camaradas; Judá em particular era culpado de violar o espírito desses ensinamentos. A não-resistência, porém, não era uma regra da família. Nenhuma penalidade estava relacionada à violação dos ensinamentos pessoais.
127:4.6 (1401.6) Em geral, todas as crianças, particularmente as meninas, consultavam Jesus sobre os problemas da sua infância e confiavam nele exatamente como teriam feito com um pai afeiçoado.
127:4.7 (1401.7) Tiago crescia como um jovem bem equilibrado e de temperamento equilibrado, mas ele não era inclinado, como Jesus, para a espiritualidade. Era um estudante melhor do que José, o qual, ainda que sendo um trabalhador fiel, tinha uma mente ainda menos espiritualizada. José era laborioso e não tinha aptidões intelectuais, no mesmo nível das outras crianças. Simão era um menino bem-intencionado, mas muito sonhador. Ele foi lento para se estabelecer na vida e era a causa de uma ansiedade considerável para Jesus e Maria. Mas foi sempre um menino bom e bem-intencionado. Judá era um pavio de fogo. Possuía o mais alto dos ideais, mas tinha um temperamento pouco estável. Apresentava toda a determinação e o dinamismo da sua mãe, e mais ainda, mas faltava-lhe o senso da proporção e a discrição dela.
127:4.8 (1402.1) Míriam era uma filha bem equilibrada e de cabeça sensata, com uma apreciação aguçada das coisas nobres e espirituais. Marta era lenta de pensamento e ação, mas uma criança muito confiável e eficiente. A irmã Rute, ainda bebê, era o raio de sol da casa; embora impensada para falar, era muito sincera de coração. Ela simplesmente adorava o seu irmão maior e pai. Mas eles não a estragaram com mimos. Ela era uma criança linda, mas não tão formosa quanto Míriam, que era a beleza da família, se não da cidade.
127:4.9 (1402.2) Com o passar do tempo, Jesus fez bastante para liberalizar e modificar a educação e as práticas da família, no que dizia respeito à observação do sábado e em muitos outros aspectos da religião e, para todas essas mudanças, Maria deu o seu consentimento sincero. Jesus tinha-se transformado, nessa época, no chefe inquestionável da casa.
127:4.10 (1402.3) Nesse ano, Judá começou a ir à escola e foi necessário que Jesus vendesse a sua harpa, com o intuito de fazer frente a essas despesas. E assim desapareceu o último dos seus prazeres de recreação. Ele gostava muito de tocar harpa quando estava com a mente cansada e o corpo exaurido, mas consolou-se com o pensamento de que ao menos a harpa estaria a salvo de ser apreendida pelo coletor de impostos.
127:5.1 (1402.4) Embora Jesus fosse pobre, o seu nível social em Nazaré não era de forma nenhuma prejudicado. Era um dos jovens mais destacados da cidade e altamente considerado pela maioria das moças. Posto que Jesus fosse um espécime tão esplêndido de robustez física e de desenvolvimento intelectual masculino, e, considerando a sua reputação de líder espiritual, não era de se estranhar que Rebeca, a filha mais velha de Esdras, o abastado mercador e comerciante de Nazaré, descobrisse que, aos poucos, estava apaixonando-se por esse filho de José. Inicialmente ela confessou o seu afeto a Míriam, irmã de Jesus, e Míriam por sua vez falou sobre isso à sua mãe. Maria ficou bastante transtornada. Estaria a ponto de perder o seu filho, logo agora que se tornara o chefe indispensável da família? Será que os problemas nunca acabariam? O que mais poderia acontecer? E, então, ela parou para pensar sobre o efeito que o casamento teria na carreira futura de Jesus; lembrava- se, não freqüentemente, mas algumas vezes pelo menos, do fato de Jesus ser um “filho prometido”. Depois que Míriam e ela conversaram sobre tal questão, decidiram fazer um esforço para acabar com aquilo, antes que Jesus soubesse; e foram diretamente a Rebeca, colocando toda a história diante dela, dizendo honestamente sobre a crença que tinham de que Jesus era um filho do destino; de que ele deveria tornar-se um grande líder religioso, talvez o Messias.
127:5.2 (1402.5) Rebeca escutou bastante atenta; e, fascinada com o que lhe diziam, estava, mais do que nunca, determinada a tentar a sorte com esse homem da sua escolha e compartilhar com ele a sua carreira de liderança. Ela argumentou (para si própria) que um homem, por ser assim, necessitaria, ainda mais, de uma esposa fiel e eficiente. Ela interpretou os esforços que Maria fizera para dissuadi-la como uma reação natural pelo medo de perder o único apoio e o chefe da família; mas, sabendo que o seu pai aprovava a sua atração pelo filho do carpinteiro, ela reconheceu que fosse justo dar-lhe a satisfação de poder suprir a família de Jesus com uma renda suficiente para compensar plenamente a perda dos ganhos dele. Quando o seu pai concordou com esse plano, Rebeca teve outras conversas com Maria e Míriam e, quando viu que não conseguiria o apoio delas, ela tomou coragem para ir diretamente a Jesus. E o fez, com a cooperação do seu pai, que convidou Jesus à sua casa para a comemoração do décimo sétimo aniversário de Rebeca.
127:5.3 (1403.1) Jesus ouviu de modo atento e compassivo a exposição daquelas coisas, feita primeiramente pelo pai, e depois pela própria Rebeca. Respondeu gentilmente que, com efeito, nenhuma soma de dinheiro poderia tomar o lugar da sua obrigação de criar pessoalmente a família do seu pai, de “cumprir o mais sagrado de todos os encargos humanos — a lealdade à sua própria carne e sangue”. O pai de Rebeca ficou profundamente tocado pela devoção de Jesus à família e retirou-se da conversa. A única observação que fez a Maria, a sua esposa, foi: “Não poderemos tê-lo como filho; ele é nobre demais para nós”.
127:5.4 (1403.2) E então começou aquela conversa extraordinária com Rebeca. Até então, na sua vida, Jesus fizera pouca distinção na sua relação com os meninos e as meninas, com os jovens e as moças. Tinha estado muito ocupado com a premência das questões terrenas e práticas, e a sua mente estivera intrigada demais com a contemplação da sua carreira final “de cuidar dos assuntos do seu Pai”, para que ele pudesse chegar a considerar com seriedade a consumação de um amor pessoal, em um casamento humano. Agora, no entanto, se via frente a frente com mais um desses problemas com os quais todos os seres humanos comuns têm de confrontar- se e optar. De fato foi ele “testado, sob todos os aspectos, como vós o sois”.
127:5.5 (1403.3) Depois de escutar com atenção, ele agradeceu sinceramente a Rebeca, pela admiração exprimida por ela, acrescentando, “isso irá alegrar-me e confortar-me por todos os dias da minha vida”. E explicou que não era livre para, com qualquer mulher, ingressar em relações, a não ser aquelas de uma consideração de irmandade simples e de pura amizade. Deixou claro que o seu primeiro e mais importante dever era criar a família do seu pai, que ele não poderia considerar o casamento até que o seu dever estivesse cumprido; e, então, acrescentou: “Se sou um filho predestinado, não devo assumir obrigações que durem toda uma vida; até o momento em que o meu destino se torne manifestado”.
127:5.6 (1403.4) Rebeca ficou com o coração partido. Não aceitou ser consolada e insistiu com o seu pai para que se transferissem de Nazaré, até que finalmente ele consentiu em mudar-se para Séforis. Nos anos que se seguiram, aos muitos homens que queriam a sua mão em casamento, Rebeca não tinha senão uma resposta. Vivia para um só propósito: o de aguardar a hora em que aquele, que para ela era o maior homem que jamais vivera, começasse a sua carreira como um mestre da verdade viva. E ela seguiu-o com devoção durante os seus anos memoráveis de trabalho público, estando presente (sem que Jesus a percebesse) naquele dia em que ele chegou triunfalmente em Jerusalém; e esteve “entre as outras mulheres”, ao lado de Maria, naquela tarde fatídica e trágica em que o Filho do Homem estava na cruz, pois, para ela, bem como para mundos incontáveis no alto, ele era “o único digno do amor total e o maior entre dez mil”.
127:6.1 (1403.5) A história do amor de Rebeca por Jesus foi sussurrada em toda a Nazaré; e, mais tarde, em Cafarnaum, de um modo tal que, se bem que nos anos que viriam muitas mulheres houvessem amado Jesus, do mesmo modo que homens o amaram, ele não teria novamente que rejeitar a oferta pessoal da devoção de outra mulher de bem. Dessa época em diante o afeto humano por Jesus pertencia mais à natureza da adoração e da consideração cultuadora. Tanto homens quanto mulheres o amavam com devoção e pelo que ele era, não com quaisquer intenções de satisfação própria nem com desejo de posse por afeto. Mas, durante muitos anos, sempre que a história da personalidade humana de Jesus era contada, a devoção de Rebeca seria relatada.
127:6.2 (1404.1) Míriam, sabendo plenamente sobre o caso de Rebeca e sabendo que o seu irmão havia renunciado, mesmo, ao amor de uma bela moça (ainda que sem imaginar o que seria a sua carreira futura como predestinado), veio a idealizar Jesus e a amá-lo com a afeição tocante e profunda que se dedica a um pai bem como a um irmão.
127:6.3 (1404.2) Ainda que não tivesse condições para tal, Jesus teve um estranho desejo de ir a Jerusalém para a Páscoa. A sua mãe, sabendo da sua recente experiência com Rebeca, sabiamente o encorajou a fazer tal viagem. Ele não estava consciente disso, mas o que mais queria era uma oportunidade de conversar com Lázaro e de estar com Marta e Maria. Como à sua própria família, era a esses três que ele mais amava.
127:6.4 (1404.3) Ao fazer essa viagem a Jerusalém, ele foi pelo caminho de Meguido, Antipátris e Lida, em parte seguindo pela mesma rota pela qual tinha passado quando, do seu retorno do Egito, havia sido trazido de volta a Nazaré. Gastou quatro dias para ir à Páscoa e refletiu bastante sobre os acontecimentos passados, que tinham tido lugar em Meguido e nos seus arredores, campo de batalha internacional da Palestina.
127:6.5 (1404.4) Jesus passou por Jerusalém, parando apenas para olhar o templo e as multidões de visitantes. Teve uma aversão estranha e crescente por esse templo construído por Herodes, com o seu sacerdócio designado politicamente. Ele queria mais que tudo ver Lázaro, Marta e Maria. Lázaro tinha a mesma idade de Jesus e agora era o chefe da casa; na época dessa visita, a mãe de Lázaro havia morrido também. Marta era um ano e pouco mais velha que Jesus, enquanto Maria era dois anos mais nova. E Jesus era o ideal, idolatrado por todos os três.
127:6.6 (1404.5) Nessa visita ocorreu uma das suas manifestações periódicas de rebelião contra a tradição — a expressão do ressentimento por aquelas práticas cerimoniais que Jesus considerava representarem mal o seu Pai do céu. Não sabendo que Jesus estava vindo, Lázaro havia arranjado para celebrar a Páscoa com amigos, em uma aldeia vizinha, na estrada de Jericó. Jesus então propôs que celebrassem a festa onde eles estavam, na casa de Lázaro. “Mas”, disse Lázaro, “não temos um cordeiro pascal”. E então Jesus começou uma dissertação prolongada e convincente, para mostrar que o Pai no céu não estava verdadeiramente interessado nesses rituais infantis e sem sentido. Depois de uma prece solene e fervorosa, eles levantaram-se e Jesus disse: “Deixai que as mentes pueris e obscuras do meu povo sirvam ao seu Deus como Moisés mandava; é bom que o façam, mas nós, que vimos a luz da vida, cessemos de aproximar-nos do nosso Pai pelo caminho escuro da morte. Sejamos livres no conhecimento da verdade do amor eterno do nosso Pai eterno”.
127:6.7 (1404.6) Naquele anoitecer, à hora do crepúsculo, esses quatro assentaram-se e partilharam a primeira festa da Páscoa jamais celebrada por devotos judeus sem o cordeiro pascal. O pão sem levedo e o vinho haviam sido preparados para essa Páscoa e, esses símbolos aos quais Jesus chamou de “o pão da vida” e “a água da vida”, ele os serviu aos seus companheiros e eles comeram, adequando-se solenemente aos ensinamentos que acabavam de ser ministrados. Jesus passou então a ter o hábito de fazer esse ritual de sacramento quando, depois disso, fazia visitas a Betânia. Quando voltou para a casa, contou tudo isso à sua mãe. Ela ficou chocada, inicialmente, mas gradualmente conseguiu compartilhar do ponto de vista dele; entretanto, ficou muito aliviada quando Jesus assegurou-lhe que não tinha a intenção de introduzir essa nova idéia da Páscoa na própria família. Em casa, com as crianças, ele continuou, ano após ano, a comer durante a Páscoa “segundo a lei de Moisés”.
127:6.8 (1404.7) Foi durante esse ano que Maria teve uma longa conversa com Jesus sobre o casamento. Ela perguntou-lhe francamente se ele se casaria, caso ficasse livre das suas responsabilidades para com a família. Jesus explicou a ela que, posto que o dever imediato proibia o seu casamento, ele não havia pensado muito nisso. E expressava-se como se duvidasse de que jamais fosse chegar ao ponto de contrair matrimônio; e disse que essas coisas deviam esperar “a minha hora”, o momento em que “o trabalho do meu Pai deve ser iniciado”. Tendo já estabelecido na sua mente que não seria pai de crianças na carne, pouquíssimo havia pensado sobre a questão do casamento humano.
127:6.9 (1405.1) Nesse ano, Jesus retomou a tarefa de fundir mais ainda as suas naturezas mortal e divina, em uma individualidade humana única e efetiva. E continuou a crescer em estatura moral e em compreensão espiritual.
127:6.10 (1405.2) Embora todas as propriedades de Nazaré (exceto a casa deles) houvessem já sido liquidadas, nesse ano receberam uma pequena ajuda financeira, da venda de uma pequena participação em uma propriedade em Cafarnaum. Essa era a última de todas as propriedades imobiliárias de José. Esse negócio imobiliário em Cafarnaum foi feito com um construtor de barcos de nome Zebedeu.
127:6.11 (1405.3) José graduou-se na escola da sinagoga, nesse ano, e preparou-se para começar a trabalhar na pequena bancada na oficina de carpinteiro da casa. Apesar de as propriedades do pai deles haverem acabado, surgia a perspectiva de poderem lutar com êxito contra a pobreza, já que três dos filhos agora trabalhavam regularmente.
127:6.12 (1405.4) Rapidamente Jesus está tornando-se um homem feito, não apenas um jovem, mas um adulto. Aprende a suportar a responsabilidade; e já sabe como perseverar na presença de decepções. Comporta-se bravamente, quando os seus planos são contrariados e os propósitos temporariamente derrotados. Aprende como ser equânime e justo, mesmo, diante da injustiça. Está aprendendo como ajustar os seus ideais da vida espiritual às demandas práticas da existência terrena. Aprende como planejar a realização de uma meta mais elevada e distante, de idealismo, enquanto labuta honestamente para a realização de um fim de alcance mais imediato, por necessidade. Com desenvoltura avança na arte de ajustar as suas aspirações às demandas banais da condição humana. Já conquistara praticamente a mestria da técnica de utilizar a energia do impulso espiritual para fazer girar o mecanismo da realização material. Está aprendendo de vagar como viver a vida celeste, enquanto continua na sua existência terrena. Mais e mais Jesus acolhe o direcionamento último do seu Pai celeste, enquanto assume o papel paterno de guiar e direcionar as crianças da sua família terrena. Está tornando-se experiente em arrancar a vitória do âmago da própria mandíbula da derrota; e está aprendendo como transformar as dificuldades do tempo nos triunfos da eternidade.
127:6.13 (1405.5) E assim, com o passar dos anos, este jovem de Nazaré continua experienciando a vida como é vivida na carne mortal, nos mundos do tempo e do espaço. Vive uma vida plena, representativa e repleta em Urântia. E deixou este mundo já amadurecido e tendo a experiência pela qual as suas criaturas passam durante os curtos mas árduos anos da primeira vida das mesmas, a vida na carne. E toda esta experiência humana é uma posse eterna do Soberano do Universo. Ele é o nosso irmão compreensivo, o amigo compassivo, o soberano experiente e o pai misericordioso.
127:6.14 (1405.6) Enquanto criança, acumulara um vasto corpo de conhecimentos; enquanto jovem, ele ordenou, classificou e correlacionou essas informações; e agora, como homem deste reino, começa a organizar essas posições mentais, preparatórias que são, para utilizá-las nos seus ensinamentos posteriores, na ministração e no serviço em prol dos seus irmãos mortais deste mundo e de todas as outras esferas habitadas de todo o universo de Nébadon.
127:6.15 (1405.7) Nascido no mundo como um bebê do reino, Jesus viveu a sua infância e passou pelos estágios sucessivos da adolescência e da juventude; e agora se encontra no umbral da plena idade madura, enriquecido com a experiência de uma vida de homem, repleta do entendimento da natureza humana, e plena de compaixão pelas fragilidades dessa natureza. Ele está transformando-se em um especialista na arte divina de revelar o seu Pai do Paraíso, a todas as idades e estágios das criaturas mortais.
127:6.16 (1406.1) E pois, agora, como um homem plenamente desenvolvido — um adulto deste reino — , ele prepara-se para continuar a sua missão suprema de revelar Deus aos homens e de conduzir os homens a Deus.
O Livro de Urântia
Documento 128
128:0.1 (1407.1) QUANDO Jesus de Nazaré entrou nos primeiros anos da sua vida de adulto, tinha vivido e continuava a viver uma vida humana normal e comum na Terra. Jesus veio a este mundo como as outras crianças vêm; e em nada interferiu na escolha dos seus pais. Ele escolheu este mundo, em particular, como o planeta onde efetuar a sua sétima e última auto-outorga, a sua encarnação à semelhança da carne mortal; mas, à parte isso, veio ao mundo de um modo natural, crescendo como uma criança do reino e lutando com as vicissitudes do seu meio ambiente exatamente como o fazem os outros mortais neste, e em mundos semelhantes.
128:0.2 (1407.2) Tenhais sempre em mente que a auto-outorga de Michael, em Urântia, teve duplo propósito:
128:0.3 (1407.3) 1. Alcançar a mestria, por meio da experiência, que advém de viver plenamente a vida de uma criatura humana na carne mortal: a complementação final da sua soberania em Nébadon.
128:0.4 (1407.4) 2. A revelação do Pai Universal aos habitantes mortais, dos mundos do tempo e do espaço, com o fito de conduzir mais efetivamente esses mesmos mortais a uma compreensão melhor do Pai Universal.
128:0.5 (1407.5) Todos os outros benefícios para as criaturas e as vantagens para o universo foram incidentais e secundários, em relação a esses dois propósitos maiores da auto-outorga mortal.
128:1.1 (1407.6) Ao atingir a idade adulta, Jesus dispôs-se a realizar, com empenho sincero e a mais plena consciência de si, a tarefa de abranger toda a experiência, conquistando a mestria do conhecimento da forma de vida mais baixa das suas criaturas inteligentes; e por meio deste conhecimento final, conquistar o direito pleno de governar irrestritamente o universo por ele próprio criado. Dedicou-se a essa tarefa estupenda com a compreensão integral da sua própria natureza dual. E, sendo assim, ele havia combinado efetivamente já essas duas naturezas em uma única — Jesus de Nazaré.
128:1.2 (1407.7) Joshua ben José sabia muito bem que era um homem, um homem mortal, nascido de uma mulher. Isso é mostrado pela escolha da sua primeira denominação, o Filho do Homem. Ele participava verdadeiramente da carne e do sangue e, mesmo agora, que, com a autoridade da soberania, preside aos destinos de um universo, ele continua conservando, entre os inúmeros e bem merecidos títulos que ganhou, o de Filho do Homem. É literalmente verdade que a Palavra criativa — o Filho Criador Michael — do Pai Universal foi “feita carne e habitou, como um homem, o reino em Urântia”. Ele trabalhou, cansou-se, descansou e dormiu. Teve fome e satisfez tais anseios com comida; teve sede e com água saciou a sua sede. Experimentou toda a gama de emoções e de sentimentos humanos; ele foi “testado em todas as coisas, do mesmo modo que vós o sois”; e, pois, sofreu e morreu.
128:1.3 (1407.8) Ele obteve o conhecimento, ganhou a experiência e os combinou com a sabedoria, exatamente como o fazem os outros mortais do reino. Até depois do seu batismo, Jesus não se valeu de nenhum poder supranatural. Ele não fez uso de nenhuma intervenção que não fosse parte do seu dom humano como filho de José e de Maria.
128:1.4 (1408.1) Quanto aos atributos da sua existência pré-humana, ele despojou-se deles. Antes do começo do seu trabalho público, o seu conhecimento dos homens e dos acontecimentos esteve inteiramente limitado à sua própria experiência. Na verdade, foi um homem entre os homens.
128:1.5 (1408.2) Para sempre e gloriosamente é verdade que: “Temos, a governar-nos, um alto soberano que pode ser tocado pelo sentimento das nossas fraquezas. Temos um Soberano que foi testado, sob todos os pontos de vista e tentado, como nós somos, e que permaneceu sem pecado”. E desde que ele próprio sofreu, sendo testado e provado, ele é profusamente capaz de compreender e, pois, de ministrar àqueles que estão confusos e aflitos.
128:1.6 (1408.3) O carpinteiro de Nazaré agora compreendia integralmente o trabalho que tinha diante de si, mas escolheu viver a sua vida humana seguindo a sua fluência natural. E em algumas dessas questões ele é de fato um exemplo para as suas criaturas mortais, como está mesmo escrito: “Deixai que esta mente esteja em vós, a mesma que esteve também em Cristo Jesus, o qual, possuindo a natureza de Deus, não achava estranho ser igual a Deus. Mas ele arrogou pouca importância para si próprio e, tomando a forma de uma criatura, nasceu à semelhança dos homens. E estando, assim, na forma de um homem, soube ser humilde e tornar-se obediente até à morte, até mesmo à morte na cruz”.
128:1.7 (1408.4) Ele viveu a sua vida mortal como todos os outros da família humana podem viver as suas vidas, “ele que, nos dias da sua encarnação, tão freqüentemente ofereceu preces e súplicas, com uma grande emoção mesmo, e com lágrimas Àquele que é capaz de salvar de todo o mal, e as suas preces foram eficientes porque ele acreditou”. E por isso foi mister que ele se fizesse igual, sob todos os aspectos, aos seus irmãos, para que se tornasse um soberano misericordioso e compreensivo para com eles.
128:1.8 (1408.5) Da sua natureza humana ele nunca esteve em dúvida; era uma evidência em si mesma e estava sempre presente na sua consciência. Mas da sua natureza divina havia sempre espaço para a dúvida e a reflexão, ou pelo menos isso foi verdadeiro até o evento do seu batismo. A autocompreensão da divindade foi lenta e, do ponto de vista humano, foi uma revelação evolucionária natural. Essa revelação e a autopercepção da divindade começaram em Jerusalém quando ele ainda não tinha completado treze anos de idade, com a primeira ocorrência supranatural da sua existência humana; e essa experiência efetiva, de compreender que a sua natureza era divina, foi completada na época da sua segunda experiência supranatural, enquanto ainda encarnado, com o episódio que acompanhou o seu batismo no Jordão, feito por João; evento este que marcou o começo da sua carreira pública de ministração e ensinamentos.
128:1.9 (1408.6) Entre essas duas visitações celestes, uma no seu décimo terceiro ano de vida e a outra no seu batismo, nada ocorreu de supranatural nem de supra-humano na vida deste Filho Criador encarnado. Apesar disso, o menino de Belém, o adolescente, o jovem e o homem de Nazaré, eram, na realidade, o Criador, encarnado, de um universo; mas ele não usou nada do seu poder, nem sequer por uma vez, nem se valeu da ajuda ou do guiamento das personalidades celestes, excetuando- se a do seu serafim guardião, durante a sua vida de humano, até o dia em que foi batizado por João. E nós, que atestamos isso, sabemos do que estamos falando.
128:1.10 (1408.7) E ainda, durante todos esses anos da sua vida na carne, ele foi verdadeiramente divino. Era de fato um Filho Criador do Pai do Paraíso. Quando abraçou a sua carreira pública, depois de haver completado tecnicamente a sua experiência puramente mortal, para a conquista da soberania, ele não hesitou em admitir publicamente que era o Filho de Deus. Ele não hesitou em declarar: “Eu sou Alfa e Ômega, o começo e o fim, o primeiro e o último”. Ele não protestou, anos mais tarde, quando foi chamado de Senhor da Glória, de Soberano de um Universo, de Senhor Deus de toda a criação, de Santo de Israel, de o Senhor de Tudo, de Nosso Senhor e Nosso Deus, de Deus Conosco, de Aquele que tem um nome acima de todos os nomes e de todos os mundos, de a Onipotência de um universo, de a Mente Universal dessa criação, de Aquele em quem se escondem todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento, de plenitude Daquele que preenche todas as coisas, de o Verbo eterno do Deus eterno, de Aquele que foi antes de todas as coisas e em quem todas as coisas consistem, de Criador dos Céus e da Terra, de Sustentador de um Universo, de Juiz de Toda a Terra, de Doador da vida eterna, de o Verdadeiro Pastor, de Libertador dos Mundos e de Condutor da nossa salvação.
128:1.11 (1409.1) Ele nunca fez objeção a nenhum desses títulos, quando eles foram aplicados a ele, depois que emergiu da sua vida puramente humana, nos anos de adulto, da sua autoconsciência, do seu ministério de divindade para com a humanidade, de humanidade e na humanidade, neste mundo e para com todos os outros mundos. Jesus fez objeção quanto a um único nome: certa vez quando ele foi chamado de Emanuel, simplesmente respondeu: “Não, não eu, este é o meu irmão mais velho”.
128:1.12 (1409.2) Sempre, mesmo depois do seu crescimento para uma vida mais ampla na Terra, Jesus permaneceu humildemente submisso à vontade do Pai no céu.
128:1.13 (1409.3) Depois do seu batismo ele não viu inconveniente em permitir, aos que acreditavam nele e seus seguidores agradecidos, que o adorassem. Enquanto ele lutava contra a pobreza e labutava com as próprias mãos para prover a sua família das necessidades da vida, a sua consciência de que era um Filho de Deus estava já crescendo; ele sabia que era o criador dos céus e desta mesma Terra onde se encontrava agora vivendo a sua existência humana. E as hostes de seres celestes que o observavam, em todo o vasto universo, do mesmo modo, sabiam que este homem de Nazaré era o seu amado Soberano e Pai-Criador. Uma expectativa profunda invadiu o universo de Nébadon durante esses anos; todos os olhos celestes estavam focalizados continuamente em Urântia — e na Palestina.
128:1.14 (1409.4) Nesse mesmo ano, Jesus foi a Jerusalém, com José, para celebrar a Páscoa. Tendo levado Tiago ao templo para a consagração, ele considerou um dever seu também levar José. Jesus nunca demonstrou nenhum grau de parcialidade ao lidar com a sua família. Foi com José a Jerusalém pela estrada usual do vale do Jordão, mas retornou a Nazaré pelo caminho do leste do Jordão, que passava por Amatus. Indo pelo Jordão abaixo, Jesus narrou a história dos judeus a José e, durante a viagem de volta, contou-lhe sobre as experiências das legendárias tribos de Rubem, Gad, e Gilead, que tradicionalmente tinham habitado as regiões a leste do rio.
128:1.15 (1409.5) José fez muitas perguntas sugestivas a Jesus a respeito da missão da sua vida, mas à maioria delas Jesus responderia apenas: “Minha hora ainda não chegou”. Contudo, nessas conversas familiares, muitas palavras escapavam e delas José relembraria durante os acontecimentos comoventes dos anos seguintes. Jesus, junto com José, passou essa Páscoa com os seus três amigos em Betânia, como era o seu costume quando permanecia em Jerusalém para tais festas comemorativas.
128:2.1 (1409.6) Esse foi um dos vários anos durante os quais os irmãos e as irmãs de Jesus estavam enfrentando as provações e as atribulações comuns aos problemas e reajustamentos da adolescência. Agora, tendo irmãos e irmãs cujas idades variavam entre sete e dezoito anos, Jesus mantinha-se ocupado ajudando-os a ajustarem-se ao novo despertar das suas vidas intelectuais e emocionais. Ele tinha, assim, que enfrentar os problemas da adolescência à medida que estes se tornavam manifestos nas vidas dos seus irmãos e irmãs mais jovens.
128:2.2 (1410.1) Nesse ano, Simão graduou-se na escola e começou a trabalhar com Jacó, o assentador de pedras, antigo companheiro de jogos de Jesus e defensor sempre alerta dele. Em conseqüência de várias conversas na família, havia ficado decidido que não era sábio que todos os rapazes se encaminhassem para a carpintaria. Pensou-se que, se as suas especialidades fossem diversificadas, eles estariam preparados para empreitadas de construir edifícios por inteiro. Além do que, eles não tinham estado todos sempre ocupados, apenas três deles tinham estado trabalhando como carpinteiros em período integral.
128:2.3 (1410.2) Durante esse ano, Jesus continuou os trabalhos de acabamento de casas e de marchetaria, mas passou a maior parte do seu tempo na loja de reparos, perto do ponto das caravanas. Tiago estava começando a alternar-se com ele no atendimento da loja. Mais para o fim do ano, quando o trabalho de carpinteiro começou a escassear em Nazaré, Jesus deixou a loja de reparos ao encargo de Tiago, ficando José na bancada da casa, enquanto ele partiu para Séforis trabalhar como ferreiro. Trabalhou por seis meses com metais e adquiriu uma habilidade considerável com a bigorna.
128:2.4 (1410.3) Antes de assumir o seu novo emprego em Séforis, Jesus fez uma das suas reuniões periódicas em família e solenemente colocou Tiago, então com um pouco mais do que dezoito anos de idade, como o chefe suplente da família. Ele prometeu ao seu irmão o apoio sincero, cooperação plena e exigiu de todos os membros da família uma promessa formal de obediência a Tiago. A partir desse dia, Tiago assumiu a plena responsabilidade financeira pela família, sendo que Jesus fazia pagamentos semanais ao seu irmão. Nunca mais Jesus retomou o controle das mãos de Tiago. Enquanto trabalhava em Séforis ele poderia ter ido até a sua casa, todas as noites caso fosse necessário, mas permaneceu afastado de propósito, atribuindo isso ao tempo e a outras razões, mas o seu verdadeiro motivo era treinar Tiago e José para enfrentar as responsabilidades da família. Ele havia iniciado o processo lento de desligar-se da sua família. A cada sábado, Jesus retornava a Nazaré e, algumas vezes, durante a semana, quando a ocasião requeria, para observar o trabalho do novo plano e dar conselhos e oferecer sugestões úteis.
128:2.5 (1410.4) Ter vivido boa parte do tempo em Séforis, durante seis meses, proporcionou a Jesus uma nova oportunidade de conhecer melhor o ponto de vista dos gentios. Trabalhou e viveu com os gentios e de todas as maneiras possíveis estudou de perto, e com cuidado, os seus hábitos de vida e a mente deles.
128:2.6 (1410.5) Os padrões morais dessa aldeia onde morava Herodes Antipas encontravam-se tão abaixo até mesmo daqueles da cidade das caravanas de Nazaré, que, depois de seis meses de permanência em Séforis, Jesus não era avesso à idéia de encontrar uma desculpa para voltar a Nazaré. O grupo para o qual ele trabalhava estava empreendendo trabalhos públicos tanto em Séforis quanto na nova cidade de Tiberíades, e Jesus não estava inclinado a ter o que quer que fosse com qualquer espécie de emprego sob a supervisão de Herodes Antipas. E havia ainda outras razões que faziam com que se tornasse prudente, na opinião de Jesus, que ele voltasse a Nazaré. Quando retornou à loja de reparos, ele não reassumiu pessoalmente a direção dos assuntos da família. Trabalhou em associação com Tiago, na loja, e permitiu a ele, tanto quanto possível, continuar a supervisionar a casa. Assim, Tiago continuou tranqüilamente a gestão dos assuntos do orçamento e da administração da família.
128:2.7 (1410.6) E foi por meio desse plano sábio e cuidadoso que Jesus preparou o caminho para a sua retirada final de uma participação ativa nos assuntos da sua família. Quando Tiago tinha já dois anos de experiência como chefe atuante da família — e dois anos antes que ele (Tiago) chegasse a se casar — , José ficou encarregado das economias da casa e a direção geral do lar também lhe foi confiada.
128:3.1 (1411.1) Nesse ano, a pressão financeira ficou ligeiramente aliviada, pois havia quatro irmãos a trabalhar. Míriam ganhava relativamente bem com a venda do leite e da manteiga; Marta havia-se tornado uma tecelã de muita habilidade. E mais de um terço do preço de compra da loja de reparos havia sido pago. A situação era tal que Jesus parou de trabalhar por três semanas para levar Simão a Jerusalém, para a Páscoa, e esse foi o período mais longo de que ele desfrutou, afastado do trabalho diário, desde a morte do seu pai.
128:3.2 (1411.2) Eles viajaram para Jerusalém pelo caminho de Decápolis, passando por Pela, Gerasa, Filadélfia, Hesbom e Jericó. E voltaram a Nazaré pela estrada costeira, passando por Lida, Jopa, Cesaréia, contornaram o monte Carmelo até Ptolemais e depois chegaram a Nazaré. Essa viagem permitiu que Jesus conhecesse bastante bem toda a Palestina ao norte do distrito de Jerusalém.
128:3.3 (1411.3) Na Filadélfia, Jesus e Simão conheceram um mercador de Damasco; este se tomou de uma tal amizade pelos dois irmãos de Nazaré, que insistiu para que os dois dessem uma parada com ele na sede da sua empresa em Jerusalém. Enquanto Simão participava do serviço no templo, Jesus passou muito do seu tempo conversando sobre assuntos mundiais com esse homem bem educado e viajado. Esse mercador possuía quatro mil camelos de caravana; tinha negócios em todo o mundo romano e agora estava a caminho de Roma. E propôs que Jesus fosse a Damasco para integrar os seus negócios de importação oriental, mas Jesus explicou-lhe que não se sentia no direito de afastar-se tanto da sua família naquele momento. Mas a caminho de casa, ele pensou muito nas cidades distantes e mais ainda nos países longínquos do Extremo-Ocidente e Extremo- Oriente, países sobre os quais os passageiros e os condutores das caravanas tanto lhe haviam contado.
128:3.4 (1411.4) Simão estava muito contente com a sua visita a Jerusalém. Havia sido devidamente admitido na comunidade de Israel, durante a consagração pascal dos novos filhos dos mandamentos. Enquanto Simão assistia às cerimônias pascais, Jesus misturava-se às multidões de visitantes e participava de muitas conversas pessoais interessantes com inúmeros prosélitos gentios.
128:3.5 (1411.5) Talvez o mais notável de todos esses contatos tenha sido aquele com um jovem helenista chamado Estevão. Esse jovem visitava Jerusalém pela primeira vez e encontrou Jesus, por acaso, à tarde na quinta-feira da semana da Páscoa. Enquanto passeavam vendo o palácio de Asmônea, Jesus iniciou a conversa casual que resultou em um interesse mútuo e levou a uma conversa de quatro horas sobre o modo de vida e sobre o verdadeiro Deus e a sua adoração. Estevão ficou tremendamente impressionado com o que Jesus dissera; e nunca se esqueceu daquelas palavras.
128:3.6 (1411.6) E esse foi o mesmo Estevão que depois se tornou um crente dos ensinamentos de Jesus, e cuja audácia ao pregar esse evangelho dos tempos iniciais resultou em ter sido apedrejado até a morte por judeus irados. Uma parte da audácia extraordinária que Estevão tinha em proclamar a sua visão do novo evangelho era uma conseqüência direta da sua conversa anterior com Jesus. Mas Estevão, nem de leve, jamais chegou a supor que o galileu com quem havia conversado há uns quinze anos era a mesma pessoa a quem mais tarde ele próprio proclamaria como o Salvador do mundo, e por quem ele iria morrer em breve, tornando-se assim o primeiro mártir da nova fé cristã que evoluía. Quando Estevão entregou a sua vida como preço pela sua investida contra o templo judeu e as suas práticas tradicionais, um cidadão chamado Saulo, cidadão de Tarso, estava lá. E, quando Saulo percebeu como o grego podia morrer pela sua fé, surgiram no seu coração aquelas emoções que finalmente levaram-no a desposar a causa pela qual Estevão morrera; mais tarde tornou-se ninguém mais do que Paulo, o dinâmico e indômito, o filósofo e talvez fundador único da religião cristã.
128:3.7 (1412.1) No domingo, depois da semana da Páscoa, Simão e Jesus partiram de volta a caminho de Nazaré. Simão nunca esqueceu o que Jesus ensinou-lhe nessa viagem. Sempre havia amado Jesus, contudo agora Simão sentia que começava a conhecer o seu irmão-pai. Eles tinham tido muitas conversas de coração para coração à medida que viajavam pelo país e preparavam as próprias refeições à beira do caminho. Eles chegaram em casa na quinta-feira ao meio-dia; e Simão ficou até tarde da noite contando a toda a família as suas experiências.
128:3.8 (1412.2) Maria ficou muito preocupada com o que Simão relatou sobre o fato de que Jesus houvesse passado a maior parte do seu tempo em Jerusalém “falando com estranhos, especialmente aqueles de países distantes”. A família de Jesus não poderia nunca compreender o seu grande interesse pelo povo, a necessidade que tinha de estar com todos, de aprender sobre o seu modo de vida, e de saber sobre o que andavam pensando.
128:3.9 (1412.3) Mais e mais a família de Nazaré tornava-se absorvida pelos problemas humanos imediatos; e não era freqüente que se comentasse sobre a missão futura de Jesus, sendo até muito raro até que ele próprio falasse da própria carreira futura. Mesmo a sua mãe raramente lembrava-se de que era a criança prometida. Maria aos poucos estava desistindo da idéia de que Jesus cumpriria alguma missão divina na Terra, mas por vezes a sua fé era reavivada quando parava para lembrar-se da visitação de Gabriel, antes do nascimento da criança.
128:4.1 (1412.4) Os últimos quatro meses desse ano, Jesus os passou em Damasco como hóspede do mercador a quem conhecera na Filadélfia, quando a caminho de Jerusalém. Havendo sido procurado por um representante desse mercador, quando de passagem por Nazaré, este acompanhou Jesus a Damasco. Esse mercador, judeu em parte, propôs dedicar uma soma extraordinária de dinheiro para o estabelecimento de uma escola de filosofia religiosa em Damasco. Planejava criar um centro de ensino que ultrapassaria Alexandria. E propôs que Jesus iniciasse imediatamente uma grande viagem aos centros educacionais do mundo, em preparação para tornar- se o diretor desse novo projeto. Esta se constituiu numa das maiores tentações jamais enfrentadas por Jesus durante a sua carreira puramente humana.
128:4.2 (1412.5) Em breve esse negociante trouxe diante de Jesus um grupo de doze mercadores e banqueiros que concordaram em sustentar a escola recém-projetada. Jesus manifestou um profundo interesse pela escola que estava sendo idealizada, ajudou-os a planejar a sua organização, mas sempre expressava o temor de que as suas outras obrigações, não declaradas, mas prioritárias, pudessem impedi-lo de aceitar a direção de uma empresa de tamanha ambição. Aquele homem que queria ser o seu benfeitor era persistente e empregou Jesus na sua casa, sob remuneração, para fazer algumas traduções, enquanto ele, sua esposa, filhos e filhas tentavam convencer Jesus a aceitar a honraria oferecida a ele. Mas Jesus não aceitou. Bem sabia que a sua missão na Terra não devia ser sustentada por instituições de ensino; sabia que não devia obrigar-se, no mínimo que fosse, a ser dirigido pelos “conselhos dos homens” não importando quão bem-intencionados fossem.
128:4.3 (1412.6) Ele que, mesmo depois de demonstrar a sua liderança, e havendo sido rejeitado pelos líderes religiosos de Jerusalém, era reconhecido e saudado como um mestre instrutor pelos negociantes e banqueiros de Damasco, e tudo isso quando era ainda um carpinteiro obscuro e desconhecido de Nazaré.
128:4.4 (1412.7) Jesus nunca falou sobre esse convite à sua família e, ao final desse ano, já se encontrava de volta a Nazaré, cuidando dos seus deveres diários, como se nunca tivesse sido tentado pelas propostas elogiosas dos seus amigos de Damasco. E também esses homens de Damasco jamais associaram o futuro cidadão de Cafarnaum, que virou a sociedade judaica de cabeça para baixo, ao antigo carpinteiro de Nazaré que havia ousado recusar a honra que as suas riquezas consorciadas poderiam ter-lhe proporcionado.
128:4.5 (1413.1) Jesus, de um modo muito hábil e intencional, conseguiu destacar vários episódios da sua vida de modo a nunca se tornarem, aos olhos do mundo, ligados uns aos outros e tomados como atos de um mesmo indivíduo. Muitas vezes, nos anos seguintes, ouviu a descrição dessa mesma história, a de um estranho galileu que declinou a oportunidade de fundar uma escola em Damasco para competir com a de Alexandria.
128:4.6 (1413.2) Um dos propósitos que Jesus tinha em mente, quando buscava isolar certas particularidades da sua experiência terrena, era o de impedir a elaboração de uma carreira tão versátil e espetacular a ponto de levar as gerações seguintes a venerar o Mestre, em vez de observar a verdade que ele havia vivido e ensinado. Jesus jamais quis edificar um currículo de realizações que atraísse mais atenção do que os seus ensinamentos. Muito cedo ele reconheceu que os seus seguidores seriam tentados a formular uma religião sobre ele, a qual poderia vir a competir com o evangelho do Reino que ele tinha a intenção de proclamar ao mundo. E assim sendo, de um modo consistente, ele buscou, durante a sua movimentada carreira, suprimir tudo aquilo que, ele supunha, pudesse ser usado para servir a essa tendência humana natural de exaltar o mestre em lugar de proclamar os seus ensinamentos.
128:4.7 (1413.3) Essa mesma razão explica por que ele permitiu a si próprio ser conhecido por títulos diferentes durante as várias épocas da sua diversificada vida na Terra. E, novamente, ele não queria exercer nenhuma influência indevida sobre a sua família e sobre os outros, para levá-los a acreditar nele, apesar das convicções honestas deles. E sempre se recusou a tirar uma vantagem abusiva ou injusta da mente humana. E não queria que os homens acreditassem nele, a menos que os seus corações fossem sensíveis às realidades espirituais reveladas nos seus ensinamentos.
128:4.8 (1413.4) Ao final desse ano as coisas estavam bastante bem no lar de Nazaré. As crianças cresciam e Maria já se acostumava à ausência de Jesus. Ele continuava a enviar os seus ganhos a Tiago para sustentar a família, retendo apenas uma pequena parte para as suas despesas pessoais imediatas.
128:4.9 (1413.5) À medida que passavam os anos, mais difícil ficava compreender que esse homem fosse um Filho de Deus na Terra. Ele parecia tornar-se exatamente um indivíduo do reino, apenas mais um homem entre os homens. E foi ordenado pelo Pai no céu que tal outorga devesse mesmo desenvolver-se desse modo.
128:5.1 (1413.6) Esse foi o primeiro ano em que Jesus ficou relativamente livre das responsabilidades da família. Tiago vinha tendo muito êxito em gerir o lar, contando com a ajuda de Jesus nos conselhos e nas finanças.
128:5.2 (1413.7) Na semana seguinte à Páscoa desse ano, um jovem senhor de Alexandria veio a Nazaré a fim de fazer os arranjos para um encontro, mais tarde, ainda naquele ano, entre Jesus e um grupo de judeus de Alexandria, nalgum ponto da costa da Palestina. Essa conversa foi marcada para meados de junho, e Jesus foi até Cesaréia para encontrar cinco proeminentes judeus de Alexandria, os quais lhe suplicavam que se estabelecesse na cidade deles, como um mestre religioso, oferecendo-lhe de início, para induzi-lo a aceitar, a posição de assistente do chazam na sua principal sinagoga.
128:5.3 (1414.1) O porta-voz desse comitê explicou a Jesus que a Alexandria estava destinada a tornar-se a sede da cultura judaica para o mundo inteiro; que a tendência helenista dos assuntos judeus havia virtualmente ultrapassado a escola de pensamento da Babilônia. Eles lembraram a Jesus sobre os nefastos rumores de rebelião em Jerusalém e em toda a Palestina e asseguraram a ele que qualquer levante dos judeus da Palestina seria equivalente a um suicídio nacional, que a mão de ferro de Roma esmagaria a rebelião em três meses; e que Jerusalém seria destruída, o templo demolido e que não seria deixada pedra sobre pedra.
128:5.4 (1414.2) Jesus ouviu tudo o que tinham para dizer, agradeceu-lhes pela confiança depositada nele, mas, recusando-se a ir para Alexandria, em essência, eis o que respondeu: “A minha hora ainda não chegou”. Eles ficaram embaraçados com a sua aparente indiferença à honraria que almejavam conferir-lhe. Antes de deixarem Jesus, ofereceram-lhe de presente uma bolsa como sinal da estima dos seus amigos de Alexandria e como compensação pelo tempo e pelas despesas por ter vindo a Cesaréia para conversar com eles. Mas, do mesmo modo, Jesus não aceitou o dinheiro, dizendo: “A casa de José nunca recebeu esmolas e nós não podemos comer o pão dos outros, enquanto eu tiver braços fortes e os meus irmãos puderem trabalhar”.
128:5.5 (1414.3) Os seus amigos do Egito içaram as velas na direção de casa e, nos anos seguintes, quando ouviam rumores do construtor de barcos de Cafarnaum, que estava criando uma grande agitação na Palestina, poucos deles supuseram que ele fosse a criança de Belém crescida e o mesmo galileu de comportamento estranho que houvera declinado, de um modo tão pouco cerimonioso, o convite para tornar-se um grande mestre em Alexandria.
128:5.6 (1414.4) Jesus retornou a Nazaré. O restante desse ano constituiu-se nos seis meses menos movimentados de toda a sua carreira. Ele desfrutou bem dessa pausa temporária, no roteiro usual de problemas a resolver e de dificuldades a suplantar; e nesse período Jesus comungou muito com o seu Pai no céu e fez um progresso imenso na mestria da sua mente humana.
128:5.7 (1414.5) Mas os assuntos humanos, nos mundos do tempo e do espaço, não decorrem sem problemas por muito tempo. Em dezembro, Tiago teve uma conversa particular com Jesus, explicando estar muito afeiçoado a Esta, uma jovem mulher de Nazaré, e que eles gostariam de casar-se, tão logo isso pudesse ser arranjado. E Tiago chamou a atenção para o fato de que José logo teria dezoito anos e que seria uma boa experiência se ele tivesse a oportunidade de servir como chefe da família. Jesus deu o seu consentimento para Tiago casar, dois anos depois, desde que ele tivesse, durante esse meio tempo, treinado adequadamente José para assumir a direção da casa.
128:5.8 (1414.6) E agora as coisas começavam a acontecer — o casamento estava no ar. O êxito de Tiago, em ganhar o consentimento de Jesus para casar, deu coragem a Míriam para abordar o seu irmão-pai a respeito dos seus planos. Jacó, o mais jovem, o assentador de pedras que certa vez se havia autodenominado um campeão em defesa de Jesus, agora associado a Tiago e a José nos negócios, vinha, há muito tempo, procurando ganhar a mão de Míriam em casamento. Depois que Míriam havia colocado os seus planos para Jesus, ele pediu que Jacó viesse até ele para fazer um pedido formal pela mão dela e prometeu dar a sua bênção ao casamento tão logo ela sentisse que Marta se havia tornado competente para assumir os deveres dela como filha mais velha.
128:5.9 (1414.7) Quando Jesus encontrava-s em casa, ele continuava a ensinar às tardes na escola, três vezes por semana; lia freqüentemente as escrituras na sinagoga aos sábados, visitava a sua mãe, ensinava às crianças e, em geral, conduzia-se como um digno e respeitado cidadão de Nazaré, na comunidade de Israel.
128:6.1 (1415.1) Esse ano começou com toda a família de Nazaré em boa saúde e testemunhou o fim dos períodos normais da escola para todas as crianças, com exceção de um certo trabalho que Marta devia fazer junto com Rute.
128:6.2 (1415.2) Jesus era um dos mais robustos e refinados espécimes humanos a aparecer na Terra desde os dias de Adão. O seu desenvolvimento físico era magnífico. A sua mente era ativa, aguda e penetrante — se comparado à mentalidade média dos seus contemporâneos, tinha tido um desenvolvimento de proporções gigantescas — e o seu espírito era de fato humanamente divino.
128:6.3 (1415.3) As finanças da família estavam então nas suas melhores condições, desde a venda das propriedades de José. Os pagamentos finais da loja de reparos, junto às caravanas, haviam sido feitos; eles não deviam nada e, pela primeira vez, durante anos, possuíam algum fundo em caixa. Isso sendo verdadeiro, e desde que ele havia levado os seus outros irmãos a Jerusalém, para a primeira cerimônia pascal deles, Jesus decidiu acompanhar Judá (que havia acabado de graduar-se na escola da sinagoga) na sua primeira visita ao templo.
128:6.4 (1415.4) Eles foram a Jerusalém e retornaram pela mesma estrada, a do vale do Jordão, pois Jesus temia ter problemas se levasse o seu jovem irmão a cruzar Samaria. Já em Nazaré, Judá tinha tido ligeiros problemas várias vezes por causa da sua disposição irrefletida, que se somava aos seus fortes sentimentos patrióticos.
128:6.5 (1415.5) Eles chegaram em Jerusalém no devido tempo e estavam a caminho da sua primeira visita ao templo, cuja visão foi suficiente para emocionar e entusiasmar Judá, até o fundo da sua alma; e foi aí que eles encontraram Lázaro de Betânia. Enquanto Jesus falava com Lázaro e procurava arranjar uma celebração conjunta da Páscoa, Judá deu início a uma grande encrenca para todos. Bem perto de onde se encontravam estava um guarda romano que fez algum comentário impróprio a respeito de uma garota judia que passava. Judá incandesceu-se em uma indignação feroz e não hesitou em expressar o seu ressentimento por aquele impropério, diretamente ao soldado e de modo que ele escutasse. Ora, os legionários romanos eram muito sensíveis a qualquer coisa que beirasse o desrespeito judeu; e, assim, prontamente o guarda prendeu Judá. Isso foi demais para o jovem patriota e, antes que Jesus chegasse a preveni-lo com um olhar de advertência, ele havia já dado vazão a uma denúncia volúvel de sentimentos anti-romanos armazenados, todos os quais só fizeram piorar a situação. Com Jesus a seu lado, Judá foi levado imediatamente para a prisão militar.
128:6.6 (1415.6) Jesus tentou obter uma audiência imediata para Judá ou conseguir a sua libertação em tempo para a celebração da Páscoa, naquela noite, mas fracassou nessas tentativas. Já que no dia seguinte haveria uma “santa assembléia” em Jerusalém, nem mesmo os romanos se arriscariam a ouvir acusações contra um judeu. E, desse modo, Judá permaneceu no confinamento até a manhã do segundo dia depois da sua prisão, e Jesus permaneceu com ele na prisão. Eles não estiveram presentes ao templo para a cerimônia da recepção dos filhos da lei na cidadania plena de Israel. Judá só formalizou essa cerimônia depois de muitos anos, quando estivera perto de Jerusalém, em uma Páscoa, fazendo um trabalho de propaganda dos zelotes, a organização patriótica à qual ele pertencia e na qual ele era bastante ativo.
128:6.7 (1415.7) Na manhã seguinte ao segundo dia em que estiveram presos, Jesus compareceu diante do magistrado militar em defesa de Judá. Por meio de um pedido de desculpas, em função da juventude do seu irmão, e por meio de esclarecimentos complementares judiciosos com referência à natureza provocativa do episódio que tinha levado à prisão do seu irmão, Jesus conduziu o caso de tal modo que o magistrado expressou a opinião de que o jovem judeu poderia ter tido alguma desculpa possível para a sua explosão de violência. Depois de advertir Judá a não se permitir novamente ser culpado de tal temeridade, disse a Jesus ao dispensá- los: “É melhor manter os seus olhos no jovem; ele é capaz de atrair muita confusão para todos vós”. E o juiz romano falava a verdade. Judá causou muitos aborrecimentos para Jesus; e estes eram sempre problemas da mesma natureza — conflitos com as autoridades civis, por causa das suas explosões impensadas e pouco sábias de patriotismo.
128:6.8 (1416.1) Jesus e Judá foram até Betânia, para passar a noite; e explicaram por que eles haviam deixado de cumprir o compromisso da ceia da Páscoa, partindo na manhã seguinte para Nazaré. Jesus não contou à família sobre o aprisionamento do seu jovem irmão em Jerusalém, mas teve uma longa conversa com Judá sobre esse episódio, umas três semanas depois de retornarem. Após essa conversa com Jesus, o próprio Judá contou o acontecido à família. E jamais se esqueceu da paciência e da indulgência que o seu irmão-pai manifestou durante toda essa experiência difícil.
128:6.9 (1416.2) Essa foi a última Páscoa que Jesus passou com um membro da sua própria família. O Filho do Homem distanciava-se cada vez mais da sua própria carne e sangue.
128:6.10 (1416.3) Nesse ano as suas temporadas de meditação profunda foram muitas vezes interrompidas por Rute e os seus companheiros de brincadeiras. E sempre Jesus se dispunha a adiar a contemplação do seu trabalho futuro, para o mundo e o universo, a fim de compartilhar da alegria infantil e da felicidade da juventude daquelas crianças, que nunca se cansavam de ouvir Jesus contar sobre as experiências das suas várias viagens a Jerusalém. Também gostavam muito das suas histórias sobre os animais e a natureza.
128:6.11 (1416.4) As crianças eram sempre bem-vindas à loja de reparos. Jesus mantinha areia, blocos de madeira e calhaus de pedras ao lado da loja, e as crianças ficavam ali se divertindo. Quando se cansavam das brincadeiras, os mais intrépidos iam dar uma olhada dentro do ateliê e, se o dono não estivesse muito ocupado, eles ousavam entrar e dizer: “Tio Joshua, venha e conte-nos uma grande história”. Então eles o levavam para fora, puxando-o pelas mãos até que ele se assentasse na pedra favorita, perto da esquina da loja, com as crianças no chão, em um semicírculo diante dele. E como os pequeninos gostavam do tio Joshua! Estavam aprendendo a rir, e a rir de coração. Era costume, de um ou dois dos menores, subirem nos seus joelhos e assentarem-se lá, olhando maravilhados para as suas feições expressivas enquanto ele contava as suas histórias. As crianças amavam Jesus; e Jesus amava as crianças.
128:6.12 (1416.5) Era difícil para os seus amigos compreender o alcance das suas atividades intelectuais. Como podia tão súbita e tão completamente passar de uma profunda discussão, sobre política, filosofia ou religião, para as brincadeiras leves e alegres com essas crianças de cinco a dez anos de idade? Como os seus próprios irmãos e irmãs haviam crescido, ele dispunha de mais tempo para o lazer e, antes que viessem os netos, ele dava muita atenção a esses pequeninos. No entanto, Jesus não viveu na Terra um tempo suficiente para desfrutar dos netos.
128:7.1 (1416.6) No começo desse ano, Jesus de Nazaré tornou-se profundamente consciente de que possuía um poder potencial muito vasto. Mas estava, do mesmo modo, plenamente convencido de que esse poder não devia ser utilizado pela sua personalidade de Filho do Homem, ao menos não até que a sua hora chegasse.
128:7.2 (1417.1) Nessa época Jesus falava pouco, mas pensava muito, sobre a relação com o seu Pai no céu. E a conclusão de todo esse pensar foi expressa certa vez na sua oração no topo da montanha, quando ele disse: “A despeito de quem eu seja e do poder que possa ou não exercer, eu tenho sempre sido, e sempre serei, submisso à vontade do meu Pai do Paraíso”. E ainda, quando esse homem caminhava por Nazaré indo e vindo do seu trabalho, era literalmente verdadeiro — naquilo que concernia a todo um vasto universo — que “nele estavam guardados todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento”.
128:7.3 (1417.2) Durante todo esse ano, os assuntos da família correram tranqüilamente, exceto no que se referia a Judá. Durante anos Tiago teve problemas com o mais jovem dos seus irmãos, que não estava inclinado a estabelecer-se para trabalhar e em quem não se podia confiar para participar das despesas da casa. Conquanto vivesse em casa, ele não estava consciente de que devia ganhar a sua parte para a manutenção da família.
128:7.4 (1417.3) Jesus era um homem de paz e, de tempos em tempos, ficava embaraçado com as explosões beligerantes e com os inúmeros rompantes patrióticos de Judá. Tiago e José eram a favor de expulsá-lo, mas Jesus não consentiria. Quando a paciência deles chegava aos limites, Jesus apenas aconselhava: “Sede pacientes. Sede sábios nos vossos conselhos e eloqüentes nas vossas vidas; que o vosso irmão mais jovem possa primeiro conhecer o melhor meio, e então que seja levado a seguir-vos”. O conselho sábio e afetuoso de Jesus impedia qualquer rompimento na família; eles permaneciam juntos. Mas Judá só serenou seus sentidos depois do seu casamento.
128:7.5 (1417.4) Apenas raramente Maria falava da futura missão de Jesus. Sempre que se fazia referência a essa questão, Jesus apenas respondia: “Minha hora ainda não chegou”. Jesus havia quase completado a difícil tarefa de desacostumar a sua família da dependência da presença imediata da sua personalidade. E estava preparando-os rapidamente para o dia em que iria deixar a sua casa de Nazaré, de uma forma segura, para dar início a uma atividade mais intensa como um prelúdio para a sua ministração real aos homens.
128:7.6 (1417.5) Vós nunca deveis perder de vista o fato de que a parte primordial da missão de Jesus, na sua sétima auto-outorga, deveria ser a aquisição da experiência, enquanto criatura, para a conquista da soberania de Nébadon. E ao colecionar essas experiências também ele faria a revelação suprema do Pai do Paraíso a Urântia e a todo o seu universo local. Em acréscimo a esses propósitos, também Jesus empreendeu a tarefa de desemaranhar os complicados assuntos deste planeta, sobretudo no que se relacionavam à rebelião de Lúcifer.
128:7.7 (1417.6) Nesse ano Jesus desfrutou de um tempo de lazer maior do que o de costume, e dedicou muito da sua folga para treinar Tiago a gerir a loja de reparos, e José na direção dos assuntos de casa. Maria percebeu que ele estava arranjando tudo para deixá-los. Deixá-los para ir aonde? Para fazer o quê? Ela havia já abandonado o pensamento de que Jesus poderia ser o Messias. E não conseguia compreendê-lo, simplesmente não podia alcançar nem penetrar o mistério da vida do seu filho primogênito.
128:7.8 (1417.7) Jesus passou um bom tempo, durante esse ano, individualmente com cada um dos membros da sua família. Ele os levaria para passeios longos e freqüentes à montanha e ao campo. Antes da colheita, levou Judá ao sul de Nazaré, até a casa de um tio fazendeiro, mas Judá não permaneceu muito tempo ali, depois da colheita. Ele fugiu, e Simão encontrou-o mais tarde com os pescadores no lago. Quando Simão o trouxe de volta para casa, Jesus teve uma conversa com o garoto fugitivo e, já que ele queria ser pescador, Jesus levou-o a Magdala e colocou- o sob os cuidados de um parente, um pescador; e, daquela época em diante, Judá trabalhou bastante bem e regularmente até seu casamento, continuando como pescador depois do seu casamento.
128:7.9 (1418.1) Afinal chegou o dia em que todos os irmãos de Jesus já haviam feito a escolha dos seus trabalhos, e das suas vidas, e estavam estabelecidos cada qual em seu trabalho. O cenário estava ficando pronto para que Jesus pudesse partir da sua casa.
128:7.10 (1418.2) Em novembro, aconteceu um duplo casamento. Tiago e Esta se casaram, e também Míriam e Jacó. Foi uma ocasião realmente cheia de alegria. Até a própria Maria, uma vez mais, estava feliz, salvo de tempos em tempos, quando se dava conta de que Jesus estava preparando-se para ir embora. Ela sofria, sob a carga de uma forte incerteza. Se Jesus apenas se assentasse e falasse livremente a ela, de tudo aquilo, como ele tinha feito quando era menino; no entanto, Jesus permanecia decididamente pouco comunicável; e mantinha-se em um silêncio profundo sobre o futuro.
128:7.11 (1418.3) Tiago e a sua esposa, Esta, mudaram-se para uma casa pequena e agradável, do lado oeste da cidade, presenteada pelo pai dela. Ao mesmo tempo Tiago continuava sustentando a casa da sua mãe, mas a sua cota foi cortada pela metade por causa do seu casamento, e José foi formalmente colocado, por Jesus, como o chefe da família. Judá estava agora enviando a sua parte de contribuição para a casa, todos os meses, fielmente. Os casamentos de Tiago e de Míriam tiveram uma influência bastante benéfica sobre Judá e, quando saiu para a pescaria, no dia do duplo casamento, ele assegurou a José de que podia confiar nele “para cumprir todo o meu dever, e mais, se for necessário”. E cumpriu a sua promessa.
128:7.12 (1418.4) Míriam vivia na casa de Jacó, que era contígua à de Maria; Jacó, o pai, havia sido enterrado com os seus antepassados. Marta tomou o lugar de Míriam no lar, e a nova organização já estava funcionando perfeitamente antes que aquele ano chegasse ao fim.
128:7.13 (1418.5) No dia seguinte àquele duplo casamento Jesus teve uma importante conversa com Tiago. Disse a Tiago, confidencialmente, que estava se preparando para deixar o lar. E presenteou Tiago com o título de posse total da loja de reparos; formal e solenemente ele abdicava-se de ser o chefe da casa de José e, de um modo bastante tocante, estabeleceu o seu irmão, Tiago, como o “chefe e protetor da casa do meu pai”. Jesus redigiu, e ambos assinaram, um acordo secreto no qual ficava estipulado que, como retorno pela dádiva da loja de reparos, Tiago assumiria daí em diante toda a responsabilidade financeira pela família, assim desobrigando Jesus de todos os compromissos posteriores quanto a essas questões. Depois que o contrato foi assinado, depois que o orçamento ficou arranjado e de um modo tal que todas as despesas da família seriam cobertas, sem qualquer contribuição de Jesus, Jesus disse a Tiago: “Mas, meu filho, eu continuarei a enviar a todos vós alguma coisa, todos os meses, até que a minha hora chegue. E o que eu enviar será usado por ti segundo as necessidades das ocasiões. Use as minhas economias para as necessidades da família ou para os prazeres, como julgares adequado. Use-as no caso de doença ou aplica-as para emergências inesperadas, que podem suceder a qualquer membro individual da família”.
128:7.14 (1418.6) E assim, dando-se como pronto para entrar na segunda fase da sua vida adulta, Jesus encontrava-se totalmente liberto da sua família, antes de ocupar-se publicamente dos assuntos do seu Pai.
O Livro de Urântia
Documento 129
129:0.1 (1419.1) JESUS havia-se separado plena e finalmente da administração dos assuntos domésticos da família de Nazaré e da participação imediata na orientação a cada um dos seus membros. E, até o evento do seu batismo, continuou a contribuir com as finanças da família e manteve um grande interesse pessoal nos assuntos espirituais de cada um dos seus irmãos e irmãs. Estava sempre pronto para fazer tudo o que lhe fosse humanamente possível para o conforto e a felicidade da sua mãe viúva.
129:0.2 (1419.2) O Filho do Homem havia agora feito toda a preparação para separar-se permanentemente do lar de Nazaré; e isso não havia sido fácil para ele. Jesus amava naturalmente a sua gente; amava a sua família, e o seu afeto natural tinha sido tremendamente aumentado com a sua extraordinária devoção a eles. Quanto mais profundamente nos entregamos aos nossos semelhantes, tanto mais chegamos a amá-los; e, posto que Jesus se havia doado tão plenamente à sua família, ele amava-os com uma afeição grande e calorosa.
129:0.3 (1419.3) Toda a família havia se despertado gradualmente para a compreensão de que Jesus estava preparando-se para deixá-los. A tristeza da separação, que se avizinhava, era atenuada apenas pela maneira gradativa de prepará-los para o anúncio da sua intenção de partir. Todos percebiam que havia mais de quatro anos que ele vinha planejando essa separação final.
129:1.1 (1419.4) Em janeiro do ano 21, em uma manhã chuvosa de domingo, sem maiores cerimônias, Jesus despediu-se da sua família, explicando apenas que estava indo a Tiberíades e, em seguida, a uma visita a outras cidades próximas do mar da Galiléia. E assim ele os deixou, para nunca mais se constituir em um membro regular daquele lar.
129:1.2 (1419.5) Ele passou uma semana em Tiberíades, a nova cidade que iria em breve suceder a Séforis como capital da Galiléia; e, pouco encontrando que o interessasse, continuou sucessivamente passando por Magdala e Betsaida até Cafarnaum, onde parou para fazer uma visita a Zebedeu, o amigo do seu pai. Os filhos de Zebedeu eram pescadores; ele próprio era um construtor de barcos. Jesus de Nazaré era um especialista tanto em projetar como em construir; era um mestre em trabalhar com madeira, e Zebedeu há muito tempo sabia da habilidade do artesão de Nazaré. Zebedeu acalentava, há muito já, a idéia de construir melhores barcos; e agora ele expunha os seus planos diante de Jesus, convidando o carpinteiro visitante para juntar-se a ele na empresa; e Jesus consentiu prontamente.
129:1.3 (1419.6) Jesus trabalhou com Zebedeu apenas durante pouco mais do que um ano, mas durante esse tempo criou um estilo novo de barcos e estabeleceu métodos inteiramente novos para a fabricação dos mesmos. Por meio de uma técnica superior e métodos bastante desenvolvidos de trabalhar as pranchas com o vapor, Jesus e Zebedeu começaram a construir barcos de um tipo bastante superior, pois ofereciam muito mais segurança para navegar no lago do que os tipos mais antigos. Por vários anos Zebedeu teve mais trabalho, produzindo esses barcos com um novo estilo, do que o seu pequeno estabelecimento podia produzir; e em menos de cinco anos praticamente todos os barcos no lago haviam sido construídos na oficina de Zebedeu em Cafarnaum. Jesus tornou-se bem conhecido dos pescadores da Galiléia como o projetista dos novos barcos.
129:1.4 (1420.1) Zebedeu estava moderadamente bem de vida; as suas oficinas de construção de barcos ficavam no lago, ao sul de Cafarnaum, e a sua casa estava situada na margem do lago, perto do centro de pescaria de Betsaida. Jesus viveu na casa de Zebedeu durante a sua permanência de mais de um ano em Cafarnaum. Ele já havia trabalhado por bastante tempo sozinho no mundo, isto é, sem um pai, e assim desfrutou muito desse período de trabalho com um pai-sócio.
129:1.5 (1420.2) A mulher de Zebedeu, Salomé, era parente de Anás, que havia sido o sumo sacerdote de Jerusalém e ainda exercia muita influência sobre o grupo saduceu, tendo sido deposto há apenas oito anos. Salomé tornou-se uma grande admiradora de Jesus. Ela amava-o como amava os seus próprios filhos, Tiago, João e Davi, quanto às suas quatro filhas, elas consideravam Jesus como um irmão mais velho. Jesus saía sempre para pescar com Tiago, João e Davi, e eles concluíram logo que ele era um pescador experimentado tanto quanto um perito construtor de barcos.
129:1.6 (1420.3) Por todo esse ano Jesus enviou dinheiro, todos os meses, para Tiago. Jesus voltou a Nazaré em outubro para comparecer ao casamento de Marta; e não voltou a Nazaré por mais de dois anos, até que o fez um pouco antes do casamento duplo de Simão e Judá.
129:1.7 (1420.4) Durante esse ano Jesus construiu barcos e continuou a observar como os homens viviam na Terra. Freqüentemente ia até a estação das caravanas, pois Cafarnaum ficava na rota direta de Damasco para o sul. Cafarnaum era um forte posto militar romano, e o oficial comandante da guarnição era um crente gentil de Yavé, “um homem devoto”, como os judeus tinham o hábito de designar tais prosélitos. Esse oficial, pertencendo a uma rica família romana, tomou para si a tarefa de construir uma bela sinagoga em Cafarnaum, a qual fora presenteada aos judeus um pouco antes de Jesus ter vindo viver com Zebedeu. Durante esse período, Jesus conduziu os serviços nessa nova sinagoga por mais de meio ano, e algumas das pessoas das caravanas, que tiveram a oportunidade de vê-lo, lembravam-se dele como o carpinteiro de Nazaré.
129:1.8 (1420.5) Quando veio o pagamento de impostos, Jesus registrou-se como um “artesão habilitado de Cafarnaum”. Desse dia em diante até o fim da sua vida terrena ele ficou conhecido como residente em Cafarnaum. E nunca alegou nenhuma outra residência legal embora, por várias razões, tenha permitido a outros designar a sua residência como sendo Damasco, Betânia, Nazaré e mesmo Alexandria.
129:1.9 (1420.6) Na sinagoga de Cafarnaum encontrou muitos novos livros nas estantes da biblioteca, e passava pelo menos cinco tardes por semana em estudos intensos. Uma noite ele devotava à vida social com os mais velhos, e uma noite passava com a gente jovem. Havia alguma coisa de muito graciosa e inspiradora na personalidade de Jesus, que invariavelmente atraía a gente jovem. Pois Jesus sempre os fez sentirem-se à vontade na sua presença. Talvez o seu grande segredo em dar-se bem com eles consistisse nos dois fatos seguintes: que estivesse sempre interessado no que faziam, e que raramente lhes oferecia conselho, a menos que o pedissem.
129:1.10 (1420.7) A família de Zebedeu quase adorava Jesus, e nunca deixou de estar presente às conversas, com perguntas e respostas, que ele conduzia todas as noites após o jantar, antes de ir até a sinagoga para estudar. Os vizinhos mais jovens também vinham freqüentemente para essas reuniões depois do jantar. Nessas pequenas reuniões Jesus dava instruções variadas e adiantadas, tão avançadas quanto pudessem ser compreendidas. Falava bastante livremente com eles, expressando as suas idéias e ideais sobre política, sociologia, ciência e filosofia, mas nunca pretendia falar com autoridade final, exceto se se tratasse de religião — a relação do homem com Deus.
129:1.11 (1421.1) Uma vez por semana Jesus fazia uma reunião com todo o pessoal da casa, da loja e dos canteiros de trabalho, pois Zebedeu tinha muitos empregados. E entre esses trabalhadores é que Jesus, pela primeira vez, foi chamado “o Mestre”. Todos eles amavam-no. E Jesus gostava dos trabalhos com Zebedeu em Cafarnaum, mas sentia saudade das crianças brincando ao lado da oficina de carpinteiro de Nazaré.
129:1.12 (1421.2) Dos filhos de Zebedeu, Tiago era o mais interessado em Jesus como professor e como filósofo. João gostava mais dos seus ensinamentos religiosos e das suas opiniões. Davi respeitava-o como um artesão, mas dava pouca importância aos seus ensinamentos filosóficos e à sua visão religiosa.
129:1.13 (1421.3) Freqüentemente Judá vinha no sábado para ouvir Jesus falar na sinagoga e ficava para conversar com ele. E quanto mais Judá via o seu irmão mais velho, mais convencido ficava de que Jesus era verdadeiramente um grande homem.
129:1.14 (1421.4) Nesse ano Jesus fez grandes progressos quanto à mestria ascendente da sua mente humana e alcançou níveis novos e elevados de contato consciente com o seu Ajustador do Pensamento residente.
129:1.15 (1421.5) Esse foi o último ano estável da sua vida. Nunca mais Jesus passou um ano inteiro em um mesmo lugar ou em um mesmo empreendimento. Os dias das suas peregrinações pela Terra estavam aproximando-se rapidamente. Os períodos de atividade intensa não estavam muito longe no futuro, mas, entre a sua vida simples e intensamente ativa do passado e o seu ministério público ainda mais extenuante, restavam agora uns poucos anos de longas viagens e de atividades pessoais altamente diversificadas. O seu aprendizado, como um homem do reino, devia ser completado antes que ele pudesse entrar na sua carreira de ensinamentos e de pregação como o Deus-homem perfeito das suas fases divinas e pós-humanas, na sua auto-outorga em Urântia.
129:2.1 (1421.6) Em março do ano 22 d.C., Jesus despediu-se de Zebedeu e de Cafarnaum. Pediu uma pequena soma de dinheiro para cobrir as suas despesas a fim de ir a Jerusalém. Enquanto trabalhava com Zebedeu apenas pequenas somas de dinheiro haviam sido retiradas por ele, as quais a cada mês ele enviava à família em Nazaré. Um mês José viria a Cafarnaum buscar o dinheiro; no mês seguinte Judá viria a Cafarnaum, pegar o dinheiro com Jesus e levá-lo para Nazaré. O ponto de pescaria de Judá distava apenas uns poucos quilômetros de Cafarnaum, ao sul.
129:2.2 (1421.7) Quando deixou a família de Zebedeu, Jesus concordou em permanecer em Jerusalém até a época da Páscoa, e eles todos prometeram estar presentes àquele acontecimento. Até mesmo arranjaram para celebrar juntos a ceia da Páscoa. E todos se entristeceram quando Jesus os deixou, especialmente as filhas de Zebedeu.
129:2.3 (1421.8) Antes de deixar Cafarnaum, Jesus teve uma longa conversa com o seu recente amigo e companheiro muito ligado, João Zebedeu. Disse a João que esperava viajar muito, até que “a minha hora chegue”, e pediu-lhe para ocupar o seu lugar na questão de enviar algum dinheiro para a família de Nazaré todo mês, até que acabassem os fundos que lhe eram devidos. E João fez a ele esta promessa: “Meu Mestre, vai cuidar dos teus assuntos, faze o teu trabalho no mundo; eu tomarei o teu lugar nesta, como em qualquer outra questão, e velarei pela tua família do mesmo modo como cuidaria da minha própria mãe e das minhas irmãs e irmãos. Usarei as tuas economias, que o meu pai mantém, exatamente como tu instruíste e do modo que se fizerem necessárias e, quando o teu dinheiro houver sido gasto, se não receber mais de ti, e se a tua mãe estiver necessitada, então partilharei das minhas próprias economias com ela. Segue o teu caminho em paz. Estarei no teu lugar para todas essas questões”.
129:2.4 (1422.1) Assim procedendo, depois que Jesus havia partido para Jerusalém, João consultou o seu pai, Zebedeu, a respeito do dinheiro devido a Jesus, e ficou surpreso, pois era uma soma bastante grande. Como Jesus havia deixado inteiramente nas mãos deles essa questão, eles concordaram que o melhor a fazer seria investir esse fundo em propriedades e usar a renda para a assistência à família em Nazaré; e, como Zebedeu sabia de uma pequena casa hipotecada e à venda em Cafarnaum, ele mandou que João comprasse essa casa com o dinheiro de Jesus e que guardasse para o seu amigo o título de propriedade. E João fez como o seu pai lhe aconselhara. Por dois anos o aluguel dessa casa foi usado na amortização da hipoteca e, tudo isso, aumentado por uma certa soma grande que Jesus logo enviou a João, para ser usada pela família conforme necessário, igualava quase o total da hipoteca; e Zebedeu arcou com a diferença, de modo que João pagou o restante da hipoteca no tempo devido, assegurando com isso um título livre a essa casa de dois cômodos. Desse modo Jesus tornou-se o proprietário de uma casa em Cafarnaum, mas isso não lhe havia sido dito.
129:2.5 (1422.2) Quando a família em Nazaré soube que Jesus havia partido de Cafarnaum, e não sabendo desse arranjo financeiro com João, eles acreditaram que chegara a hora de passarem sem qualquer ajuda de Jesus. Tiago lembrou-se do seu contrato com Jesus e, com a ajuda dos seus irmãos, assumiu daí em diante a responsabilidade total pela família.
129:2.6 (1422.3) Voltemo-nos, contudo, a observar Jesus em Jerusalém. Por quase dois meses ele passou a maior parte do seu tempo ouvindo as discussões no templo, com visitas ocasionais às várias escolas dos rabinos. A maior parte dos dias de sábado ele passava em Betânia.
129:2.7 (1422.4) Jesus havia levado consigo, a Jerusalém, uma carta de Salomé, a esposa de Zebedeu, apresentando-o ao antigo alto sacerdote, Anás, como “um que é como o meu próprio filho”. Anás passou muito tempo com ele, pessoalmente levando-o para visitar as muitas academias dos mestres religiosos de Jerusalém. Enquanto inspecionava a fundo essas escolas e cuidadosamente observava os seus métodos de ensino, Jesus nunca fazia uma pergunta sequer em público. Embora Anás considerasse Jesus um grande homem, estava indeciso quanto a que conselho dar-lhe. Ele reconhecia a tolice que seria sugerir a Jesus entrar para qualquer das escolas de Jerusalém como estudante e, por outro lado, sabia muito bem que a Jesus nunca seria concedida a posição de um mestre regular, pois ele não havia sido educado naquelas escolas.
129:2.8 (1422.5) O momento da Páscoa aproximava-se, e, junto com as multidões que vinham de todos os locais, Zebedeu e a sua família inteira chegaram em Jerusalém, vindos de Cafarnaum. E todos ficaram na casa espaçosa de Anás, onde celebraram a Páscoa como uma família feliz.
129:2.9 (1422.6) Antes do término desse fim de semana de Páscoa, aparentemente por acaso, Jesus conheceu um rico viajante e o seu filho, um rapaz de dezessete anos. Esses viajantes vinham da Índia e, estando a caminho de visitar Roma e vários outros pontos no Mediterrâneo, tinham arranjado para chegar em Jerusalém durante a Páscoa, esperando encontrar alguém que pudessem ter como intérprete para ambos e como tutor para o filho. O pai estava insistindo para que Jesus consentisse em viajar com eles. Jesus lhe contou sobre a sua família e disse-lhe que não era justo permanecer longe deles por quase dois anos, sendo que durante esse tempo eles poderiam achar-se em alguma necessidade. Então, esse viajante do Oriente propôs adiantar os salários de um ano a Jesus, de tal modo que ele pudesse confiar esses fundos aos seus amigos para a salvaguarda da sua família em caso de necessidade e, assim, Jesus concordou em fazer a viagem.
129:2.10 (1423.1) Jesus remeteu essa grande soma para João, filho de Zebedeu. E vós já sabeis que João aplicou esse dinheiro na liquidação da hipoteca da propriedade de Cafarnaum. Jesus contou sobre essa viagem ao Mediterrâneo a Zebedeu, mas fê-lo prometer não dizer a ninguém, nem mesmo à sua carne e sangue, e Zebedeu nunca revelou o que sabia sobre o paradeiro de Jesus, durante esse longo período de quase dois anos. Antes que Jesus voltasse dessa viagem, a família em Nazaré havia presumido então que ele já estivesse morto. Apenas a certeza dada por Zebedeu, que fora a Nazaré com o seu filho João em várias ocasiões, mantinha viva a esperança no fundo do coração de Maria.
129:2.11 (1423.2) Durante esse tempo, a família de Nazaré dava-se muito bem; Judá havia aumentado consideravelmente a sua cota e manteve essa contribuição adicional até o seu casamento. Não obstante a pouca assistência de que eles necessitavam, era costume de João Zebedeu levar presentes todos os meses para Maria e Rute, segundo as instruções de Jesus.
129:3.1 (1423.3) Todo o vigésimo nono ano de Jesus foi passado completando a viagem pelo Mundo Mediterrâneo. Os eventos principais dessas experiências, até onde nos foi permitido revelar, constituem matéria para as narrativas que vêm imediatamente em seguida a este documento.
129:3.2 (1423.4) Durante essa viagem ao mundo romano, por muitas razões, Jesus ficou conhecido como o Escriba de Damasco. Em Corinto e em outras escalas da viagem de volta ele ficou conhecido, contudo, como o Preceptor judeu.
129:3.3 (1423.5) Esse foi um período movimentado na vida de Jesus. Ainda que havendo efetuado muitos contatos com os seus semelhantes humanos nessa viagem, ela foi uma experiência da qual ele nunca revelou nada a nenhum membro da sua família, nem a nenhum dos apóstolos. Jesus viveu a sua vida na carne e partiu deste mundo sem que ninguém (salvo Zebedeu de Betsaida) soubesse que havia feito essa longa viagem. Alguns dos seus amigos pensaram que ele tinha voltado para Damasco; outros pensaram que ele tivesse ido à Índia. A sua própria família estava inclinada a acreditar que estivera em Alexandria, pois sabiam que certa vez ele havia sido convidado a ir até lá para tornar-se um chazam assistente.
129:3.4 (1423.6) Quando retornou à Palestina, Jesus nada fez para mudar, junto à sua família, a opinião de que ele tinha ido de Jerusalém para Alexandria; e possibilitou-lhes continuarem na crença de que, todo o tempo da sua ausência da Palestina, ele o havia passado naquela cidade de conhecimento e de cultura. Apenas Zebedeu, o construtor de barcos de Betsaida, conhecia os fatos sobre essa questão; e Zebedeu nada contou a ninguém.
129:3.5 (1423.7) Em todos os vossos esforços para decifrar o significado da vida de Jesus em Urântia, deveis ter sempre em mente os motivos da auto-outorga de Michael. Se quiserdes compreender o significado de muitos dos seus feitos aparentemente estranhos, deveis discernir o propósito da estada dele no vosso mundo. Ele tinha a preocupação constante de não erigir uma carreira pessoal superatraente e que absorvesse por demais as atenções. E não queria exercer apelos de poderes inusitados sobre os seus semelhantes humanos. Estava doado ao trabalho de revelar o Pai celeste aos seus semelhantes mortais e, ao mesmo tempo, estava consagrado à tarefa sublime de viver a sua vida mortal terrena submetendo-se constantemente à vontade desse mesmo Pai no Paraíso.
129:3.6 (1424.1) Será sempre de muita ajuda, para compreender-se a vida de Jesus na Terra, que todos os mortais ao estudarem essa auto-outorga divina lembrem-se de que, enquanto passou por essa vida de encarnação em Urântia, Jesus a viveu para todo o seu universo. Para todas as esferas habitadas, em todo o universo de Nébadon, algo de especial e de inspirador ficou associado à vida que viveu na carne e na natureza mortal. O mesmo é verdade, também, para todos aqueles mundos que se tornaram habitados posteriormente às épocas movimentadas da sua permanência em Urântia. E, do mesmo modo, isso será igualmente verdade para todos os mundos que possam vir a tornar-se habitados, pelas criaturas de vontade, em toda a história futura deste universo local.
129:3.7 (1424.2) Durante o tempo e as experiências dessa viagem pelo mundo romano, o Filho do Homem praticamente completou o seu contato de aperfeiçoamento educacional com os povos diversificados do mundo dos seus dias e geração. À época do seu retorno a Nazaré, por intermédio dessa viagem de aprendizado, ele já conhecia praticamente como o homem vivia e construía a sua existência em Urântia.
129:3.8 (1424.3) O propósito real da sua viagem, pela bacia do Mediterrâneo, foi conhecer os homens. E ele aproximou-se, muito de perto, de centenas de seres humanos, nessa viagem. Pôde conhecer, e amar, a todas as espécies de homens, ricos e pobres, poderosos e miseráveis, negros e brancos, educados e não educados, cultos e incultos, embrutecidos e espiritualizados, religiosos e irreligiosos, morais e imorais.
129:3.9 (1424.4) Nessa viagem pelo Mediterrâneo, Jesus conseguiu grandes avanços na sua tarefa humana de mestria sobre a sua mente material e mortal; e o seu Ajustador residente fez um grande progresso de ascensão e de conquista espiritual desse intelecto humano. Ao final dessa viagem, Jesus virtualmente sabia — com toda a certeza humana — que era um Filho de Deus, um Filho Criador do Pai Universal. O Ajustador, cada vez mais, tornava-se capaz de trazer à mente do Filho do Homem algumas memórias nebulosas da sua experiência no Paraíso em ligação com o seu Pai divino, bem antes mesmo de partir para organizar e administrar este universo local de Nébadon. Assim o Ajustador, pouco a pouco, trouxe à consciência humana de Jesus as memórias necessárias da sua existência anterior divina, nas várias épocas de um passado quase eterno. O último episódio da experiência pré-humana de Jesus a ser trazido à sua consciência pelo Ajustador foi a sua conversa de adeus com Emanuel de Sálvington, pouco antes de abandonar a sua personalidade consciente para embarcar na encarnação de Urântia. E a imagem dessa memória final da sua existência pré-humana tornou-se clara na consciência de Jesus, no mesmo dia em que foi batizado por João no Jordão.
129:4.1 (1424.5) Para as inteligências celestes do universo local que o observavam, essa viagem pelo Mediterrâneo foi a mais cativante de todas as experiências terrestres de Jesus, pelo menos em toda a sua carreira antes do evento da sua crucificação e do fim da sua vida mortal. Esse período foi o mais fascinante da sua ministração pessoal, em contraste com a época de ministério público, que viria logo em seguida. Esse período singular ficava ainda mais apaixonante porque, durante essa época, ele ainda era o carpinteiro de Nazaré, o construtor de barcos de Cafarnaum, o Escriba de Damasco; ele era ainda o Filho do Homem. Jesus não havia ainda alcançado a mestria completa sobre a sua mente humana; e o Ajustador ainda não havia gerado totalmente a contraparte da sua identidade mortal. E ele era ainda um homem entre os homens.
129:4.2 (1425.1) A experiência religiosa puramente humana — o crescimento pessoal espiritual — do Filho do Homem quase atingiu o apogeu da sua realização durante esse que foi o seu vigésimo nono ano. A experiência de desenvolvimento espiritual foi de um crescimento consistentemente gradativo, desde o momento da chegada do seu Ajustador do Pensamento até o dia em que se completou e confirmou-se a relação humana natural e normal entre a mente material do homem e a dotação mental do espírito — o fenômeno de fazer dessas duas mentes uma única; experiência esta que o Filho do Homem atingiu, de modo completo e em finalidade, como um mortal encarnado do reino, no dia do seu batismo no Jordão.
129:4.3 (1425.2) Durante esses anos, ainda que pareça que não se haja empenhado em tantos períodos de comunhão formal com o seu Pai no céu, Jesus aperfeiçoou de modo crescente os métodos efetivos de comunicação pessoal com a presença espiritual residente do Pai do Paraíso. Ele viveu uma vida real, uma vida plena e uma vida verdadeiramente normal, natural e comum, na carne. E conheceu, pela via da experiência pessoal, o equivalente, na realidade, à soma e à essência totalizadora da vida levada pelos seres humanos, nos mundos materiais do tempo e do espaço.
129:4.4 (1425.3) O Filho do Homem experimentou aquelas vastas gamas de emoções humanas, que vão desde a alegria magnífica à tristeza profunda. Ele havia sido uma criança alegre e um ser de raro bom humor; e, do mesmo modo, foi um “homem de tristezas e ambientado ao sofrimento”. Num sentido espiritual, ele passou pela vida mortal de alto a baixo, do começo ao fim. De um ponto de vista material, poderia parecer ter ele escapado de viver os dois extremos sociais da existência humana, mas intelectualmente ele tornou-se totalmente familiarizado com a experiência, inteira e completa, da humanidade.
129:4.5 (1425.4) Jesus conhece os pensamentos e os sentimentos, as premências e os impulsos dos mortais evolucionários e ascendentes dos reinos, do nascimento à morte; pois viveu a vida humana desde o início da tomada de consciência física, intelectual e espiritual — passando pela infância, a meninice, a juventude e a vida adulta — , e teve inclusive a experiência humana da morte. Não apenas passou por esses períodos humanos usuais e familiares de avanço intelectual e espiritual, como experimentou, com plenitude, aquelas fases mais elevadas e mais avançadas da conciliação entre o homem e o Ajustador, que tão poucos mortais urantianos chegam a alcançar. E assim ele experimentou a vida plena do homem mortal, não apenas como é vivida no vosso mundo, mas também como é vivida em todos os outros mundos evolucionários do tempo e do espaço, e mesmo nos mais elevados e mais avançados entre todos os mundos estabelecidos em luz e vida.
129:4.6 (1425.5) Embora essa vida perfeita que ele viveu, à semelhança da carne mortal, possa não haver recebido a aprovação universal e irrestrita dos seus irmãos mortais, a quem aconteceu serem os seus contemporâneos na Terra, ainda assim a vida que Jesus de Nazaré viveu na carne, em Urântia, recebeu a aceitação plena e irrestrita do Pai Universal, constituindo-se, ao mesmo tempo, em uma mesma vida-personalidade, na plenitude da revelação do Deus eterno para o homem mortal e na apresentação da personalidade humana aperfeiçoada para a satisfação do Criador Infinito.
129:4.7 (1425.6) E foi esse o seu verdadeiro e supremo propósito. Jesus não desceu até Urântia como um exemplo, perfeito nos detalhes, especialmente para qualquer criança ou adulto, homem ou mulher, em uma idade ou em outra. A verdade de fato é que, na sua vida plena, rica, bela e nobre, podemos todos encontrar muita coisa que é exemplar de um modo raro e divinamente inspirador; mas isso se dá porque ele viveu uma vida verdadeira e genuinamente humana. Jesus não viveu a sua vida na Terra com o fito de estabelecer um exemplo para todos os outros seres humanos copiarem. Viveu essa vida na carne por meio da mesma ministração de misericórdia pela qual todos vós podeis viver as vossas vidas na Terra; e viveu a sua vida mortal nos seus dias e como o que ele foi, e assim estabeleceu o exemplo para todos nós, do mesmo modo, vivermos as nossas vidas, nos nossos dias e como somos. Vós podeis não aspirar viver a vida dele, mas podeis resolver viver as vossas vidas como ele viveu a dele e pelos mesmos meios. Jesus pode não ser o exemplo exato, técnico e detalhado para todos os mortais, de todas as idades, em todos os reinos deste universo local, mas ele é, para sempre, a inspiração e o guia de todos os peregrinos que vão para o Paraíso, vindos dos mundos da ascensão inicial, atravessando um universo de universos, e passando por Havona, indo até o Paraíso. Jesus é o caminho novo e vivo do homem até Deus, do parcial ao perfeito, do terreno ao celeste, do tempo para a eternidade.
129:4.8 (1426.1) Ao fim do vigésimo nono ano, Jesus de Nazaré havia virtualmente completado a vida como é esperada que os mortais vivam, enquanto permanecem na carne. Ele veio à Terra trazendo a plenitude de Deus para manifestar-se ao homem; e agora transformava-se quase na perfeição de homem, aguardando a ocasião de tornar-se manifesto para Deus. E, tudo isso, antes de completar trinta anos de idade.
O Livro de Urântia
Documento 130
130:0.1 (1427.1) AS VIAGENS pelo mundo romano consumiram a maior parte do vigésimo oitavo ano e o vigésimo nono ano inteiro da vida de Jesus na Terra. Jesus e os dois oriundos da Índia — Gonod e seu filho Ganid — deixaram Jerusalém no domingo, dia 26 de abril do ano 22 d.C., pela manhã. Fizeram sua jornada de acordo com o programado e Jesus despediu-se deles, pai e filho, na cidade de Charax, no golfo Pérsico, no décimo dia de dezembro do ano seguinte, 23 d.C.
130:0.2 (1427.2) De Jerusalém foram para Cesaréia, pelo caminho de Jopa. Em Cesaréia pegaram um barco para Alexandria. De Alexandria navegaram até Lasea em Creta. De Creta navegaram para Cartago, com escala em Cirene. Em Cartago tomaram outro barco até Nápoles, parando em Malta, Siracusa e Messina. De Nápoles eles foram a Cápua, de onde viajaram pela Via Ápia até Roma.
130:0.3 (1427.3) Após a estada em Roma eles foram por terra até Tarento, de onde içaram velas para Atenas, na Grécia, parando em Nicópolis e Corinto. De Atenas foram para Éfeso, via Troas. De Éfeso velejaram para Chipre, parando em Rodes no caminho. Em Chipre permaneceram um tempo considerável visitando lugares e descansando e então velejaram até Antioquia, na Síria. De Antioquia seguiram para o sul até Sidom e dali para Damasco. De lá viajaram em caravana para a Mesopotâmia, passando por Tapsacos e Larissa. Passaram algum tempo na Babilônia, visitaram Ur e outros lugares e então foram para Susa. De Susa continuaram até Charax, de onde Gonod e Ganid embarcaram para a Índia.
130:0.4 (1427.4) Foi durante o período de trabalho de quatro meses em Damasco, que Jesus aprendeu os rudimentos da língua falada por Gonod e Ganid. Enquanto esteve lá ele trabalhou durante grande parte do seu tempo em traduções do grego para um dos idiomas da Índia, tendo sido assistido por um homem oriundo do distrito natal de Gonod.
130:0.5 (1427.5) Nessa viagem pelo Mediterrâneo, Jesus passava cerca de meio dia ensinando a Ganid e, como intérprete de Gonod, durante as suas reuniões de negócios e nos contatos sociais. O restante de cada dia, que lhe sobrava, Jesus dedicava-se a fazer contatos pessoais com os seus semelhantes, em ligação estreita com os mortais deste reino, coisa que tão bem caracterizou as suas atividades durante esses anos que precederam o seu ministério público.
130:0.6 (1427.6) Jesus, por observação direta de primeira mão e contato próximo, ambientou- se com a mais elevada civilização do Ocidente e do Levante, material e intelectualmente; de Gonod e do seu brilhante filho, ele aprendeu muito sobre a civilização e a cultura da Índia e da China, pois Gonod, cidadão da Índia, havia feito três longas viagens ao império da raça amarela.
130:0.7 (1427.7) Ganid, o jovem, aprendeu muito de Jesus durante essa longa e estreita ligação. Eles desenvolveram um grande afeto mútuo e o pai do garoto, muitas vezes, tentou persuadir Jesus a ir com eles para a Índia, mas Jesus sempre recusou, alegando que era necessário retornar para a sua família na Palestina.
130:1.1 (1428.1) Durante a sua estada em Jopa, Jesus conheceu Gádia, intérprete filisteu que trabalhava para Simão, curtidor de couro. Os agentes de Gonod na Mesopotâmia haviam feito muitas transações com esse Simão; por isso Gonod e o seu filho queriam visitá-lo no seu caminho a Cesaréia. Durante essa visita a Jopa, Jesus e Gádia tornaram-se bons amigos. Esse jovem filisteu era um buscador da verdade. Jesus era um provedor da verdade; ele foi a verdade para aquela geração em Urântia. Quando um grande buscador da verdade e um grande provedor da verdade encontram-se, o resultado é um esclarecimento grande e liberador que surge da experiência da nova verdade.
130:1.2 (1428.2) Certo dia, após a refeição da noite, Jesus e o jovem filisteu passeavam pela orla do mar, e Gádia, não sabendo que este “Escriba de Damasco” era tão versado nas tradições dos hebreus, apontou a Jesus o ancoradouro do qual, supostamente, Jonas havia embarcado na sua desafortunada viagem a Tarses. E quando concluiu as suas observações, fez a Jesus esta pergunta: “Mas tu crês que o grande peixe de fato engoliu Jonas?” Jesus percebeu que a vida desse jovem tinha sido tremendamente influenciada por essa tradição e que a contemplação desse episódio inculcara nele a idéia disparatada de fugir ao dever; Jesus então não disse nada que fosse destruir subitamente o fundamento da motivação atual de Gádia para a vida prática. Jesus disse, em resposta a essa questão: “Meu amigo: todos nós somos Jonas, com vidas para viver de acordo com a vontade de Deus e sempre que tentamos fugir do dever que se nos apresenta, escapando na direção de tentações estranhas, colocamo-nos sob o controle imediato das influências que não são dirigidas pelos poderes da verdade nem pelas forças da retidão. A fuga ao dever é o sacrifício da verdade. Escapar ao serviço, à luz e à vida, só pode resultar nesses conflitos exaustivos, com as difíceis baleias do egoísmo, que levam finalmente à obscuridade e à morte, a menos que esses Jonas, que abandonaram a Deus, voltem os seus corações, ainda que estejam nas profundezas do desespero, à procura de Deus e sua bondade. E, quando essas almas assim desencorajadas, procuram Deus sinceramente — em fome de verdade e sede de retidão — , nada há que as mantenha limitadas ao cativeiro. Seja qual for a profundidade na qual se hajam mergulhado, quando procuram a luz, de todo o coração, o espírito do Senhor Deus dos céus irá libertá-las do seu cativeiro; as circunstâncias malignas da vida as arrojarão em alguma terra firme plena de oportunidades frescas, de serviço renovado e de vida mais sábia”.
130:1.3 (1428.3) Gádia comoveu-se muito com o ensinamento de Jesus e eles conversaram longamente, noite adentro, junto à orla do mar e, antes que voltassem para os seus alojamentos, oraram juntos e um pelo outro. Esse era o mesmo Gádia que escutou a pregação posterior de Pedro, convertendo-se em um profundo crente de Jesus de Nazaré, e que manteve um debate memorável com Pedro, certa noite na casa de Dorcas. E Gádia muito teve a ver com a decisão final de Simão, o abastado mercador de couros, de abraçar o cristianismo.
130:1.4 (1428.4) (Nesta narrativa do trabalho pessoal de Jesus com os seus semelhantes mortais, na sua viagem pelo Mediterrâneo, nós iremos, de acordo com a permissão recebida, traduzir livremente as suas palavras no estilo moderno usado em Urântia à época desta apresentação.)
130:1.5 (1429.1) O último encontro de Jesus e Gádia teve a ver com a discussão sobre o bem e o mal. Esse jovem filisteu estava bastante conturbado por um sentimento de injustiça, que lhe era trazido pela presença do mal junto com o bem, no mundo. Ele dizia: “Como pode Deus, se é infinitamente bom, permitir que soframos as penas do mal; afinal, quem cria o mal?” Naquele tempo, muitos ainda acreditavam que Deus cria tanto o bem como o mal, mas Jesus nunca ensinou tal erro. Para responder a essa questão, Jesus disse: “Meu irmão, Deus é amor e, portanto, Ele deve ser bom; e a Sua bondade é tão grande e real que não pode conter as coisas pequenas e irreais do mal. Deus é tão positivamente bom que não há absolutamente nenhum lugar Nele para o mal negativo. O mal é a escolha imatura e o passo impensado daqueles que são resistentes à bondade, que rejeitam a beleza e que são desleais com a verdade. O mal é apenas a desadaptação da imaturidade ou a influência dissociativa e de distorção que a ignorância tem. O mal é a escuridão inevitável que persegue os passos da pouca sabedoria, que rejeita a luz. O mal é aquilo que é escuro e inverdadeiro e, quando conscientemente abraçado e adotado, voluntariamente, transforma-se em pecado”.
130:1.6 (1429.2) “O teu Pai no céu, ao dotar-te com o poder de escolha entre a verdade e o erro, criou o potencial negativo do caminho positivo da luz e da vida; mas tais erros do mal são realmente inexistentes, até o momento em que uma criatura inteligente opta pela sua existência, quando escolhe de modo errado o seu caminho de vida. Então, tais males são potencializados até a categoria do pecado, pela escolha consciente e deliberada de uma criatura obstinada e rebelde. É por isso que o nosso Pai no céu permite que o bem e o mal estejam juntos até o fim da vida, da mesma forma que a natureza permite ao trigo e ao joio crescerem um ao lado do outro até a colheita.” Gádia havia ficado plenamente satisfeito com a resposta de Jesus à sua pergunta, após as subseqüentes discussões, quando então ficaram claros na sua mente os significados reais dessas importantes afirmações.
130:2.1 (1429.3) Jesus e os seus amigos ficaram em Cesaréia mais tempo do que o esperado, pois foi descoberto que um dos imensos remos da embarcação, na qual pretendiam viajar, estava ameaçado de quebrar-se. O capitão decidiu permanecer no porto, enquanto um novo remo estava sendo feito. Havia escassez de carpinteiros hábeis para essa tarefa e por isso Jesus colocou-se como voluntário para ajudar. Durante as noites, Jesus e os seus amigos caminhavam ao longo de uma bela muralha, que servia de passeio, em volta do porto. Ganid apreciou grandemente as explicações de Jesus, sobre o sistema de águas da cidade e sobre a técnica pela qual as marés eram utilizadas para lavar as ruas e esgotos da cidade. Esse jovem da Índia ficou muito impressionado com o Templo de Augusto, situado em uma elevação e encimado por uma estátua colossal do imperador romano. Na segunda tarde em que permaneceram lá, os três assistiram a uma sessão no enorme anfiteatro, onde podiam assentar-se vinte mil pessoas e, naquela mesma noite, foram a uma peça grega no teatro. Esses eram os primeiros espetáculos dessa modalidade que Ganid presenciara; e ele fez muitas perguntas a Jesus sobre os mesmos. Na manhã do terceiro dia fizeram uma visita formal ao palácio do governador, pois Cesaréia era a capital da Palestina e residência do procurador romano.
130:2.2 (1429.4) Na mesma pousada deles estava também um mercador da Mongólia, e, como esse homem do Oriente longínquo falava grego bastante bem, Jesus teve várias e longas conversas com ele. Esse homem ficou muito impressionado com a filosofia de vida de Jesus e nunca esqueceu as suas palavras de sabedoria a respeito “de viver a vida celeste, enquanto estamos na Terra, por meio de uma submissão diária à vontade do Pai celestial”. Esse mercador era taoísta e havia-se tornado um forte crente da doutrina de uma deidade universal. Quando retornou à Mongólia, começou a ensinar essas verdades avançadas aos seus vizinhos e aos seus sócios nos negócios e, em conseqüência direta dessas atividades, o seu filho mais velho decidiu tornar-se um sacerdote taoísta. Esse jovem exerceu uma grande influência a favor da verdade avançada por toda sua vida e foi sucedido por um filho e um neto que, da mesma forma, foram devotos leais da doutrina do Deus Único — O Legislador Supremo do Céu.
130:2.3 (1430.1) Enquanto o ramo oriental da primitiva igreja cristã, tendo a sua sede em Filadélfia, ateve-se com mais fé aos ensinamentos de Jesus, do que os seus irmãos de Jerusalém, lamentável é que não tivesse havido ninguém como Pedro, para ir à China, ou como Paulo, para ir à Índia, quando então o solo espiritual lá estava tão favorável ao plantio da semente do novo evangelho do Reino. Esses mesmos ensinamentos de Jesus, à medida que foram sustentados pelos filadelfianos, teriam tido um apelo tão imediato e efetivo para as mentes dos povos asiáticos, cheios de fome espiritual, como tiveram os sermões de Pedro e Paulo no Ocidente.
130:2.4 (1430.2) Um dos homens que, por um dia, trabalharam com Jesus no remo, tornou-se um grande interessado nas palavras que, de hora em hora, brotavam dele enquanto trabalhavam no estaleiro. Quando Jesus sugeriu que o Pai no céu estava interessado no bem-estar dos seus filhos na Terra, esse jovem grego, Anaxando, disse: “Se os Deuses estão interessados em mim, então por que eles não removem esse capataz cruel e injusto dessa oficina?” Ele surpreendeu-se quando Jesus replicou: “Já que tu sabes como ser amável e valorizas a justiça, talvez Deus haja colocado esse homem equivocado perto de ti para que o conduzas a um caminho melhor. Talvez tu sejas o sal que irá fazer com que esse irmão se torne mais agradável a todos os outros homens; isto é, se tu não tiveres perdido o teu sabor. Assim como estão as coisas, esse homem é o teu amo, porque os seus modos perversos têm uma influência desfavorável sobre ti. Por que não afirmar o teu domínio sobre o mal pela virtude do poder da bondade tornando-te tu, assim, o mestre de todas as relações entre ambos? Posso predizer que o bem em ti pode vencer o mal nele, se tu deres ao bem uma oportunidade boa e justa. Não há aventura mais apaixonante, no curso da existência mortal, do que o regozijo de atuar como um parceiro na vida material que se une à energia espiritual e à verdade divina, em uma das suas lutas triunfantes contra o erro e o mal. É uma experiência maravilhosa e transformadora, tornar-se o canal vivo da luz espiritual, para os mortais que permanecem na escuridão espiritual. Se fores mais abençoado, no conhecimento da verdade, do que esse homem, a necessidade dele devia desafiar-te. Certamente não és o covarde que ficaria na praia vendo perecer um semelhante que não sabe nadar. Quão mais valiosa é a alma daquele homem que se debate nas trevas, se comparada ao seu corpo afundando na água!”
130:2.5 (1430.3) Anaxando ficou muito emocionado com as palavras de Jesus. E, em seguida, contou ao seu superior o que Jesus lhe havia dito e, naquela mesma noite, ambos procuraram o aconselhamento de Jesus, para o bem-estar das suas almas. E, mais tarde, depois que a mensagem cristã havia sido proclamada em Cesaréia, aqueles dois homens, um grego e o outro romano, creram na pregação de Filipe e se tornaram membros proeminentes da igreja que ele fundou. Posteriormente esse jovem grego foi designado ordenança de um Centurião romano, Cornélio, que veio a se tornar um crente por meio da ministração de Pedro. Anaxando continuou ministrando luz àqueles que estavam nas trevas, até o dia do aprisionamento de Paulo, em Cesaréia, quando pereceu por acidente, na grande matança de vinte mil judeus, ao socorrer àqueles que sofriam e morriam.
130:2.6 (1431.1) Ganid estava, nessa época, começando a perceber que o seu tutor gastava o seu tempo de lazer em um ministério pessoal, pouco comum, junto aos seus semelhantes; e o jovem indiano decidiu descobrir o motivo dessas atividades incessantes. E perguntou: “Por que tu te ocupas tão continuamente em falar com estranhos?” E Jesus respondeu: “Ganid, nenhum homem é estranho para aquele que conhece a Deus. Na experiência de encontrar o Pai no céu, tu descobres que todos os homens são irmãos teus; e como pode parecer estranho que alguém se regozije com o encontro de um irmão descoberto recentemente? Tornarmo-nos amigos de irmãos e irmãs e sabermos dos seus problemas e aprendermos a amá- los é a suprema experiência da vida”.
130:2.7 (1431.2) Essa foi uma conversa que durou até tarde da noite, no curso da qual o jovem pediu a Jesus que lhe contasse sobre a diferença entre a vontade de Deus e o ato humano da escolha, que é também chamado de vontade. Em essência, Jesus disse: “A vontade de Deus é o caminho de Deus, é compartilhar da escolha de Deus em face de qualquer alternativa potencial. Fazer a vontade de Deus, portanto, é a experiência progressiva de tornar-se mais e mais como Deus; e Deus é a fonte e o destino de tudo o que é bom, belo e verdadeiro. A vontade do homem é o caminho do homem, a soma e a essência daquilo que o mortal escolhe ser e fazer. A vontade é a escolha deliberada de um ser autoconsciente, que toma a decisão-conduta baseada na reflexão inteligente”.
130:2.8 (1431.3) Naquela tarde, ambos, Jesus e Ganid, divertiram-se em brincar com um cão pastor muito inteligente; e Ganid quis saber se o cachorro tinha uma alma, se tinha vontade e, em resposta às suas perguntas, Jesus disse: “O cão tem uma mente que pode conhecer o homem material, o seu mestre, mas não pode conhecer a Deus, que é espírito; por isso o cão não possui uma natureza espiritual e não pode desfrutar de uma experiência espiritual. O cão pode ter uma vontade derivada da natureza e aumentada pelo aperfeiçoamento, contudo tal poder de mente não é uma força espiritual, nem pode ser comparada à vontade humana, porque não é reflexiva — não é resultado do discernimento entre os significados morais mais elevados, nem da escolha dos valores espirituais e eternos. É a posse de tais poderes, de discernir o que é espiritual e de escolher a verdade, que faz do homem mortal um ser moral, uma criatura dotada com os atributos de responsabilidade espiritual e com o potencial de sobrevivência eterna”. Jesus continuou a explicar que é a ausência de tais poderes mentais que, para sempre, torna impossível, aos animais, desenvolver uma linguagem no tempo ou experimentar qualquer coisa equivalente à sobrevivência da personalidade na eternidade. Como resultado da instrução desse dia, Ganid nunca mais cultivou a crença na transmigração das almas dos homens para os corpos de animais.
130:2.9 (1431.4) No dia seguinte, Ganid falou sobre tudo isso a seu pai e, em resposta à questão de Gonod, Jesus explicou: “As vontades humanas que estão inteiramente ocupadas em tomar apenas decisões temporais, sobre questões materiais da existência animal, estão condenadas a perecer no tempo. Aqueles que tomam decisões morais de todo o coração e que fazem escolhas espirituais incondicionais estão assim identificados progressivamente com o espírito divino que neles reside; e, portanto, se transformam, aproximando-se cada vez mais dos valores da sobrevivência eterna — a interminável progressão do serviço divino”.
130:2.10 (1431.5) Foi nesse mesmo dia que, pela primeira vez, ouvimos a verdade crucial que, colocada em termos modernos, significaria: “A vontade é aquela manifestação da mente humana que capacita a consciência subjetiva a expressar a si mesma objetivamente e a experimentar o fenômeno de aspirar a ser semelhante a Deus”. E é nesse mesmo sentido que todo ser humano reflexivo e de mente espiritual pode tornar-se criador.
130:3.1 (1432.1) A estada em Cesaréia tinha sido cheia de acontecimentos e, quando o barco ficou pronto, Jesus e os seus dois amigos partiram, ao meio-dia, para Alexandria no Egito.
130:3.2 (1432.2) A travessia foi extremamente agradável para os três. Ganid estava encantado com a viagem e manteve Jesus ocupado, respondendo às suas perguntas. Quando se aproximaram do porto da cidade, o jovem ficou emocionado com o grande Farol de Faros, localizado na ilha, que Alexandre tinha unido à terra firme por meio de um quebra-mar, criando assim dois magníficos portos e, conseqüentemente, fazendo de Alexandria a linha marítima comercial para a África, Ásia e Europa. Esse grande Farol, uma das sete maravilhas do mundo, era o precursor de todos os faróis que sobrevieram. Eles levantaram-se cedo pela manhã, para ver a esplêndida construção do homem para salvar vidas e, em meio às exclamações de Ganid, Jesus disse: “E tu, meu filho, serás como esse farol quando retornares à Índia, até mesmo depois que o teu pai se for, tu irás tornar-te como a luz da vida, para aqueles que se assentam contigo no escuro, mostrando a todos, que assim desejarem, o caminho seguro de encontrar o porto da salvação”. E Ganid apertou a mão de Jesus dizendo: “Serei, sim”.
130:3.3 (1432.3) De novo, sublinhamos o fato de que os mestres da religião cristã cometeram um grande equívoco quando voltaram a sua atenção mais exclusivamente para a civilização ocidental do mundo romano. Os ensinamentos de Jesus, da forma como foram sustentados pelos fiéis da Mesopotâmia, no primeiro século, teriam sido prontamente recebidos por grupos variados de religiosos da Ásia.
130:3.4 (1432.4) Lá pela quarta hora, após desembarcar, eles estavam já instalados perto da extremidade oriental da longa e larga avenida, de trinta metros de largura e oito quilômetros de comprimento, que se estendia até os limites orientais dessa cidade de um milhão de habitantes. Após o primeiro reconhecimento das principais atrações da cidade — a universidade (o museu), a biblioteca, o mausoléu real de Alexandre, o palácio, o templo de Netuno, o teatro e o ginásio — , Gonod passou a dedicar-se aos seus negócios, enquanto Jesus e Ganid foram à biblioteca, a maior do mundo. Ali estavam colecionados aproximadamente um milhão de manuscritos, de todo o mundo civilizado: Grécia, Roma, Palestina, Pérsia, Índia, China e até Japão. Nessa biblioteca, Ganid viu a maior coleção de literatura indiana, de todo o mundo; e eles passaram algum tempo lá, a cada dia da sua permanência em Alexandria. Jesus contou a Ganid que a tradução das escrituras hebraicas, para o grego, havia sido feita ali. E eles conversaram, de novo e de novo, sobre todas as religiões do mundo; Jesus esforçou-se para apontar, a essa mente jovem, a verdade em cada uma, e acrescentava: “Mas Yavé é o Deus que foi desenvolvido das revelações de Melquisedeque e da aliança com Abraão. Os judeus foram a progênie de Abraão e, subseqüentemente, ocuparam a mesma terra em que Melquisedeque viveu, ensinou e da qual ele enviou mestres a todo o mundo; e a religião deles finalmente retratava um reconhecimento do Senhor Deus de Israel, como o Pai Universal no céu, mais claro do que qualquer outra religião do mundo”.
130:3.5 (1432.5) Sob a direção de Jesus, Ganid fez uma coleção dos ensinamentos de todas as religiões do mundo que reconheciam uma Deidade Universal, ainda que pudessem também dar um reconhecimento maior ou menor a deidades secundárias. Após muita argumentação, Jesus e Ganid decidiram que os romanos não tinham nenhum Deus real na sua religião, que a religião deles era pouco mais do que um culto ao imperador. Os gregos, concluíram eles, tinham uma filosofia, mas dificilmente uma religião, com um Deus pessoal. Os cultos dos mistérios foram descartados por eles, por causa da confusão da sua multiplicidade e porque os seus variados conceitos de Deidade pareciam derivados de outras religiões mais antigas.
130:3.6 (1433.1) Ainda que essas traduções tivessem sido feitas em Alexandria, Ganid afinal não arranjou essas seleções e acrescentou as suas próprias conclusões pessoais até quase o final da permanência deles em Roma. Ficou muito surpreso ao descobrir que, entre os melhores autores da literatura sagrada do mundo, todos, mais abertamente, ou menos, reconheciam a existência de um Deus eterno e estavam bastante de acordo, com respeito ao caráter e relações Dele com o homem mortal.
130:3.7 (1433.2) Jesus e Ganid passaram muito do seu tempo no museu, durante a sua estada em Alexandria. Esse museu não era uma coleção de objetos raros, mas, antes, uma universidade de belas artes, ciência e literatura. Professores eruditos faziam diariamente conferências ali e, naqueles tempos, era lá o centro intelectual do Mundo Ocidental. Dia após dia, Jesus interpretava as conferências para Ganid; certo dia, durante a segunda semana, o jovem exclamou: “Mestre Joshua, tu sabes mais do que esses professores; tu devias levantar-te e falar a eles sobre as grandes coisas que me ensinaste; eles estão obscurecidos por pensarem demais. Vou falar com meu pai e pedir-lhe que arranje isso”. Jesus sorriu, dizendo: “Tu és um aluno admirador, mas esses professores não estão predispostos a que tu e eu os instruamos. O orgulho da erudição não espiritualizada é algo traiçoeiro na experiência humana. O verdadeiro professor mantém a sua integridade intelectual, continuando para sempre em seu aprendizado”.
130:3.8 (1433.3) Alexandria era a cidade da fusão das culturas do Ocidente e, depois de Roma, a maior e mais magnífica do mundo. Ali estava localizada a maior sinagoga judaica do mundo, assento do governo do sinédrio alexandrino, constituído dos setenta anciães dirigentes.
130:3.9 (1433.4) Entre os muitos homens com quem Gonod tinha as suas transações de negócios, estava um certo banqueiro judeu, Alexandre, cujo irmão, Filo, era um filósofo religioso famoso daquela época. Filo estava empenhado na tarefa louvável, mas extremamente difícil, de harmonizar a filosofia grega com a teologia hebraica. Ganid e Jesus haviam conversado muito sobre os ensinamentos de Filo e esperavam comparecer a algumas das suas conferências, mas, durante a permanência deles em Alexandria, esse famoso helenista judeu esteve adoentado e acamado.
130:3.10 (1433.5) Jesus recomendou a Ganid muita coisa da filosofia grega e das doutrinas estóicas, mas imprimiu no jovem a verdade de que esses sistemas de crença, como os ensinamentos indefinidos de alguns dentre os do seu próprio povo, eram religiosos apenas no sentido de que conduziam o homem a encontrar Deus e a desfrutar de uma experiência viva de conhecer o Eterno.
130:4.1 (1433.6) Na noite antes de partirem de Alexandria, Ganid e Jesus tiveram uma longa conversa com um dos professores reitores da universidade, que fazia conferências sobre os ensinamentos de Platão. Atuando como intérprete para o sábio mestre grego, Jesus não inseriu nenhum dos seus próprios ensinamentos, em refutação à filosofia grega. Gonod estava fora, a negócios, naquela noite; assim, depois que o professor tinha ido embora, o Mestre e o discípulo tiveram uma longa e sincera conversa sobre as doutrinas de Platão. Ao mesmo tempo em que Jesus prestou a sua qualificada aprovação a alguns ensinamentos gregos, que tinham a ver com a teoria de que as coisas materiais do mundo são reflexos ou sombras das realidades espirituais invisíveis, mas mais substanciais; ele procurou estabelecer fundamentos mais fidedignos, para o pensamento daquele jovem; e, dessa forma, começou uma dissertação a respeito da natureza da realidade do universo. Em essência e com frases modernas, Jesus disse a Ganid:
130:4.2 (1434.1) A fonte da realidade do universo é Infinita. As coisas materiais da criação finita são as repercussões no tempo-espaço do Modelo do Paraíso e da Mente Universal do Deus eterno. A causação no mundo físico, a autoconsciência no mundo intelectual e o eu progressivo no mundo espiritual — essas realidades projetadas em uma escala universal, combinadas em uma relação eterna e experienciadas em perfeição de qualidade e divindade de valor — constituem a realidade do Supremo. Mas, mesmo em um universo sempre em mudança, a Personalidade Original da causação, da inteligência e da experiência do espírito, é imutável e absoluta. Todas as coisas, mesmo em um universo eterno de valores ilimitados e qualidades divinas, podem mudar e, muitas vezes, mudam; exceto os Absolutos e tudo aquilo que atingiu um status físico, uma abrangência intelectual ou, afinal, uma identidade espiritual que seja absoluta.
130:4.3 (1434.2) O nível mais elevado até o qual uma criatura finita pode progredir é o reconhecimento do Pai Universal e a consciência do Supremo. E, mesmo então, tais seres, que possuem o destino da finalidade, continuam a experimentar mudanças nos movimentos do mundo físico e dos seus fenômenos materiais. Da mesma forma permanecem eles sabedores da progressão do eu, na sua contínua ascensão no universo espiritual, e da consciência crescente e aprofundada das suas apreciações do cosmo intelectual e em resposta a ele. Apenas na perfeição, na harmonia e na unanimidade de vontade, pode a criatura chegar a tornar-se una com o Criador; e tal estado de divindade é atingido e mantido apenas quando a criatura, mantendo a continuidade de vida no tempo e na eternidade, forma e conforma consistentemente a sua vontade pessoal finita à vontade divina do Criador. E o desejo de cumprir a vontade do Pai deve ser sempre supremo na alma, e predominante na mente do filho ascendente de Deus.
130:4.4 (1434.3) Uma pessoa, com um olho apenas, nunca pode esperar visualizar a profundidade em perspectiva. Nem pode o cientista materialista, de um único olho, nem o místico e o alegorista espirituais, também cegos de um lado, visualizar corretamente e adequadamente compreender a profundidade verdadeira da realidade do universo. Todos os valores verdadeiros da experiência da criatura estão ocultos na profundidade do reconhecimento.
130:4.5 (1434.4) A causação sem mente não pode desenvolver o refinado e o complexo, a partir do cru e do simples; nem a experiência desprovida de espírito pode desenvolver as características divinas da sobrevivência eterna, a partir das mentes materiais dos mortais do tempo. O atributo do universo que, tão exclusivamente, caracteriza a Deidade infinita é a interminável dotação criadora da personalidade, que pode sobreviver, no alcance progressivo da Deidade.
130:4.6 (1434.5) A personalidade é aquele dom cósmico, aquela fase da realidade universal que pode coexistir com a mudança ilimitada e, ao mesmo tempo, manter a sua identidade em presença de todas essas mudanças; e, ainda mesmo, para sempre.
130:4.7 (1434.6) A vida é uma adaptação da causação cósmica original às demandas e possibilidades das situações do universo e passa a existir pela ação da Mente Universal e pela ativação da chama espiritual de Deus, que é espírito. O significado da vida é a sua adaptabilidade; o valor da vida está na possibilidade de progresso — até às alturas máximas do conhecimento de Deus.
130:4.8 (1434.7) A má adaptação da vida autoconsciente ao universo resulta em desarmonia cósmica. A divergência final, entre a vontade da personalidade e as tendências do universo, termina no isolamento intelectual e na segregação da personalidade. À perda da chama piloto do espírito residente sobrevém a cessação da existência espiritual. A vida inteligente e progressiva então se torna, em si e por si mesma, uma prova incontroversa da existência de um universo pleno de propósitos, que expressa a vontade do Criador divino. E essa vida, no todo, luta na direção de valores mais elevados, tendo por meta final o Pai Universal.
130:4.9 (1435.1) Apenas em grau o homem possui mente acima do nível animal, à parte as ministrações mais elevadas e quase espirituais de intelecto. Portanto os animais (não sabendo adorar nem possuindo sabedoria) não podem experimentar a supraconsciência, ou a consciência da consciência. A mente animal é consciente apenas do universo objetivo.
130:4.10 (1435.2) O conhecimento é a esfera da mente material, ou discernidora dos fatos. A verdade é o domínio do intelecto espiritualmente dotado, que é cônscio de poder conhecer a Deus. O conhecimento é demonstrável; a verdade é experimentável. O conhecimento é uma posse da mente; a verdade uma experiência da alma, o eu em progresso. O conhecimento é uma função de nível não-espiritual; a verdade é uma fase do nível da mente-espírito dos universos. O olho da mente material percebe um mundo de conhecimento factual; o olho do intelecto espiritualizado discerne um mundo de valores verdadeiros. Esses dois pontos de vista, sincronizados e harmonizados, revelam o mundo da realidade, no qual a sabedoria interpreta os fenômenos do universo, nos termos da experiência pessoal progressiva.
130:4.11 (1435.3) O erro (o mal) é a penalidade da imperfeição. As qualidades da imperfeição, ou os fatos da má-adaptação, revelam-se no nível material por meio da observação crítica e da análise científica; e no nível moral, por intermédio da experiência humana. A presença do mal se constitui em prova das imprecisões da mente e da imaturidade do eu em evolução. O mal, portanto, é também uma medida da imperfeição na interpretação do universo. A possibilidade de cometer erros é inerente à aquisição da sabedoria; ao esquema de progredir do parcial e do temporal até o total e eterno, do relativo e imperfeito ao final e perfeito. O erro é a sombra do incompleto-relativo, que deve necessariamente cair sobre a senda ascendente do homem no universo, antes da perfeição do Paraíso. O erro (o mal) não é uma qualidade real do universo; é simplesmente a observação de uma relatividade, na inter-relação entre a imperfeição do finito incompleto e os níveis ascendentes do Supremo e do Último.
130:4.12 (1435.4) Embora Jesus tenha dito tudo isso em uma linguagem adequada à compreensão de Ganid, ao final da argumentação o jovem tinha as pálpebras pesadas e logo caíra num cochilo. Eles levantaram cedo, na manhã seguinte, para irem a bordo do barco que tinha o destino de Lasea, na ilha de Creta. Todavia, antes de embarcarem, o jovem tinha ainda perguntas a fazer sobre o mal, ao que Jesus replicou:
130:4.13 (1435.5) O mal é um conceito de relatividade. Surge da observação das imperfeições que sobressaem, na sombra projetada por um universo finito de coisas e seres, à medida que tal cosmo obscurece a luz viva da expressão universal das realidades eternas do Único Infinito.
130:4.14 (1435.6) O mal potencial é inerente ao estado, necessariamente incompleto, da revelação de Deus, como uma expressão da infinitude e da eternidade, quando limitadas ao tempo e ao espaço. O parcial, em presença do todo completo, constitui a relatividade da realidade, cria a necessidade da escolha intelectual e estabelece níveis de valor para o reconhecimento e a resposta espiritual. O conceito finito e incompleto do Infinito, que é mantido pela mente temporal e limitada, da criatura, é, em si e por si mesmo, o mal potencial. Contudo, o erro, o qual vai se ampliando, cometido, por uma falta injustificada, ao se fazer uma retificação espiritual razoável dessas desarmonias intelectuais e insuficiências espirituais, originalmente inerentes, é equivalente à realização do mal factual.
130:4.15 (1436.1) Todos os conceitos estáticos ou mortos são potencialmente malignos. A sombra finita, da verdade relativa e viva, está em contínuo movimento. Os conceitos estáticos invariavelmente atrasam a ciência, a política, a sociedade e a religião. Os conceitos estáticos podem representar um certo conhecimento, mas são deficientes de sabedoria e desprovidos de verdade. No entanto, não permitas que o conceito de relatividade te desguie a ponto de falhares no reconhecimento da coordenação do universo, a qual se dá sob o guiamento da mente cósmica e em vista do seu controle estabilizado pela energia e pelo espírito do Supremo.
130:5.1 (1436.2) Ao irem a Creta, os viajantes não eram possuídos senão de um propósito, que era o de se distraírem, de andar pela ilha e de escalar as montanhas. Os cretenses daquela época não desfrutavam de uma reputação invejável, entre os povos vizinhos. Entretanto, Jesus e Ganid conquistaram lá muitas almas, para os níveis mais elevados de pensamento e vida e, assim, lançaram as bases para uma recepção mais rápida dos ensinamentos futuros, que viriam quando os primeiros pregadores de Jerusalém chegassem. Jesus amava os cretenses, não obstante as duras palavras com que Paulo mais tarde falou a respeito deles, depois de ter enviado Tito à ilha para reorganizar as suas igrejas.
130:5.2 (1436.3) Nas montanhas de Creta, Jesus teve a sua primeira longa conversa com Gonod a respeito de religião. O pai ficou muito bem impressionado e disse: “Não me admiro que o jovem acredite em tudo que tu dizes a ele, mas nunca soube que tinham tal religião em Jerusalém e muito menos em Damasco”. Foi durante a permanência na ilha, que Gonod, pela primeira vez, propôs a Jesus que fosse com eles de volta à Índia; e Ganid ficou contente com o pensamento de que Jesus poderia consentir em tal arranjo.
130:5.3 (1436.4) Um dia, quando Ganid perguntou a Jesus por que ele não se havia devotado ao trabalho de ensinar publicamente, ele disse: “Meu filho, tudo deve esperar a chegada da sua hora. Tu nasces no mundo, mas nenhuma quantidade de ansiedade e nenhuma manifestação de impaciência irão ajudar-te a crescer. Tu deves, em todos esses assuntos, esperar pela ação do tempo. Só o tempo amadurecerá a fruta verde na árvore. Estações seguem-se umas às outras e o pôr-do-sol vem depois do nascer do sol, mas apenas com o passar do tempo. Estou agora a caminho de Roma, contigo e com o teu pai, e isso é suficiente por agora. O meu amanhã está inteiramente nas mãos do meu Pai no céu”. E então ele contou a Ganid a história de Moisés e os quarenta anos de espera vigilante e a contínua preparação.
130:5.4 (1436.5) Uma coisa aconteceu, durante uma visita a Portos-Belos, da qual Ganid nunca esqueceu; e a lembrança desse episódio sempre o levava a querer poder fazer alguma coisa para mudar o sistema de castas na sua Índia natal. Um degenerado bêbado estava atacando uma jovem escrava, na via pública. Quando viu o apuro da jovem, Jesus correu até eles, resgatando a jovem do ataque do louco. Enquanto a menina amedrontada se agarrava a ele, Jesus segurava o homem enfurecido a uma distância segura, com seu poderoso braço direito estendido, até que o pobre homem visse exauridas as suas forças, de tanto bater no ar com os seus golpes raivosos. Ganid sentiu um forte impulso de ajudar Jesus a cuidar daquilo, mas o seu pai o proibiu. Apesar de não falarem a língua da garota, ela pôde entender o ato de misericórdia e manifestou a gratidão da sua alma, à medida que os três a levavam para casa. Esse foi, provavelmente, um confronto dos mais diretos com um semelhante, ao qual Jesus chegou pessoalmente, em toda a sua vida encarnada. Mas teve uma tarefa difícil naquela noite, tentando explicar a Ganid por que ele não havia esmurrado o homem bêbado. Ganid achava que aquele homem deveria ter sido golpeado pelo menos tantas vezes quantas havia golpeado a garota.
130:6.1 (1437.1) Enquanto estavam nas montanhas, Jesus teve uma longa conversa com um jovem que andava atemorizado e abatido. Não tendo conseguido encontrar consolo e coragem na relação com os seus semelhantes, esse jovem tinha ido buscar a solidão das colinas; tinha ele crescido com um sentimento de desamparo e inferioridade. Essas tendências naturais haviam sido intensificadas por inúmeras circunstâncias difíceis com as quais o garoto se tinha deparado à medida que crescia, especialmente a perda do seu pai, aos doze anos de idade. Quando se encontraram, Jesus disse: “Salve, meu amigo! Por que tão abatido em um dia tão belo? Se alguma coisa aconteceu que te aflija, talvez eu possa de algum modo oferecer-te ajuda. De qualquer forma para mim é um prazer oferecer os meus préstimos”.
130:6.2 (1437.2) O jovem não estava inclinado a falar e então Jesus fez uma segunda aproximação de alma, dizendo: “Entendo que tenhas vindo a estas colinas para escapar das pessoas; assim, está claro, não queres falar comigo, mas eu gostaria de saber se tu estás familiarizado com essas montanhas, se sabes a direção destas trilhas? E se, por acaso, podes informar-me sobre o melhor caminho para Fênix?” Pois bem, esse jovem estava bem ambientado com as colinas e ficou muito interessado em dizer a Jesus qual o caminho até Fênix, tanto que marcou no chão todas as trilhas e explicou minuciosamente cada detalhe. Surpreendeu- se, contudo, e se fez curioso quando Jesus subitamente, após despedir-se e agir como se estivesse indo embora, ter-se voltado para dizer: “Bem sei que tu gostarias de ser deixado a sós, com o teu desconsolo; mas não seria nem amável nem justo da minha parte, receber tão generosa ajuda de ti para saber o melhor caminho para Fênix e então, sem titubear, afastar-me de ti sem sequer fazer o menor esforço para responder ao teu evidente apelo, por ajuda e orientação, com respeito ao melhor caminho ao objetivo do destino que o teu coração busca, enquanto tu te deténs aqui nas colinas. Da mesma forma que tu conheces tão bem o caminho para Fênix, tendo passado por ele muitas vezes, também eu conheço bem o caminho para a cidade das tuas esperanças desapontadas e ambições frustradas. E, posto que tu me pediste ajuda, eu não te desapontarei”. O jovem estava quase vencido, todavia, conseguiu balbuciar: “Mas...eu não pedi nada”. E Jesus, colocando a mão suavemente no seu ombro, disse: “Não, filho, não por palavras, mas pela expectativa do teu olhar, que me chegou até o coração. Meu filho, para quem ama o seu semelhante é fácil perceber quando há um pedido de ajuda na expressão de desencorajamento e desespero no seu semblante. Assenta-te a meu lado, enquanto eu te conto sobre os caminhos do serviço e as estradas da felicidade que conduzem, do sofrimento do ego, às alegrias das ações do amor, na fraternidade dos homens e no serviço do Deus que está no céu”.
130:6.3 (1437.3) A essa altura, o jovem já desejava muito conversar com Jesus e caiu a seus pés, implorando a Jesus que o ajudasse, que lhe mostrasse o caminho de saída do seu mundo de tristezas e derrota pessoal. Disse Jesus: “Meu amigo, levanta-te! Fiques de pé como deve um homem ficar! Tu podes estar cercado de pequenos inimigos e estar sendo retardado por muitos obstáculos, mas as coisas grandes e as coisas reais deste mundo e do universo estão do teu lado. O sol levanta-se a cada manhã para saudar-te, exatamente como faz aos homens mais poderosos e prósperos da Terra. Vê, que tens um corpo forte e músculos poderosos; a tua dotação física é melhor que a comum. E, está claro, inútil é que fiques assentado aqui nas montanhas amentando-te dos infortúnios, reais ou imaginários. Entretanto, poderias fazer grandes coisas com o teu corpo se te apressasses a ir até onde as grandes coisas esperam para ser feitas. Tu estás tentando fugir do teu ego infeliz, mas isso não pode ser feito. Tu e os problemas da vida são reais; não podes escapar deles enquanto viveres. No entanto, pensa outra vez, tua mente é clara e capaz. O teu corpo robusto tem uma mente inteligente a dirigi- lo. Põe a tua mente a trabalhar para resolver os problemas do corpo; ensine o teu intelecto a trabalhar para ti; recusa ser dominado, por mais tempo, pelo medo, como um irracional que não pensa. A tua mente deveria ser a tua aliada corajosa na solução dos teus problemas na vida, em vez de seres tu, como tens sido, um escravo abjeto do medo e um servo fiel da depressão e da derrota. O mais valioso de tudo, porém, o teu potencial de êxito real, é o espírito que vive dentro de ti e que irá estimular e inspirar a tua mente a controlar a si mesma e a ativar o teu corpo; basta que tu a liberes dos males do medo, capacitando assim a tua natureza espiritual a começar a tua libertação dos males da inação, por meio do poder da presença da fé viva. E então, imediatamente, essa fé vencerá o medo dos homens, pela presença premente de um novo e todo-dominante amor pelos teus semelhantes, que logo irá preencher a tua alma, até o extravasamento, mediante a consciência que nasceu no teu coração de que és um filho de Deus.
130:6.4 (1438.1) “Nesse dia, meu filho, renascerás restabelecido como homem de fé, coragem e serviço devotado ao homem, para a glória de Deus. E quando tu te tornares, assim, reajustado à vida dentro de ti, tornar-te-ás também reajustado ao universo; e terás nascido de novo — nascido em espírito — e, daí em diante, toda a tua vida irá transformar-se em uma única realização vitoriosa. Os problemas apenas te revigorarão; o desapontamento incentivar-te-á a ir à frente; as dificuldades desafiar-te-ão e os obstáculos irão estimular-te. De pé, jovem rapaz! Diz adeus à vida de terrores humilhantes e de covardia evasiva. Apressa-te, de volta ao dever; e vive a tua vida na carne como um filho de Deus, um mortal dedicado ao enobrecedor serviço do homem na Terra e destinado ao soberbo e eterno serviço de Deus na eternidade.”
130:6.5 (1438.2) E esse jovem, Fortunato, posteriormente tornou-se o líder dos cristãos em Creta e íntimo associado de Tito, no seu labor pela elevação dos fiéis cretenses.
130:6.6 (1438.3) Os viajantes sentiam-se realmente descansados e refrescados quando se fizeram prontos, lá pelo meio-dia, certa ocasião, a fim de zarparem para Cartago, no norte da África, parando por dois dias em Cirene. Foi ali que Jesus e Ganid prestaram os primeiros socorros a um rapaz de nome Rufo, que tinha sofrido ferimentos quando da quebra de um carro de bois pesado e cheio. Eles carregaram- no até a casa da sua mãe; e o seu pai, Simão, jamais poderia sonhar que o homem, cuja cruz ele iria carregar no futuro por ordem de um soldado romano, era aquele estranho que certa vez tratara o seu filho com amizade.
130:7.1 (1438.4) Na maior parte do tempo da viagem até Cartago, Jesus conversou com os seus companheiros de viagem sobre temas sociais, políticos e comerciais; dificilmente uma palavra sobre religião foi dita. Pela primeira vez Gonod e Ganid descobriam que Jesus era um bom contador de histórias e mantiveram-no ocupado, narrando pequenos acontecimentos sobre a sua infância na Galiléia. Eles também souberam que ele se criara na Galiléia e não em Jerusalém nem em Damasco.
130:7.2 (1438.5) Quando Ganid perguntou o que se devia fazer para ter amigos, tendo notado que a maioria das pessoas com quem se encontravam, por casualidade, sentiam-se atraídas para Jesus, o Mestre disse: “Torna-te interessado pelos teus semelhantes; aprende a amá-los e aguarda a oportunidade de fazer algo por eles, algo de que tu estejas seguro de que eles queiram que seja feito”, e então citou um velho provérbio judaico: “Um homem que gostaria de ter amigos, deve mostrar- se amistoso”.
130:7.3 (1439.1) Em Cartago, Jesus teve uma longa e memorável conversa com um sacerdote mitraísta, sobre a imortalidade, o tempo e a eternidade. Esse persa havia sido educado em Alexandria e realmente desejava aprender com Jesus. Em essência, e em palavras atuais, respondendo às suas perguntas, disse Jesus:
130:7.4 (1439.2) O tempo é a corrente, que flui, dos eventos temporais percebidos pela consciência da criatura. Tempo é um nome dado ao arranjo-sucessão por meio do qual os eventos são reconhecidos e diferenciados. O universo do espaço é um fenômeno relacionado ao tempo, como é visto de qualquer posição interior, fora da morada fixa do Paraíso. O movimento do tempo é revelado apenas em relação a algo que, como um fenômeno no tempo, não se move no espaço. No universo dos universos, o Paraíso e as suas Deidades transcendem a ambos, ao tempo e ao espaço. Nos mundos habitados, a personalidade humana (residida e orientada pelo espírito do Pai do Paraíso) é a única realidade, do mundo físico, que pode transcender à seqüência material dos eventos temporais.
130:7.5 (1439.3) Os animais não percebem o tempo como o homem o sente; e, mesmo para o homem, em função da sua visão seccional e circunscrita, o tempo surge como uma sucessão de eventos; mas à medida que o homem ascende e progride interiormente, a visão amplificada dessa sucessão de eventos é tal que ele pode discerni-la, cada vez mais, na sua totalidade. Aquilo que, anteriormente, surgia como uma sucessão de eventos, então será visto como um círculo inteiro e perfeitamente relacionado; desse modo, a simultaneidade circular irá, de forma crescente, deslocar a consciência daquilo que se foi, na seqüência linear de eventos.
130:7.6 (1439.4) Há sete diferentes concepções de espaço, enquanto ele é condicionado pelo tempo. O espaço é medido pelo tempo; não o tempo pelo espaço. A confusão do cientista cresce a partir do fracasso em reconhecer a realidade do espaço. O espaço não é meramente um conceito intelectual da variação na relação entre os objetos do universo. O espaço não é vazio; e a única coisa que o homem conhece e que, mesmo parcialmente, pode transcender o espaço é a sua mente. A mente pode funcionar independentemente do conceito de relação espacial dos objetos materiais. O espaço é relativa e comparativamente finito, para todos os seres cujo status é o de criatura. Quanto mais a consciência aproxima-se do conhecimento das sete dimensões cósmicas, tanto mais o conceito de espaço potencial aproxima-se da ultimidade. Mas o potencial do espaço é uma ultimidade verdadeiramente, apenas no nível absoluto.
130:7.7 (1439.5) Deve ser evidente que a realidade universal tem um significado expansivo e sempre relativo nos níveis ascendentes e perfeccionantes do cosmo. Em ultimidade, os mortais sobreviventes realizam a sua identidade em um universo de sete dimensões.
130:7.8 (1439.6) O conceito de tempo-espaço, para uma mente de origem material, está destinado a passar por sucessivas ampliações, à medida que a personalidade consciente e pensante ascende nos níveis do universo. Quando o homem alcançar a mente que sabe intervir entre os planos material e espiritual da existência, as suas idéias sobre o tempo-espaço serão enormemente expandidas quanto à qualidade de percepção e quanto à quantidade da experiência. As concepções cósmicas, em expansão, de uma personalidade espiritual em avanço, são devidas ao aumento tanto da profundidade da visão interior quanto do escopo da consciência. E à medida que a personalidade continua, para cima e para dentro, e passa para os níveis transcendentais semelhantes ao da Deidade, o conceito de tempo-espaço, de modo crescente, irá aproximar-se dos conceitos, fora de tempo e de espaço, dos Absolutos. Relativamente e conforme se vai conseguindo alcançar o transcendental, esses conceitos no nível do absoluto hão de ser presenciados pelos filhos do destino último.
130:8.1 (1440.1) A primeira parada no caminho da Itália foi a ilha de Malta. Ali Jesus teve uma conversa longa com um jovem desalentado e desencorajado chamado Cláudio. Esse amigo havia chegado a pensar em tirar a própria vida, mas, depois de conversar com o Escriba de Damasco, ele disse: “Vou enfrentar a vida como um homem; chega de fazer o papel de covarde. Vou voltar para a minha gente e começar tudo de novo”. Em pouco tempo ele se convertera em um pregador entusiasta dos cínicos e, mais tarde ainda, deu as mãos a Pedro, na proclamação da cristandade em Roma e Nápoles e, após a morte de Pedro, foi para a Espanha pregar o evangelho. Mas nunca soube que o homem que o havia inspirado em Malta era o mesmo Jesus, a quem posteriormente ele proclamaria como o Libertador do Mundo.
130:8.2 (1440.2) Em Siracusa passaram uma semana inteira. O evento notável dessa escala foi a reabilitação de Esdras, o judeu desencaminhado, que era o taberneiro do lugar onde Jesus e os seus companheiros hospedaram-se. Esdras encantou-se com a aproximação de Jesus e lhe pediu para ajudá-lo a voltar à fé de Israel. Expressou a sua desesperança dizendo: “Eu quero ser um verdadeiro filho de Abraão, mas não consigo encontrar Deus”. Disse-lhe Jesus: “Se tu queres realmente encontrar Deus, esse desejo é por si mesmo a evidência de que já O encontraste. O teu problema não é que não consigas encontrar Deus, pois o Pai já te encontrou; o teu obstáculo é simplesmente que ainda não conheces a Deus. Ainda não leste no profeta Jeremias que: ‘Me buscarás e Me encontrarás, quando Me buscares com todo o teu coração’? E, de novo, esse mesmo profeta não diz: ‘E Eu te darei um coração para que Me conheças, que Eu sou o Senhor e, pois, pertencerás ao Meu povo e serei o teu Deus’? E também não leste nas escrituras, onde é dito: ‘Ele olha para os homens e, se alguém disser: Eu pequei e perverti aquilo que era o certo e isso não me trouxe proveito, então Deus libertará a alma daquele homem da escuridão, e ele verá a luz’?” E Esdras encontrou Deus, para a satisfação da sua alma. Posteriormente, esse judeu, em associação com um próspero prosélito grego, construiu a primeira igreja cristã em Siracusa.
130:8.3 (1440.3) Em Messina pararam apenas por um dia, mas foi o suficiente para mudar a vida de um pequeno garoto, um vendedor de frutas, de quem Jesus comprou frutas e a quem, em troca, alimentou com o pão da vida. O garoto nunca esqueceu as palavras de Jesus e o olhar bondoso que veio junto com elas quando, colocando a mão no ombro dele, Jesus disse: “Adeus, meu pequeno, sê valente enquanto cresces até ficar homem e, depois de ter alimentado o corpo, aprende como alimentar também a alma. E o meu Pai no céu estará contigo e te guiará”. O pequeno transformou-se em um devoto da religião mitraísta e mais tarde se converteu à fé cristã.
130:8.4 (1440.4) Por fim chegaram a Nápoles e sentiram que não estavam longe do seu destino, Roma. Gonod tinha muitos negócios para cuidar em Nápoles e, à parte o período em que Jesus foi requisitado como intérprete, ele e Ganid passaram o seu tempo de lazer visitando e explorando a cidade. Ganid estava tornando-se um adepto de distinguir aqueles que pareciam necessitar de ajuda. Encontraram muita pobreza nessa cidade e distribuíram muitas esmolas. Mas Ganid nunca entendeu o significado das palavras de Jesus quando, após ter dado uma moeda a um pedinte de rua, recusou-se a parar e falar com ele para confortá-lo. Disse Jesus: “Por que gastar palavras com quem não pode perceber o sentido daquilo que tu vais dizer? O espírito do Pai não pode ensinar e salvar àquele que não tem capacidade de ser filho Seu”. O que Jesus quis dizer é que aquele homem não tinha uma mente normal; que lhe faltava a capacidade de corresponder à condução espiritual.
130:8.5 (1441.1) Em Nápoles, não houve nenhuma experiência digna de destaque; Jesus e o jovem percorreram cuidadosamente a cidade e espalharam bons augúrios, com muitos sorrisos, a centenas de homens, mulheres e crianças.
130:8.6 (1441.2) Dali eles foram para Roma pelo caminho de Cápua, fazendo ali uma parada de três dias. Na Via Ápia andaram a passos largos, junto aos seus animais de carga, em direção a Roma; todos três estavam ansiosos para ver a prima-dona do império, aquela que era a maior cidade de todo o mundo.
O Livro de Urântia
Documento 131
131:0.1 (1442.1) DURANTE a permanência de Jesus, Gonod e Ganid na Alexandria, o jovem gastou boa parte do seu tempo e uma alta soma do dinheiro do seu pai fazendo uma coleção dos ensinamentos das religiões do mundo, sobre Deus e as suas relações com o homem mortal. Ganid empregou mais do que sessenta tradutores fazendo um apanhado geral das doutrinas religiosas do mundo a respeito das Deidades. E aqui deve ficar claro que todos esses ensinamentos, retratando o monoteísmo, derivaram-se, direta ou indiretamente, sobretudo das pregações dos missionários de Maquiventa Melquisedeque, que saíam da sua sede em Salém para disseminar a doutrina de um Deus — o Altíssimo — até os confins da Terra.
131:0.2 (1442.2) Neste documento está apresentada uma síntese dos manuscritos de Ganid, que ele preparou em Alexandria e Roma; e que ficou guardado na Índia por centenas de anos depois da sua morte. Ele colecionou esse material sob dez títulos, como segue:
131:1.1 (1442.3) Os ensinamentos residuais dos discípulos de Melquisedeque, excetuando-se aqueles que perduraram na religião judaica, foram mais bem preservados nas doutrinas dos cínicos. A seleção feita por Ganid abrange o seguinte:
131:1.2 (1442.4) “Deus é supremo, é o Altíssimo dos céus e da Terra. Deus é o círculo tornado perfeito da eternidade; ele governa o universo dos universos. É o criador único dos céus e da Terra. Quando ele decreta uma coisa, tal coisa passa a ser. O Nosso Deus é um único Deus, ele é compassivo e misericordioso. Tudo que é elevado, sagrado, verdadeiro e belo aproxima-se do nosso Deus. O Altíssimo é a luz do céu e da Terra; ele é o Deus do leste, oeste, norte e sul.
131:1.3 (1442.5) “Ainda que a Terra desaparecesse, a face resplandecente do Supremo residiria na majestade e na glória. O Altíssimo é o primeiro e o último, o começo e o fim de tudo. Não há senão esse Deus único cujo nome é Verdade. Deus existe por si próprio e é despojado de qualquer ódio e inimizade; ele é imortal e infinito. O nosso Deus é onipotente e bondoso. Conquanto ele tenha muitas manifestações, nós adoramos apenas o próprio Deus. Deus a tudo conhece — os nossos segredos e as nossas proclamações; ele sabe também o que cada um de nós merece. O seu poder é o mesmo sobre todas as coisas.
131:1.4 (1442.6) “Deus é um provedor de paz e um protetor fiel de todos que o temem e nele confiam. Ele dá a salvação a todos que o servem. Toda a criação existe no poder do Altíssimo. O seu amor divino brota da santidade do seu poder e a afeição nasce do poder da sua grandeza. O Altíssimo decretou a união do corpo e da alma e dotou o homem com o próprio espírito dele. O que o homem faz deve chegar a um fim, mas o que o Criador faz continua para sempre. Ganhamos o conhecimento da experiência do homem, mas extraímos a sabedoria da contemplação do Altíssimo.
131:1.5 (1443.1) “Deus derrama a chuva sobre a terra, faz o sol brilhar sobre o grão que germina e nos dá a colheita abundante das coisas boas dessa vida e a salvação eterna do mundo do porvir. O nosso Deus tem grande autoridade; o seu nome é Excelente e a sua natureza é insondável. Quando estiverdes doentes, é o Altíssimo que vos cura. Deus é pleno de bondade para com todos os homens; ninguém é amigo como o Altíssimo. Sua misericórdia preenche todos os espaços e sua bondade abraça todas as almas. O Altíssimo é imutável; é ele que nos ajuda toda vez que se faz necessário. Para onde quer que volteis para orar, ali estão a face do Altíssimo e o ouvido atento do vosso Deus. Podeis esconder-vos dos homens mas não de Deus. Deus não está a uma grande distância de nós; ele é onipresente. Deus preenche todos os lugares e vive no coração do homem que teme o seu santo nome. A criação está no Criador, e o Criador na sua criação. Nós buscamos o Altíssimo e então nós o encontramos no nosso coração. Ide perguntar a um amigo querido, e então o descobrireis dentro da vossa alma.
131:1.6 (1443.2) “O homem que conhece Deus vê todos os homens como iguais; eles são os seus irmãos. Aqueles que são egoístas, e que ignoram seus irmãos na carne, são recompensados apenas com o cansaço. Aqueles que amam os seus semelhantes e que têm o coração puro verão a Deus. Deus nunca se esquece da sinceridade. Ele guiará o honesto de coração na direção da verdade, pois Deus é a verdade.
131:1.7 (1443.3) “Repudiai o erro nas vossas vidas, superai o mal com o amor da verdade viva. Em todas as vossas relações com os homens, fazei o bem em troca do mal. O Senhor Deus é pleno de misericórdia e amor; ele perdoa sempre. Amemos a Deus, pois ele nos amou primeiro. Por meio do amor de Deus e sua misericórdia seremos salvos. Os homens pobres e os ricos são irmãos; e Deus é o seu Pai. O mal que não quiserdes que seja feito a vós, não o façais aos outros.
131:1.8 (1443.4) “Em todas as circunstâncias chamai o seu nome e, na mesma medida que vós acreditardes no seu nome, a vossa prece será ouvida. Que grande honra é adorar o Altíssimo! Todos os mundos e os universos adoram o Altíssimo. E em todas as vossas preces, agradecei — elevais-vos para adorar. A prece da adoração evita o mal e proíbe o pecado. Louvemos, em todos os momentos, o nome do Altíssimo. O homem que toma abrigo no Altíssimo esconde do universo os seus próprios defeitos. Quando vos apresentardes diante de Deus, com o coração puro, vos tornais os mais destemidos de toda a criação. O Altíssimo é como um pai e uma mãe cheios de amor; ele realmente ama os seus filhos da Terra. O nosso Deus nos perdoará e guiará os nossos passos nos caminhos da salvação. Ele nos levará pela mão e nos conduzirá para si. Deus salva àqueles que confiam nele; mas não obriga o homem a servir no seu nome.
131:1.9 (1443.5) “Se a fé no Altíssimo entrar no fundo do vosso coração, então permanecereis sem medo durante todos os dias da vossa vida. Não vos lamenteis por causa da prosperidade dos ímpios; não temais aqueles que tramam o mal; apartai a vossa alma do pecado e ponde toda a vossa confiança no Deus da Salvação. A alma fatigada do mortal errante encontra o descanso eterno nos braços do Altíssimo; o homem sábio tem fome do abraço divino; o filho da Terra almeja a segurança dos braços do Pai Universal. O homem nobre busca aquele estado elevado em que a alma do mortal se funde com o espírito do Supremo. Deus é justo: O fruto que plantarmos neste mundo e que não colhermos aqui, colheremos no próximo.”
131:2.1 (1444.1) Os quenitas da Palestina mantiveram grande parte dos ensinamentos de Melquisedeque e dos registros dos mesmos, como foram preservados e modificados pelos judeus, Jesus e Ganid fizeram a seguinte seleção:
131:2.2 (1444.2) “No começo Deus criou os céus e a Terra, e todas as coisas deles. E, assim, tudo o que ele criou era muito bom. O senhor é Deus; não há ninguém ao lado dele, nos céus acima nem na Terra abaixo. E por isso vós amareis o Senhor, vosso Deus, com todo o coração e toda a alma e com toda a força. A Terra ficará repleta do conhecimento do Senhor, enquanto as águas cobrem os mares. Os céus declaram a glória de Deus e o firmamento mostra o trabalho das suas mãos. Os dias falam uns após outros; e a noite mostra o conhecimento, noite após noite. Não há discurso ou língua na qual a voz dele não seja ouvida. O trabalho do Senhor é grande e com sabedoria ele fez todas as coisas; a grandeza do senhor é insondável. Ele sabe o número das estrelas; e chama-as todas pelos seus nomes.
131:2.3 (1444.3) “O poder do Senhor é grande e sua compreensão é infinita. Diz o Senhor: ‘Como os céus são mais altos que a Terra, também os meus caminhos são mais altos que os vossos; e os meus pensamentos mais altos do que os vossos pensamentos’. Deus revela as coisas secretas e profundas porque a luz reside nele. O Senhor é misericordioso e pleno de graça; ele é paciente e abundante, em bondade e verdade. O Senhor é bom e reto; aos mansos ele guiará até o juizo. Provai e vede que o Senhor é bom! Abençoado é o homem que confia em Deus. Deus é a nossa força, o nosso refúgio e a ajuda sempre presente nas dificuldades.
131:2.4 (1444.4) “A misericórdia do Senhor perdura, vinda da eternidade, para todos aqueles que o temem; e a sua retidão estende-se aos filhos dos nossos filhos. O Senhor é pleno de graça e repleto de compaixão. O Senhor é bom para todos e suas ternas graças recaem sobre toda a sua criação; ele cura os corações alquebrados e medica as feridas. Onde me esconderia da presença de Deus? Para onde poderia eu fugir da presença divina? E Aquele Altíssimo e Sublime, que habita a eternidade e cujou nome é Santo, diz: ‘Eu resido em local elevado e santo; e também resido naquele que tem um coração contrito e um espírito humilde!’ Ninguém se esconde do nosso Deus, pois ele preenche o céu e a Terra. Que os céus fiquem felizes e que se rejubile a Terra. Deixai todas as nações dizerem: O Senhor reina! Dai graças a Deus, pois sua misericórdia perdura para sempre.
131:2.5 (1444.5) “Os céus testemunham a retidão de Deus e todo o povo vê a sua glória. Foi Deus que nos fez a todos e não nós mesmos; somos o povo dele, as ovelhas do seu pasto. A sua misericórdia é eterna e a sua verdade resiste a todas as gerações. O nosso Deus governa as nações. Que a Terra fique repleta da sua glória! Ó homens, louvai ao Senhor pela sua bondade e suas dádivas maravilhosas aos filhos dos homens!
131:2.6 (1444.6) “Deus criou o homem um pouco aquém do divino e o coroou com amor e misericórdia. O senhor conhece o caminho da retidão, mas o caminho daquele que é mau perecerá. O temor ao Senhor é o começo da sabedoria; conhecer o Supremo é compreendê-lo. O Senhor Todo-Poderoso diz: ‘Caminhai comigo e sede perfeitos’. Não esqueçais de que o orgulho vem antes da destruição e que a arrogância de espírito vem antes da queda. Aquele que governa o seu próprio espírito é mais poderoso do que aquele que se apodera de uma cidade. Diz o Senhor Deus, o Santo: ‘Quando retornardes ao vosso repouso espiritual, sereis salvos; na calma e na confiança estará a vossa força’. Aqueles que servem ao senhor renovarão a sua força; eles elevar-se-ão com asas como águias. Eles correrão e não ficarão cansados; eles caminharão e não se esmorecerão. O senhor dar-vos-á o alívio para os vossos medos. Diz o senhor: ‘Não temais, pois estou convosco. Não desanimeis, pois eu sou o vosso Deus. Eu fortalecer- vos-ei, eu ajudar-vos-ei e, sim, eu apoiar-vos-ei com a mão direita da minha retidão’.
131:2.7 (1445.1) “Deus é o nosso Pai, o Senhor é o nosso redentor. Deus criou as hostes do universo e as preserva todas. A sua retidão se assemelha às montanhas e o seu julgamento ao grande abismo. Ele nos faz beber do rio dos seus prazeres e na sua luz nós veremos a luz. É bom agradecer ao Senhor e cantar louvores ao Altíssimo; demonstrar amor e bondade pela manhã e a devoção da fé a cada noite. O Reino de Deus é eterno; e o seu domínio resiste a todas as gerações. O Senhor é o meu pastor, nada me faltará. Graças a ele eu repouso na grama verde; ele me conduz em águas tranqüilas; e restaura a minha alma. Me conduz ao caminho da retidão. Sim, embora eu caminhe no vale das sombras da morte, eu não temerei nenhum mal, pois Deus está comigo. Decerto a bondade e a misericórdia me acompanharão todos os dias da minha vida; e eu habitarei para sempre na casa do Senhor.
131:2.8 (1445.2) “Yavé é o Deus da minha salvação, portanto colocarei minha confiança no nome divino. De todo o meu coração eu confiarei no Senhor; não me apoiarei na minha própria compreensão. Em todos meus caminhos reconhecê-lo-ei e ele dirigirá meus passos. O Senhor é fiel; ele mantém sua palavra para com aqueles que o servem; o justo viverá pela sua fé. E se não fazeis o bem é porque o pecado está junto à porta; os homens colhem o mal que plantam e o pecado que semeiam. Não vos lamurieis por causa dos que fazem o mal. Se aceitardes a iniqüidade no vosso coração, o Senhor não vos escutará; se pecardes contra Deus, também errareis contra vossa própria alma. Deus levará o trabalho de todos os homens a julgamento e junto às coisas mais secretas, sejam boas ou más. Do modo como o homem pensa no seu coração, assim é ele.
131:2.9 (1445.3) “O Senhor está próximo de todos que o chamam com sinceridade e verdade. O pranto pode durar uma noite, mas o júbilo vem pela manhã. Um coração feliz faz bem, tanto quanto um medicamento. Deus não recusará nada de bom àqueles que caminham na retidão. Temei a Deus e respeitai seus mandamentos, pois apenas esse é o dever do homem. Assim diz o Senhor criador dos céus e formador da Terra: ‘Um Deus justo e um salvador, não há outro Deus além de mim. Em todos os confins da Terra, voltai a mim e sede salvos. Se me procurardes, encontrar- me-eis contanto que me busqueis de todo o coração’. Os mansos herdarão a Terra e deleitar-se-ão na abundância da paz. Aquele que semear a iniqüidade colherá a calamidade e aqueles que semearem ventos colherão tempestades.
131:2.10 (1445.4) “‘Vinde agora, pensemos juntos’, diz o Senhor: ‘Embora os vossos pecados sejam escarlates, eles ficarão brancos como a neve. Ainda que sejam vermelho- carmesins, eles ficarão claros como a lã’. Mas não há paz para os perversos; os vossos próprios pecados afastarão de vós as boas coisas. Deus é a saúde no meu rosto e a alegria na minha alma. O Deus eterno é a minha força; ele é a nossa morada, e os seus braços eternos nos sustentam. O Senhor está próximo daqueles que têm o coração alquebrado; ele salva a todos os que têm o espírito de criança. Muitas são as aflições do homem reto, mas o senhor o livra de todas elas. Entregai vosso caminho ao Senhor — confiai nele — e ele vos levará até o fim. Aquele que reside no lugar secreto do Altíssimo habitará à sombra do Todo- Poderoso.
131:2.11 (1445.5) “Amai o próximo como a vós mesmos; não guardeis rancor de nenhum homem. Não façais a ninguém aquilo que abominais. Amai o vosso irmão, pois o Senhor disse: ‘Eu amarei os meus filhos livremente’. O caminho do justo é como uma luz resplandecente que brilha mais e mais, até o dia perfeito. Aqueles que são sábios resplandecerão com o brilho do firmamento e aqueles que conduzirem muitos para a justiça brilharão como as estrelas, para todo o sempre. Que o homem mau abandone o seu caminho de pecado e o homem injusto os seus pensamentos rebeldes. Diz o Senhor: ‘Que eles retornem para mim e eu terei misericórdia para com eles; e os perdoarei totalmente’.
131:2.12 (1446.1) “Diz o Senhor, criador do céu e da Terra: ‘Aqueles que amam minha lei tenham grande paz. Os meus mandamentos são: Amar-me-eis de todo o coração; não tereis outros deuses diante de mim; não tomareis meu nome em vão; lembrareis de manter santo o dia de sabat; honrareis vosso pai e vossa mãe; não matareis; não cometereis adultério; não roubareis; não dareis testemunho falso; não cobiçareis’.
131:2.13 (1446.2) “E a todos os que amam o Senhor sobre todas as coisas e ao seu próximo como a si próprios, o Deus do céu diz: ‘Eu vos resgatarei do túmulo; eu vos redimirei da morte. Serei grato para com os vossos filhos, tanto quanto justo. Pois eu não disse das minhas criaturas na Terra, vós sois os filhos do Deus vivo? E eu não vos amei com um amor eterno? E não vos convoquei para vos tornardes semelhantes a mim e para residirdes para sempre comigo no Paraíso’”?
131:3.1 (1446.3) Ganid ficou chocado ao descobrir quão perto o budismo chegara de ser uma religião grande e bela, sem Deus, sem uma Deidade pessoal e universal. Contudo, ele encontrou algum registro de certas crenças anteriores, que refletiam algo da influência dos ensinamentos dos missionários de Melquisedeque, que estenderam esse trabalho à Índia, até os tempos de Buda. Jesus e Ganid coletaram os seguintes trechos da literatura budista:
131:3.2 (1446.4) “De um coração puro, a alegria brotará para o infinito; todo o meu ser está em paz nesse júbilo supramortal. Minha alma está cheia de contentamento, e meu coração extravasa com bênçãos de confiança pacífica. Não tenho medo; estou liberto das ansiedades. Resido na segurança e meus inimigos não podem me alarmar. Estou satisfeito com os frutos da minha confiança. Encontrei como me aproximar do Imortal por meio de um acesso mais fácil. Oro para que a fé me sustente durante a longa jornada, sei que a fé do além não me falhará. Sei que meus irmãos prosperarão se forem imbuídos da fé do Imortal e mesmo da fé que gera modéstia, retidão, sabedoria, coragem, conhecimento e perseverança. Abandonemos a tristeza e rejeitemos o medo. Mantenhamos com fé a verdadeira justiça e a virilidade genuína. Aprendamos a meditar sobre a justiça e a misericórdia. A fé é a verdadeira riqueza do homem, é o dom da virtude e glória.
131:3.3 (1446.5) “A injustiça é indigna e o pecado é desprezível. O mal é degradante, seja ele forjado em pensamentos ou atos. A dor e a tristeza seguem o caminho do mal, como o pó segue o vento. A felicidade e a paz da mente seguem o pensamento puro e a vida virtuosa, como a sombra segue a substância das coisas materiais. O mal é fruto do pensamento dirigido de um modo errado. É errado ver pecado onde não há pecado; e não ver pecado onde o pecado está. O mal é caminho das doutrinas falsas. Aqueles que evitam o mal, vendo as coisas como elas são, ganham o júbilo por assim abraçarem a verdade. Dai um fim à vossa miséria, abominando o pecado. Quando olhardes Aquele que é Nobre, afastai-vos do pecado de todo coração. Não façais apologia do mal; não crieis desculpas para o pecado. Com os próprios esforços de emendar-vos dos pecados passados adquiris a força para resistir à tendência futura para eles. A resistência ao mal vem do arrependimento. Não deixeis de confessar nenhuma das vossas faltas para com Aquele que é Nobre.
131:3.4 (1447.1) “A alegria e o contentamento são as recompensas pelos feitos do bem e para a glória do Imortal. Nenhum homem pode roubar a liberdade da vossa própria mente. Quando a fé da vossa religião tiver emancipado o vosso coração, quando a mente, como uma montanha, estiver estabelecida e inamovível, então a paz da alma fluirá tranqüilamente como um rio de água. Aqueles que estiverem certos da salvação estão para sempre livres da luxúria, da inveja, do ódio e das ilusões da riqueza. Embora a fé seja a energia para a vida melhor, contudo, deveis trabalhar para a vossa própria salvação, com perseverança. Se vós estiverdes certos da vossa salvação final, então, certificai-vos de que buscais sinceramente cumprir toda a retidão e justiça. Cultivai a certeza de coração que nasce de dentro e que assim vem para desfrutar do êxtase da salvação eterna.
131:3.5 (1447.2) “Nenhum religioso pode esperar alcançar a iluminação da sabedoria imortal se permanecer preguiçoso, indolente, fraco, impudente e egoísta. Todavia, quem for prudente, previdente, reflexivo, fervoroso e sincero, pode — até mesmo enquanto ainda viver na Terra — alcançar a iluminação suprema da paz e a liberdade da sabedoria divina. Lembrai-vos de que cada ato terá uma recompensa. O mal resulta em tristeza e o pecado culmina na dor. O júbilo e a felicidade advêm de uma vida de bondade. Mesmo o malfeitor, ou o pecador, desfruta de uma temporada de graça, antes do total amadurecimento dos seus feitos no mal; mas, inevitavelmente, a colheita plena do mal deverá advir. Que nenhum homem pense no mal de modo aliviado, dizendo ao seu coração: ‘A punição do erro não virá para mim’. O que fizerdes será feito a vós, segundo o julgamento da sabedoria. A injustiça feita aos vossos irmãos retornará a vós. A criatura não pode escapar ao destino dos seus feitos.
131:3.6 (1447.3) “O tolo diz ao seu coração: ‘o mal não me tomará’. Mas a segurança é encontrada apenas quando a alma aceita a reprovação e a mente busca a sabedoria. O homem sábio é uma alma nobre que permanece amiga diante de inimigos, tranqüila na turbulência e generosa entre os ambiciosos. O amor do ego é como ervas daninhas em um campo do bem. O egoísmo leva à tristeza; a inquietude perpétua mata. A mente domada traz felicidade. O maior dos guerreiros é o que vence e domina a si próprio. É boa a contenção em todas as coisas. Apenas aquele que estima a virtude e observa o seu dever é uma pessoa superior. Que raiva e ódio não sejam vossos mestres. Não faleis duramente de ninguém. O contentamento é a maior riqueza. O que é dado sabiamente é bem poupado. Não façais aos outros as coisas que não quiserdes que sejam feitas a vós. Retribuir o mal por meio do bem é vencer o mal com o bem.
131:3.7 (1447.4) “Uma alma reta é mais desejável do que a soberania de toda a Terra. A imortalidade é a meta da sinceridade; a morte, o fim de uma vida impensada. Aqueles que são honestos não morrem; os impensados já estão mortos. Abençoados são aqueles que têm o discernimento do estado imortal. Aqueles que torturam os vivos, dificilmente encontrarão a felicidade depois da morte. Os generosos vão para os céus, onde se rejubilam na bênção da liberalidade infinita e continuam a crescer na sua nobre generosidade. Todo mortal que pensa com justiça, que fala nobremente e age sem egoísmo, não apenas desfrutará da virtude aqui, durante esta breve vida, mas também, depois da dissolução do corpo, continuará a desfrutar das delícias do céu”.
131:4.1 (1447.5) Os missionários de Melquisedeque levaram consigo, para onde viajaram, os ensinamentos de um único Deus. Grande parte dessa doutrina monoteísta, junto com outros conceitos anteriores, incorporou-se aos ensinamentos posteriores do hinduísmo. Jesus e Ganid selecionaram os seguintes excertos:
131:4.2 (1448.1) “Ele é o grande Deus, supremo em todos os sentidos. Ele é o Senhor que abrange todas as coisas. Ele é o criador e o controlador do universo dos universos. Deus é um só, é singular e existe por si próprio; e é o único. E este Deus único é o nosso Criador e destino último da alma. O Supremo brilha mais do que é possível descrever, é a Luz das Luzes. Todo coração e todo mundo estão iluminados pela luz divina. Deus é nosso protetor — ele está ao lado das suas criaturas — e aqueles que aprendem a conhecê-lo tornam-se imortais. Deus é a grande fonte de energia; ele é a Grande Alma. E exerce a soberania universal sobre tudo. Este Deus único é cheio de amor, é glorioso e adorável. O nosso Deus é supremo em poder e reside na morada suprema. Esta verdadeira Pessoa é eterna e divina, é o Senhor primordial dos céus. Todos os profetas o têm louvado, e ele revelou-se a nós. Nós o adoramos. Ó Pessoa Suprema, fonte dos seres, senhor da criação e governante do universo, revelai-nos, criaturas vossas, o poder pelo qual permaneceis imanente! Deus fez o sol e as estrelas; é luminoso, puro e auto-existente. Seu conhecimento eterno é divinamente sábio. O Eterno é impenetrável ao mal. Por que o universo saiu de Deus, ele o governa apropriadamente. Ele é a causa da criação, e, pois, todas as coisas estão estabelecidas nele.
131:4.3 (1448.2) “Deus é o refúgio seguro de todo homem bom que necessita dele; é o Único Imortal, que cuida de toda humanidade. A salvação de Deus é forte e sua bondade é graciosa. É um protetor amoroso, um defensor abençoado. O Senhor diz: ‘Resido nas vossas próprias almas como uma lâmpada de sabedoria. Sou o resplendor do esplêndido e a bondade do bom. Onde dois ou três reúnem- se, também eu estou com eles’. A criatura não pode escapar da presença do Criador. O Senhor chega a contar as piscadelas dos olhos de todos mortais; e nós adoramos esse Ser divino como o companheiro inseparável. Ele prevalece acima de tudo, é magnânimo, onipresente e infinitamente bom. O Senhor é o nosso governante, abrigo e controlador supremo e seu espírito primordial reside na alma mortal. Testemunho Eterno do vício e da virtude, ele reside no coração do homem. Meditemos longamente sobre o Vivificador adorável e divino, para que seu espírito dirija totalmente nossos pensamentos. Deste mundo irreal conduze-nos ao real! Da escuridão conduze-nos à luz! Da morte guia-nos à imortalidade!
131:4.4 (1448.3) “Com os nossos corações purgados de todo ódio, adoremos o Eterno. O nosso Deus é o Senhor da prece; ele escuta o choro dos seus filhos. Que todos os homens submetam as suas vontades a ele, o Resoluto. Deliciemo-nos na liberalidade do Senhor da prece. Fazei da prece o vosso amigo interior e adorai o suporte da vossa alma. ‘Se apenas me adorardes com amor’, diz o Eterno, ‘eu dar-vos-ei a sabedoria para alcançar-Me, pois adorar-Me é a virtude comum a todas as criaturas’. Deus é o iluminador dos melancólicos e a força daqueles que estão abatidos. Se Deus é o nosso amigo forte, não mais temos medo. Louvamos o nome do Conquistador nunca conquistado. Nós o adoramos, porque ele é o apoio fiel e eterno do homem. Deus é o nosso líder seguro e guia infalível. Ele é o grande Pai do céu e da Terra, que possui energia ilimitada e sabedoria infinita. O seu esplendor é sublime e a sua beleza divina. Ele é o refúgio supremo do universo e o guardião imutável da lei eterna. O nosso Deus é o Senhor da vida e o Confortador de todos os homens; ele ama a humanidade e ajuda àqueles que estão aflitos. Ele nos deu a vida e é o Bom Pastor dos rebanhos humanos. Deus é o nosso pai, irmão e amigo. E nós ansiamos por conhecer esse Deus no nosso ser interno.
131:4.5 (1448.4) “Nós aprendemos a ganhar a fé pelo desejo dos nossos corações. Nós alcançamos a sabedoria pela reclusão dos nossos sentidos, e com a sabedoria nós experimentamos a paz no Supremo. Aquele que está cheio de fé adora verdadeiramente quando, no seu eu interior, tem o intento de Deus. O nosso Deus usa os céus como um manto; ele também reside nos outros seis universos em grande expansão. Ele é supremo acima de tudo e em tudo. Nós suplicamos o perdão do Senhor por todos os nossos abusos contra os nossos semelhantes; e nós perdoamos nosso amigo pelo erro que ele cometeu contra nós. O nosso espírito abomina todo o mal; portanto, ó Senhor, libertai-nos de toda mancha de pecado. Oramos a Deus como o confortador, protetor e salvador — como aquele que nos ama.
131:4.6 (1449.1) “O espírito do Sustentador do Universo entra na alma da criatura simples. Sábio é o homem que adora o Deus único. Aqueles que se esforçam à perfeição devem de fato conhecer o Senhor Supremo. Aquele que conhece a segurança abençoada do Supremo nunca teme, pois o Supremo diz àqueles que o servem: ‘Não temais, pois estou convosco’. O Deus da providência é o nosso Pai. Deus é verdade. E o desejo de Deus é que suas criaturas o compreendam — que cheguem a conhecer plenamente a verdade. A verdade é eterna; ela sustenta o universo. Nosso desejo supremo será a união com o Supremo. O Grande Controlador é o gerador de todas as coisas — tudo evolui dele. E esse é todo o dever: Que nenhum homem faça a outro o que seria repugnante a si próprio; não alimenteis nenhuma malícia, não batais naquele que bater em vós, vencei a raiva com a misericórdia, e triunfai sobre o ódio na benevolência. E tudo isso devemos fazer porque Deus é um amigo e um pai cheio de graças e redime todas as nossas ofensas terrenas.
131:4.7 (1449.2) “Deus é nosso Pai, a Terra é nossa mãe; e o universo nosso local de nascimento. Sem Deus a alma é uma prisioneira; conhecer Deus liberta a alma. Pela meditação em Deus e pela união com ele vem a libertação das ilusões do mal e a salvação última das prisões materiais. Quando o homem puder enrolar o espaço como um pedaço de couro, assim virá o fim do mal porque terá encontrado Deus. Ó Deus, salvai-nos da tríplice ruína do inferno — luxúria, ira e avareza! Ó alma, reforça-te para a luta espiritual da imortalidade! Quando vier o fim da vida mortal, não hesites em abandonar esse corpo por uma forma mais própria e bela, para despertar-te nos reinos do Supremo e Imortal, onde não há medo algum nem tristeza, fome, sede ou morte. Conhecer Deus é cortar as cordas da morte. A alma que conhece Deus eleva-se no universo, como o creme paira sobre o leite. Nós adoramos a Deus, artesão de tudo, a Grande Alma que está sempre assentada no coração das suas criaturas. E aquele que sabe que Deus está entronizado no coração do homem está destinado a tornar-se como ele — imortal. O mal deve ser deixado para trás neste mundo, mas a virtude segue com a alma para o céu.
131:4.8 (1449.3) “Apenas os perversos dizem: o universo não tem nem verdade nem governante; ele foi feito para os nossos prazeres. Essas almas são enganadas pela pequenez dos seus intelectos. Assim se abandonam ao gozo da sua luxúria e privam as próprias almas do júbilo da virtude e dos prazeres da retidão. O que pode ser maior do que experimentar a salvação do pecado? O homem que tiver visto o Supremo é imortal. Os bens da carne não podem sobreviver à morte; só a virtude caminha ao lado do homem enquanto ele viaja sempre adiante, na direção dos campos cheios de alegria e sol do Paraíso”.
131:5.1 (1449.4) Zoroastro esteve, ele próprio, em contato direto com os descendentes dos primeiros missionários da doutrina de Melquisedeque, e a sua doutrina do Deus único tornou-se um ensinamento central na religião que ele fundou na Pérsia. À parte o judaísmo, nenhuma religião daquela época continha um teor tão alto dos ensinamentos de Salém. Dos registros dessa religião Ganid retirou as seguintes citações:
131:5.2 (1450.1) “Todas as coisas vêm do Deus Único e pertencem a ele — onisciente, bom, justo, santo, resplandecente e glorioso. Esse nosso Deus é a fonte de toda a luminosidade. Ele é o Criador, o Deus de todos os propósitos, e o protetor da justiça do universo. O curso sábio da vida é agir em consonância com o Espírito da Verdade. Deus a tudo vê, e ele percebe tanto os feitos errados dos maus quanto as boas obras dos justos; o nosso Deus observa todas as coisas com um olho reluzente. O seu toque é o toque da cura. O Senhor é o benfeitor Todo-Poderoso. Deus estende a sua mão benéfica tanto para o justo quanto para o perverso. Deus estabeleceu o mundo e ordenou as recompensas para o bem e para o mal. O Deus onisciente prometeu imortalidade às almas pias, que pensam com pureza e agem com justiça. E o que desejardes sobre todas as coisas, assim será. A luz do sol é como a sabedoria para aqueles que discernem Deus no universo.
131:5.3 (1450.2) “Louvai a Deus, procurando o prazer do Único Sábio. Adorai o Deus da luz, trilhando alegremente os caminhos ordenados na sua religião revelada. Não há senão um Deus Supremo, o Senhor das Luzes. Nós adoramos aquele que fez a água, plantas, animais, Terra e céus. O nosso Deus é o Senhor, o mais beneficente. Nós adoramos o mais formoso, o generoso Imortal dotado da luz eterna. Deus está muito distante de nós, ao mesmo tempo está bem perto de nós, pois reside dentro das nossas almas. O nosso Deus é o espírito mais divino e mais santo do Paraíso e ainda mais amigo do homem do que a mais amiga de todas criaturas. Deus presta uma grande ajuda a nós, na maior de todas as tarefas: o conhecimento dele próprio. Deus é o nosso amigo mais adorável e justo, é a nossa sabedoria, vida e vigor da alma e do corpo. Através dos nossos bons pensamentos o sábio Criador capacitar-nos-á a cumprir sua vontade, alcançando assim a realização de tudo que é divinamente perfeito.
131:5.4 (1450.3) “Senhor, ensinai-nos como viver esta vida na carne, enquanto nos preparamos para a próxima vida do espírito. Falai-nos, Senhor, e faremos o que nos mandardes. Ensinai-nos bons caminhos, e nos conduziremos pelo bom caminho. Concedei-nos alcançar a união convosco. Sabemos que a religião que leva à união na retidão está certa. Deus é nossa natureza sábia, o melhor pensamento e o ato reto. Possa Deus conceder-nos união com o espírito divino e imortalidade nele próprio!
131:5.5 (1450.4) “Esta religião do Único Sábio purifica o crente de todo mau pensamento e dos feitos pecaminosos. Curvo-me diante do Deus do céu em arrependimento, caso eu haja feito ofensa em pensamentos, palavras ou atos — intencionalmente ou não — , e eu ofereço orações em agradecimento e a louvação pelo perdão. Sei que quando eu me confesso, se me propuser a não cometer de novo o pecado, ele será removido da minha alma. Sei que o perdão remove os laços do pecado. Aqueles que fazem o mal receberão a punição, mas aqueles que se conduzirem segundo a verdade desfrutarão da bênção de uma salvação eterna. Toma-nos por intermédio da graça e ministra o poder salvador às nossas almas. Nós clamamos por misericórdia, porque aspiramos alcançar a perfeição; nós poderíamos ser como Deus”.
131:6.1 (1450.5) O terceiro grupo de crentes religiosos que preservaram a doutrina de um Único Deus na Índia — a sobrevivência dos ensinamentos de Melquisedeque — era conhecido naqueles dias como os suduanistas. Mais recentemente esses crentes ficaram conhecidos como seguidores do jainismo. Eles ensinaram:
131:6.2 (1450.6) “O Deus do Céu é supremo. Aqueles que cometem pecados não ascenderão ao alto, mas aqueles que caminharem nas trilhas da retidão encontrarão um lugar no céu. A vida posterior nos é assegurada se conhecermos a verdade. A alma do homem pode ascender ao céu mais elevado, para lá desenvolver a sua verdadeira natureza espiritual, até alcançar a perfeição. O estado celeste libera o homem das cadeias do pecado e o introduz às beatitudes últimas; o homem justo já experimentou um fim dos pecados e de todas as misérias a ele ligadas. O ego é o inimigo invencível do homem, e manifesta-se nas quatro maiores paixões do homem: a ira, o orgulho, a mentira e a cobiça. A maior vitória do homem é a conquista de si próprio. Quando o homem volta-se para Deus pelo perdão, e quando ele ousa desfrutar dessa liberdade, por meio disso ele libera-se do medo. O homem deveria passar pela vida tratando as criaturas semelhantes suas como ele gostaria de ser tratado”.
131:7.1 (1451.1) Havia pouco tempo que os manuscritos dessa religião do Extremo-Oriente tinham chegado à biblioteca de Alexandria. Era a única religião do mundo de que Ganid nunca tinha ouvido falar. Essa crença também continha remanescentes dos primeiros ensinamentos de Melquisedeque, como nos é mostrado no seguinte resumo:
131:7.2 (1451.2) “O senhor diz: ‘Sois recipientes do meu poder divino; todos os homens desfrutam da minha ministração de misericórdia. Tenho um grande prazer na multiplicação dos homens justos nas terras. Tanto por meio das belezas da natureza quanto das virtudes dos homens, o Príncipe dos Céus busca revelar a si próprio e mostrar a sua natureza reta. Já que os povos antigos não sabiam meu nome, eu me manifestei nascendo no mundo com uma existência visível e me submeti a tal humilhação para que os homens não esquecessem meu nome. Eu sou aquele que fez céu e Terra, sol e lua, e todas as estrelas obedecem à minha vontade. Sou o governante de todas as criaturas nas terras e nos quatro mares. Embora seja grande e supremo, ainda tenho consideração pela prece do homem mais humilde. Se qualquer criatura me adorar, eu ouvirei sua prece e concederei o desejo do seu coração’.
131:7.3 (1451.3) “‘Toda vez que o homem dá lugar à ansiedade, ele fica um passo mais longe de deixar o espírito governar o seu coração’. O orgulho esconde Deus. Se vós quiserdes obter a ajuda celeste, ponde o orgulho de lado; cada traço do orgulho oblitera a luz salvadora, como se fosse uma grande nuvem. Se vós não tendes a retidão dentro de vós, inútil é orar àquele que está do lado de fora. ‘Se escuto vossas preces, é porque vindes a mim com um coração limpo, livre de falsidade e de hipocrisia, com uma alma que reflete a verdade como um espelho. Se quiserdes ganhar a imortalidade, abandonai o mundo e vinde a mim’”.
131:8.1 (1451.4) Os mensageiros de Melquisedeque penetraram bem a fundo na China, e a doutrina de um único Deus tornou-se uma parte dos primeiros ensinamentos de várias religiões chinesas; a que perdurou por mais tempo e que continha a maior parte da verdade monoteísta foi o taoísmo, e Ganid reuniu o seguinte, dos ensinamentos do seu fundador:
131:8.2 (1451.5) “Quão puro e tranqüilo é o Único Supremo e ainda quão forte e poderoso, profundo e insondável! Esse Deus do céu é o honrado ancestral de todas as coisas. Se vós conheceis o Eterno, sois esclarecidos e sábios. Se não conheceis o Eterno, então a ignorância manifesta-se em vós como um mal e desse modo surgem as paixões do pecado. Esse Ser maravilhoso existia antes que existissem os céus e a Terra. Ele é verdadeiramente espiritual; ele permanece único e não muda. Ele de fato é a mãe do mundo e toda a criação move-se em torno dele. Esse Grande Ser distribui-se aos homens e assim capacita-os a elevarem-se e a sobreviverem. Mesmo se alguém não tem senão poucos conhecimentos, ainda assim pode andar nos caminhos do Supremo; pode conformar-se à vontade do céu.
131:8.3 (1452.1) “Todas as boas obras do verdadeiro serviço vêm do Supremo. Todas as coisas dependem da Grande Fonte para viver. O Grande Supremo nada exige para conceder a dádiva da sua outorga. Ele é supremo em poder, e ainda assim permanece escondido dos nossos olhares. Ele transmuta incessantemente os seus atributos ao aperfeiçoar as suas criaturas. A Razão celeste é lenta e paciente nos seus desígnios, mas certa da sua realização. O Supremo abrange todo o universo e o sustenta por inteiro. Quão grande e poderosa é a sua influência transbordante e o seu poder de atração! A verdadeira bondade é como a água, pois abençoa a tudo e não fere ninguém. E, como a água, a verdadeira bondade procura os lugares mais baixos, e até mesmo aqueles níveis que todos evitam e isso porque ela é semelhante ao Supremo. O Supremo cria todas as coisas, nutrindo-as na natureza e perfeccionando-as no espírito. E um mistério, é como o Supremo sustenta, protege e perfecciona a criatura sem obrigá-la. Ele guia e dirige, mas sem imposições. Ele ministra a progressão, mas sem dominação.
131:8.4 (1452.2) “O homem sábio universaliza seu coração. Um conhecimento pequeno é uma coisa perigosa. Aqueles que aspiram à grandeza devem aprender a humilhar a si próprios. Na criação, o Supremo tornou-se mãe do mundo. Conhecer a própria mãe é reconhecer a própria filiação. Aquele que considera todas as partes do ponto de vista do todo é um homem sábio. Relacionai-vos com todos os homens como se estivésseis no lugar deles. Recompensai a injúria por meio da bondade. Se amardes as pessoas, elas aproximar-se-ão de vós — e não tereis nenhuma dificuldade em ganhá-las.
131:8.5 (1452.3) “O Grande Supremo a tudo penetra; ele está na mão esquerda e na direita; ele sustenta toda a criação e reside em todos os seres verdadeiros. Vós não podeis achar o Supremo, nem podeis ir a um lugar onde ele não esteja. Se um homem reconhece o mal das suas ações e arrepende-se de coração do pecado, então ele pode buscar o perdão, pode escapar da punição e pode transformar a calamidade em uma bênção. O Supremo é o refúgio seguro para toda a criação; ele é o guardião e o salvador da humanidade. Caso o buscais diariamente, vós o encontrareis. Já que ele pode perdoar os pecados, ele é de fato muito precioso para todos os homens. Lembrai- vos sempre de que Deus não recompensa o homem pelo que ele faz, mas pelo que ele é; portanto, deveríeis estender a vossa ajuda aos vossos semelhantes sem pensar em recompensa. Fazei o bem sem pensar em benefícios para os vossos egos.
131:8.6 (1452.4) “Aqueles que conhecem as leis do Eterno são sábios. A ignorância da lei divina é a miséria e o desastre. Aqueles que conhecem as leis de Deus têm a mente liberal. Se conhecerdes o Eterno, ainda que o vosso corpo pereça, a vossa alma sobreviverá no serviço do espírito. Vós sereis verdadeiramente sábios se reconhecerdes a vossa insignificância. Se habitardes na luz do Eterno, desfrutareis do esclarecimento do Supremo. Aqueles que dedicam o próprio ser ao serviço do Supremo rejubilam-se nessa busca do Eterno. Quando um homem morre, o espírito começa a fazer o seu longo vôo de viagem para o grande lar”.
131:9.1 (1452.5) Até mesmo a religião que menos reconhecia a Deus, dentre as grandes religiões do mundo, aceitou o monoteísmo dos missionários de Melquisedeque e dos seus sucessores persistentes. O sumário que Ganid fez do confucionismo foi:
131:9.2 (1452.6) “O que o Céu aponta não contém erro. A verdade é real e divina. Tudo se origina no Céu e o Grande Céu não comete erros. O Céu destacou muitos subordinados para ajudarem na instrução e elevação das criaturas inferiores. Grande, bastante grande, é o Único Deus que governa o homem do alto. Deus é majestático em poder e temível em seu juízo. Mas esse Grande Deus conferiu um senso de moral até mesmo a muitos povos inferiores. A abundância do Céu nunca cessa. A benevolência é o dom mais precioso que o Céu dá aos homens. O Céu conferiu sua nobreza à alma do homem; as virtudes do homem são fruto desse dom de nobreza do Céu. O Grande Céu a tudo discerne e fica com o homem em todas as suas ações. E fazemos bem quando chamamos o Grande Céu de nosso Pai e nossa Mãe. Se formos assim, servos dos nossos ancestrais divinos, então podemos fazer uma prece confiante ao Céu. Em todos os tempos e para todas as coisas devemos temer a majestade do Céu. Reconhecemos, Ó Deus, Potentado Mais Alto e soberano, que o julgamento é vosso, e que toda a misericórdia vem do coração divino.
131:9.3 (1453.1) “Deus está conosco e por isso não temos medo nos nossos corações. Se há alguma virtude em mim, esta é a manifestação do Céu que reside em mim. Mas o Céu dentro de mim muitas vezes exige duramente da minha fé. Se Deus está comigo, eu determinei não manter dúvida alguma no meu coração. A fé deve estar muito perto da verdade das coisas e não sei como um homem pode viver sem boa-fé. O bem e o mal não acontecem aos homens sem uma causa. De acordo com seu propósito o Céu lida com a alma do homem. Quando vos achardes no mal, não hesiteis em confessar vossos erros e ser rápidos em emendar-vos.
131:9.4 (1453.2) “Um homem sábio ocupa-se com a busca da verdade, não busca viver meramente. Alcançar a perfeição do Céu é a meta do homem. O homem superior é dado ao auto-ajustamento, e está livre das ansiedades e do medo. Deus está convosco; não tenhais dúvidas no vosso coração. Toda a boa ação tem a sua recompensa. O homem superior não murmura contra o Céu, nem guarda rancor contra os homens. Aquilo que vós não gostais que seja feito a vós, não façais aos outros. Que a compaixão seja parte de toda punição; de todo modo tentai fazer da punição uma bênção. Esse é o caminho do Grande Céu. Enquanto todas as criaturas devem morrer e voltar à terra, o espírito do homem nobre avança para ser exposto no alto e para ascender à luz gloriosa do resplendor final”.
131:10.1 (1453.3) Depois da árdua tarefa de efetuar essa compilação dos ensinamentos das religiões do mundo a respeito do Pai do Paraíso, Ganid estabeleceu para si próprio a tarefa de formular o que ele considerava ser um sumário da crença à qual ele tinha chegado, considerando Deus como um resultado do ensinamento de Jesus. Esse jovem tinha o hábito de referir-se a essas crenças como “a nossa religião”. Esta foi a sua exposição:
131:10.2 (1453.4) “O Senhor nosso Deus é um Senhor único, e vós deveríeis amá-Lo com toda a vossa mente e coração, fazendo o melhor para amardes a todos os Seus filhos como amais a vós próprios. Esse Deus é o nosso Pai celeste, em Quem todas as coisas consistem e que reside, por intermédio do Seu espírito, em todas as almas humanas sinceras. E nós, que somos filhos de Deus, deveríamos aprender a entregar a Ele a guarda das nossas almas, como Criador fiel que é. Para o nosso Pai celeste todas as coisas são possíveis. Já que ele é o Criador, tendo feito todas as coisas e todos os seres, não poderia ser de outra forma. Embora não possamos ver Deus, podemos conhecê-lo. E vivendo cotidianamente segundo a vontade do Pai no céu, podemos revelá-lo aos nossos semelhantes.
131:10.3 (1453.5) “As riquezas divinas do caráter de Deus devem ser infinitamente profundas e eternamente sábias. Nós não podemos procurar a Deus pelo conhecimento, mas podemos conhecê-lo nos nossos corações pela experiência pessoal. Ainda que não possamos compreender a sua justiça, a sua misericórdia pode ser recebida pelo ser mais humilde na Terra. Se bem que o Pai preencha o universo, ele também vive nos nossos corações. A mente do homem é humana, e mortal, mas o espírito do homem é divino, imortal. Deus não é apenas Todo-Poderoso mas também onisciente. Se os nossos pais, cujas tendências naturais podem ser más, sabem como amar seus filhos e conferir boas dádivas a eles, então muito mais o Pai de bondade no céu deverá saber como amar sabiamente os seus filhos na Terra e conferir bênçãos apropriadas a eles.
131:10.4 (1454.1) “O Pai nos céus não deixará que um único filho na Terra pereça, se este filho tiver o desejo de encontrar o Pai e se verdadeiramente quiser ser como ele. O nosso Pai ama até mesmo aos maus e é sempre bom e grato para com os ingratos. Se mais seres humanos pudessem apenas saber sobre a bondade de Deus, eles certamente seriam levados a arrepender-se dos seus maus atos e abandonarem todos os pecados conhecidos. Todas as coisas boas vêm do Pai da luz, em quem não há variabilidade nem sombra de inconstância. O espírito do verdadeiro Deus está no coração do homem. Ele faz com que todos os homens sejam irmãos. Quando os homens começam a sentir-se buscando a Deus, isso é uma evidência de que Deus os encontrou e de que eles estão à procura de conhecimentos sobre ele. Vivemos em Deus e Deus nos reside.
131:10.5 (1454.2) “Não mais me sentirei satisfeito de acreditar que Deus é o Pai de todo o meu povo; doravante eu acreditarei que ele é também o meu Pai. Sempre tentarei adorar a Deus com a ajuda do Espírito da Verdade, que é a minha ajuda quando me houver transformado realmente em um ser conhecedor de Deus. Mas antes de tudo vou praticar a adoração a Deus aprendendo como cumprir a vontade de Deus na Terra, isto é, farei o melhor de mim para tratar a cada um dos meus semelhantes mortais exatamente como eu acho que Deus gostaria que fossem tratados. E quando vivemos essa espécie de vida na carne, podemos pedir muitas coisas a Deus, e ele nos concederá o desejo dos nossos corações para que estejamos mais bem preparados para servir aos nossos irmãos. E todo esse serviço de amor dos filhos de Deus amplia a nossa capacidade de receber e de experimentar as alegrias do céu, o prazer elevado da ministração do espírito do céu.
131:10.6 (1454.3) “Eu agradecerei todos os dias a Deus pelas Suas dádivas inexprimíveis; eu O louvarei pelos Seus trabalhos maravilhosos para os filhos dos homens. Para mim Ele é o Todo-Poderoso, o Criador, o Poder e a Misericórdia, mas, melhor do que tudo, é o Pai espiritual e como seu filho terreno eu avançarei sempre para vê-lo. E o meu tutor me disse que ao procurá-Lo eu me tornarei como Ele. Pela fé em Deus, eu alcancei a paz com Ele. Essa nossa nova religião é bastante cheia de júbilo e gera uma felicidade perene. Estou confiante de que serei fiel até a morte e de que eu certamente receberei a coroa da vida eterna.
131:10.7 (1454.4) “Estou aprendendo a colocar todas as coisas à prova e aderir ao que é bom. Farei ao meu semelhante o que gostaria que fosse feito a mim. Por meio dessa nova fé sei que o homem pode tornar-se filho de Deus, mas algumas vezes me aterrorizo ao pensar que todos os homens são meus irmãos, mas isso deve ser verdade. Não vejo como posso rejubilar com a paternidade de Deus enquanto recusar a aceitar a irmandade dos homens. Todo aquele que chamar pelo nome do Senhor será salvo. Se isso é verdadeiro, então todos os homens devem ser meus irmãos.
131:10.8 (1454.5) “Doravante, eu farei as minhas ações para o bem em silêncio; e também orarei mais, quando estiver a sós. Eu não julgarei para que não seja injusto para com os meus irmãos. Aprenderei a amar os meus inimigos; não tenho ainda essa prática sob a mestria de um controle verdadeiro, a prática de ser como Deus. Embora eu veja Deus nessas outras religiões, encontro Deus na ‘nossa religião’ como sendo mais belo, mais cheio de amor, mais misericordioso, mais pessoal e positivo. Mas mais do que tudo, esse grande e glorioso Ser é o meu Pai espiritual; eu sou o seu filho. E de nenhum outro modo, a não ser pelo meu desejo honesto de ser como ele, eu irei finalmente encontrá-lo e eternamente servir a ele. Pois afinal tenho uma religião com um Deus, um Deus maravilhoso, e um Deus de salvação eterna”.
O Livro de Urântia
Documento 132
132:0.1 (1455.1) POSTO que Gonod trazia saudações dos príncipes da Índia para Tibério, o governante romano, ao terceiro dia depois da sua chegada em Roma, os dois indianos e Jesus apareceram diante dele. O taciturno imperador estava inusitadamente alegre nesse dia e conversou longamente com os três. E, quando eles tinham saído da sua presença, o imperador, referindo-se a Jesus, observou para o ajudante de pé à sua direita: “Se eu tivesse essa sua postura de rei e as maneiras graciosas dele, eu seria um imperador de fato, não é?”
132:0.2 (1455.2) Enquanto estava em Roma, Ganid tinha horas regulares para o estudo e para visitar os lugares de interesse pela cidade. O seu pai tinha muitos negócios para desenvolver e, desejando que o seu filho crescesse para tornar-se um sucessor digno na administração dos seus vastos interesses comerciais, ele julgou chegada a hora de apresentar o rapaz ao mundo dos negócios. Havia muitos cidadãos da Índia em Roma e, freqüentemente, um dos próprios empregados de Gonod acompanhá-lo-ia como intérprete, de modo que Jesus tinha dias inteiros para si próprio; isso deu a ele tempo para conhecer profundamente essa cidade de dois milhões de habitantes. Ele era encontrado freqüentemente no foro, o centro da vida política, legal e dos negócios. Muitas vezes ele ia ao Capitólio e ponderava sobre as algemas da ignorância, à qual os romanos eram submetidos, e, ao mesmo tempo, contemplava esse magnífico templo dedicado a Júpiter, Juno e Minerva. Jesus também passava muito tempo no monte Palatino, onde estavam localizados a residência do imperador, o templo de Apolo e as bibliotecas grega e latina.
132:0.3 (1455.3) Nessa época, o império romano incluía todo o sul da Europa, a Ásia Menor, a Síria, o Egito e o noroeste da África; e a cidadania romana abrangia os habitantes de todos os países do hemisfério Oriental. O seu desejo de estudar e de imiscuir-se nessa agregação cosmopolita dos mortais de Urântia, era a razão principal pela qual Jesus tinha consentido em fazer essa viagem.
132:0.4 (1455.4) Jesus aprendeu muito sobre os homens enquanto estava em Roma, mas a mais valiosa de todas as múltiplas experiências da sua permanência de seis meses naquela cidade foi o seu contato com os líderes religiosos da capital do império, e a influência que teve sobre eles. Antes do fim da primeira semana em Roma, Jesus havia procurado e conhecido os líderes mais qualificados dos cínicos, dos estóicos e dos cultos dos mistérios, em particular o grupo mitraico. Fosse ou não visível para Jesus que os judeus iriam rejeitar a sua missão, ele muito certamente previu que os seus mensageiros deveriam, em breve, vir a Roma para proclamar o Reino do céu; e, assim, da maneira mais surpreendente, ele se pôs a preparar o caminho para a melhor e mais segura recepção da sua mensagem. E escolheu cinco dos líderes estóicos, onze dos cínicos e dezesseis dos líderes dos cultos dos mistérios e passou grande parte do tempo que lhe sobrava, durante quase seis meses, em contato estreito com esses instrutores religiosos. E este foi o seu método de instrução: nunca, uma vez sequer, ele atacou os erros nem mesmo mencionou as imperfeições dos ensinamentos deles. Em cada caso, ele selecionaria a verdade dentro do que eles ensinavam e então trabalharia como que para dar beleza e para iluminar essa verdade nas mentes deles, de um tal modo que, em um tempo muito curto, essa elevação da verdade efetivamente expulsava os erros anteriores; e, desse modo, esses homens e mulheres foram ensinados por Jesus e preparados para o reconhecimento subseqüente de verdades similares e adicionais nos ensinamentos dos primeiros missionários cristãos. Foi essa pronta aceitação dos ensinamentos dos pregadores do evangelho que deu a poder de impulsão para a difusão rápida do cristianismo em Roma e dali para todo o império.
132:0.5 (1456.1) O significado desse feito notável pode ser mais bem compreendido ao reportarmo- nos ao fato de que, desse grupo de trinta e dois líderes religiosos, instruídos por Jesus, em Roma, apenas dois não deram frutos; trinta deles tornaram-se indivíduos fundamentais para a implantação do cristianismo em Roma, e alguns deles colaboraram também para transformar o principal templo mitraico na primeira igreja cristã daquela cidade. Nós, que observamos as atividades humanas por detrás das cenas, e à luz de dezenove séculos de tempo, reconhecemos apenas três fatores como sendo de valor supremo para o pronto estabelecimento do cenário da disseminação rápida do cristianismo por toda Europa, e esses são:
132:0.6 (1456.2) 1. A escolha e a sustentação de Simão Pedro como apóstolo.
132:0.7 (1456.3) 2. A conversa, em Jerusalém, com Estevão, cuja morte levou à conversão de Saulo de Tarso.
132:0.8 (1456.4) 3. Essa preparação preliminar desses trinta romanos para a subseqüente liderança da nova religião em Roma e em todo o império.
132:0.9 (1456.5) Durante todas as suas experiências, nem Estevão nem os trinta escolhidos jamais se deram conta de que, certa vez, haviam falado com o homem cujo nome se tornou o tema dos seus ensinamentos religiosos. A obra de Jesus junto a esses trinta e dois escolhidos, originalmente, foi inteiramente pessoal. Nos seus trabalhos para com esses indivíduos, o Escriba de Damasco nunca se encontrou com mais do que três de uma só vez, raramente com mais do que dois, e mais freqüentemente ele os instruía individualmente. E Jesus podia fazer esse grande trabalho de aperfeiçoamento religioso porque esses homens e mulheres não eram presos às tradições; eles não eram vítimas de preconceitos estabelecidos quanto a desenvolvimentos religiosos futuros.
132:0.10 (1456.6) Muitas foram as vezes nos anos que logo se seguiram, nos quais Pedro, Paulo e os outros instrutores cristãos em Roma ouviram sobre esse Escriba de Damasco; o qual os havia precedido e que tinha tão obviamente (mas não involuntariamente, como eles supunham) preparado o caminho para a vinda deles com o novo evangelho. Embora Paulo nunca realmente tenha suspeitado da identidade desse Escriba de Damasco, pouco tempo antes da sua morte, e por causa das semelhanças entre algumas descrições pessoais, ele chegou à conclusão de que “o fazedor de tendas da Antioquia” era também o “Escriba de Damasco”. Numa ocasião, enquanto pregava em Roma, Simão Pedro, ao ouvir uma descrição do Escriba de Damasco, conjecturou que esse indivíduo poderia ter sido Jesus, mas rapidamente descartou a idéia, sabendo muito bem (assim pensava ele) que o Mestre nunca tinha estado em Roma.
132:1.1 (1456.7) Foi com Angamon, o líder dos estóicos, que Jesus teve uma conversa de uma noite inteira, nos primeiros dias da sua estada em Roma. Esse homem subseqüentemente tornou-se um grande amigo de Paulo e acabou sendo um dos fortes sustentáculos da igreja cristã em Roma. Em essência, e restaurado em frases modernas, eis o que Jesus ensinou a Angamon:
132:1.2 (1457.1) O critério para os verdadeiros valores deve ser buscado no mundo espiritual e nos níveis divinos da realidade eterna. Para um mortal ascendente, todos os padrões inferiores e materiais devem ser reconhecidos como transitórios, parciais e inferiores. O cientista, enquanto tal, fica limitado à descoberta da relação entre os fatos materiais. Enquanto cientista, ele não tem o direito de asseverar ser nem materialista nem idealista. Se fizer uma tal escolha, ele estará abandonando a sua posição de cientista verdadeiro; pois qualquer afirmação dessa ordem só cabe mesmo à essência da filosofia.
132:1.3 (1457.2) A menos que o discernimento moral e o nível da realização espiritual da humanidade sejam elevados proporcionalmente, o avanço ilimitado de uma cultura puramente materialista pode, afinal, tornar-se uma ameaça para a civilização. Uma ciência puramente materialista abriga, dentro de si mesma, a semente potencial da destruição de todo o esforço científico, pois essa mesma atitude pressagia o colapso final de uma civilização que teria abandonado o seu senso de valores morais e que teria repudiado a sua meta de alcance na realização espiritual.
132:1.4 (1457.3) O cientista materialista e o idealista extremista estão destinados sempre a estarem em extremos opostos. Isso não é verdade para aqueles cientistas e idealistas que estão de posse de um padrão comungado de altos valores morais e de um alto nível de comprovação espiritual. Em todas as épocas, os cientistas e os religiosos deveriam reconhecer que estão sendo postos à prova perante o tribunal da necessidade humana. Eles devem abster-se de todo guerrear entre si próprios, enquanto valentemente lutam para justificar a sua sobrevivência contínua por meio de uma elevada devoção a serviço do progredir humano. Se a chamada ciência ou a religião de qualquer época é falsa, então, ou ela deve purificar as suas atividades ou desaparecerá diante do surgimento de uma ciência material ou de uma religião espiritual de uma ordem mais verdadeira e mais condigna.
132:2.1 (1457.4) Mardus era o líder reconhecido dos cínicos de Roma e tornou-se um grande amigo do Escriba de Damasco. Dia após dia, conversava com Jesus e, noite após noite, ele escutava os seus ensinamentos supernos. Entre as mais importantes argumentações com Mardus esteve aquela destinada a responder à pergunta desse sincero cínico sobre o bem e o mal. Na linguagem deste século, em essência, eis o que Jesus disse:
132:2.2 (1457.5) Meu irmão, o bem e o mal são meramente palavras a simbolizar os níveis relativos da compreensão humana do universo observável. Se tu és eticamente ocioso e socialmente indiferente, tu podes tomar como o teu padrão de bem tudo o que é do uso social corrente. Se tu és espiritualmente indolente e se não tens aspirações de progresso moral, tu podes tomar como padrões do bem as práticas religiosas e as tradições dos teus contemporâneos. Mas, a alma que sobrevive no tempo e que emerge para a eternidade deve fazer uma escolha viva e pessoal entre o bem e o mal, tal como são determinados pelos valores verdadeiros dos padrões espirituais estabelecidos pelo espírito divino, que o Pai nos céus enviou para residir dentro do coração do homem. Esse espírito residente é o padrão de sobrevivência da personalidade.
132:2.3 (1457.6) A bondade, como a verdade, é sempre relativa e, infalivelmente, contrasta com o mal. É a percepção dessas qualidades de bondade e de verdade que capacita as almas em evolução dos homens a tomar aquelas decisões pessoais cujas escolhas são essenciais para a sobrevivência eterna.
132:2.4 (1458.1) O indivíduo espiritualmente cego que, com a sua lógica, segue o ditame científico, o uso social e o dogma religioso, permanece no grave perigo de sacrificar a sua liberdade moral e de perder a sua liberdade espiritual. Tal alma está destinada a tornar-se um papagaio intelectual, um autômato social e um escravo das autoridades religiosas.
132:2.5 (1458.2) A bondade está sempre ascendendo a novos níveis crescentes de liberdade, de auto-realização moral e de realização da personalidade espiritual — a descoberta do Ajustador residente e a identificação com ele. Uma experiência é boa quando eleva a apreciação da beleza, aumenta a vontade moral, realça o discernimento da verdade, amplia a capacidade de amar e servir aos semelhantes, exalta os ideais espirituais e unifica os motivos humanos supremos, no tempo, com os planos eternos do Ajustador residente, todos os quais conduzem diretamente a um desejo maior de fazer a vontade do Pai; e isso nutre a paixão divina de encontrar Deus e de ser mais como Ele.
132:2.6 (1458.3) À medida que ascenderdes na escala do desenvolvimento da criatura no universo, vós encontrareis uma bondade crescente e uma diminuição do mal, na perfeita concordância com a vossa capacidade para a experiência da bondade e discernimento da verdade. A capacidade de manter o erro ou de experimentar o mal não ficará totalmente perdida, até que a alma humana ascendente alcance níveis espirituais finais.
132:2.7 (1458.4) A bondade é viva, relativa, sempre em progressão, é uma experiência invariavelmente pessoal e eternamente correlacionada ao discernimento da verdade e da beleza. A bondade é encontrada no reconhecimento dos valores positivos da verdade, no nível espiritual, que devem, na experiência humana, se contrastar com a sua contraparte negativa — as sombras do mal potencial.
132:2.8 (1458.5) Enquanto não alcançardes os níveis do Paraíso, a bondade será sempre mais uma busca do que uma posse, mais uma meta do que uma experiência de realização. No entanto, tendo fome e sede da retidão, vós experimentareis uma satisfação crescente ao alcançar parcialmente a bondade. A presença da bondade e do mal no mundo é, em si mesma, uma prova evidente da existência e da realidade da vontade moral do homem, da personalidade, que assim identifica esses valores e é também capaz de escolher entre eles.
132:2.9 (1458.6) À época em que o mortal ascendente alcançar o Paraíso, a sua capacidade de identificar o eu com os verdadeiros valores do espírito ter-se-á tornado tão ampliada que resultará na realização da perfeição na posse da luz da vida. Tal personalidade espiritual, assim aperfeiçoada, torna-se tão integral, divina e espiritualmente unificada com as qualidades positivas e supremas da bondade, da beleza e verdade, que não resta nenhuma possibilidade de que tal espírito justo e reto possa projetar qualquer sombra negativa de mal potencial quando exposto à luminosidade penetrante da luz divina dos Soberanos infinitos do Paraíso. Em todas essas personalidades espirituais, a bondade não mais é parcial, contrastante e comparativa; ela tornou-se divinamente completa e espiritualmente suficiente; ela aproxima-se da pureza e da perfeição do Supremo.
132:2.10 (1458.7) Para que possa haver a escolha moral, a possibilidade do mal é necessária, mas não a realidade do mal. Uma sombra é apenas relativamente real. O mal real não é necessário como uma experiência pessoal. O mal potencial atua igualmente bem, como um estímulo para a decisão, nos domínios de progressão moral e nos níveis inferiores do desenvolvimento espiritual. O mal se transforma em uma realidade da experiência pessoal, apenas quando uma mente moral faz dele a sua escolha.
132:3.1 (1459.1) Nabon, um judeu grego, era o primeiro entre os líderes do principal culto dos mistérios em Roma, o mitraico. Ainda que esse alto sacerdote do mitraísmo tenha tido muitas conferências com o Escriba de Damasco, ele foi influenciado de um modo mais permanente pela conversa que eles tiveram, certa noite, sobre a verdade e a fé. Nabon havia pensado em fazer de Jesus um convertido e chegou mesmo a sugerir que ele retornasse à Palestina como um instrutor mitraico. Ele mal percebera que Jesus o estava preparando para transformar-se em um dos primeiros convertidos ao evangelho do Reino. E, reformulada em uma maneira moderna de dizer, a essência do ensinamento de Jesus é a seguinte:
132:3.2 (1459.2) A verdade não pode ser definida por palavras, apenas vivendo-a. A verdade é sempre mais do que conhecimento. O conhecimento é pertinente às coisas observadas, mas a verdade transcende esses níveis puramente materiais, no sentido em que ela se harmoniza com a sabedoria e abrange coisas imponderáveis tais como a experiência humana e, mesmo, a realidade espiritual e viva. O conhecimento tem origem na ciência; a sabedoria, na verdadeira filosofia; a verdade, na experiência religiosa da vida espiritual. O conhecimento lida com os fatos; a sabedoria, com as relações; a verdade, com os valores da realidade.
132:3.3 (1459.3) O homem tende a cristalizar a ciência, a formular a filosofia e a dogmatizar a verdade, porque ele é mentalmente preguiçoso, porque tem de ajustar-se às lutas progressivas da vida, e, ao mesmo tempo, tem também um medo terrível do desconhecido. O homem natural é lento para dar início às mudanças dos seus hábitos de pensar e das suas técnicas de viver.
132:3.4 (1459.4) A verdade revelada, a verdade pessoalmente descoberta, é o supremo deleite da alma humana; é uma criação conjunta da mente material e do espírito residente. A salvação eterna, para essa alma que discerne a verdade e que ama a beleza, fica assegurada por aquela fome e sede de bondade, que levam esse mortal a desenvolver uma unicidade no propósito de fazer a vontade do Pai, de encontrar Deus e de tornar-se como Ele. Nunca há conflito entre o verdadeiro conhecimento e a verdade. Pode haver conflito entre o conhecimento e as crenças humanas, crenças matizadas pelo preconceito, distorcidas pelo medo e dominadas pelo pavor de encarar os fatos novos de uma descoberta material ou do progresso espiritual.
132:3.5 (1459.5) A verdade, contudo, nunca pode tornar-se uma posse do homem fora do exercício da fé. E isso é verdade porque os pensamentos, a sabedoria, a ética e os ideais do homem nunca se elevarão mais alto do que a sua fé, a sua esperança sublime. E toda essa fé verdadeira é baseada na reflexão profunda, na autocrítica sincera e na consciência moral descomprometida. A fé é a inspiração da imaginação criativa impregnada pelo espírito.
132:3.6 (1459.6) A fé atua no sentido de liberar as atividades supra-humanas na chama divina, o germe imortal que vive dentro da mente do homem e que é o potencial da sobrevivência eterna. As plantas e os animais sobrevivem no tempo pela técnica de passar, de uma geração a outra, partículas idênticas de si próprios. A alma (a personalidade) do homem sobrevive à morte do corpo pela associação de identidade com essa chama residente de divindade, a qual é imortal e funciona para perpetuar a personalidade humana em um nível de continuidade mais elevado da existência em progressão no universo. A semente oculta, da alma humana, é um espírito imortal. A segunda geração da alma é a primeira de uma sucessão de manifestações da personalidade, de existências espirituais e progressivas, terminando apenas quando essa entidade divina alcança a fonte da sua existência, a fonte pessoal de toda a existência, Deus, o Pai Universal.
132:3.7 (1459.7) A vida humana continua — sobrevive — porque tem uma função no universo: a missão de encontrar Deus. A alma do homem, ativada pela fé, não pode parar antes de atingir essa meta de destino; e, uma vez atingida essa meta divina, a alma não pode jamais acabar porque se terá tornado como Deus — eterna.
132:3.8 (1460.1) A evolução espiritual é uma experiência de escolha crescente e voluntária da bondade, acompanhada de uma diminuição igual e progressiva da possibilidade do mal. Com a realização da finalidade da escolha pela bondade e por uma completa capacidade para a apreciação da verdade, vem à existência uma perfeição de beleza e de santidade cuja retidão inibe eternamente a possibilidade da emergência até mesmo do conceito do mal potencial. Essa alma conhecedora de Deus não projeta nenhuma sombra de dúvida do mal, quando funcionando em um nível tão elevado de bondade divina.
132:3.9 (1460.2) A presença do espírito do Paraíso na mente do homem constitui uma promessa de revelação e uma promessa de fé em uma existência eterna de progressão divina para toda alma que busca encontrar a identidade com o espírito imortal residente, o fragmento do Pai Universal.
132:3.10 (1460.3) A característica do progredir no universo é a liberdade cada vez maior da personalidade, porque a liberdade está associada ao alcance de níveis progressivos cada vez mais elevados da autocompreensão, bem como da auto-restrição voluntária conseqüente. O alcançar da perfeição, na auto-restrição espiritual, iguala-se ao completar da liberdade no universo e à libertação pessoal. A fé encoraja e mantém a alma em meio à confusão dessa orientação inicial, em um universo tão vasto, enquanto a prece transforma-se na grande unificadora das várias inspirações da imaginação criativa e dos impulsos dados pela fé, dentro de uma alma que tenta identificar-se com os ideais do espírito da presença divina residente e solidária.
132:3.11 (1460.4) Nabon ficou bastante bem impressionado com essas palavras, como estivera, no mais, com todas as conversas que tinha tido com Jesus. Essas verdades continuaram a arder no fundo do seu coração e ele foi de muita ajuda para os pregadores do evangelho de Jesus, a chegarem posteriormente.
132:4.1 (1460.5) Enquanto esteve em Roma, Jesus não devotou todo o seu lazer ao trabalho de preparar homens e mulheres para tornarem-se os futuros discípulos do Reino que estava para vir. Grande parte do tempo ele gastou também para ganhar um conhecimento aprofundado de todas as raças e classes de homens que viviam nesta que era a maior e a mais cosmopolita cidade do mundo. Em cada um desses inúmeros contatos humanos, Jesus tinha um duplo propósito: desejava conhecer as reações deles à vida que estavam vivendo na carne e estava também com a mente pronta a dizer ou fazer algo que tornasse tal vida mais rica e mais digna de ser vivida. Os seus ensinamentos religiosos, durante essas semanas, não foram diferentes daqueles que caracterizaram a sua vida posterior, como instrutor dos doze e pregador das multidões.
132:4.2 (1460.6) A ênfase da sua mensagem estava no amor do Pai celeste e na verdade da misericórdia Dele, combinados às boas-novas de que o homem é um filho de fé desse mesmo Deus de amor. A tática usual de Jesus para o contato social era levar as pessoas a falarem com ele, fazendo perguntas a elas. A entrevista começava, via de regra, com ele fazendo perguntas aos semelhantes, e terminava com eles fazendo perguntas a Jesus. Ele era adepto igualmente de ensinar, fosse perguntando, fosse respondendo perguntas. Via de regra, aos que ele ensinava mais, ele tinha dito o mínimo. Aqueles que retiravam um benefício maior da sua ministração pessoal eram os mortais sobrecarregados, ansiosos e tristes que sentiam muito alívio com a oportunidade de descarregar as suas almas sobre um ouvinte simpático e compreensivo; e Jesus era tudo isso e mais. E, quando tais seres humanos desajustados haviam contado a Jesus sobre os seus problemas, ele era sempre capaz de oferecer sugestões práticas e de socorro rápido, visando a correção das reais dificuldades deles, sem esquecer-se de uma palavra de verdadeiro conforto e de consolo imediato. E, invariavelmente, ele falaria a esses mortais angustiados sobre o amor de Deus e ministrava a eles, por vários e diferentes métodos, informando- lhes de que eles eram filhos desse Pai do céu, pleno de amor.
132:4.3 (1461.1) Desse modo, durante a permanência em Roma, Jesus pessoalmente teve um contato de afeição e de elevação com mais de quinhentos mortais do reino. Assim, ganhava um conhecimento das diferentes raças da humanidade, que nunca teria adquirido em Jerusalém nem mesmo facilmente em Alexandria. Ele sempre considerou esses seis meses como um período dos mais ricos e mais cheios de informações, entre todos os períodos semelhantes da sua vida terrena.
132:4.4 (1461.2) Como poderia ser esperado, um homem tão versátil e ativo não poderia atuar assim por seis meses, na metrópole do mundo, sem ser abordado por numerosas pessoas que desejavam assegurar os seus serviços para certos assuntos ou, mais freqüentemente, para algum projeto de ensino, de uma reforma social ou de um movimento religioso. Ele recebeu mais de uma dúzia de propostas dessa ordem, e utilizou cada uma como uma oportunidade para transmitir algum pensamento de enobrecimento espiritual por intermédio de palavras bem escolhidas ou pela prestação de algum serviço. Jesus gostava bastante de fazer coisas — ainda que fossem pequenas — para todas as espécies de pessoas.
132:4.5 (1461.3) Ele conversou com um senador romano sobre a política e os assuntos do estado, e esse contato com Jesus causou uma tal impressão nesse legislador que ele passou o resto da sua vida tentando, em vão, induzir os seus colegas a mudar o curso da política em vigor, da idéia do governo sustentando e alimentando o povo, para aquela do povo apoiando e sustentando o governo. Jesus passou uma noite com um abastado dono de escravos, falando dos homens como filhos de Deus e, no dia seguinte, esse homem, Cláudio, deu liberdade a cento e dezessete escravos. Jesus foi jantar com um médico grego e disse-lhe que os seus pacientes, além de terem mentes, tinham almas, tanto quanto corpos; e, assim, ele conduziu esse competente doutor a conseguir ajudar mais abertamente os seus semelhantes. Ele conversou com todas as espécies de pessoas, em todos os caminhos da vida. O único lugar em Roma que ele não visitou foi o banho público. Jesus recusou-se a acompanhar os seus amigos aos banhos, por causa da promiscuidade sexual ali predominante.
132:4.6 (1461.4) Para um soldado romano, enquanto caminhavam ao longo do rio Tibre, ele disse: “Que o teu coração seja tão valente quanto o teu punho. Ousa fazer justiça e ser grande o suficiente para demonstrar misericórdia. Obriga a tua natureza mais baixa a obedecer a tua natureza mais elevada, como tu obedeces aos teus superiores. Reverencia a bondade e exalta a verdade. Escolha o belo em lugar do feio. Ama os teus semelhantes e busca a Deus com plenitude de coração, pois Deus é o teu Pai no céu”.
132:4.7 (1461.5) Ao orador no fórum, Jesus disse: “A tua eloqüência é aprazível, a tua lógica é admirável, a tua voz é agradável, mas o teu ensinamento dificilmente é verdadeiro. Se tu pudesses apenas gozar da satisfação inspiradora de conhecer a Deus, como o teu Pai espiritual, então tu poderias empregar os teus poderes de oratória para libertar os teus semelhantes da sujeição às trevas e da escravidão à ignorância”. E esse foi o mesmo Marcos que ouviu Pedro pregando em Roma e tornou-se o seu sucessor. Quando eles crucificaram Simão Pedro, foi esse o homem que desafiou os perseguidores romanos e que corajosamente continuou a pregar o novo evangelho.
132:4.8 (1462.1) Tendo conhecido um homem pobre que tinha sido falsamente acusado, Jesus foi com ele perante o magistrado, e, tendo recebido permissão especial para falar em nome dele, fez aquele soberbo discurso no qual ele disse: “A justiça faz grande uma nação, e quanto maior é uma nação tanto mais solícita será para cuidar de que a injustiça não ocorra, até mesmo ao seu mais humilde cidadão. Infeliz de qualquer nação, quando apenas aqueles que possuem dinheiro e influência podem assegurar-se da pronta justiça perante as suas cortes! É dever sagrado de um magistrado absolver o inocente, bem como punir o culpado. A permanência de uma nação depende da imparcialidade, da justiça e da integridade das suas cortes. O governo civil funda-se na justiça, como a verdadeira religião funda-se na misericórdia”. O juiz reabriu o caso e, depois de apuradas as evidências, libertou o prisioneiro. De todas as atividades de Jesus, durante esses dias de ministração pessoal, nessa, ele chegou a estar o mais próximo de uma intervenção pública.
132:5.1 (1462.2) Um certo homem rico, um cidadão romano estóico, tornou-se bastante interessado nos ensinamentos de Jesus, tendo sido apresentado por Angamon. Depois de muitas conversas pessoais, esse cidadão abastado perguntou a Jesus o que ele faria com a riqueza se ele a tivesse, e Jesus respondeu-lhe: “Eu consagraria a riqueza material à elevação da vida material, como também ministraria conhecimentos, sabedoria e serviço espiritual para o enriquecimento da vida intelectual, para o enobrecimento da vida social e o avanço da vida espiritual. Eu administraria a riqueza material como um depositário sábio e eficaz dos recursos de uma geração e para o benefício e o enobrecimento das gerações próximas e subseqüentes”.
132:5.2 (1462.3) O homem rico, contudo, não ficou totalmente satisfeito com a resposta de Jesus. Ele ousou perguntar de novo: “Mas o que tu pensas que um homem, na minha posição, deveria fazer com a sua riqueza? Deveria eu mantê-la ou distribuí-la?” E quando percebeu que ele realmente desejava saber mais sobre a verdade da sua lealdade a Deus e sobre o seu dever para com os homens, Jesus desenvolveu a sua resposta: “Percebo, meu bom amigo, que és um buscador sincero da sabedoria e amante honesto da verdade; assim sendo, estou disposto a colocar diante de ti minha visão da solução para os teus problemas, no que eles têm a ver com as responsabilidades da riqueza. Faço isso porque pediste meu conselho e, ao darte esse conselho, não me ocupo da riqueza de nenhum outro homem rico; estou oferecendo esse conselho apenas a ti e para a tua orientação pessoal. Se desejares honestamente considerar tua fortuna como uma responsabilidade, se queres transformar-te em um administrador sábio e eficiente dos teus bens acumulados, então eu te aconselharia a fazer a seguinte análise das fontes de tuas riquezas: pergunta a ti próprio, e faz o melhor para encontrar a resposta honesta: de onde veio essa riqueza? E, como ajuda no estudo das fontes da tua grande fortuna, eu sugeriria que tivesses em mente os dez métodos diferentes de acumular a riqueza material:
132:5.3 (1462.4) “1. A riqueza herdada — riquezas que se originam de pais e de outros ancestrais.
132:5.4 (1462.5) “2. A riqueza descoberta — riquezas que vieram de recursos não cultivados da mãe Terra.
132:5.5 (1462.6) “3. A riqueza do comércio — riquezas obtidas pelo lucro justo na troca e no intercâmbio de bens materiais.
132:5.6 (1462.7) “4. A riqueza indevida — riquezas que se derivaram de uma exploração injusta ou da escravização do semelhante.
132:5.7 (1463.1) “5. A riqueza dos juros — a renda proveniente das justas e honestas possibilidades de ganho do capital investido.
132:5.8 (1463.2) “6. A riqueza do gênio — riquezas provindas de recompensas de dons criativos e inventivos da mente humana.
132:5.9 (1463.3) “7. A riqueza acidental — riquezas que se derivam da generosidade de um semelhante ou que têm origem nas circunstâncias da vida.
132:5.10 (1463.4) “8. A riqueza roubada — riquezas asseguradas pela injustiça, a desonestidade, o roubo ou a fraude.
132:5.11 (1463.5) “9. A riqueza de fundos — riquezas colocadas nas tuas mãos pelos teus semelhantes para algum uso específico, agora ou no futuro.
132:5.12 (1463.6) “10. A riqueza ganha — riquezas derivadas diretamente de teu próprio trabalho pessoal, a recompensa justa e honesta dos esforços diários de tua mente e teu corpo.
132:5.13 (1463.7) “E assim, meu amigo, se quiseres ser um administrador fiel e justo da tua grande fortuna, perante Deus e no serviço dos homens, tu deves dividir aproximadamente os teus bens nessas dez grandes divisões e, então, continuar a administrar cada porção de acordo com a interpretação sábia e honesta das leis da justiça, da eqüidade, da probidade e da verdadeira eficiência; embora o Deus no céu não irá condenar-te se, algumas vezes, tu errares nas situações duvidosas, quanto à consideração da misericórdia e da generosidade para com a infelicidade das vítimas sofridas em circunstâncias desafortunadas da vida mortal. Quando tiveres dúvida séria e sincera sobre a eqüidade e a justiça das situações materiais, que as tuas decisões favoreçam aqueles que estão em necessidade, que favoreçam aqueles que sofrem da infelicidade de privações imerecidas”.
132:5.14 (1463.8) Após discutirem sobre essas questões por várias horas, e em resposta ao pedido de uma instrução com mais e maiores detalhes, feito pelo homem rico, Jesus passou a ampliar o seu conselho, dizendo em essência: “Ao oferecer-te mais sugestões para a atitude a tomar para com a riqueza, eu deveria admoestar-te a receber meu conselho como dado a ti e para tua orientação pessoal. Falo apenas por mim próprio e para ti, o amigo que me pergunta. E te convoco a não te transformar em um ditador de como devem os outros homens ricos considerar suas riquezas. Assim, te aconselharia:
132:5.15 (1463.9) “1. Como administrador da riqueza herdada deverias considerar as suas fontes. Tu estás sob a obrigação moral de representar a geração passada na transmissão honesta da riqueza legítima às gerações que se sucedem, depois de subtraíres uma taxa justa, em benefício da geração atual. Entretanto, não és obrigado a perpetuar nenhuma desonestidade ou injustiça, que tiver sido envolvida na acumulação injusta dessa riqueza, ainda que cometida pelos teus ancestrais. Qualquer porção da tua riqueza herdada que resulta como sendo proveniente de fraude ou de injustiça, tu podes desembolsar de acordo com as tuas convicções de justiça, generosidade e restituição. Quanto ao remanescente da tua legítima riqueza herdada podes fazer uso com eqüidade e transmiti-lo, em segurança, como curador, de uma geração para a outra. A discriminação sábia e o julgamento sadio deveriam ditar as tuas decisões quanto ao legado das riquezas para os teus sucessores.
132:5.16 (1463.10) “2. Todo aquele que desfruta de riqueza obtida pelas descobertas deveria lembrar-se de que um indivíduo só pode viver na Terra senão por um curto período de tempo e deveria, por isso, fazer a provisão adequada ao compartilhamento dessas descobertas para o bem do maior número possível de semelhantes seus. Ainda que ao descobridor não devesse ser negada uma recompensa pelos esforços da descoberta, não deveria ele pretender, egoisticamente, reclamar exclusividade sobre todas as vantagens e bênçãos derivadas da revelação dos recursos acumulados pela natureza.
132:5.17 (1464.1) “3. Se os homens escolherem conduzir os negócios por meio do comércio e da troca, eles terão direito a um lucro justo e legítimo. Todo comerciante merece pagamento para os seus serviços; o mercador tem direito ao seu salário. A eqüidade no comércio e um tratamento honesto conferido a um semelhante, nos negócios organizados do mundo, criam muitas espécies diferentes de riquezas de lucros e todas essas fontes de riquezas devem ser julgadas pelos mais altos princípios da justiça, honestidade e eqüidade. O comerciante honesto não deveria hesitar em ter o mesmo lucro que, com contentamento, ele daria ao seu companheiro comerciante em uma transação semelhante. Ainda que essa espécie de riqueza não seja idêntica à renda individualmente ganha, quando os negócios são conduzidos em uma larga escala, ao mesmo tempo, tais riquezas honestamente acumuladas dotam o seu possuidor de uma eqüidade considerável quanto a ter voz ativa na sua subseqüente redistribuição.
132:5.18 (1464.2) “4. Nenhum mortal sabedor de Deus e que busca fazer a vontade divina pode rebaixar-se ao engajamento em opressões por meio da riqueza. Nenhum homem nobre esforçar-se-á para ajuntar riquezas e acumular o poder da riqueza, se feita sobre a escravidão ou exploração injusta dos seus irmãos na carne. As riquezas são uma maldição moral e um estigma espiritual quando provenientes do suor de homens mortais sob opressão. Toda essa riqueza deveria ser devolvida àqueles que nisso foram roubados. ou aos filhos ou netos deles. Uma civilização perdurável não pode ser construída sobre a prática da espoliação do salário do trabalhador.
132:5.19 (1464.3) “5. A riqueza honesta tem direito aos juros. Desde que os homens emprestem e tomem emprestado, aquilo que são os juros justos pode ser recebido desde que o capital emprestado provenha de riqueza legítima. Primeiro, purifica o teu capital antes de reivindicar os juros. Não sejas tão pequeno e ávido a ponto de rebaixar-te à prática da usura. Nunca te permitas ser tão egoísta a ponto de empregar o poder do dinheiro para obter vantagens injustas sobre o teu companheiro que labuta. Não cedas à tentação de exigir juros usurários do teu irmão em desespero financeiro.
132:5.20 (1464.4) “6. Se por acaso conseguires a riqueza por meio dos arroubos do gênio, se as tuas riquezas provêm de recompensas de dons inventivos, não reivindiques uma parte injusta como remuneração. O gênio deve um pouco, tanto aos seus ancestrais quanto à sua progênie; e do mesmo modo ele deve obrigação à raça, à nação e às circunstâncias das suas descobertas inventivas; deveria também se lembrar de que foi como um homem entre os homens que trabalhou e completou as suas invenções. Seria igualmente injusto privar o gênio de todo o aumento da sua riqueza. E será sempre impossível aos homens estabelecer leis e regras aplicáveis igualmente a todos esses casos de distribuição equânime da riqueza. Deves primeiro reconhecer o homem como teu irmão, e, se desejares honestamente fazer por ele como gostarias que fizesse por ti, os imperativos comuns da justiça, da honestidade e da probidade te guiarão no estabelecimento justo e imparcial e na liquidação de todo problema que surgir da recompensa econômica e justiça social.
132:5.21 (1464.5) “7. Exceto pelas taxas justas e legítimas ganhas pela administração, nenhum homem deveria fazer reivindicação pessoal sobre a fortuna que o tempo e o acaso fizeram cair nas suas mãos. As riquezas acidentais deveriam ser consideradas mais sob a luz de serem um depósito a ser gasto para o benefício do próprio grupo social ou econômico. Aos possuidores de uma tal fortuna deveria ser consentida apenas maior voz ativa na determinação da distribuição sábia e efetiva desses recursos pelos quais não trabalharam. O homem civilizado não deveria sempre considerar tudo o que ele controla como sendo sua posse pessoal e privada.
132:5.22 (1465.1) “8. Se alguma parte da tua fortuna é consabidamente proveniente de fraudes, se algo da tua riqueza foi acumulado por práticas desonestas ou métodos injustos; se as tuas riquezas são o produto de negociações injustas com os teus semelhantes, apressa-te a restituir todos esses ganhos obtidos de modo desonesto aos seus devidos proprietários. Faz correções completas e, assim, purifica a tua fortuna de todas as riquezas desonestas.
132:5.23 (1465.2) “9. A gestão da riqueza que uma pessoa faz, para o benefício de outrem, é uma responsabilidade solene e sagrada. Não coloques em risco nem em perigo essa gestão. Extrai para ti próprio, ao gerir qualquer desses bens, apenas aquilo que todos os homens honestos permitiriam.
132:5.24 (1465.3) “10. Aquela parte da tua fortuna que representa os ganhos dos teus próprios esforços mentais e físicos — se o teu trabalho tem sido feito com justiça e eqüidade — verdadeiramente te pertence. Nenhum homem pode impugnar o teu direito de manter e usar tal riqueza da forma como tu julgares adequada, desde que o teu exercício desse direito não cause dano aos teus semelhantes”.
132:5.25 (1465.4) Quando Jesus tinha terminado de dar-lhe os conselhos, esse abastado romano levantou-se do seu sofá e, despedindo-se por aquela noite, fez a si próprio a promessa: “Meu bom amigo, percebo que és um homem de grande sabedoria e muita bondade; assim, amanhã eu começarei a administração de todos os meus bens conforme o teu conselho”.
132:6.1 (1465.5) Em Roma também aconteceu aquele acidente comovente em que o Criador de um universo passou várias horas devolvendo uma criança perdida à sua mãe ansiosa. Essa criança pequena havia-se afastado da sua casa, e Jesus encontrou o menino chorando em desespero. Ele e Ganid estavam a caminho das bibliotecas, mas dedicaram-se a levar o pequenino de volta para casa. Ganid nunca se esqueceu do comentário de Jesus: “Tu sabes, Ganid, a maioria dos seres humanos são como esse menininho perdido. Eles passam grande parte do seu tempo chorando de medo e sofrendo na tristeza, quando, na verdade, eles estão a uma curta distância da salvação e da segurança, a uma curta distância de casa, como estava esse menino. E todos aqueles que sabem o caminho da verdade e que gozam da segurança de conhecer a Deus deveriam considerar um privilégio, não um dever, poder oferecer orientação aos seus semelhantes, nos esforços que eles fazem para encontrar as satisfações da vida. Pois não sentimos nós uma alegria suprema nesse serviço de devolver a criança à sua mãe? Assim, aqueles que conduzem os homens a Deus, experimentaram a satisfação suprema de servir aos homens”. E, daquele dia em diante, pelo resto da sua vida natural, Ganid permaneceu continuamente na busca de crianças perdidas a quem ele pudesse devolver às suas casas.
132:6.2 (1465.6) Havia a viúva com cinco filhos, cujo marido tinha sido morto acidentalmente. Jesus contou a Ganid sobre a perda do seu próprio pai, por um acidente, e eles foram repetidamente confortar a essa mãe e os seus filhos, e Ganid solicitou dinheiro a seu pai para dar-lhe comida e roupas. Eles não descansaram nos seus esforços enquanto não encontraram um trabalho para o menino mais velho, de modo que ele pudesse ajudar a cuidar da família.
132:6.3 (1465.7) Naquela noite, Gonod escutou a narrativa dessas experiências e disse a Jesus, com bonomia: “Eu proponho fazer do meu filho um homem de conhecimento ou um homem de negócios, e agora tu começas a fazer dele um filósofo ou um filantropo”. E Jesus sorridente respondeu: “Talvez nós façamos dele todos os quatro; e então ele poderá desfrutar de uma satisfação quadruplicada na vida, pois o seu ouvido para o reconhecimento da melodia humana será capaz de reconhecer quatro tons em vez de um”. E então Gonod disse: “Percebo que tu és realmente um filósofo. Tu deves escrever um livro para as gerações futuras”. E Jesus replicou: “Não um livro — a minha missão é viver uma vida nesta geração e para todas as gerações. Eu...”. Mas parou, dizendo a Ganid: “Meu filho, é hora de recolhermo-nos”.
132:7.1 (1466.1) Jesus, Gonod, e Ganid fizeram cinco viagens para fora de Roma, até pontos de interesse, em territórios vizinhos. Na sua visita aos lagos italianos, ao norte, Jesus teve uma longa conversa com Ganid a respeito da impossibilidade de ensinar a um homem sobre Deus, se o homem não deseja saber de Deus. Eles tinham encontrado casualmente um pagão irrefletido durante essa viagem aos lagos, e Ganid ficou surpreso de que Jesus não seguiu a sua prática usual de atrair o homem para uma conversa que naturalmente conduziria ao discorrer sobre as questões espirituais. Quando Ganid perguntou ao seu Mestre por que ele demonstrara tão pouco interesse nesse pagão, Jesus respondeu:
132:7.2 (1466.2) “Ganid, aquele homem não tinha fome da verdade. Não estava descontente consigo próprio. Não estava pronto para pedir ajuda e os olhos de sua mente não estavam abertos para receber luz para sua alma. Aquele homem não se encontrava maduro para a colheita da salvação; deve ser-lhe dado mais tempo para que as provações e dificuldades da vida preparem-no para receber sabedoria e conhecimento superiores. Ou, se pudéssemos tê-lo vivendo conosco, poderíamos, por meio das nossas vidas, mostrar a ele o Pai no céu; e assim ele ficaria tão atraído pelas nossas vidas, como filhos de Deus, que seria forçado a indagar sobre nosso Pai. Tu não podes revelar Deus àqueles que não O procuram; não podes conduzir almas relutantes às alegrias da salvação. É preciso que as experiências da vida proporcionem ao homem ele vir a ter fome da verdade; ou então, ele deve estar desejando já conhecer Deus, em conseqüência do resultado do contato com as vidas daqueles que conhecem o Pai divino, antes que outro homem chegue a poder ser útil em conduzir esse semelhante mortal ao Pai no céu. Como conhecemos Deus, o nosso trabalho real na Terra é viver de um modo tal que permita ao Pai revelar-Se nas nossas vidas a fim de que, assim, todas as pessoas que buscam a Deus vejam o Pai e peçam a nossa ajuda para melhor conhecerem sobre o Deus que, dessa maneira, se expressa nas nossas vidas”.
132:7.3 (1466.3) Foi na visita à Suíça, subindo as montanhas, que Jesus teve uma conversa durante todo o dia com o pai e o filho sobre o budismo. Muitas vezes Ganid havia feito perguntas diretas a Jesus sobre Buda, mas tinha sempre recebido respostas evasivas de algum modo. Agora, na presença do filho, o pai fez a Jesus uma pergunta direta sobre Buda e recebeu uma resposta direta. Disse Gonod: “Eu gostaria realmente de saber o que tu pensas de Buda”. E Jesus respondeu:
132:7.4 (1466.4) “O vosso Buda foi muito melhor do que é o vosso budismo. Buda foi um grande homem e, mesmo, um profeta para o seu povo; mas foi um profeta órfão. Com isso, quero dizer que ele perdeu de vista, muito cedo, o seu Pai espiritual, o Pai do céu. A experiência dele foi trágica. Ele tentou viver e ensinar como um mensageiro de Deus, mas sem Deus. Buda guiou a sua nave de salvação diretamente até o porto da salvação, até a entrada do ancoradouro de salvação para os mortais e, por causa de planos errados de navegação, a boa nave ficou encalhada, à deriva. E assim tem permanecido durante muitas gerações; imóvel e quase desesperadamente encalhada. E, muitos dentre os do vosso povo têm permanecido assim, durante todos esses anos; vivendo a uma curta distância das águas seguras do repouso, mas se recusando a chegar até lá porque a nobre embarcação do bom Buda teve a má sorte de encalhar no fundo, do lado de fora do porto. E o povo budista jamais conseguirá entrar nesse porto, a menos que abandone filosoficamente a embarcação do seu profeta e que entenda o seu nobre espírito. Tivesse o vosso povo permanecido fiel ao espírito de Buda, e vós teríeis já há muito entrado no vosso porto de tranqüilidade espiritual, de descanso da alma e segurança de salvação.
132:7.5 (1467.1) “Tu vês, Gonod, Buda conhecia Deus em espírito, mas evidentemente não teve êxito em descobri-lo na mente; os judeus descobriram Deus na mente, mas não tiveram êxito em conhecê-lo em espírito. Hoje, os budistas debatem-se em uma filosofia sem Deus, enquanto o meu povo está deploravelmente escravizado ao medo de um Deus, sem uma filosofia salvadora de vida e de liberdade. Vós tendes uma filosofia sem um Deus; os judeus têm um Deus, mas mantêm-se primariamente sem uma filosofia de vida ligada a esse Deus. Buda, por não ter tido êxito em conceber uma visão de Deus, como espírito e como Pai, não teve êxito também ao prover o seu ensinamento com a energia moral e o poder espiritual impulsor que uma religião deve possuir, se quiser mudar uma raça e elevar uma nação”.
132:7.6 (1467.2) E então exclamou Ganid: “Mestre, façamos tu e eu uma nova religião, que seja boa o suficiente para a Índia e grande o bastante para Roma e, talvez, possamos levá-la até os judeus em troca de Yavé”. E Jesus retorquiu: “Ganid, as religiões não são criadas assim. As religiões dos homens levam grandes períodos de tempo para crescer; enquanto as revelações de Deus reluzem sobre a Terra, nas vidas dos homens que revelam a Deus para os seus semelhantes”. Mas eles não compreenderam o significado dessas palavras proféticas.
132:7.7 (1467.3) Naquela noite depois que se recolheram, Ganid não pôde dormir. Ele conversou durante um longo tempo com o seu pai e finalmente disse: “Sabes, pai, algumas vezes eu penso que Joshua é um profeta”. E o seu pai respondeu, sonolento: “Meu filho, há outros...”
132:7.8 (1467.4) Desde esse dia, pelo resto da sua vida natural, Ganid continuou a desenvolver uma religião dele próprio. Ele estava persuadido fortemente, dentro da própria mente, com a grandeza de Jesus, pela sua eqüidade e tolerância. Em todas as conversas que tivera com Jesus, sobre a filosofia e a religião, esse jovem nunca experimentou ressentimentos nem reações de antagonismos.
132:7.9 (1467.5) Que cena para as inteligências celestes contemplarem: esse espetáculo do jovem indiano propondo, ao Criador de um universo, que eles elaborassem uma nova religião! E, embora o jovem não o soubesse, eles estavam fazendo uma nova e eterna religião, exatamente ali e naquele momento — um novo caminho de salvação: a revelação de Deus ao homem feita por Jesus, e em Jesus. Aquilo que o jovem mais queria fazer ele estava, inconscientemente, realizando de fato. E assim foi, e é, sempre. Tudo aquilo que a imaginação humana, iluminada, bem refletida e conduzida pelo ensinamento espiritual, está na busca de fazer e de ser, de todo o coração e sem egoísmos, torna-se um meio criativo mensurável pelo nível da dedicação com que o mortal se põe a fazer divinamente a vontade do Pai. Quando o homem entra em comunhão com Deus, grandes feitos podem acontecer e de fato acontecem.
O Livro de Urântia
Documento 133
133:0.1 (1468.1) AO PREPARAR-SE para deixar Roma, Jesus não disse adeus a nenhum dos seus amigos. O Escriba de Damasco apareceu em Roma sem anúncio e desapareceu do mesmo modo. Passou-se um ano inteiro até que aqueles que o conheciam e que o amavam desistiram da esperança de vê-lo novamente. Antes do fim do segundo ano, pequenos grupos daqueles que o haviam conhecido viram-se atraídos uns pelos outros e reuniram-se por causa do seu interesse comum nos ensinamentos dele, e nas memórias comuns dos seus bons tempos com ele. E esses pequenos grupos de estóicos, cínicos e cultuadores dos mistérios continuaram a manter encontros informais e esporádicos, até o momento em que apareceram em Roma os primeiros pregadores da religião cristã.
133:0.2 (1468.2) Gonod e Ganid haviam comprado tantas coisas em Alexandria e em Roma, que acabaram enviando, antecipadamente, todos os seus pertences embalados, por meio de burros de carga, para Tarento, enquanto os três viajantes empreenderam uma viagem a pé, com tranqüilidade, através da Itália, pela grande Via Ápia. Nessa viagem eles encontraram toda a sorte de seres humanos. Muitos cidadãos romanos nobres e colonos gregos viviam ao longo dessa estrada, mas a progênie de um bom número de escravos inferiores começava a aparecer.
133:0.3 (1468.3) Um dia, enquanto descansavam à hora do almoço, a meio caminho de Tarento, Ganid fez uma pergunta direta a Jesus, sobre o que ele pensava do sistema de castas da Índia. Jesus respondeu: “Embora os seres humanos difiram uns dos outros, sob muitos aspectos, perante Deus e o mundo espiritual, todos mortais estão em pé de igualdade. Dois grupos apenas de mortais há aos olhos de Deus: aqueles que desejam cumprir a Sua vontade e aqueles que não almejam tal coisa. E, quando o universo se volta para um mundo habitado discerne, deste mesmo modo, duas grandes classes: os que sabem de Deus e os que não sabem. Aqueles que não podem chegar a conhecer a Deus são reconhecidos entre os animais de qualquer reino. A humanidade pode ser dividida, apropriadamente, em muitas classes, de acordo com diferentes qualificações, segundo o modo de vê-la, física, mental, social, vocacional ou moralmente; mas esses grupos diferentes de humanos mortais, ao aparecerem diante do tribunal para o julgamento de Deus, ficam em pé de igualdade; Deus, verdadeiramente, não faz acepção de pessoas. Embora vós não possais escapar do reconhecimento segundo as diferentes habilidades e dons humanos, nas questões intelectuais, sociais e morais, não deveis fazer nenhuma dessas diferenciações na irmandade espiritual dos homens quando reunidos para a adoração na presença de Deus”.
133:1.1 (1468.4) Um incidente muito interessante ocorreu, em uma tarde, no acostamento da estrada, quando eles se aproximavam de Tarento. Viram um jovem rude intimidando brutalmente um outro menor do que ele. Apressando-se a ajudar o menino atacado, quando o havia resgatado, Jesus permaneceu apenas segurando apertadadamene o ofensor até que o menor tivesse escapado. No momento em que Jesus liberou o pequeno brigão, Ganid agarrou o menino e começou a bater nele estrepitosamente, então, Jesus prontamente interferiu, para espanto de Ganid. Depois de haver contido Ganid e permitido ao menino amedrontado escapar, tão logo recuperou o fôlego, Ganid exclamou sobressaltado: “Eu não consigo entender-te, Mestre. Se a misericórdia exige que tu resgates o menino menor, a justiça não exige a punição do menino maior e que era o ofensor?” Respondendo, Jesus disse:
133:1.2 (1469.1) “Ganid, é verdade que tu não entendeste. A ministração da misericórdia é sempre trabalho do indivíduo, mas a justiça da punição é função do social, do governo ou dos grupos que administram o universo. Enquanto indivíduo sou obrigado a mostrar misericórdia; eu devia livrar o garoto atacado e, com toda firmeza, empregar a força necessária para conter o agressor. E isso foi exatamente o que fiz. Realizei a libertação do menino atacado; e esse foi o fim da ministração da misericórdia. E então, à força eu detive o agressor por um período de tempo suficiente para permitir que a parte mais fraca, na disputa, escapasse; após o que eu me retirei do caso. E não continuei, não fiz o julgamento do agressor, nem repassei o seu motivo — nem julguei tudo o que motivou o seu ataque ao seu companheiro — e não assumi executar a punição que a minha mente podia ditar como compensação justa pelo erro dele. Ganid, a misericórdia pode ser pródiga, mas a justiça deve ser precisa. Não podes discernir que não há duas pessoas que porventura concordem quanto à punição que deveria satisfazer as exigências da justiça? Um imporia quarenta chicotadas, o outro vinte, enquanto outro iria aconselhar ainda o confinamento em solitária como uma justa punição. Não vês que, neste mundo, essas responsabilidades ou deveriam ficar com o grupo ou deveriam ser administradas pelos representantes escolhidos do grupo? No universo, o julgamento é entregue àqueles que conhecem plenamente os antecedentes de todos os erros, bem como as suas motivações. Na sociedade civilizada e em um universo organizado, a administração da justiça pressupõe aplicar uma sentença justa em conseqüência de um julgamento equânime; e essas prerrogativas são dadas aos grupos jurídicos dos mundos e aos administradores todo-cientes dos universos mais elevados de toda a criação”.
133:1.3 (1469.2) Durante vários dias eles conversaram sobre a questão da manifestação da misericórdia e da administração da justiça. E Ganid, ao menos em uma certa medida, compreendeu por que Jesus não queria entrar em combate pessoalmente. Ganid, no entanto, fez uma última pergunta, para a qual ele nunca recebeu uma resposta totalmente satisfatória; e essa pergunta foi: “Mas, Mestre, se uma criatura mais forte e de temperamento maldoso te atacasse e ameaçasse destruir-te, o que farias? Não farias nenhum esforço para defender-te?” Embora Jesus não pudesse plena e satisfatoriamente responder à pergunta do jovem, porquanto ele não estava querendo revelar-lhe que ele (Jesus) estava vivendo na Terra como a exemplificação do amor do Pai do Paraíso, para um universo que a tudo assistia; ainda assim, ele disse o seguinte:
133:1.4 (1469.3) “Ganid, posso entender bem o quanto te deixam perplexo algumas dessas questões e vou esforçar-me para responder à tua pergunta. Primeiro, em todos os ataques que poderiam ser feitos à minha pessoa, eu determinaria se o agressor seria ou não um filho de Deus — meu irmão na carne — e, se eu achasse que uma tal criatura fosse desprovida de juízo moral e de razão espiritual, eu defenderia sem hesitar a mim próprio com toda a capacidade dos meus poderes de resistência, a despeito das conseqüências para o atacante. Mas, eu não agrediria assim a um irmão que tenha o status de filiação, nem mesmo em autodefesa. Isto é, eu não o puniria precipitadamente e sem julgamento por uma agressão contra mim. Por todos os meios possíveis eu procuraria impedir e dissuadi- lo de fazer aquele ataque; e faria tudo para mitigá-lo caso eu fracassasse em evitá-lo. Ganid, eu tenho confiança absoluta nos cuidados do meu Pai celeste; e estou consagrado a fazer a vontade do meu Pai no céu. Não acredito que nenhum mal real possa sobrevir a mim, não acredito que o trabalho da minha vida possa ser ameaçado por qualquer coisa que os meus inimigos possam desejar que aconteça a mim, e certamente não há nenhuma violência dos nossos amigos a ser temida. Estou absolutamente seguro de que todo o universo é amigável comigo — essa é a verdade todo-poderosa na qual eu insisto em acreditar, com uma confiança de todo o coração, a despeito de todas as aparências em contrário”.
133:1.5 (1470.1) Ganid, todavia, não ficou plenamente satisfeito. Muitas vezes eles falaram sobre essas questões; e Jesus contara a ele algo das suas experiências de infância e também sobre Jacó, o filho do pedreiro. Ao saber como Jacó se propusera a defender Jesus, Ganid disse: “Oh, eu começo a perceber! Em primeiro lugar muito raramente qualquer ser humano normal iria atacar uma pessoa tão boa como tu és e, mesmo que alguém seja tão irrefletido a ponto de fazer tal coisa, há de haver muito certamente algum outro mortal à mão que acorrerá em tua proteção, do mesmo modo que tu sempre acorres em defesa de qualquer pessoa que tu percebes estar em aperto. No meu coração, Mestre, eu concordo contigo, mas na minha cabeça eu ainda acho que se eu tivesse sido Jacó, eu teria gostado de punir aqueles irmãos rudes que ousaram atacar-te só porque sabiam que tu não irias defender-te a ti mesmo. Eu presumo que tu estás a salvo o suficiente nessa tua jornada pela vida, já que passas grande parte do teu tempo ajudando aos outros e ministrando aos teus semelhantes em desespero — bem, muito provavelmente haverá sempre alguém à mão para defender-te”. E Jesus retorquiu: “Esse teste ainda está para acontecer, Ganid, e, quando vier, nós teremos que nos conformar com a vontade do Pai”. E isso foi tudo o que o jovem pôde levar o seu Mestre a dizer sobre essa questão difícil, da autodefesa e da não-resistência. Numa outra ocasião ele conseguiu tirar de Jesus a opinião de que a sociedade organizada tinha todo o direito de empregar a força para o cumprimento dos seus mandados de justiça.
133:2.1 (1470.2) Enquanto permaneciam no navio atracado, esperando que o barco fosse descarregado, os viajantes puderam observar um homem maltratando a sua mulher. Como era do seu costume, Jesus interveio em defesa da pessoa submetida à violência. Ele foi por trás do marido irado e, tocando gentilmente no seu ombro, disse: “Meu amigo, posso falar contigo em particular, por um momento?” O homem em cólera ficou embaraçado com essa abordagem e, depois de um momento de hesitação e embaraço, balbuciou: “É... — por que — Está bem, o que quer comigo?” E, depois de levá-lo para um lado, Jesus disse: “Meu amigo, percebo algo terrível que deve ter acontecido a ti; e desejo muito que me digas o que teria acontecido a um homem tão forte para levá-lo a agredir a sua mulher, a mãe dos seus filhos, e isso, bem aqui diante dos olhos de todos. Estou seguro de que deves ter uma boa razão para esse ataque. O que fez a mulher para merecer esse tratamento do seu marido? Ao olhar para ti, vejo que posso perceber no teu rosto o amor da justiça e até o desejo de mostrar misericórdia. E aventuro-me a dizer que, caso me visses atacado por ladrões, tu irias, sem hesitação, acorrer para ajudar-me. Ouso dizer que tu já fizeste muitas coisas valentes no correr da tua vida. Agora, meu amigo, dize-me o que está acontecendo? A mulher fez algo errado, ou terias tu perdido tolamente a cabeça e, sem pensar, agrediu-a?” Não foi tanto o que Jesus havia dito que tocara o coração desse homem, mas o olhar de bondade e o sorriso de simpatia que Jesus lhe dirigira, quando concluía as suas observações. Disse o homem: “Eu vejo que tu és um sacerdote dos cínicos e estou agradecido por me teres refreado. Minha mulher nada fez de muito errado; ela é uma boa mulher, mas o modo pelo qual me provoca em público me irrita, e perco a cabeça. Sinto muito pela minha falta de autocontrole; e prometo tentar viver de acordo com a promessa que fiz outrora a um dos teus irmãos que me ensinou as maneiras certas. Eu te prometo”.
133:2.2 (1471.1) E então, despedindo-se dele, Jesus disse: “Meu irmão, sempre te lembra de que o homem não tem autoridade de direito sobre a mulher, a menos que a mulher tenha de propósito e voluntariamente dado a ele essa autoridade. A tua mulher se propôs a viver contigo, ajudar-te a lutar nas batalhas da vida e assumir a parte maior na carga de ter e de criar os vossos filhos; e, em troca desse serviço especial, é mais do que justo que receba de ti a proteção especial que o homem pode dar à mulher, como uma parceira que deve carregar, suportar e nutrir os filhos. O cuidado e a consideração amorosos que um homem deseja dar à sua esposa e filhos são a medida da realização daquele homem, nos níveis mais elevados da autoconsciência criativa e espiritual. Sabes que tais homens e mulheres são parceiros de Deus, pois eles cooperam para criar seres que crescem e possuem por si próprios o potencial de terem almas imortais? O Pai no céu trata o Espírito Materno, que é a mãe dos filhos do universo, como igual a si próprio. Compartilhar a tua vida, e tudo que se relaciona a ela, em termos de igualdade com a mãe que tão plenamente compartilha contigo a experiência divina de reproduzir aos dois, na vida dos vossos filhos, é ser semelhante a Deus. Se apenas puderes amar aos teus filhos como Deus te ama, tu amarás e acariciarás a tua esposa como o Pai no céu honra e exalta o Espírito Infinito, a mãe de todos os filhos espirituais de um universo vastíssimo”.
133:2.3 (1471.2) E quando eles estavam a bordo do barco, olharam para trás e viram a cena do casal, o qual permanecia com lágrimas nos olhos em um abraço silencioso. Tendo ouvido a última metade da mensagem de Jesus ao homem, Gonod esteve todo o dia ocupado em meditar sobre aquilo e resolveu reorganizar a sua casa quando voltasse para a Índia.
133:2.4 (1471.3) A viagem a Nicópolis foi agradável mas lenta, pois o vento não estava favorável. Os três passaram muitas horas recontando as suas experiências em Roma e relembrando tudo o que lhes tinha acontecido desde que se conheceram em Jerusalém. Ganid estava tornando-se imbuído do espírito do ministério pessoal. Ele começou a auxiliar no navio como camareiro, mas, no segundo dia, quando mergulhou mais nas profundas águas da religião, ele chamou Joshua para ajudá-lo.
133:2.5 (1471.4) Eles passaram vários dias em Nicópolis, a cidade que Augusto tinha fundado, há uns cinqüenta anos, como a “cidade da vitória”, em comemoração da batalha de Actium; pois havia sido nesse local que acampara com o seu exército antes da batalha. Eles alojaram-se na casa de um tal de Jeremias, um prosélito grego de fé judia a quem conheceram a bordo do barco. O apóstolo Paulo passou todo o inverno com o filho de Jeremias nessa mesma casa durante a sua terceira viagem missionária. De Nicópolis eles velejaram no mesmo barco para Corinto, a capital da província romana de Acáia.
133:3.1 (1471.5) Ao chegarem a Corinto, Ganid já estava ficando bastante interessado pela religião judaica e assim não seria estranho que um dia, quando passavam pela sinagoga e viram as pessoas entrando, ele solicitasse a Jesus que o levasse ao serviço. Naquele dia eles ouviram um rabino erudito discursar sobre “o destino de Israel” e, depois do serviço, encontraram um tal de Crespo, o dirigente mais alto dessa sinagoga. Eles voltaram muitas vezes para os serviços naquela sinagoga, mas, sobretudo para encontrar Crespo. Ganid criou uma grande afeição por Crespo, pela sua esposa, e a sua família de cinco filhos. Ele gostava muito de observar como um judeu conduzia a sua vida familiar.
133:3.2 (1472.1) Enquanto Ganid estudava a vida familiar, Jesus ensinava a Crespo o melhor caminho para a vida religiosa. Jesus permaneceu mais de vinte sessões com esse judeu progressista e não é de se surpreender, quando, anos depois, quando Paulo se encontrava em pregação nessa mesma sinagoga e os judeus rejeitaram a sua mensagem, dando o seu voto de proibição a outras pregações na sinagoga que, ao se voltar aos gentios, Paulo haja encontrado nesse mesmo Crespo e em toda a sua família o apoio de haverem eles abraçado já a nova religião, e que se haja transformado em um dos principais sustentáculos da igreja cristã que Paulo organizou em seguida em Corinto.
133:3.3 (1472.2) Durante os dezoito meses que pregou em Corinto, sendo que Silas e Timóteo se juntaram a ele mais tarde, Paulo conheceu muitos outros que haviam sido instruídos pelo “tutor judeu do filho de um mercador indiano”.
133:3.4 (1472.3) Em Corinto eles conheceram pessoas de todas as raças, vindas de três continentes. Junto com Alexandria e Roma, Corinto era a mais cosmopolita das cidades do império no Mediterrâneo. Havia muita coisa que atraía a atenção das pessoas nessa cidade, e Ganid nunca se cansava de visitar a cidadela que ficava a quase seiscentos metros acima do mar. Ele também passou uma boa parte do tempo que lhe sobrava na sinagoga e na casa de Crespo. A princípio ele ficara chocado, mas, mais tarde, ficou encantado com o status da mulher no lar judeu; era uma revelação para esse jovem indiano.
133:3.5 (1472.4) Jesus e Ganid foram muitas vezes hóspedes em um outro lar judeu, o de Justo, um mercador devoto, que morava ao lado da sinagoga. E, muitas vezes, subseqüentemente, quando o apóstolo permaneceu nessa casa, Paulo ouviu as histórias dessas visitas do rapaz indiano e o seu tutor judeu, enquanto ambos, Paulo e Justo, imaginavam o que é que teria acontecido a um instrutor hebreu tão brilhante.
133:3.6 (1472.5) Quando em Roma, Ganid observou que Jesus se recusava a acompanhá-los aos banhos públicos. Várias vezes depois disso, o jovem tentou induzir Jesus a dizer mais sobre o que pensava a respeito das relações dos sexos. Embora quisesse responder às perguntas do rapaz, Jesus nunca parecia disposto a discutir esses assuntos muito longamente. Certa noite, enquanto passeavam em Corinto, perto do local em que a parede da cidadela corria até o mar, eles foram abordados por duas mulheres públicas. Ganid, muito justamente, havia assimilado a idéia de que Jesus era um homem de elevados ideais, e que ele abominava tudo que beirava a impureza ou que tivesse o sabor do mal; e, em vista disso, ele dirigiu- se secamente a essas mulheres e grosseiramente pediu a elas para se afastarem. Quando Jesus ouviu isso, disse a Ganid: “A tua intenção foi boa, mas tu não devias permitir-te falar assim aos filhos de Deus, ainda que sejam os seus filhos desguiados. Quem somos nós para julgar essas mulheres? Tu conheces todas as circunstâncias que as levaram a recorrer a tais métodos de obter a sobrevivência? Fica aqui comigo enquanto falamos sobre essas questões”. As prostitutas ficaram mais estupefatas ainda do que Ganid com as palavras de Jesus.
133:3.7 (1472.6) E, enquanto permaneciam ali sob a luz da lua, Jesus continuou dizendo: “Dentro de todas as mentes humanas vive um espírito divino, a dádiva do Pai do céu. Esse espírito do bem sempre se esforça para nos levar a Deus, para ajudar-nos a encontrar Deus e conhecer a Deus; mas há também dentro dos mortais muitas tendências naturais físicas que o Criador colocou neles para servir ao bem-estar individual e da raça. Assim, muitas vezes, os homens e as mulheres tornam-se confusos nos seus esforços de compreender a si próprios e lutar contra as dificuldades múltiplas do ganhar a vida em um mundo tão amplamente dominado pelo egoísmo e pelo pecado. Eu percebo, Ganid, que nenhuma dessas mulheres é voluntariamente pecaminosa. Posso ver, nos seus rostos, que elas passaram por muitas tristezas e sofreram muito nas mãos de um destino aparentemnte cruel; todavia elas não escolheram intencionalmente essa espécie de vida. Apenas se renderam, desencorajadas e de um modo que beira o desespero, à pressão do momento e aceitaram esses meios repugnantes de ganhar a vida como o que de melhor encontraram para sair de uma situação que lhes parecia desesperadora. Ganid, algumas pessoas são realmente perversas de coração, e escolhem deliberadamente fazer coisas más; no entanto, diga-me, quando olhas para esses rostos inundados de lágrimas, tu vês algo de mal ou de perverso?” E, enquanto Jesus esperava a resposta, a voz de Ganid saiu sufocada quando balbuciou a sua resposta: “Não, Mestre, não vejo. E peço perdão pela minha grosseria para com elas — eu imploro o seu perdão”. E então Jesus disse: “Falando em nome delas, eu digo que já te perdoaram, do mesmo modo que falo pelo meu Pai no céu, pois Ele já as perdoou. Agora, todos vós, vinde comigo até a casa de um amigo, onde encontraremos recolhimento e faremos planos para a vida nova e melhor que temos diante de nós”. As mulheres, estupefatas até esse momento, não haviam dito palavra; entreolharam-se silenciosamente e seguiram o caminho indicado por aqueles homens.
133:3.8 (1473.1) Imaginai a surpresa da esposa de Justo quando, já tarde da noite, Jesus apareceu com Ganid e essas duas estranhas, dizendo: “Perdoai-nos por chegarmos a essa hora, mas Ganid e eu desejamos comer um pouco e gostaríamos de compartilhar esse pouco com estas nossas amigas que acabamos de encontrar, elas também estão necessitando de algo para comer; e, além disso, viemos até vós com o pensamento de que estaríeis interessados em dar a elas um conselho, junto conosco, quanto ao modo de melhor recomeçarem a vida. Elas podem contar-vos a sua história, e eu suponho que já tenham tido imensas dificuldades. A presença delas aqui, no vosso lar, atesta quão sinceramente elas anseiam por conhecer gente de bem, e com quanta boa vontade elas abraçarão a oportunidade de mostrar a todo o mundo — e até mesmo aos anjos dos céus — que elas podem vir a ser mulheres nobres e corajosas”.
133:3.9 (1473.2) Quando Marta, a esposa de Justo, dispôs a comida sobre a mesa, Jesus, deixando- os inesperadamente, disse: “Como está ficando tarde e, já que o pai do jovem nos estará esperando, rogamos ser desculpados por deixar-vos juntas aqui — três mulheres — filhas bem-amadas do Altíssimo. E eu orarei pela vossa orientação espiritual, enquanto fazeis os planos para uma vida nova e melhor na Terra e uma vida eterna para o grande futuro”.
133:3.10 (1473.3) E assim Jesus e Ganid deixaram as mulheres. Até então as cortesãs nada haviam dito; do mesmo modo Ganid nada dissera. E, por alguns momentos, Marta também nada dissera; mas, em breve, ela despertou para a situação e fez tudo o que Jesus tinha a esperança de que ela fizesse por aquelas estranhas. A mais velha dessas duas mulheres morreu pouco tempo depois, com esperanças vivas de sobrevivência eterna; e a mais jovem trabalhou no local de negócios de Justo e mais tarde tornou-se um membro vitalício da primeira igreja cristã em Corinto.
133:3.11 (1473.4) Por várias vezes, na casa de Crespo, Jesus e Ganid estiveram com um certo Gaio, que posteriormente tornou-se um leal sustentáculo de Paulo. Durante esses dois meses em Corinto eles mantiveram conversas pessoais com dezenas de indivíduos que valiam a pena e, em resultado de todos esses contatos, aparentemente casuais, mais do que a metade dos indivíduos envolvidos tornou-se membro da comunidade cristã subseqüente.
133:3.12 (1473.5) Quando foi a Corinto, pela primeira vez, Paulo não tinha a intenção de fazer uma visita prolongada. Mas ele não sabia quão bem o tutor judeu havia preparado o caminho para os seus trabalhos. Além disso, descobriu que um grande interesse tinha já sido despertado em Áquila e Priscila; Áquila era um dos cínicos com quem Jesus tinha entrado em contato quando estivera em Roma. Esse era um casal de refugiados judeus em Roma, que rapidamente abraçou os ensinamentos de Paulo. Ele viveu e trabalhou com eles, pois também eles faziam tendas. Foi por causa dessas circunstâncias que Paulo prolongou a sua estada em Corinto.
133:4.1 (1474.1) Jesus e Ganid tiveram muitas outras experiências interessantes em Corinto. Tiveram conversas íntimas com um grande número de pessoas; e estas tiraram um grande proveito da instrução recebida de Jesus.
133:4.2 (1474.2) Ao moleiro ele ensinou como moer os grãos da verdade no moinho da experiência viva, de modo a fazer com que as coisas difíceis da vida divina se tornassem aceitáveis mesmo pelos seus semelhantes mortais fracos e débeis. Disse Jesus: “Dá o leite da verdade àqueles que são ainda bebês na percepção espiritual. Na tua ministração de vida e de amor, serve o alimento espiritual de uma forma atraente e adequada à capacidade de receptividade de cada um entre aqueles que te fizerem perguntas”.
133:4.3 (1474.3) Ao centurião romano ele disse: “Dá a César as coisas que são de César, e a Deus as coisas que são de Deus. O serviço sincero a Deus e o serviço leal a César não entram em conflito, a menos que César tenha a presunção de arrogar a si uma homenagem que só pode ser pretendida pela Deidade. A lealdade a Deus, para aqueles que chegarem a conhecê-Lo, transformá-los-á a todos nos mais leais e fiéis na sua devoção a um imperador condigno”.
133:4.4 (1474.4) Ao fervoroso líder do culto mitraico Jesus disse: “Fazes bem em buscar uma religião de salvação eterna, mas tu te enganas ao buscar uma verdade assim gloriosa entre os mistérios tecidos pelos homens e nas filosofias humanas. Acaso não sabes que o mistério da salvação eterna reside na tua própria alma? Não sabes que Deus no céu enviou o Seu espírito para viver dentro de ti, e que esse espírito guiará a todos os mortais amantes da verdade e que servem a Deus, na saída desta vida e pelos portais da morte, até as alturas eternas da luz, onde Deus espera receber os Seus filhos? E nunca te esqueças: tu que conheces a Deus, serás o filho de Deus se, verdadeiramente, aspirares a ser como Ele”.
133:4.5 (1474.5) Ao instrutor epicurista ele disse: “Fazes bem em escolher o melhor e em apreciares o que é bom. Mas estarás tu sendo sábio ao deixares de discernir as coisas maiores da vida mortal, aquelas coisas que estão incorporadas aos reinos espirituais e que surgem da compreensão da presença de Deus no coração humano? A grande coisa em toda a experiência humana é a tomada de consciência de que tu conheces o Deus cujo espírito vive dentro de ti e que procura conduzir-te avante na jornada longa e quase sem fim, até alcançares a presença pessoal do nosso Pai comum, o Deus de toda a criação, o Senhor dos universos”.
133:4.6 (1474.6) Ao empreiteiro e construtor grego, ele disse: “Meu amigo, enquanto constróis as estruturas materiais para os homens, desenvolve um caráter espiritual à semelhança do espírito divino dentro da tua alma. Não deixes a tua realização como construtor temporal sobrepor-se à tua realização como filho espiritual do Reino do céu. Enquanto constróis as mansões do tempo para os outros, não negligencies de assegurar, para ti próprio, o teu direito às mansões da eternidade. E lembra-te sempre: há uma cidadela cujas fundações são corretas e verdadeiras e cujo construtor e criador é Deus”.
133:4.7 (1474.7) Ao juiz romano ele disse: “Ao julgar os homens, lembra-te de que tu mesmo, algum dia, irás a julgamento perante o tribunal dos Governantes de um universo. Julga com justiça e com misericórdia mesmo, pois tu mesmo algum dia irás aguardar pela consideração misericordiosa das mãos do Árbitro Supremo. Julga como tu serias julgado sob circunstâncias semelhantes, sendo assim guiado pelo espírito da lei, bem como pela sua letra. E, do mesmo modo que concederes uma justiça dominada pela equanimidade, à luz da necessidade daqueles que forem trazidos diante de ti, do mesmo modo terás o direito de esperar uma justiça temperada pela misericórdia quando, um dia, te colocares perante o Juiz de toda a Terra”.
133:4.8 (1475.1) À proprietária da estalagem grega ele disse: “Ministra a tua hospitalidade como alguém que entretém os filhos do Altíssimo. Eleva a monotonia da tua lida diária aos níveis elevados das belas-artes, por intermédio da compreensão cada vez maior de que tu ministras Deus às pessoas em quem Ele reside, por meio do espírito Dele que desceu para viver dentro dos corações dos homens; e busca com isso transformar as mentes e guiar as almas dessas pessoas até o conhecimento do Pai do Paraíso, Pai de todas essas dádivas outorgadas do espírito divino”.
133:4.9 (1475.2) Jesus teve muitas conversas com um mercador chinês. Ao despedir-se, Jesus recomendou a ele: “Adora apenas a Deus, que é o verdadeiro ancestral do teu espírito. Lembra-te que o espírito do Pai vive sempre dentro de ti e sempre orienta a tua alma na direção do céu. Se tu seguires as orientações inconscientes desse espírito imortal, estejas certo de continuar no caminho elevado de encontrar Deus. E quando tu alcançares o Pai no céu, será porque, ao procurá-Lo, tu te tornaste mais e mais como Ele. E então adeus, Chang, mas apenas por uma estação, pois nos encontraremos de novo nos mundos da luz, onde o Pai das almas espirituais providenciou muitos deliciosos pontos de parada para aqueles por quem o Paraíso espera”.
133:4.10 (1475.3) Ao viajante, vindo da Bretanha, ele disse: “Meu irmão, percebo que buscas a verdade e, pois, sugiro-te pensar na possibilidade de que o espírito do Pai de toda a verdade possa residir dentro de ti. Por acaso já tentaste sinceramente conversar com o espírito da tua própria alma? Uma tal coisa é de fato difícil e muito raramente leva a consciência ao êxito; mas toda tentativa sincera da mente material de comunicar-se com o seu espírito residente, sempre alcança algum êxito, não obstante a maioria dessas magníficas experiências humanas deva permanecer como um registro supraconsciente nas almas desses mortais cientes de Deus.”
133:4.11 (1475.4) Ao garoto em fuga, Jesus disse: “Lembra-te de que há duas coisas das quais tu não podes fugir — de Deus e de ti próprio. Para onde quer que possas ir, levar- te-ás contigo a ti próprio e ao espírito do Pai celeste que vive dentro do teu coração. Meu filho, pára de tentar enganar a ti próprio; estabelece-te na prática corajosa de encarar os fatos da vida, apóia-te firmemente na segurança da filiação a Deus e na certeza da vida eterna, como eu te ensinei. Desse dia em diante propôe-te ser de fato um homem, um homem determinado a encarar a vida com bravura e com inteligência”.
133:4.12 (1475.5) Ao criminoso condenado, ele disse no último momento: “Meu irmão, tu caíste no caminho do mal. Tu te perdeste do teu caminho; e te emaranhaste nas malhas do crime. Conversando contigo, bem sei que não planejaste fazer as coisas que acabaram por custar-te a tua vida temporal. Mas fizeste esse mal, e os teus semelhantes julgaram-te culpado e determinaram que morresses. Tu não podes nem eu negar ao Estado esse direito de autodefender-se da maneira que for da sua própria escolha. Parece não haver nenhum meio humano de escapares da penalidade pelos teus erros. Os teus semelhantes devem julgar-te pelo que fizeste, mas há um Juiz a quem podes apelar, pedindo que te perdoe, e que irá julgar-te segundo os teus reais motivos e o melhor da tua intenção. Não tema encontrar o julgamento de Deus se o teu arrependimento é genuíno e sincera a tua fé. O fato de o teu erro trazer em si a pena de morte, imposta pelo homem, não prejudica a possibilidade que tua alma tem de obter a justiça e desfrutar da misericórdia perante as cortes celestes”.
133:4.13 (1476.1) Jesus teve uma satisfação de ter várias conversas íntimas com muitas almas famintas, tantas que o seu número é grande demais para que tenham todas um lugar nestes registros. Os três viajantes em muito apreciaram a permanência em Corinto. E, à exceção de Atenas, que era mais renomada como um centro educacional, Corinto foi a cidade mais importante da Grécia durante esses tempos romanos; e nos dois meses que passaram nesse centro comercial em florescimento eles tiveram oportunidade, todos os três, de ter experiências bem valiosas. A permanência deles nessa cidade foi a mais interessante de todas as paradas no seu caminho de volta de Roma.
133:4.14 (1476.2) Gonod tinha muitos interesses em Corinto, mas, finalmente, os seus afazeres terminaram, e eles prepararam-se para velejar até Atenas. Viajaram em um pequeno barco que foi carregado por via terrestre de um porto até outro em Corinto, a uma distância de dezesseis quilômetros.
133:5.1 (1476.3) Em breve eles chegaram ao velho centro grego de ciência e de educação, e Ganid ficou emocionado com o pensamento de estar em Atenas, de estar na Grécia, o centro cultural do antigo império alexandrino, que havia estendido as suas fronteiras até a sua própria terra, a Índia. Havia pouca coisa a ser tratada lá, e, sendo assim, Gonod passou a maior parte do seu tempo com Jesus e Ganid, visitando os muitos pontos de interesse e ouvindo as conversas interessantes do rapaz com o seu versátil Mestre.
133:5.2 (1476.4) Uma grande universidade prosperava ainda em Atenas e os três fizeram visitas freqüentes às suas salas de ensino. Jesus e Ganid haviam já discutido em profundidade os ensinamentos de Platão, enquanto ouviam as conferências no museu em Alexandria. E todos eles apreciaram muito a arte da Grécia, da qual boas mostras eram ainda encontráveis aqui e ali pela cidade.
133:5.3 (1476.5) Tanto o pai quanto o filho deleitaram-se com a discussão sobre a ciência, que se deu no albergue, certa noite, entre Jesus e um filósofo grego. Depois desse formalista ter falado por quase três horas e de haver terminado o seu discurso; eis, numa forma moderna, o que Jesus disse:
133:5.4 (1476.6) Os cientistas podem medir, algum dia, a energia ou as manifestações da força, da gravitação, da luz e da eletricidade; mas esses mesmos cientistas nunca poderão (cientificamente) dizer-vos o que são esses fenômenos do universo. A ciência lida com as atividades da energia-física; a religião lida com os valores eternos. A verdadeira filosofia surge da sabedoria que faz o seu melhor para correlacionar essas observações quantitativas e qualitativas. Existe sempre o perigo de que o cientista puramente físico possa ser afligido pelo orgulho matemático e o egocentrismo estatístico, sem mencionar a cegueira espiritual.
133:5.5 (1476.7) A lógica é válida no mundo material, e a matemática é confiável quando limitada nas suas aplicações, às coisas físicas; mas nem uma nem a outra devem ser consideradas como totalmente dignas de confiança, nem infalíveis, quando aplicadas aos problemas da vida. A vida abrange fenômenos que não são integralmente materiais. A aritmética diz que, se um homem pode tosquiar uma ovelha em dez minutos, dez homens podem fazê-lo em um minuto. Isso é o que diz a matemática pura, mas não é a verdade, pois os dez homens não o poderiam fazer; eles entrariam um na frente do outro tão confusamente que o trabalho seria retardado em muito.
133:5.6 (1477.1) As matemáticas afirmam que, se uma pessoa representa uma certa unidade de valor moral e intelectual, dez pessoas representariam dez vezes esse valor. Mas, ao lidarmos com a personalidade humana, estaríamos mais próximos da verdade se disséssemos que uma tal associação de personalidades é uma soma que se iguala muito mais ao quadrado do número das personalidades, envolvidas na equação, do que à simples soma aritmética. Um grupo social de seres humanos trabalhando em harmonia coordenada representa uma força muito maior do que a soma simples das suas partes.
133:5.7 (1477.2) A quantidade pode ser identificada como um fato, transformando-se assim em uma uniformidade científica. A qualidade, sendo uma questão de interpretação mental, representa uma estimativa de valores e deve, por isso, permanecer como uma experiência do indivíduo. Quando tanto a ciência quanto a religião se tornarem menos dogmáticas e mais tolerantes quanto à crítica, a filosofia então começará a unificar-se para a compreensão inteligente do universo.
133:5.8 (1477.3) Haverá unidade no universo cósmico quando puderdes discernir apenas os seus efeitos nos fatos. O universo real é amigável para com todos os filhos do Deus eterno. O problema real é: como pode a mente finita do homem alcançar uma unidade de pensamento lógica, verdadeira e correspondente? Esse estado mental de consciência do universo só pode ser alcançado concebendo-se que o fato quantitativo e o valor qualitativo têm uma causação comum, no Pai do Paraíso. Tal concepção da realidade leva a discernimentos mais amplos quanto à unidade intencional dos fenômenos universais; e revela mesmo uma meta espiritual de realização progressiva da personalidade. E esse é um conceito de unidade que pode perceber o pano de fundo invariável para um universo vivo, de relações impessoais continuamente mutáveis e de relações pessoais que evoluem.
133:5.9 (1477.4) A matéria, o espírito e o estado intermediário entre os dois são três níveis inter-relacionados e interassociados da verdadeira unidade do universo real. Independentemente de quão divergentes sejam os fenômenos dos fatos e dos valores no universo, pode acontecer que eles estejam, afinal, unificados no Supremo.
133:5.10 (1477.5) A realidade da existência material está ligada à energia irreconhecida, bem como à matéria visível. Quando as energias do universo são desaceleradas o suficiente, de modo a adquirirem o grau necessário de movimento, então, sob condições favoráveis, essas mesmas energias transformam-se em massa. E não vos esqueçais que a mente que, de per si, pode perceber a presença das realidades aparentes é, ela própria, também real. E a causa fundamental desse universo de energia-massa, de mente e de espírito, é eterna — existe e consiste na natureza e nas reações do Pai Universal e dos seus coordenados absolutos.
133:5.11 (1477.6) Eles ficaram mais do que pasmados com as palavras de Jesus, e o grego, ao despedir-se deles, disse: “Afinal, os meus olhos depararam-se com um judeu que pensa em algo além da superioridade racial e que fala em algo além de religião”. E eles recolheram-se para descansar naquela noite.
133:5.12 (1477.7) A permanência em Atenas foi agradável e proveitosa, mas não particularmente frutífera de contatos humanos. Muitos dos atenienses daquela época ou eram intelectualmente orgulhosos da sua reputação de outrora ou mentalmente estúpidos e ignorantes, sendo a progênie dos escravos inferiores daqueles períodos primitivos, quando existia glória na Grécia e sabedoria nas mentes do seu povo. Ainda assim havia ainda muitas mentes perspicazes entre os cidadãos de Atenas.
133:6.1 (1477.8) Ao deixarem Atenas, os viajantes tomaram o caminho de Troas até Éfeso, a capital da província romana da Ásia. Eles fizeram muitas viagens até o famoso templo de Ártemis dos efesianos, a cerca de duas milhas da cidade. Ártemis era a mais famosa deusa de toda a Ásia Menor e uma perpetuação da deusa mãe, a mais antiga dos tempos primordiais anatolianos. O ídolo grosseiro exibido no enorme templo dedicado à sua adoração tinha a fama de ter caído do céu. Nem toda a educação que Ganid teve, no sentido de respeitar as imagens como símbolos da divindade, havia sido erradicada, e ele pensou que seria ótimo comprar um pequeno relicário de prata em honra a essa deusa da fertilidade da Ásia Menor. Naquela noite eles falaram longamente sobre a adoração de coisas feitas pelas mãos humanas.
133:6.2 (1478.1) Ao terceiro dia da sua estada, eles caminharam ao longo do rio para observar a dragagem da boca do porto. Ao meio-dia falaram com um jovem fenício que estava com saudades de casa e um tanto desalentado; mas, mais do que tudo, ele estava com inveja de um outro jovem que tinha sido promovido antes dele. Jesus disse-lhe palavras de conforto e citou o velho provérbio hebreu: “As qualidades de um homem lhe valem o seu lugar e o levam até os grandes homens”.
133:6.3 (1478.2) De todas as cidades grandes que eles visitaram nessa viagem pelo Mediterrâneo, o produto do que eles realizaram ali, foi o de menor proveito para o trabalho posterior dos missionários cristãos. O cristianismo assegurou seu começo, em Éfeso, em grande parte por intermédio dos esforços de Paulo, que residiu lá por mais de dois anos, produzindo tendas para viver e fazendo palestras sobre religião e filosofia todas as noites na sala principal de audiências da escola de Tirano.
133:6.4 (1478.3) Havia ali um pensador progressista ligado a essa escola local de filosofia, e Jesus teve várias reuniões bem proveitosas com ele. Ao longo dessas conversas Jesus havia usado repetidamente a palavra “alma”. Esse grego erudito finalmente perguntou-lhe o que queria ele dizer com “alma”, e Jesus respondeu:
133:6.5 (1478.4) “A alma é a parte do homem que reflete o eu, que discerne a verdade e percebe a parte espiritual do homem e, para sempre, que eleva o ser humano acima do nível do mundo animal. A autoconsciência, em si e por si mesma, não é a alma. A consciência moral é a verdadeira auto-realização humana e constitui o fundamento da alma humana, e a alma é aquela parte do homem que representa o valor de sobrevivência potencial para a experiência humana. A escolha moral e a realização espiritual, a capacidade de conhecer Deus e o impulso de ser igual a ele são características da alma. A alma do homem não pode existir sem o pensamento moral e a atividade espiritual. Uma alma estagnada é uma alma moribunda. Mas a alma do homem é distinta do espírito divino que reside dentro da mente. O espírito divino chega simultaneamente com a primeira atividade moral da mente humana, e esta é a ocasião do nascimento da alma.
133:6.6 (1478.5) “A salvação ou a perda de uma alma tem a ver com o fato de a consciência moral alcançar, ou não, a sobrevivência própria, por intermédio da aliança eterna com a dotação espiritual imortal associada a ela. A salvação é a espiritualização, na auto-realização da consciência moral. Por meio da espiritualização a consciência moral torna-se possuidora do valor de sobrevivência. Todas as formas de conflitos da alma consistem na falta de harmonia entre a autoconsciência moral, ou espiritual, e a autoconsciência puramente intelectual.
133:6.7 (1478.6) “A alma humana, quando amadurecida, enobrecida e espiritualizada, aproxima- se do status celeste, no sentido em que chega bem próximo de ser uma entidade que está entre o material e o espiritual, entre o eu material e o espírito divino. A alma em evolução, de um ser humano, é difícil de descrever, e mais difícil ainda de ser comprovada, porque não se a constata pelos métodos, seja da investigação material, seja por provas espirituais. A ciência material não pode demonstrar a existência de uma alma, nem o pode uma comprovação puramente espiritual. Não obstante o fracasso tanto da ciência material quanto dos padrões espirituais, em constatar a existência da alma humana, todo mortal moralmente consciente conhece a existência da sua alma como uma experiência pessoal real e factual”.
133:7.1 (1479.1) Em breve os viajantes velejaram para Chipre, parando em Rodes. Eles sentiram muita satisfação na longa viagem pela água e chegaram na ilha com o corpo bem descansado, e restaurados de espírito.
133:7.2 (1479.2) Estava nos planos deles gozar de um período de repouso e de recreação nessa visita a Chipre, pois a sua viagem pelo Mediterrâneo estava chegando ao fim. Eles aportaram em Pafos e logo começaram a reunir os suprimentos para uma permanência de várias semanas nas montanhas vizinhas. Ao terceiro dia depois da sua chegada partiram para as montanhas com os animais bastante carregados.
133:7.3 (1479.3) Por duas semanas deleitaram-se o suficiente e, então, sem mais nem menos, o jovem Ganid adoeceu súbita e gravemente. Por duas semanas ele sofreu de uma forte febre, muitas vezes delirando; ambos, Jesus e Gonod, mantiveram- se ocupados assistindo o jovem adoentado. Jesus, com habilidade e com afeto, cuidou do rapaz, e o pai ficou impressionado tanto pela bondade quanto pela competência manifestada em toda essa sua ministração ao jovem afligido. Eles estavam longe de habitações humanas e o rapaz encontrava-se doente demais para ser removido; e, desse modo, eles se puseram, da melhor forma que puderam, a cuidar da sua saúde ali mesmo nas montanhas.
133:7.4 (1479.4) Durante as três semanas de convalescença de Ganid, Jesus disse a ele diversas coisas interessantes sobre a natureza e as suas várias manias. E, se divertiram muito enquanto caminhavam pelas montanhas, o rapaz sempre fazendo perguntas, Jesus as respondendo, e o pai maravilhado com tudo aquilo.
133:7.5 (1479.5) Na última semana de permanência deles nas montanhas, Jesus e Ganid tiveram uma longa conversa sobre as funções da mente humana. Depois de várias horas de troca de idéias, o rapaz fez esta pergunta: “Mas, Mestre, o que tu queres dizer quando falas que o homem experimenta uma forma mais elevada de autoconsciência do que os animais mais evoluídos?” E, colocado em uma forma moderna, eis o que Jesus respondeu:
133:7.6 (1479.6) Meu filho, eu já lhe contei muito sobre a mente do homem e o espírito divino que vive nela, mas agora eu enfatizarei que a autoconsciência é como uma realidade. Se qualquer animal pudesse tornar-se autoconsciente, ele transformar- se-ia em um homem primitivo. A realização da autoconsciência resulta de uma coordenação de funções entre a energia impessoal e a mente que recebe o espírito, e é esse fenômeno que garante a dádiva de um ponto focal absoluto para a personalidade humana: o espírito do Pai no céu.
133:7.7 (1479.7) As idéias não são simplesmente um registro das sensações; as idéias são as sensações mais as interpretações reflexivas do eu pessoal; e o eu é mais do que a soma das sensações de um ser. Uma individualidade que evolui começa a manifestar-se como algo que se aproxima da unidade e essa unidade surge da presença residente de uma parte da unidade absoluta que ativa espiritualmente essa mente autoconsciente de origem animal.
133:7.8 (1479.8) Nenhum mero animal poderia possuir por si a consciência do tempo. Os animais possuem uma coordenação fisiológica entre o reconhecimento e as sensações associadas e a memória correspondente, mas nenhum experimenta um reconhecimento significativo da sensação nem demonstra uma associação propositada dessas experiências físicas combinadas tal como se manifestam nas conclusões das interpretações humanas inteligentes e reflexivas. E o fato da sua existência autoconsciente, associado à realidade dessa experiência espiritual subseqüente, faz do homem um filho potencial do universo e prenuncia que ele alcançará finalmente a Unidade Suprema do universo.
133:7.9 (1480.1) O eu humano não é meramente uma soma de estados sucessivos de consciência. Sem o funcionamento efetivo de uma consciência que seleciona e associa, não existiria unidade suficiente a garantir a sua designação como uma individualidade. Não sendo unificada, essa mente dificilmente poderia atingir os níveis de consciência do status humano. Se as associações de consciência fossem meramente um acidente, as mentes de todos os homens, então, exibiriam associações descontroladas e feitas ao acaso, próprias mesmo de certas fases da loucura mental.
133:7.10 (1480.2) Uma mente humana, edificada apenas com a consciência das sensações físicas, não poderia jamais alcançar níveis espirituais; uma espécie assim de mente material seria totalmente desprovida do sentido dos valores morais e estaria sem uma direção espiritual dominante, que é tão essencial para a realização da unidade harmônica da personalidade no tempo e que é inseparável da sobrevivência da personalidade na eternidade.
133:7.11 (1480.3) A mente humana começa muito cedo a manifestar qualidades supramateriais; o intelecto humano verdadeiramente reflexivo não é de todo tolhido pelos limites do tempo. Os indivíduos diferem pelas suas atuações na vida e isso indica não apenas as dotações variáveis de hereditariedade e as influências diferentes do meio ambiente, mas também o grau de unificação, com o espírito residente do Pai, que pode ter sido alcançado pelo eu, na medida da identificação de um com o outro.
133:7.12 (1480.4) A mente humana não suporta bem o conflito da submissão dupla. É uma tensão muito severa para a alma submeter-se à experiência do esforço de servir tanto ao bem quanto ao mal. A mente supremamente feliz, e unificada de um modo eficiente, é aquela dedicada integralmente a fazer a vontade do Pai nos céus. Os conflitos não resolvidos destroem a unidade e podem culminar na ruptura da mente. Todavia, a característica de sobrevivência de uma alma não é fomentada por uma tentativa de assegurar a paz à mente a qualquer custo, rendendo- se às aspirações nobres e fazendo concessões aos ideais espirituais; essa paz é conseguida antes pela firme afirmação do triunfo daquilo que é verdadeiro; e tal vitória é alcançada vencendo o mal, com a poderosa força do bem.
133:7.13 (1480.5) No dia seguinte eles partiram para Salamina, onde embarcaram para a Antioquia, na costa da Síria.
133:8.1 (1480.6) Antioquia era a capital da província romana da Síria; ali o governador imperial possuía a sua residência. Antioquia possuía meio milhão de habitantes; em tamanho, era a terceira cidade do império, mas era a primeira pela baixeza e flagrante imoralidade. Gonod tinha muitos negócios a tratar; e assim Jesus e Ganid ficaram grande parte do tempo por conta própria. Eles visitaram tudo nessa cidade poliglota, exceto o bosque de Dafne. Gonod e Ganid visitaram esse notório santuário da vergonha, mas Jesus recusou-se a acompanhá-los. As cenas lá não eram tão chocantes para os indianos, mas eram repelentes para um hebreu idealista.
133:8.2 (1480.7) Jesus tornou-se mais calmo e pensativo ao aproximar-se da Palestina e do final da sua viagem. Ele conversou com poucas pessoas na Antioquia; e, pouquíssimas vezes, ele passeou pela cidade. Depois de muito perguntar por que o seu Mestre manifestava tão pouco interesse pela Antioquia, Ganid finalmente induziu Jesus a dizer: “Esta cidade não está longe da Palestina; talvez eu volte aqui algum dia”.
133:8.3 (1481.1) Ganid teve uma experiência muito interessante na Antioquia. Esse jovem tinha comprovado ser um aluno capaz e já havia começado a fazer uso prático de alguns dos ensinamentos de Jesus. Havia um certo indiano ligado ao negócio do seu pai, na Antioquia, que tinha se tornado tão desagradável e tão descontente, que o seu desligamento estava sendo cogitado. Quando Ganid ouviu isso, colocou-se no lugar do seu pai nos negócios e teve uma longa conferência com esse compatriota seu. Esse homem sentia que tinha sido colocado no negócio errado. Ganid disse a ele sobre o Pai no céu e de muitos modos ampliou a visão que tal homem tinha da religião. Entretanto, de tudo o que Ganid disse, a citação de um provérbio hebreu causou o maior bem, e a palavra de sabedoria foi: “O que quer que a sua mão encontrar para fazer, faça-o com todo o seu poder”.
133:8.4 (1481.2) Depois de preparar as bagagens para a caravana de camelos, eles passaram em Sidom e dali foram para Damasco, e depois de três dias estavam prontos para a longa trilha pelas terras do deserto.
133:9.1 (1481.3) A viagem da caravana atravessando o deserto não era uma experiência nova para esses homens viajados. Depois que Ganid tinha observado o seu Mestre ajudar a carregar os vinte camelos e de tê-lo visto fazendo-se voluntário para dirigir os animais, ele exclamou: “Mestre, há alguma coisa que tu não consigas fazer?” Jesus apenas sorriu, dizendo: “O mestre com certeza não deixa de ter as suas honras aos olhos de um aluno aplicado”. E assim eles partiram para a antiga cidade de Ur.
133:9.2 (1481.4) Jesus estava muito interessado na história inicial de Ur, local de nascimento de Abraão, e estava igualmente fascinado com as ruínas e as tradições de Susa, a ponto de Gonod e Ganid estenderem a sua estada nesses locais por três semanas a fim de proporcionar a Jesus mais tempo para conduzir as suas investigações e também para que eles tivessem melhor oportunidade de persuadi-lo a ir até a Índia com eles.
133:9.3 (1481.5) Foi em Ur que Ganid teve uma longa conversa com Jesus a respeito da diferença entre conhecimento, sabedoria e verdade. E ele ficou bastante encantado com as palavras do sábio hebreu: “A sabedoria é a coisa principal, portanto adquira sabedoria. Com toda a sua busca por conhecimento, trata de adquirir compreensão. Eleva a sabedoria e ela te fará avançar. Ela irá trazer honrarias a ti, desde que tu a ponhas em prática”.
133:9.4 (1481.6) Afinal chegou o dia da separação. Todos foram valentes, especialmente o rapaz, mas foi uma dura provação. Eles tinham os olhos cheios de lágrimas, mas o coração pleno de coragem. Ao despedir-se do seu Mestre, Ganid disse: “Adeus, Mestre, mas não para sempre. Quando eu vier de novo a Damasco, eu procurarei por ti. Eu te amo, pois eu creio que o Pai no céu deve ser um pouco como tu; ao menos eu sei que tu és bastante como tudo o que contaste Dele. Eu me lembrarei dos teus ensinamentos, mas mais do que tudo, eu nunca te esquecerei”. E o pai dele disse: “Adeus a um grande Mestre, que nos tornou melhores e que nos ajudou a conhecer a Deus”. E Jesus respondeu: “A paz esteja convosco, e que a benção do Pai no céu possa estar sempre convosco”. E Jesus ficou na praia contemplando o pequeno barco que os levava até a embarcação ancorada. Assim o Mestre deixou os seus amigos da Índia, em Charax, para nunca mais vê-los de novo neste mundo; e, também, eles não chegaram nunca a saber, neste mundo, que o homem que mais tarde apareceu como Jesus de Nazaré não era senão o mesmo amigo a quem eles tinham acabado de deixar — Joshua, o Mestre deles.
133:9.5 (1481.7) Na Índia, Ganid cresceu e tornou-se um homem de influência, um sucessor digno do seu eminente pai e disseminou muitas das verdades nobres que tinha aprendido de Jesus, o seu amado Mestre. Mais tarde na vida, quando Ganid ouviu sobre o estranho Mestre na Palestina que terminou a sua carreira em uma cruz, mesmo reconhecendo a semelhança entre o evangelho desse Filho do Homem e os ensinamentos do seu tutor judeu, nunca lhe ocorreu que esses dois fossem de fato a mesma pessoa.
133:9.6 (1482.1) Assim terminou aquele capítulo na vida do Filho do Homem que poderia ser chamado: A missão de Joshua, o Mestre.
O Livro de Urântia
Documento 134
134:0.1 (1483.1) DURANTE a viagem pelo Mediterrâneo, Jesus pôde estudar cuidadosamente as pessoas que conhecera e os países pelos quais passara e, por volta dessa época, chegou à sua decisão final quanto ao restante da sua vida na Terra. Ele havia considerado plenamente, e, por fim, havia aprovado o plano o qual previa o seu nascimento de pais judeus na Palestina; e, com isso, deliberadamente, voltou à Galiléia para aguardar o começo do trabalho da sua vida como um mestre público da verdade; e começava a fazer planos para uma carreira pública na terra do povo do seu pai José, e fazia isso por sua própria vontade.
134:0.2 (1483.2) Jesus havia descoberto, por meio da sua experiência pessoal e humana, que a Palestina era o melhor lugar em todo o mundo romano para desenvolver os últimos capítulos, e para as cenas finais, da sua vida terrena. Pela primeira vez ele estava plenamente satisfeito com o programa de manifestar abertamente a sua natureza verdadeira e de revelar a sua identidade divina entre os judeus e os gentios da sua Palestina natal. E decidira definitivamente terminar a sua vida na Terra e completar a sua carreira de existência mortal na mesma terra na qual ele iniciara a sua experiência humana, como uma criança indefesa. A sua carreira em Urântia começara entre os judeus na Palestina; e escolheu terminar a sua vida na Palestina e entre os judeus.
134:1.1 (1483.3) Depois de deixar Gonod e Ganid em Charax (em dezembro, do ano 23 d.C.), Jesus retornou, pelo caminho de Ur, à Babilônia, onde se juntou a uma caravana do deserto que estava a caminho de Damasco. De Damasco ele foi para Nazaré, parando por apenas umas poucas horas em Cafarnaum, onde fez uma pausa para visitar a família de Zebedeu. Lá ele encontrou-se com o seu irmão Tiago, que desde algum tempo já tinha vindo para trabalhar no seu lugar na oficina de barcos de Zebedeu. Depois de falar com Tiago e Judá (que também se encontrava em Cafarnaum, por acaso) e depois de transferir para o seu irmão Tiago a pequena casa que João Zebedeu havia conseguido comprar, Jesus foi para Nazaré.
134:1.2 (1483.4) Ao finalizar a sua viagem pelo Mediterrâneo, Jesus tinha recebido dinheiro suficiente para fazer frente às suas despesas, a fim de viver até quase a época do começo da sua ministração pública. Todavia, à parte Zebedeu, de Cafarnaum, e as pessoas que conheceu nessa extraordinária viagem, o mundo nunca soube que havia ele efetuado essa viagem. A sua família sempre tinha acreditado que Jesus passara esse tempo em estudos na Alexandria. Jesus nunca veio a confirmar essas crenças, nem fez nenhuma negação aberta sobre esses mal-entendidos.
134:1.3 (1483.5) Durante a sua estada de umas poucas semanas em Nazaré, Jesus conversou com a sua família e com amigos, passou algum tempo na oficina de reparos com o seu irmão José, mas devotou a maior parte da sua atenção a Rute e a Maria. Rute então tinha quase quinze anos, e era essa a primeira oportunidade para Jesus ter longas conversas com ela, desde que ela se tinha transformado em uma jovem crescida.
134:1.4 (1484.1) Simão e Judá, ambos, durante algum tempo, tinham desejado casar, mas, não gostando da idéia de fazê-lo sem o consentimento de Jesus, haviam adiado o acontecimento, esperando pelo retorno do seu irmão mais velho. Embora todos considerassem Tiago como cabeça da família, para a maior parte das questões, quando se tratava de casar-se, eles queriam a bênção de Jesus. E assim, Simão e Judá, casaram-se em uma cerimônia dupla no princípio de março desse ano, de 24 d.C. Todos os outros filhos estavam agora casados; apenas Rute, a mais jovem, permaneceu em casa com Maria.
134:1.5 (1484.2) Jesus conversava com os membros individuais da sua família, muito normal e naturalmente, mas, quando eles estavam todos juntos, tão pouco ele possuía a dizer que eles próprios observavam sobre isso entre si. Maria ficava especialmente desconcertada por esse comportamento inusitadamente peculiar do seu primeiro filho.
134:1.6 (1484.3) Na época em que Jesus estava preparando-se para deixar Nazaré, o condutor de uma grande caravana que estava passando pela cidade foi tomado por uma doença violenta e Jesus, sendo um conhecedor de línguas, se fez voluntário para ocupar o lugar dele. Já que essa viagem iria requisitar a sua ausência por um ano e, desde que todos os seus irmãos estavam casados e a sua mãe vivia em casa com Rute, Jesus convocou uma reunião familiar na qual propôs que a sua mãe e Rute fossem a Cafarnaum para viver na casa que ele tinha muito recentemente dado a Tiago. E, desse modo, uns poucos dias depois que Jesus partiu com a caravana, Maria e Rute mudaram-se para Cafarnaum, onde viveram, pelo resto da vida de Maria, na casa que Jesus tinha provido. José e a sua família mudaram- se para a velha casa de Nazaré.
134:1.7 (1484.4) Esse foi um dos mais inusitados anos da experiência interior do Filho do Homem; um grande progresso foi feito para efetivar uma harmonia de funcionamento entre a sua mente humana e o Ajustador residente. O Ajustador tinha estado ativamente empenhado em reorganizar o pensamento e em treinar a mente para os grandes acontecimentos que pertenciam a um futuro agora não muito distante. A personalidade de Jesus estava preparando-se para a sua grande mudança de atitude para com o mundo. Esses eram os tempos de transição, o estágio transitivo entre aquele ser que começara a vida como um Deus, surgindo como um homem, e que agora estava preparando-se para completar a sua carreira terrena como um homem, surgindo como Deus.
134:2.1 (1484.5) Era primeiro de abril, do ano 24 d.C., quando Jesus partiu de Nazaré na viagem da caravana à região do mar Cáspio. A caravana à qual Jesus aderiu como condutor estava indo de Jerusalém, passando por Damasco e pelo lago da Úrmia, atravessando a Assíria, a Média e a Pérsia, indo para o sudeste da região do mar Cáspio. Demorou um ano inteiro antes que ele retornasse dessa viagem.
134:2.2 (1484.6) Para Jesus, essa viagem com a caravana foi uma outra aventura de exploração e de ministério pessoal. Ele teve uma experiência interessante com a sua família da caravana — passageiros, guardas e condutores de camelos. As várias dezenas de homens, mulheres e crianças, que residiam ao longo do trajeto seguido pela caravana, viveram vidas mais ricas devido ao seu contato com Jesus que, para eles, era o extraordinário chefe de uma caravana comum. Nem todos que desfrutaram da sua ministração pessoal nessa ocasião se beneficiaram devidamente dela, mas a grande maioria daqueles que se encontraram e falaram com ele tornaram-se melhores, pelo resto das suas vidas naturais.
134:2.3 (1484.7) De todas as suas viagens pelo mundo, foi essa viagem pelo mar Cáspio que levou Jesus o mais perto do Oriente e que o capacitou a ter um entendimento melhor dos povos do Extremo Oriente. Ele fez contatos cordiais e pessoais com todas as raças sobreviventes de Urântia, excetuando a vermelha. Ele apreciou igualmente prestar o seu ministério pessoal a cada uma dessas várias raças e povos miscigenados, e todas elas foram receptivas à verdade viva que Jesus lhes trouxe. Os europeus do Extremo Ocidente e os asiáticos do Extremo Oriente, do mesmo modo, deram atenção às suas palavras de esperança e de vida eterna e foram igualmente influenciados pela prática do serviço amoroso e pela ministração espiritual que Jesus tão benevolamente desenvolveu entre eles.
134:2.4 (1485.1) A viagem da caravana teve êxito em todos os sentidos. Esse foi um episódio bastante interessante na vida humana de Jesus, pois ele funcionou durante esse ano como um executivo, sendo responsável pelo material confiado ao seu encargo e pelo salvo-conduto dos viajantes que constituíam o grupo da caravana. E ele desincumbiu-se o mais fiel, eficiente e sabiamente possível dos seus múltiplos deveres.
134:2.5 (1485.2) No retorno da região do mar Cáspio, Jesus entregou a direção da caravana no lago da Úrmia, onde permaneceu por pouco mais de duas semanas. Ele retornou como um passageiro, com uma caravana posterior, até Damasco, onde os donos dos camelos suplicaram-lhe que permanecesse a serviço deles. Ele rejeitou essa oferta e viajou com a caravana para Cafarnaum, chegando no dia primeiro de abril do ano 25 d.C.. Jesus não mais considerava Nazaré como o seu lar. Cafarnaum passou a ser a casa de Jesus, Tiago, Maria e Rute. Jesus, contudo, nunca mais viveu com a sua família; quando permanecia em Cafarnaum, ele fazia da casa de Zebedeu o seu lar.
134:3.1 (1485.3) A caminho do mar Cáspio, Jesus havia feito uma parada de vários dias para descansar e recuperar-se, na velha cidade persa da Úrmia, nas margens do lado oeste do lago da Úrmia. Na maior das ilhas de um arquipélago situado a pouca distância das margens, perto da Úrmia, estava localizado um grande prédio — um anfiteatro para conferências — dedicado ao “espírito da religião”. Essa estrutura era realmente um templo da filosofia das religiões.
134:3.2 (1485.4) Esse templo da religião havia sido construído por um rico mercador, cidadão da Úrmia, e pelos seus três filhos. Esse homem chamava-se Cimboitom e, entre os seus ancestrais, ele tinha muitos povos diferentes.
134:3.3 (1485.5) As conferências e os debates nessa escola de religião começavam às dez horas da manhã, nos dias de semana. As sessões da tarde começavam às três horas, e os debates da noite eram abertos às oito horas. Cimboitom, ou um dos seus três filhos, sempre presidia a essas sessões de ensinamentos, conferências e debates. O fundador dessa escola singular de religiões viveu e morreu sem ter jamais revelado as suas crenças religiosas pessoais.
134:3.4 (1485.6) Em várias ocasiões Jesus participou dessas discussões e, antes que tivesse deixado a Úrmia, Cimboitom fez um acordo com Jesus, para que ele permanecesse com eles por duas semanas, depois da sua viagem de volta, para então dar vinte e quatro palestras sobre “A Irmandade dos Homens”, e para conduzir doze sessões noturnas de perguntas, de discussões e debates sobre as suas palestras em particular e sobre a irmandade dos homens em geral.
134:3.5 (1485.7) Em cumprimento a esse acordo, Jesus interrompeu a viagem na volta e fez as palestras. Esses foram os mais sistemáticos e formais de todos os ensinamentos do Mestre em Urântia. Nunca antes, nem depois, ele disse tanto sobre uma questão única como a que estava contida nessas palestras e discussões sobre a irmandade dos homens. Na realidade essas palestras foram sobre o “Reino de Deus” e os “reinos dos homens”.
134:3.6 (1486.1) Mais de trinta religiões e cultos religiosos estavam representados na faculdade desse templo de filosofia religiosa. Esses educadores eram escolhidos, sustentados e totalmente acreditados pelos seus respectivos grupos religiosos. Nessa época havia cerca de setenta e cinco instrutores na faculdade, e eles viviam em cabanas, cada uma acomodando cerca de doze pessoas. A cada lua nova esses grupos eram alterados, os membros sendo escolhidos pela sorte. A intolerância, o espírito de contenda, ou qualquer outra predisposição que interferisse na boa marcha da comunidade, provocaria a deposição pronta e sumária do instrutor causador da ofensa. Ele era dispensado, sem maiores cerimônias, e o que vinha logo atrás, imediatamente, era colocado em seu lugar.
134:3.7 (1486.2) Esses instrutores das várias religiões faziam um grande esforço para mostrar quão semelhantes eram as suas religiões com respeito às coisas fundamentais dessa vida e da próxima. Para que se ganhasse um assento nessa faculdade, apenas uma coisa havia de ser adotada: uma doutrina — cada instrutor devia representar uma religião que reconhecia Deus — , alguma espécie de Deidade suprema. Havia cinco instrutores independentes, na faculdade, que não representavam nenhuma religião organizada, e foi como um instrutor independente que Jesus apareceu perante eles.
134:3.8 (1486.3) [Quando nós, seres intermediários, preparávamos inicialmente o sumário dos ensinamentos de Jesus na Úrmia, surgiu um desacordo entre os serafins das igrejas e os serafins do progresso, questionando quanto à sabedoria de incluir esses ensinamentos nas Revelações de Urântia. As condições do século vinte, que prevalecem no governo da religião quanto no dos assuntos humanos, são tão diferentes daquelas que prevaleciam na época de Jesus, que realmente foi difícil adaptar os ensinamentos do Mestre na Úrmia, aos problemas do Reino de Deus e dos reinos dos homens, tais como eles existem neste século. Nunca fomos capazes de formular um documento sobre os ensinamentos do Mestre, que fosse aceitável para ambos os grupos desses serafins do governo planetário. Finalmente, o Melquisedeque catedrático da comissão reveladora apontou uma comissão de três seres da nossa ordem, para preparar a nossa visão dos ensinamentos do Mestre na Úrmia, de um modo que se adaptasse às condições religiosas e políticas deste século, em Urântia. E desse modo nós, os três seres intermediários secundários apontados, completamos essa adaptação dos ensinamentos de Jesus, restabelecendo os seus pronunciamentos do modo como nós os aplicaríamos à condição do mundo nos dias atuais e, agora, nós apresentamos estes documentos como eles ficaram depois de haverem sido editados pelo Melquisedeque catedrático da comissão reveladora.]
134:4.1 (1486.4) A irmandade dos homens é fundada na paternidade de Deus. A família de Deus deriva-se do amor de Deus — Deus é amor. Deus, o Pai, ama divinamente os Seus filhos, a todos eles.
134:4.2 (1486.5) O Reino do céu, o governo divino, é fundado no fato da soberania divina — Deus é espírito. E já que Deus é espírito, este Reino é espiritual. O Reino do céu não é nem material nem meramente intelectual; é uma relação espiritual entre Deus e o homem.
134:4.3 (1486.6) Se as religiões diferentes reconhecem a soberania espiritual de Deus, o Pai, então todas essas religiões permanecerão em paz. Apenas quando uma religião assume que de um certo modo é superior a todas as outras, e que possui autoridade exclusiva sobre outras religiões, é que essa religião ousará ser intolerante com as outras religiões ou atrever-se-á a perseguir outros crentes religiosos.
134:4.4 (1487.1) A paz religiosa — a irmandade — não pode nunca existir, a menos que todas as religiões estejam dispostas a despojar-se completamente de toda autoridade eclesiástica e a abandonar todo conceito de soberania espiritual. Apenas Deus é soberano em espírito.
134:4.5 (1487.2) Vós não podeis ter igualdade entre as religiões (liberdade religiosa) sem ter guerras religiosas, a menos que todas as religiões consintam em transferir toda a soberania a algum nível supra-humano, ao próprio Deus.
134:4.6 (1487.3) O Reino do céu nos corações dos homens criará a unidade religiosa (não necessariamente a uniformidade), porque todo e qualquer grupo religioso composto de tais crentes religiosos será livre de todas as noções de autoridade eclesiástica — a soberania religiosa.
134:4.7 (1487.4) Deus é espírito e Deus dá um fragmento do seu eu espiritual para residir no coração do homem. Espiritualmente, todos os homens são iguais. O Reino do céu é livre de castas, de classes, de níveis sociais e de grupos econômicos. Vós sois todos irmãos.
134:4.8 (1487.5) Entretanto, no momento em que vós perdeis de vista a soberania do espírito de Deus, o Pai, alguma religião começará a afirmar a sua superioridade sobre outras religiões; e então, em vez de paz na Terra e boa vontade entre os homens, as desavenças e as recriminações começarão, e também as guerras religiosas ou, ao menos, a guerra entre os religiosos.
134:4.9 (1487.6) Os seres de livre-arbítrio que se consideram iguais, a menos que mutuamente se entendam como sujeitos a alguma supra-soberania, ou alguma autoridade sobre e acima deles próprios, mais cedo ou mais tarde serão tentados a experimentar a sua capacidade de ganhar poder e autoridade sobre as outras pessoas e grupos. O conceito de igualdade nunca traz a paz, exceto no caso do reconhecimento mútuo de alguma influência supracontroladora da supra-soberania.
134:4.10 (1487.7) Os religiosos da Úrmia viveram juntos, em relativa paz e tranqüilidade, porque eles haviam abandonado completamente todas as suas noções de soberania religiosa. Espiritualmente, todos eles acreditavam em um Deus soberano; socialmente, a autoridade plena e incontestável recaía sobre o presidente deles — Cimboitom. E eles bem sabiam o que aconteceria a qualquer instrutor que ousasse impor-se aos seus companheiros instrutores. Não poderá haver nenhuma paz religiosa duradoura em Urântia, até que todos os grupos religiosos abandonem livremente todas as suas noções de favoritismo divino, de povo escolhido e de soberania religiosa. Apenas quando Deus, o Pai, tornar-Se supremo, os homens tornar-se-ão irmãos religiosos e viverão juntos em paz religiosa na Terra.
134:5.1 (1487.8) [Conquanto os ensinamentos do Mestre a respeito da soberania de Deus sejam uma verdade — complicada apenas depois do surgimento de uma religião, entre as religiões do mundo, sobre o Mestre — , as apresentações de Jesus a respeito da soberania política tornam-se amplamente complicadas pela evolução política da vida das nações durante os últimos dezenove séculos, e até mais. Nos tempos de Jesus havia apenas dois grandes poderes mundiais — o império romano no Ocidente e o império Han no Oriente — e estes estavam bastante separados pelo reino Persa e por outras terras intermediárias, das regiões do mar Cáspio e do Turquestão. Nós partimos, portanto, na apresentação seguinte, mais da essência dos ensinamentos do Mestre na Úrmia, a respeito da soberania política; e ao mesmo tempo tentamos descrever a importância de tais ensinamentos, enquanto aplicáveis ao estágio peculiarmente crítico da evolução da soberania política no século vinte depois de Cristo.]
134:5.2 (1487.9) A guerra em Urântia nunca terminará enquanto as nações apegarem-se às noções ilusórias da soberania nacional ilimitada. Há apenas dois níveis de soberania relativa em um mundo habitado: o livre-arbítrio espiritual do indivíduo mortal e a soberania coletiva da humanidade, como um todo. Entre o nível do ser humano individual e o nível da humanidade total, todos os agrupamentos e associações são relativos, transitórios e têm valor apenas pelo que podem melhorar no bem-estar, na felicidade e no progresso do indivíduo e do planeta, como um grande todo — o homem e a humanidade.
134:5.3 (1488.1) Os educadores religiosos devem lembrar-se sempre de que a soberania espiritual de Deus está acima de qualquer lealdade espiritual que possa ser interposta como intermediária. Algum dia os governantes civis aprenderão que os Altíssimos dirigem os reinos dos homens.
134:5.4 (1488.2) Essa direção dos Altíssimos nos reinos dos homens não é para beneficiar qualquer grupo especialmente favorecido de mortais. Não existe uma coisa tal como um “povo escolhido”. O governo dos Altíssimos, os supracontroladores da evolução política, é um governo destinado a fomentar o maior bem ao maior número possível entre todos os homens e durante o maior espaço de tempo.
134:5.5 (1488.3) A soberania é poder, e cresce com a organização. Esse crescimento da organização do poder político é bom e próprio, pois tende a abranger segmentos sempre mais amplos do total da humanidade. Contudo, esse mesmo crescimento das organizações políticas cria um problema, em cada estágio intermediário, entre a organização inicial e natural do poder político — a família — e a consumação final do crescimento político — o governo de toda a humanidade, por toda a humanidade e para toda a humanidade.
134:5.6 (1488.4) Começando com o poder parental, no grupo familiar, a soberania política evolui, com a sua organização, à medida que as famílias se superpõem na forma de clãs consangüíneos e se unem, por várias razões, em unidades tribais — agrupamentos políticos supraconsangüíneos. E então, por intermédio dos negócios, do comércio e das conquistas, as tribos tornam-se unificadas como uma nação, enquanto as próprias nações algumas vezes tornam-se unificadas como um império.
134:5.7 (1488.5) À medida que a soberania passa dos grupos menores para os maiores, as guerras diminuem. Isto é, as guerras menores, entre as nações menores, ficam mais raras; mas o potencial para as guerras maiores cresce à medida que as nações que exercem a soberania tornam-se cada vez maiores. Em breve, quando todo o mundo tiver sido explorado e ocupado, enquanto poucas forem as nações fortes e poderosas, quando essas nações grandes e supostamente soberanas tocarem as fronteiras, quando apenas os oceanos as separarem, então o quadro estará pronto para as guerras maiores, para os conflitos mundiais. As nações chamadas soberanas não podem acotovelar-se sem gerar conflitos e guerras.
134:5.8 (1488.6) A dificuldade na evolução da soberania política, desde a família até toda a humanidade, repousa na resistência inercial demonstrada em todos os níveis intermediários. As famílias, nessa ocasião, desafiaram o seu clã, enquanto os clãs e as tribos têm, freqüentemente, subvertido a soberania do estado territorial. Cada novo progresso, na evolução da soberania política, é (e tem sempre sido) embaraçado e impedido pelos “estágios andaimes-temporários” dos desenvolvimentos anteriores na organização política. E isso é verdade porque as lealdades humanas, uma vez mobilizadas, são difíceis de mudar. A mesma lealdade que torna possível a evolução da tribo, torna difícil a evolução da supertribo — o estado territorial. E a mesma lealdade (o patriotismo) que torna possível a evolução do estado territorial complica bastante o desenvolvimento evolucionário do governo de toda a humanidade.
134:5.9 (1488.7) A soberania política é criada graças ao abandono ao autodeterminismo, primeiro da parte do indivíduo dentro da família e, então, pelas famílias e clãs em relação à tribo e aos agrupamentos maiores. Essa transferência progressiva da autodeterminação de organizações pequenas para organizações políticas cada vez maiores, geralmente, tem tido seqüência, sem desaceleração, no Oriente, desde o estabelecimento das dinastias Ming e Mogul. No Ocidente, por mais de mil anos, ela prevaleceu até o fim da guerra mundial, quando um desafortunado movimento retrógrado reverteu, temporariamente, essa tendência normal, restabelecendo a soberania política então em submersão de numerosos grupos pequenos na Europa.
134:5.10 (1489.1) Urântia não desfrutará de uma paz duradoura antes que as nações chamadas soberanas coloquem, inteligente e plenamente, os seus poderes soberanos nas mãos da irmandade dos homens — o governo da humanidade. O internacionalismo — a liga entre as nações — nunca pode trazer a paz permanente à humanidade. As confederações das nações, de amplitude mundial, efetivamente impedirão guerras menores e controlarão aceitavelmente as nações menores; elas não impedirão, no entanto, as guerras mundiais, nem controlarão três, quatro ou cinco dos governos mais poderosos. Em face de conflitos reais, um desses poderes mundiais retirar-se-ia da liga e iria declarar guerra. Vós não podereis impedir as nações de entrar na guerra, enquanto elas permanecerem infectadas com o vírus enganoso da soberania nacional. O internacionalismo é um passo na direção certa. Uma força policial internacional impedirá muitas guerras menores. mas não será eficaz a ponto de impedir as guerras maiores, os conflitos entre os grandes governos militares da Terra.
134:5.11 (1489.2) À medida que decrescer o número das nações verdadeiramente soberanas (os grandes poderes), crescerão tanto a oportunidade quanto a necessidade de um governo para toda a humanidade. Quando há apenas uns poucos poderes (grandes), realmente soberanos, ou eles devem lançar-se na luta de vida ou morte pela supremacia nacional (imperial), ou então, pelo abandono voluntário de algumas prerrogativas da soberania; o certo é que devem criar o núcleo essencial do poder supranacional que servirá de começo à soberania real de toda a humanidade.
134:5.12 (1489.3) A paz não virá a Urântia até que todas as chamadas nações soberanas coloquem os seus poderes de fazer guerra nas mãos de um governo representante de toda a humanidade. A soberania política é inata aos povos do mundo. Quando todos os povos de Urântia criarem um governo mundial, eles terão o direito e o poder de fazer dele um governo SOBERANO; e quando esse representante, ou poder democrático mundial, controlar as terras, o ar e as forças navais do mundo, a paz na Terra e a boa vontade entre os homens poderá prevalecer — mas não antes disso.
134:5.13 (1489.4) Para usar uma importante ilustração dos séculos dezenove e vinte: os quarenta e oito estados da União Federal Americana vêm, há muito, desfrutando da paz. Eles não mais tiveram guerras entre si próprios. Eles entregaram a sua soberania ao governo federal e, por meio de um arbitramento, em caso de guerra, abandonaram todas as reivindicações ilusórias de autodeterminação. Enquanto cada estado regular os seus assuntos internos, ele não se preocupará com relações exteriores, tarifas, imigração, assuntos militares ou com o comércio interestadual. Nem os estados individualmente preocupar-se-ão com as questões da cidadania. Os quarenta e oito estados sofrem a devastação da guerra apenas quando a soberania do governo federal, de algum modo, é ameaçada.
134:5.14 (1489.5) Esses quarenta e oito estados, tendo abandonado o duplo sofisma da soberania e da autodeterminação, desfrutam da paz e da tranqüilidade interestadual. Assim, as nações de Urântia começam a gozar da paz, quando elas abandonam livremente as suas respectivas soberanias, colocando-as nas mãos de um governo global — a soberania da irmandade dos homens. Nesse estado mundial, as pequenas nações serão tão poderosas quanto as grandes; assim,do mesmo modo que o pequeno estado de Rode Island tem os seus dois senadores no Congresso americano, os populosos estados de Nova Iorque ou o estado imenso do Texas também têm.
134:5.15 (1490.1) A soberania limitada (do Estado) desses quarenta e oito estados foi criada pelos homens e para os homens. A soberania do supra-Estado (o nacional) da União Federal Americana foi criada pelos treze estados originais, dentre esses, para o seu próprio benefício e para o benefício dos homens. Em alguma época, a soberania supranacional dos governos planetários da humanidade será similarmente criada pelas nações, para o seu próprio benefício e para benefício de todos os homens.
134:5.16 (1490.2) Os cidadãos não nascem para o benefício dos governos; os governos são organizações criadas, e legadas, para o benefício dos homens. Não pode haver um fim para a evolução da soberania política sem o surgimento do governo em soberania de todos os homens. Todas as outras soberanias são relativas em valor; de significado apenas intermediário e status subordinado.
134:5.17 (1490.3) Com o progresso científico, as guerras tornar-se-ão mais e mais devastadoras, até que se tornem quase racialmente suicidas. Quantas guerras mundiais devem ser travadas e quantas ligas das nações devem fracassar, antes que os homens estejam dispostos a estabelecer o governo da humanidade e comecem a gozar das bênçãos de uma paz permanente e prosperem na tranqüilidade da boa vontade — da boa vontade de âmbito mundial — entre os homens?
134:6.1 (1490.4) Se um homem almeja a independência — a liberdade — , ele deve lembrar-se de que todos os outros homens anseiam pela mesma autonomia. Os grupos desses mortais amantes da liberdade não podem viver juntos, em paz, sem tornarem-se obedientes a leis, regras e regulamentos tais que concedam a cada uma das suas pessoas o mesmo grau de liberdade, salvaguardando, ao mesmo tempo, um grau igual de liberdade a todos os outros companheiros mortais. Se um homem deve ser absolutamente livre, então um outro deve tornar-se um escravo absoluto. E a natureza relativa da liberdade é, econômica e politicamente, uma verdade social. A liberdade é a dádiva da civilização, tornada possível por força da LEI.
134:6.2 (1490.5) A religião torna espiritualmente possível realizar a irmandade dos homens, mas isso exigirá um governo, de toda a humanidade, para regulamentar a questão social, econômica e política, ligada a essa meta de felicidade e eficiência humanas.
134:6.3 (1490.6) Enquanto a soberania política do mundo estiver dividida e nas mãos de um grupo de estados-nações, haverá guerras e rumores de guerras — e nação levantar- se-á contra nação. A Inglaterra, a Escócia e o País de Gales mantiveram-se sempre em luta, uns contra os outros, até que abdicaram das respectivas soberanias, confiando-as ao Reino Unido.
134:6.4 (1490.7) Uma outra guerra mundial ensinará às nações ditas soberanas a formar alguma espécie de federação, criando assim o instrumento para impedir as pequenas guerras, guerras entre as nações menores. Mas as guerras globais continuarão enquanto não for criado o governo da humanidade. A soberania global impedirá as guerras globais — nenhuma outra coisa poderá fazê-lo.
134:6.5 (1490.8) Os quarenta e oito estados livres da América vivem juntos em paz. Há entre os cidadãos, desses quarenta e oito estados, todas as raças e as diversas nacionalidades, provenientes da Europa, que estão sempre em guerra. Esses americanos representam quase todas as religiões, seitas religiosas e cultos de todo o amplo mundo, mas ali na América do Norte eles vivem juntos em paz. E tudo isso se faz possível porque os quarenta e oito estados entregaram a sua soberania e abandonaram todas as noções de supostos direitos de autodeterminação.
134:6.6 (1490.9) Não é uma questão de armamento ou de desarmamento. Nem a questão de o recrutamento militar ser voluntário ou obrigatório, também, não pesa nessa questão de manter a paz mundial. Se vós tirardes, das mãos das nações fortes, todas as formas de armamentos mecânicos modernos e todos os tipos de explosivos, elas irão lutar com os punhos, com pedras e cassetetes, enquanto estiverem aferradas às suas ilusões de direito divino à soberania nacional.
134:6.7 (1491.1) A guerra não é a grande e terrível doença do homem; a guerra é um sintoma, um resultado. A doença, de fato, é o vírus da soberania nacional.
134:6.8 (1491.2) As nações de Urântia não têm desfrutado da verdadeira soberania; elas nunca tiveram uma soberania que pudesse protegê-las das pilhagens e devastações das guerras mundiais. Na criação do governo global da humanidade, as nações não estariam abdicando da sua soberania tanto quanto estariam de fato criando uma soberania mundial real, autêntica e duradoura que, daí por diante, seria plenamente capaz de protegê-las de qualquer guerra. Os assuntos locais seriam controlados pelos governos locais; os assuntos nacionais, pelos governos nacionais; os assuntos internacionais seriam administrados pelo governo planetário.
134:6.9 (1491.3) A paz mundial não pode ser mantida por tratados, pela diplomacia, pelas políticas exteriores, ou alianças, ou pelo equilíbrio dos poderes, nem por qualquer outro tipo de substituto para negociar com as soberanias dos nacionalismos. A lei mundial deve vir a existir e deve ser imposta pelo governo do planeta — a soberania de toda a humanidade.
134:6.10 (1491.4) O indivíduo gozará de muito mais liberdade sob o governo mundial. Os cidadãos das grandes potências, hoje, são taxados, regulados e controlados quase que opressivamente, e uma boa parte dessa interferência atual nas liberdades individuais desaparecerá quando os governos nacionais estiverem dispostos a confiar a sua soberania, no que diz respeito aos assuntos internacionais, nas mãos do governo geral do planeta.
134:6.11 (1491.5) Sob um governo de todo o globo, os grupos nacionais terão uma oportunidade real de realizar e de desfrutar das liberdades pessoais genuínas da democracia. E isso porá fim à falácia da autodeterminação. Com a regulamentação para todo o planeta, do dinheiro e do comércio, virá uma nova era de paz mundial. Logo, uma linguagem global poderá vir a evoluir, e haverá pelo menos alguma esperança de que algum dia surja uma religião única global — ou religiões com um ponto de vista planetário global único.
134:6.12 (1491.6) A segurança coletiva nunca proporcionará a paz, enquanto a coletividade não incluir toda a humanidade.
134:6.13 (1491.7) A soberania política do governo representativo da humanidade trará uma paz perene à Terra; e a fraternidade espiritual abrangendo toda a humanidade assegurará para sempre a boa vontade entre todos os homens. E não há outro modo pelo qual a paz na Terra e a boa vontade entre os homens possam realizar-se.
* * *
134:6.15 (1491.8) Após a morte de Cimboitom, os seus filhos tiveram muitas dificuldades em manter a faculdade em paz. As repercussões dos ensinamentos de Jesus teriam sido ainda maiores se os educadores cristãos posteriores que se juntaram à faculdade da Úrmia tivessem demonstrado mais sabedoria e praticado mais a tolerância.
134:6.16 (1491.9) O filho mais velho de Cimboitom pediu ajuda a Abner, na Filadélfia, mas a escolha que Abner fez dos professores foi infeliz, pois eles mostraram-se inflexíveis e intransigentes. Esses professores buscaram fazer com que a sua religião predominasse sobre as outras crenças. Eles jamais suspeitaram de que as conferências do condutor de caravanas, às quais sempre eles se referiam, haviam sido feitas pessoalmente pelo próprio Jesus.
134:6.17 (1491.10) Como a confusão cresceu na faculdade, os três irmãos retiraram seu apoio financeiro e, em cinco anos, a escola fechou. Mais tarde foi reaberta para ser um templo mitraico e, finalmente, foi incendiada em conseqüência de uma das suas celebrações orgíacas.
134:7.1 (1492.1) Quando Jesus voltou da viagem ao mar Cáspio, ele sabia que as suas viagens pelo mundo haviam como que acabado. Apenas uma viagem mais para fora da Palestina ele fez, e foi para a Síria. Depois de uma breve visita a Cafarnaum, ele foi a Nazaré, parando lá uns poucos dias, com o intuito de fazer visitas. No meio do mês de abril ele saiu de Nazaré, indo para Tiro. De lá Jesus viajou para o norte, ficando alguns dias em Sidom, mas o seu destino era a Antioquia.
134:7.2 (1492.2) Esse é o ano das peregrinações solitárias de Jesus pela Palestina e pela Síria. Durante esse ano de viagens, ele ficou conhecido por vários nomes em diferentes partes do país: Carpinteiro de Nazaré, Construtor de Barcos de Cafarnaum, Escriba de Damasco e Mestre de Alexandria.
134:7.3 (1492.3) Em Antioquia o Filho do Homem viveu por mais de dois meses, trabalhando, observando, estudando, conversando, ministrando e, durante todo o tempo, assimilando o modo como o homem vive, pensa, sente e reage ao ambiente da existência humana. Por três semanas, durante esse período, Jesus trabalhou como fabricante de tendas. E permaneceu por mais tempo na Antioquia do que em qualquer outro lugar que visitou nessa viagem. Dez anos mais tarde, quando o apóstolo Paulo estava pregando na Antioquia e ouviu os seus seguidores falando das doutrinas do Escriba de Damasco, ele mal sabia que os seus alunos tinham ouvido a voz, e escutado os ensinamentos diretamente do próprio Mestre.
134:7.4 (1492.4) Da Antioquia Jesus viajou para o sul, pela costa, até Cesaréia, onde permaneceu por umas poucas semanas, continuando pela costa até Jopa. De Jopa rumou em direção ao interior para Jamnia, Ashdod e Gaza. De Gaza ele tomou a estrada que vai para o interior até Beersheba, onde ele permaneceu por uma semana.
134:7.5 (1492.5) Jesus então começou a sua viagem final, como indivíduo, e, particularmente, pelo centro da Palestina, indo de Beersheba, no sul, para Dan, ao norte. Nessa viagem para o norte ele parou em Hebrom, em Belém (onde viu o local do seu nascimento), Jerusalém (ele não visitou Betânia), Beirute, Líbano, Sicar, Sechem, Samaria, Geba, Enganim, En-dor, Madon; passando por Magdala e Cafarnaum, ele viajou para o norte; e, seguindo a leste das Águas de Merom, passou também por Carata, indo até Dan, ou a Cesaréia-Filipe.
134:7.6 (1492.6) O Ajustador do Pensamento residente, a partir de agora, conduzia Jesus a deixar de lado os locais onde moram os homens e a dirigir-se até o monte Hermom, para que ele pudesse completar o trabalho de ter a sua mente humana sob a própria mestria e terminar a tarefa de realizar a consagração plena de si ao remanescente do trabalho da sua vida na Terra.
134:7.7 (1492.7) Essa foi uma dessas épocas inusitadas e extraordinárias na vida terrena do Mestre em Urântia. Uma época de importância similar foi a da experiência pela qual ele passou quando estava só, nos montes perto de Pela, pouco depois do seu batismo. Esse período de isolamento no monte Hermom marcou o término da sua carreira puramente humana, isto é, o término técnico da auto-outorga mortal; ao passo que o isolamento posterior demarcou o começo da fase mais divina da auto-outorga. E Jesus viveu a sós com Deus durante seis semanas nas escarpas do monte Hermom.
134:8.1 (1492.8) Depois de passar algum tempo na vizinhança de Cesaréia-Filipe, Jesus aprontou os seus suprimentos e conseguiu uma besta de carga e um garoto de nome Tiglá; e então seguiu pela estrada de Damasco até uma aldeia conhecida como Be-Jenn, ao pé do monte Hermom. Ali, por volta de meados de agosto, do ano 25 d.C., ele estabeleceu o seu acampamento e, deixando o seu suprimento sob a custódia de Tiglá, subiu as escarpas desoladas da montanha. Tiglá acompanhou Jesus, nesse primeiro dia montanha acima, até um determinado ponto a uns 2 000 metros de altitude acima do nível do mar, onde eles construíram um nicho de pedra no qual Tiglá devia colocar comida duas vezes por semana.
134:8.2 (1493.1) No primeiro dia, depois de deixar Tiglá, Jesus havia subido a montanha apenas um pouco mais quando parou para orar. Entre outras coisas ele pediu ao seu Pai para enviar o serafim guardião que devia “ficar com Tiglá”. Ele pediu que lhe fosse permitido subir, e ter a sua última luta a sós com as realidades da existência mortal. E o seu pedido foi-lhe concedido. E foi para a grande prova apenas com o seu Ajustador residente a guiá-lo e dar-lhe apoio.
134:8.3 (1493.2) Jesus comeu frugalmente, enquanto estava na montanha; ele absteve-se inteiramente de comida apenas um dia ou dois por vez. Os seres supra-humanos que se confrontaram com ele, nessa montanha, e com quem ele combateu em espírito, e a quem ele derrotou em poder, eram reais; eram os seus arquiinimigos do sistema de Satânia; não eram fantasmas da imaginação que surgiram das fantasias intelectuais de um mortal enfraquecido e faminto, que não conseguia distinguir a realidade das visões causadas por uma mente perturbada.
134:8.4 (1493.3) Jesus passou as três últimas semanas de agosto e as primeiras três semanas de setembro no monte Hermom. Durante essas semanas, ele terminou a tarefa mortal de entrar e passar pelos círculos da compreensão mental e do controle da personalidade. Durante todo esse período de comunhão com o seu Pai celeste, o Ajustador residente também completou os serviços a ele atribuídos. A meta mortal dessa criatura terrena, ali então, foi alcançada. Apenas a fase final de afinação entre a mente e o Ajustador ficou ainda para ser consumada.
134:8.5 (1493.4) Depois de mais de seis meses de comunhão ininterrupta com o seu Pai do Paraíso, Jesus tornara-se absolutamente seguro sobre a sua natureza e certo do seu triunfo sobre os níveis materiais da manifestação tempo-espacial da personalidade. Ele acreditou integralmente na ascendência da sua natureza divina sobre a sua natureza humana e não hesitou em afirmá-la.
134:8.6 (1493.5) Perto do final da permanência nas montanhas, Jesus perguntou ao seu Pai se lhe poderia ser permitido manter uma conversa com os seus inimigos de Satânia, enquanto Filho do Homem, como Joshua ben José. Esse pedido lhe foi concedido. Durante a última semana no monte Hermom, a grande tentação, a provação universal, aconteceu. Satã (representando Lúcifer) e Caligástia, o Príncipe Planetário rebelde, estiveram presentes junto a Jesus e foram tornados plenamente visíveis para ele. E, assim, pois, tal “tentação”, essa provação final de lealdade humana em face das exposições falaciosas das personalidades rebeldes, nada tivera a ver com alimentos, nem com pináculos de templos, nem com atos presunçosos. Nada teve a ver com os reinos deste mundo, teve, sim, a ver com a soberania de um universo poderoso e glorioso. O simbolismo, nas vossas escrituras, foi elaborado para ser dirigido a épocas anteriores, nas quais o pensamento do mundo ainda era infantil. E as gerações posteriores deveriam compreender quão grande foi a luta pela qual o Filho do Homem passou durante aquele dia memorável no monte Hermom.
134:8.7 (1493.6) Às muitas propostas e contrapropostas dos emissários de Lúcifer, Jesus apenas respondeu: “Que prevaleça a vontade do meu Pai no Paraíso, e que a vós, meus filhos rebeldes, possam os Anciães dos Dias julgar-vos divinamente. Eu sou o vosso Criador-pai; não posso julgar-vos com justiça; a minha misericórdia vós já a desprezastes. Eu vos entrego ao julgamento dos Juízes de um universo maior”.
134:8.8 (1494.1) Quanto a todos os expedientes e acordos sugeridos por Lúcifer, às propostas ilusórias sobre a auto-outorga de encarnação, Jesus apenas fez o comentário: “A vontade do meu Pai no Paraíso seja feita”. E, quando a severa provação chegou ao fim, o serafim destacado para ser o guardião voltou-se na direção de Jesus e levou até ele a sua ministração.
134:8.9 (1494.2) Nessa tarde, no final do verão, entre as árvores e no silêncio da natureza, Michael de Nébadon conquistou a soberania inquestionável do seu universo. Nesse dia, ele completou a tarefa preestabelecida, para os Filhos Criadores, de viver completamente a vida encarnada à semelhança da carne mortal nos mundos evolucionários do tempo e do espaço. O anúncio, para o universo, dessa memorável realização, não foi feito até o dia do seu batismo, meses depois, mas tudo aconteceu realmente naquele dia na montanha. E, quando Jesus desceu da sua estada no monte Hermom, a rebelião de Lúcifer em Satânia e a secessão de Caligástia em Urântia estavam virtualmente acalmadas. Jesus havia pagado o último preço exigido dele para alcançar a soberania do seu universo, que por si mesma regulamenta sobre o status de todos os rebeldes e determina que todos os futuros levantes (se um dia ocorrerem) possam ser tratados sumária e efetivamente. E, desse modo, pode-se ver que a chamada “grande tentação” de Jesus aconteceu algum tempo antes do seu batismo e não pouco depois daquele evento.
134:8.10 (1494.3) Ao final dessa permanência na montanha, quando Jesus estava descendo, encontrou Tiglá subindo para o compromisso de levar a comida. Chamando-o a voltar, Jesus apenas disse: “O período de descanso chegou ao fim; devo agora voltar a cuidar dos assuntos do meu Pai”. Tornara-se um homem silencioso e estava muito mudado, quando voltaram para Dan, onde ele deixou o garoto e deu a ele o burro. E Jesus prosseguiu para o sul, pelo mesmo caminho que tinha percorrido para chegar em Cafarnaum.
134:9.1 (1494.4) Estava agora próximo o fim do verão; era a época do dia da reconciliação e da Festa de Tabernáculos. Jesus tinha um encontro de família em Cafarnaum durante o sábado e, no dia seguinte, partiu para Jerusalém com João, o filho de Zebedeu, indo para o leste do lago, por Gerasa e descendo pelo vale do rio Jordão. Enquanto visitavam alguns dos seus companheiros, no caminho, João percebeu uma grande mudança em Jesus.
134:9.2 (1494.5) Jesus e João pararam para passar a noite em Betânia com Lázaro e as suas irmãs, indo bem cedo na manhã seguinte para Jerusalém. Eles passaram quase três semanas na cidade e nas cercanias, ou pelo menos João passou. Muitas vezes João ia só até Jerusalém, enquanto Jesus caminhava pelas montanhas vizinhas, para ter muitos períodos de comunhão espiritual com o seu Pai no céu.
134:9.3 (1494.6) Ambos estiveram presentes aos serviços solenes do dia da reconciliação. João ficou muito impressionado com as cerimônias desses dias de ritual religioso judeu, mas Jesus permaneceu como um espectador pensativo e silencioso. Para o Filho do Homem esse espetáculo foi patético e deplorável. Ele viu tudo como uma falsa representação do caráter e dos atributos do seu Pai no céu. E considerou os acontecimentos daquele dia como uma caricatura dos fatos da justiça divina e das verdades da misericórdia infinita. Ele fervia de desejo de dar expansão à declaração da verdade real sobre o caráter amoroso do seu Pai e sobre a conduta misericordiosa no universo, mas o seu fiel Monitor admoestou-o de que a sua hora não tinha ainda chegado. Contudo, naquela noite em Betânia, Jesus fez inúmeros comentários que deixaram João bastante perturbado; e João nunca compreendeu totalmente o significado real do que Jesus dissera na conversa daquela noite.
134:9.4 (1495.1) Jesus planejava ficar durante a semana da Festa de Tabernáculos com João. Essa festa era o feriado anual de toda a Palestina; era a época das férias judaicas. Embora Jesus não tenha participado da folia da ocasião, era evidente que lhe causava prazer e proporcionava satisfação ver como jovens e velhos, descontraídos, se entregavam à alegria.
134:9.5 (1495.2) No meio da semana de celebrações e antes de terminarem as festividades, Jesus despediu-se de João, dizendo que desejava retirar-se para as montanhas, onde melhor poderia comungar com o seu Pai do Paraíso. João teria ido com ele, mas Jesus insistiu para que ele ficasse para as festividades, dizendo: “Não é necessário que tu carregues o fardo do Filho do Homem; apenas o guardião deve manter-se de vigília enquanto a cidade dorme em paz”. Jesus não voltou para Jerusalém. Depois de quase uma semana a sós nas colinas perto de Betânia, ele partiu para Cafarnaum. A caminho de casa, passou um dia e uma noite a sós nas escarpas de Gilboa, perto do local onde o rei Saul havia se matado; e, quando chegou a Cafarnaum, ele parecia mais alegre do que quando se despedira de João em Jerusalém.
134:9.6 (1495.3) Na manhã seguinte Jesus foi à arca que continha os seus objetos pessoais, que havia deixado no escritório de Zebedeu, colocou o seu avental e apresentou-se para o trabalho, dizendo: “A mim me convém manter-me ocupado enquanto espero que chegue a minha hora”. E trabalhou por vários meses, até janeiro do ano seguinte, na oficina de barcos, ao lado do seu irmão Tiago. Depois desse período de trabalho com Jesus, não importando quais dúvidas viessem ainda a encobrir o entendimento que Tiago tivesse sobre o trabalho da vida do Filho do Homem, ele nunca mais perderia real e totalmente a sua fé na missão de Jesus.
134:9.7 (1495.4) Durante esse período final do seu trabalho na oficina de barcos, Jesus passou a maior parte do seu tempo no interior dela, fazendo o acabamento de alguma embarcação grande. Ele punha um grande cuidado em todo o seu trabalho manual e parecia ter uma grande satisfação de realização humana quando terminava uma peça digna de elogios. Embora gastasse pouco tempo com detalhes pequenos, ele era um artesão paciente quando se tratava da parte essencial de qualquer empreendimento.
134:9.8 (1495.5) Com o passar do tempo, chegaram rumores, em Cafarnaum, sobre um tal de João que pregava enquanto batizava os penitentes no rio Jordão, e João pregava: “O Reino do céu está ao alcance da mão; arrependei-vos e sejais batizados”. Jesus soube dessas informações enquanto João lentamente subia o vale do Jordão, partindo do vau do rio, no ponto mais próximo de Jerusalém. Jesus, no entanto, continuou trabalhando, fazendo barcos, até que João tivesse subido o rio até um ponto perto de Pela, no mês de janeiro do ano seguinte, de 26 d.C., e, então Jesus depôs as suas ferramentas, e declarou: “É chegada a minha hora”; e, em breve, ele apresentou-se a João para o batismo.
134:9.9 (1495.6) Todavia, uma grande mudança havia acontecido em Jesus. Poucas daquelas pessoas que tinham desfrutado das suas visitas e das suas ministrações, nas suas idas e vindas naquela terra, jamais reconheceriam, posteriormente, no educador público, a mesma pessoa que haviam conhecido e amado anteriormente como um indivíduo particular. E existia uma razão para que aqueles que se haviam beneficiado anteriormente dos seus serviços não o reconhecessem, posteriormente, no seu papel de um educador público cheio de autoridade. Durante longos anos essa transformação de mente e de espírito tinha estado em progresso, completando- se durante aquela temporada memorável no monte Hermom.
O Livro de Urântia
Documento 135
135:0.1 (1496.1) JOÃO Batista nasceu aos 25 de março, do ano 7 a.C., de acordo com a promessa feita por Gabriel a Isabel, em junho do ano anterior. Por cinco meses, Isabel manteve o segredo sobre a visitação de Gabriel; e, quando ela contou ao seu marido, Zacarias, ele ficou muito perturbado e só acreditou na narrativa dela depois de ter tido um sonho inusitado, seis semanas antes do nascimento de João. Excetuando-se a visita de Gabriel a Isabel e o sonho de Zacarias, não houve nada de inusitado ou sobrenatural relacionado ao nascimento de João Batista.
135:0.2 (1496.2) Ao oitavo dia, João foi circuncidado segundo o costume judaico. Ele cresceu como uma criança comum, dia a dia e ano a ano, na pequena aldeia conhecida naqueles dias como a Cidade de Judá, localizada a cerca de seis quilômetros a oeste de Jerusalém.
135:0.3 (1496.3) O acontecimento mais notável na primeira infância de João foi a visita, em companhia dos seus pais, a Jesus e à família de Nazaré. Essa visita ocorreu no mês de junho, do primeiro ano a.C., quando ele tinha pouco mais de seis anos de idade.
135:0.4 (1496.4) Depois do retorno de Nazaré, os pais de João começaram a educação sistemática do garoto. Não havia nenhuma escola de sinagoga nessa pequena aldeia; contudo, sendo um sacerdote, Zacarias era bastante bem instruído e Isabel tinha muito mais instrução do que o comum das mulheres judias; ela pertencia ao sacerdócio, sendo uma descendente das “filhas de Aarão”. Como João era o único filho, eles despendiam uma boa parte do seu tempo com a preparação mental dele e com a sua educação espiritual. Zacarias tinha apenas curtos períodos de serviço no templo em Jerusalém, de modo que se dedicava longamente a educar o seu filho.
135:0.5 (1496.5) Zacarias e Isabel tinham uma pequena fazenda na qual criavam ovelhas. Não chegavam a ganhar a vida com essa terra, mas Zacarias tinha um soldo regular que recebia e que provinha da parte da renda do templo dedicada ao sacerdócio.
135:1.1 (1496.6) Não havia escola em que João pudesse graduar-se na idade de quatorze anos, mas os seus pais haviam escolhido aquele ano como sendo o mais apropriado para que ele fizesse o voto formal de nazarita. E, desse modo, Zacarias e Isabel levaram seu filho a Engedi, à beira do mar Morto. A sede sulina da irmandade nazarita localizava-se ali, nesta o jovem foi devida e solenemente introduzido à vida dentro dessa ordem. Depois dessas cerimônias e de fazer os votos de abstenção de todas as bebidas intoxicantes, de deixar o cabelo crescer e de abster-se de tocar nos mortos, a família rumou para Jerusalém, onde, diante do templo, João completou as oferendas que eram requeridas dos que faziam os votos dos nazaritas.
135:1.2 (1496.7) João fez os mesmos votos que tinham sido administrados aos seus ilustres predecessores, Sansão e o profeta Samuel. Um nazarita vitalício era visto como uma personalidade santificada e sagrada. Os judeus encaravam um nazarita quase com o mesmo respeito e a veneração dedicada ao sumo sacerdote, e isso não era de se estranhar já que os nazaritas de consagração vitalícia eram as únicas pessoas, além dos altos sacerdotes, a quem era sempre permitido entrar no local santo, dos santos, de um templo.
135:1.3 (1497.1) De Jerusalém, João retornou à sua casa, para cuidar das ovelhas de seu pai e cresceu até virar um homem forte e de caráter nobre.
135:1.4 (1497.2) Aos dezesseis anos, João, em conseqüência de ter lido sobre Elias, ficou tão fortemente impressionado com o profeta do monte Carmelo, que decidiu adotar a sua maneira de vestir. Daquele dia em diante, João sempre usava uma veste de pele e um cinturão de couro. Aos dezesseis anos, ele tinha mais de um metro e oitenta de altura e estava já quase plenamente desenvolvido. Com os seus grandes cabelos soltos e o seu modo peculiar de vestir-se, ele era de fato um jovem pitoresco. E seus pais esperavam grandes coisas do único filho deles, uma criança prometida e um nazarita para toda a vida.
135:2.1 (1497.3) Após uma doença de muitos meses Zacarias morreu em julho, no ano 12 d.C., quando João tinha um pouco mais de dezoito anos. Essa foi uma época de grande embaraço para João, pois o voto nazarita o proibia de ter contato com os mortos, ainda que da própria família. Embora João estivesse empenhado em cumprir as restrições do seu voto, a respeito da contaminação por meio dos mortos, ele duvidava que tivesse sido totalmente obediente às exigências da ordem nazarita; portanto, depois que o seu pai tinha sido enterrado, ele foi a Jerusalém, onde, no nicho nazarita da praça das mulheres, ele ofereceu os sacrifícios necessários para a sua purificação.
135:2.2 (1497.4) Em setembro desse ano, Isabel e João fizeram uma viagem a Nazaré para visitar Maria e Jesus. João estava quase se decidindo a começar o trabalho da sua vida, quando foi exortado, não apenas pelas palavras de Jesus mas também pelo seu exemplo, a retornar à sua casa, tomar conta da sua mãe, e esperar pela “chegada da hora do Pai”. Após despedir-se de Jesus e Maria, no fim da agradável visita, João não viu Jesus de novo até o evento do seu batismo no Jordão.
135:2.3 (1497.5) João e Isabel retornaram para a sua casa e começaram a fazer planos para o futuro. Posto que João recusou-se a aceitar o soldo de sacerdote que lhe era devido dos fundos do templo, no fim de dois anos eles não tinham como manter até mesmo a própria casa; e então decidiram ir para o sul levando o rebanho de ovelhas. Conseqüentemente, o verão em que João fez vinte anos testemunhou a mudança deles para Hebrom. No chamado “deserto da Judéia”, João guardava as suas ovelhas ao lado de um riacho, que era o afluente de uma corrente maior que chegava ao mar Morto, em Engedi. A colônia de Engedi incluía não apenas os nazaritas por consagração vitalícia ou de duração determinada, mas numerosos outros pastores ascetas que se congregavam nessa região com os seus rebanhos e que se confraternizavam com a irmandade nazarita. Eles mantinham-se com a criação de ovelhas e com as doações que os judeus ricos faziam à ordem.
135:2.4 (1497.6) À medida que o tempo passava, João retornava menos assiduamente a Hebrom, enquanto fazia visitas mais freqüentes a Engedi. Ele era tão inteiramente diferente da maioria de nazaritas que achou muito difícil confraternizar-se plenamente com a irmandade. Todavia, ele gostava muito de Abner, líder e dirigente reconhecido da colônia de Engedi.
135:3.1 (1497.7) Ao longo do vale desse pequeno riacho, João construiu nada menos do que uma dúzia de abrigos de pedra e de currais noturnos, consistindo de pedras empilhadas, onde ele podia vigiar e guardar os seus rebanhos de ovelhas e cabras. A vida de João como pastor permitia a ele ter uma boa parte do seu tempo para pensar. Conversava muito com Ezda, um jovem órfão de Betezur, a quem ele havia de um certo modo adotado e que cuidava dos rebanhos quando ele fazia as suas viagens a Hebrom, para ver a sua mãe e para vender ovelhas, bem como quando ele ia até Engedi para os serviços do sábado. João e o jovem viviam com muita simplicidade, sobrevivendo da carne, do leite de cabra, de mel silvestre e dos gafanhotos comestíveis daquela região. Essa sua dieta regular era complementada pelas provisões trazidas de Hebrom e de Engedi, de tempos em tempos.
135:3.2 (1498.1) Isabel mantinha João informado sobre os assuntos da Palestina e do mundo; a sua convicção ficava mais e mais profunda, de que a hora aproximava-se rapidamente, em que a velha ordem teria um fim; e de que ele próprio estava para tornar-se o arauto da chegada de uma nova idade, “o Reino do céu”. Esse rude pastor tinha uma grande predileção pelos escritos do profeta Daniel. Lera mil vezes a descrição que Daniel fizera da grande imagem que, segundo Zacarias lhe havia contado, representava a história dos grandes reinos do mundo, começando com a Babilônia e, então, a Pérsia, a Grécia e finalmente Roma. João percebia que Roma era já composta de povos e raças de línguas diferentes, que não poderia jamais se tornar um império fortemente embasado e firmemente consolidado. Ele acreditava que Roma, mesmo então, já estava dividida em Síria, Egito, Palestina e outras províncias. E, então, ele ainda lia: “nos dias desses reis, o Deus dos céus irá estabelecer um Reino que nunca será destruído; e este Reino não será entregue a outro povo, mas partirá em pedaços e consumirá todos os outros reinos e permanecerá para sempre”. “E foram dados a ele o domínio, a glória e um Reino, de tal modo que todos os povos, de todas as nações e línguas, deveriam servir a ele. O seu domínio é um domínio perene, que não passará; e o seu Reino nunca será destruído.” “E o reino, o domínio e a grandeza do Reino sob todos os céus serão dados ao povo dos santos do Altíssimo, cujo reino é um Reino eterno, e todos os domínios servirão e obedecerão a ele.”
135:3.3 (1498.2) João nunca foi completamente capaz de elevar-se acima da confusão produzida por aquilo que ele havia escutado dos seus pais a respeito de Jesus e dessas passagens que lera nas escrituras. Em Daniel ele lera: “Eu vi, nas visões noturnas, e eis que alguém como o Filho do Homem veio com as nuvens dos céus, e foram dados a ele o domínio, a glória e um reino”. Mas essas palavras do profeta não se harmonizaram com o que os seus pais haviam ensinado a ele. Nem a sua conversa com Jesus, na época da sua visita quando tinha dezoito anos, correspondia a essas afirmações das escrituras. Apesar dessa confusão, e diante de toda essa perplexidade, a sua mãe assegurou-lhe de que o seu primo distante, Jesus de Nazaré, era o verdadeiro Messias, que tinha vindo para assentar no trono de Davi; e que ele (João) tornar-se-ia o seu arauto avançado e seu principal apoio.
135:3.4 (1498.3) De tudo o que ouvira da maldade e do vício de Roma e da devassidão e da esterilidade moral do império, daquilo que ele sabia sobre os atos perversos de Herodes Antipas e dos governadores da Judéia, João estava com a mente pronta a acreditar que o fim dessa época era iminente. Parecia, a esse nobre e rude filho da natureza, que o mundo estava maduro para o fim da idade do homem e para o alvorecer da nova e divina idade — o Reino do céu. Um sentimento cresceu no coração de João, de que seria ele o último dos velhos profetas e o primeiro dos novos. E sentia-se vibrar com o impulso crescente de ir adiante e de proclamar a todos os homens: “Arrependei-vos! Colocai-vos limpos diante de Deus! Estejais prontos para o fim; preparai-vos para o aparecimento de uma ordem nova e eterna de assuntos sobre a terra, o Reino do céu”.
135:4.1 (1499.1) Em 17 de agosto, do ano 22 d.C., quando João tinha vinte e oito anos, sua mãe subitamente faleceu. Os amigos de Isabel, sabendo das restrições nazaritas a respeito do contato com os mortos, ainda que na própria família, fizeram todos os arranjos para o enterro de Isabel, antes de mandarem buscar João. Quando ele recebeu a comunicação da morte da sua mãe, ele ordenou a Ezda que conduzisse os seus rebanhos até Engedi e partiu para Hebrom.
135:4.2 (1499.2) Ao retornar a Engedi, após o funeral da sua mãe, entregou os seus rebanhos à confraria e afastou-se do mundo exterior para jejuar e orar. João conhecia apenas os velhos métodos de aproximar-se da divindade; ele conhecia apenas os registros como os de Elias, Samuel e Daniel. Elias era o seu ideal de profeta. Elias havia sido o primeiro dos mestres de Israel a ser considerado um profeta; e João verdadeiramente acreditava que devia ser, ele próprio, o último dessa longa e ilustre linhagem de mensageiros dos céus.
135:4.3 (1499.3) Por dois anos e meio, João viveu em Engedi e persuadiu a maioria da confraria de que “o fim da idade estava bem próximo”; de que “o Reino do céu estava para se mostrar”. E todos os primeiros ensinamentos que recebera eram baseados na idéia judaica dominante e no conceito do Messias como o libertador prometido, aquele que livraria a nação judaica da dominação dos seus governantes gentios.
135:4.4 (1499.4) Em todo esse período, João leu suficientemente as escrituras sagradas que encontrou na casa dos nazaritas em Engedi. Estava especialmente impressionado com Isaías e com Malaquias, o último dos profetas até aquela época. Leu e releu os cinco últimos capítulos de Isaías, e acreditava nessas profecias. E então ele leria em Malaquias: “Cuidai, Eu vos enviarei Elias, o profeta anterior à vinda do grande e terrível dia do Senhor; e ele fará os corações dos pais irem contra os filhos e os corações dos filhos irem contra os pais, de medo que Eu venha e golpeie a Terra com uma maldição”. E foi unicamente por causa dessa promessa feita em Malaquias, de que Elias iria retornar, que João viu-se impedido de sair pregando sobre o Reino vindouro e de exortar os seus companheiros judeus a fugirem da ira que viria. João estava amadurecido para a proclamação da mensagem do Reino vindouro, mas essa expectativa da vinda de Elias o deteve por dois anos mais. E sabia que ele não era Elias. O que então Malaquias havia querido dizer? A profecia seria literal ou figurada? Como poderia ele saber a verdade? Finalmente ousou pensar que, como o primeiro dos profetas era chamado Elias, então o último deveria ser conhecido, finalmente, pelo mesmo nome. Entretanto ainda tinha dúvidas, dúvidas suficientes para não se permitir jamais vir a chamar a si mesmo de Elias.
135:4.5 (1499.5) Foi a influência de Elias que levou João a adotar os seus métodos de ataque direto e áspero aos pecados e vícios dos seus contemporâneos. Ele procurou vestir-se como Elias, e esforçava-se para falar como Elias; em todos os aspectos externos, ele era como o profeta de outrora. Era um filho da natureza e de tal modo robusto e pitoresco, que era um destemido e ousado pregador da retidão. João não era iletrado, conhecia bem as escrituras sagradas judias, mas não tinha cultura. Sabia como pensar claro, possuía um discurso poderoso e era um denunciador inflamado. Dificilmente seria um exemplo para a sua idade, mas constituía-se em uma reprovação eloqüente.
135:4.6 (1499.6) Finalmente vislumbrou o método de proclamar a nova era, o Reino de Deus; decidiu que ele era mesmo quem se iria transformar no arauto do Messias; colocou de lado todas as dúvidas e partiu de Engedi, em um dia de março do ano 25 d.C., para começar a sua curta mas brilhante carreira como pregador público.
135:5.1 (1500.1) Para compreender a mensagem dele, dever-se-ia ter em conta o status do povo judeu na época em que João surgiu no cenário da ação. Por quase cem anos todo o Israel tinha estado diante de um impasse; e todos se perdiam na tentativa de explicar a contínua subjugação a soberanos gentios. E não tinha sido ensinado por Moisés que a retidão era sempre recompensada com a prosperidade e o poder? Não era o povo escolhido de Deus? Por que o trono de Davi estava vazio e abandonado? À luz das doutrinas mosaicas e dos preceitos dos profetas, os judeus achavam difícil explicar a longa e continuada desolação nacional.
135:5.2 (1500.2) Cerca de cem anos antes dos dias de Jesus e João, uma nova escola de educadores religiosos surgira na Palestina, a dos apocalípticos. Esses novos educadores desenvolveram um sistema de crença, segundo o qual os sofrimentos e a humilhação dos judeus aconteciam por estarem eles arcando com as conseqüências dos pecados da nação. Eles voltavam às motivações já bem conhecidas, escolhidas para explicar o cativeiro da Babilônia e de outras épocas ainda anteriores. Contudo, assim ensinavam os apocalípticos, Israel deveria retomar a sua coragem; os dias de aflição estavam quase no fim; a lição do povo escolhido de Deus estava para terminar; a paciência de Deus com os gentios estrangeiros estava quase exaurida. O fim do domínio romano era sinônimo de fim da idade e, em um certo sentido, de fim do mundo. Esses novos pregadores apoiavam- se fortemente nas predições de Daniel, e, consistentemente, ensinavam que a criação estava para atingir o seu estágio final; os reinos deste mundo estavam a ponto de tornarem-se o Reino de Deus. Para a mente judaica daqueles dias, esse era o significado daquela frase — o Reino do céu — que está nos ensinamentos tanto de Jesus quanto de João. Para os judeus da Palestina a frase “o Reino do céu” não tinha senão um significado: um estado absolutamente reto, no qual Deus (o Messias) governaria as nações da Terra na perfeição do poder, exatamente como Ele governava nos céus — “Seja feita a Tua vontade, na terra como no céu”.
135:5.3 (1500.3) Nos dias de João, os judeus perguntavam-se com muita expectativa: “Quando, pois, virá o Reino?” Havia um sentimento geral de que o fim do domínio das nações gentias estava próximo. Havia, presente em todo o mundo judeu, uma esperança viva e uma intensa expectativa de que a consumação do desejo das idades ocorreria durante o período de vida daquela geração.
135:5.4 (1500.4) Ainda que os judeus divergissem muito nas suas estimativas quanto à natureza do Reino que estava para vir, todos estavam de acordo na sua crença de que o evento era iminente, palpável mesmo, já batendo à porta. Muitos que liam o Antigo Testamento literalmente aguardavam, com expectativa, por um novo rei na Palestina, por uma nação judaica regenerada, libertada dos seus inimigos e presidida pelo sucessor do rei Davi, o Messias, que iria logo ser reconhecido como o governante, justo e reto, de todo o mundo. Outro grupo de judeus devotos, se bem que menor, sustentava uma visão muito diferente desse Reino de Deus. Ensinavam eles que o Reino que estava para vir não era deste mundo, que o mundo aproximava-se do seu fim certo, e que “um novo céu e uma nova terra” viriam para anunciar o estabelecimento do Reino de Deus; que esse Reino era um domínio perene, que o pecado estava para acabar, e que os cidadãos do novo Reino iriam tornar-se imortais no seu gozo dessa bênção sem fim.
135:5.5 (1500.5) Todos concordavam que alguma purgação drástica ou alguma disciplina de purificação fosse necessária para preceder o estabelecimento do novo Reino na Terra. Pelo que os literalistas ensinavam, aconteceria uma guerra mundial, a qual iria destruir a todos aqueles que não acreditassem, enquanto os fiéis seriam levados a uma vitória universal e eterna. Os espiritualistas ensinavam que o Reino seria inaugurado por aquele grande julgamento de Deus, que iria relegar os injustos à sua bem merecida punição de destruição final, ao mesmo tempo em que elevaria os santos crentes do povo escolhido aos assentos elevados de honra e autoridade, com o Filho do Homem, que governaria sobre as nações redimidas em nome de Deus. E esse grupo acreditava até mesmo que muitos gentios devotos poderiam ser admitidos na comunidade do novo Reino.
135:5.6 (1501.1) Alguns dos judeus apegavam-se à opinião de que fosse possível até mesmo que Deus pudesse estabelecer esse novo Reino por intervenção direta e divina, mas a grande maioria acreditava que Ele iria interpor algum representante intermediário, o Messias. Esse era o único significado possível que o termo Messias poderia ter nas mentes dos judeus da geração de João e Jesus. Messias não poderia possivelmente referir-se a alguém que meramente ensinasse a vontade de Deus ou que proclamasse a necessidade do viver reto. A todas essas pessoas sagradas os judeus davam o título de profetas. O Messias devia ser mais do que um profeta; o Messias devia trazer o estabelecimento do novo reinado, o Reino de Deus. Ninguém que falhasse em fazer isso poderia ser o Messias, no sentido judaico tradicional.
135:5.7 (1501.2) Quem poderia ser esse Messias? E novamente os educadores judeus diferiam. Os mais velhos aferravam-se à doutrina do filho de Davi. Os mais jovens ensinavam que, já que o novo Reino era um Reino celeste, o novo governante poderia também ser uma personalidade divina, alguém que estivesse há muito à mão direita de Deus nos céus. E, por estranho que possa parecer, aqueles que concebiam assim o governante do novo Reino, viam-no, não como um Messias humano, não como um mero homem, mas como “o Filho do Homem” — um Filho de Deus — , um Príncipe celeste, há muito esperado para assim assumir o governo feito novo, da Terra. Esse era o pano de fundo religioso, do mundo judaico, quando João entrou em cena proclamando: “Arrependei-vos, pois o Reino do céu está ao alcance das mãos!”
135:5.8 (1501.3) Torna-se, portanto, claro que o anúncio feito por João, do Reino que viria, tinha nada menos do que meia dúzia de significações diferentes, nas mentes daqueles que ouviam a sua pregação apaixonada. Entretanto, qualquer que fosse o significado, atribuído às frases que João empregava, cada um desses vários grupos, que esperavam o advento do reino judaico, estava intrigado pelas proclamações desse pregador da retidão e do arrependimento. Sincero e entusiasta e ainda rudemente expedito, que tão solenemente exortava os seus ouvintes a “escapar da ira que está por vir”.
135:6.1 (1501.4) No início do mês de março, do ano 25 d.C., João viajou pela costa ocidental do mar Morto e rio Jordão acima, do lado oposto de Jericó, na antiga parte rasa sobre a qual Joshua e os filhos de Israel passaram para entrar pela primeira vez na terra prometida; e, atravessando até o outro lado do rio, ele estabeleceu-se próximo da entrada dessa parte rasa e começou a pregar ao povo que atravessava o rio em um sentido e no outro. Esse era o vau mais freqüentado para travessias do Jordão.
135:6.2 (1501.5) Para todos aqueles que ouviam João, ficava claro que ele era mais do que um pregador. A grande maioria daqueles que escutavam aquele homem estranho, vindo do deserto da Judéia, partia acreditando que tinha ouvido a voz de um profeta. Não era de se espantar que as almas desses judeus cansados, mas esperançosos, ficassem profundamente excitadas com esse fenômeno. Nunca, em toda a história dos judeus, os filhos devotos de Abraão haviam desejado tanto a “consolação de Israel”, nem tinham, mais ardentemente, antecipado “a restauração do reino”. Em toda a história dos judeus, nunca a mensagem de João, “o Reino do céu está ao alcance das mãos”, teria podido exercer um apelo tão profundo e universal como na época em que ele apareceu, tão misteriosamente, na margem dessa travessia ao sul do Jordão.
135:6.3 (1502.1) João era um pastor, como Amós. Vestia-se como o Elias de outrora; e fulminava as suas repreensões e dardejava as suas advertências com o “espírito e o poder de Elias”. Não era de surpreender-se que esse estranho pregador criasse uma forte agitação em toda a Palestina, pois os viajantes levavam até longe as novidades que vinham das suas pregações no Jordão.
135:6.4 (1502.2) Havia ainda uma outra característica, nova, no trabalho desse pregador nazarita: Ele batizava todos os seus crentes no Jordão “para a remissão dos seus pecados”. Embora o batismo não fosse uma cerimônia nova entre os judeus, eles nunca tinham visto o batismo ser feito como João o realizava agora. Havia muito que vinha sendo uma prática batizar assim os prosélitos gentios, para admiti- los na comunidade da parte externa da praça do templo, mas nunca tinha sido pedido aos judeus, eles próprios, que se submetessem ao batismo do arrependimento. Apenas de quinze meses foi o período desde a época em que João começara a pregar e a batizar, até sua detenção e a sua prisão, instigadas por Herodes Antipas; mas nesse curto período de tempo ele pôde batizar bem mais de cem mil penitentes.
135:6.5 (1502.3) João pregou por quatro meses no vau de Betânia, antes de partir para o norte, subindo o Jordão. Dezenas de milhares de ouvintes, alguns apenas curiosos, mas muitos sinceros e sérios, vieram para ouvi-lo de todas as partes da Judéia, da Piréia e de Samaria. Alguns vieram até mesmo da Galiléia.
135:6.6 (1502.4) Em maio desse ano, enquanto ele ainda se detinha no vau de Betânia, os sacerdotes e os levitas enviaram uma delegação para inquirir de João se ele pretendia ser o Messias, e com a autoridade de quem ele pregava. A esses inquisidores João respondeu com estas palavras: “Ide e dizei aos vossos senhores que vós escutastes a ‘voz de alguém que grita no deserto’, como anunciou o profeta ao dizer: ‘preparai o caminho do Senhor, fazei uma estrada plana e reta até o nosso Deus. Cada vale deverá ser preenchido, cada monte e colina deverão ser cortados; o chão acidentado deverá tornar-se plano, enquanto os locais encrespados devem tornar-se um vale plano; e toda a carne verá a salvação de Deus’”.
135:6.7 (1502.5) João era um pregador heróico, mas sem tato. Um dia, quando ele estava pregando e batizando, na margem ocidental do Jordão, um grupo de fariseus e alguns saduceus destacaram-se e apresentaram-se para o batismo. Antes de levá-los até a água, João, dirigindo-se coletivamente a eles, disse: “Quem vos avisou para partir, como víboras diante do fogo, da ira que virá? Eu batizarei a vós, mas vos previno que vos será necessário produzir os frutos do arrependimento sincero, se quiserdes receber a remissão dos vossos pecados. Não é suficiente dizer-me que Abraão é o vosso pai. Eu declaro que, dessas doze pedras aqui diante de vós, Deus pode fazer surgir filhos dignos para Abraão. E, agora mesmo, o machado já está derrubando as árvores, até às suas raízes. Cada árvore que não dá bom fruto está destinada a ser cortada e jogada ao fogo”. (As doze pedras às quais se referia eram as célebres pedras do memorial levantado por Joshua, para comemorar a travessia das “doze tribos” nesse mesmo ponto, quando eles entraram pela primeira vez na terra prometida.)
135:6.8 (1502.6) João deu aulas aos seus discípulos; e durante essas aulas ele os instruía sobre os detalhes da nova vida e esforçava-se para responder às suas inúmeras perguntas. Aconselhou aos educadores ensinar sobre o espírito tanto quanto sobre as letras da lei. Ele ensinou os ricos a alimentar os pobres; aos coletores de impostos, ele disse: “Extorquir não mais do que o que vos é devido”. Aos soldados, ele disse: “Não cometais a violência e não arrecadeis nada de modo indevido — contentai-vos com os vossos soldos”. E ao mesmo tempo a todos aconselhava: “preparai-vos para o fim das idades — o Reino do céu está ao alcance das mãos”.
135:7.1 (1503.1) João ainda tinha idéias confusas sobre o Reino que estava para vir e o seu rei. Quanto mais ele pregava, mais confuso tornava-se; mas essa incerteza intelectual, a respeito da natureza do Reino que viria, em nada diminuía a sua convicção da chegada imediata deste Reino. João podia estar confuso na sua mente, mas nunca em espírito. Não tinha dúvida sobre a vinda do Reino, mas estava longe de ter certeza quanto ao fato de que fosse Jesus ou não o soberano daquele Reino. Enquanto João se atinha à idéia da restauração do trono de Davi, os ensinamentos dos seus pais, de que Jesus, nascido na cidade de Davi, seria o tão esperado libertador, parecia consistente; mas, naqueles momentos em que se inclinava mais para a doutrina de um Reino espiritual e para o fim da idade temporal na Terra, ele ficava em uma dúvida cruel quanto ao papel que Jesus exerceria em tais eventos. Algumas vezes questionava tudo, mas não por muito tempo. Realmente ele gostaria de poder conversar sobre tudo aquilo com o seu primo Jesus, mas isso ia contra o acordo estabelecido entre eles.
135:7.2 (1503.2) À medida que João viajara para o norte, mais ele pensava sobre Jesus. Parara em mais de uma dúzia de locais enquanto viajava Jordão acima. E foi no vilarejo de Adão onde primeiro referiu-se a “um outro que está para vir depois de mim”, em resposta à pergunta direta que os seus discípulos fizeram a ele: “Sois vós o Messias?” E ele continuou dizendo: “Depois de mim virá um que é maior do que eu, de cuja sandália não sou digno de afrouxar e desatar as correias. Eu vos batizo com água, mas ele irá batizá-los com o Espírito Santo. E com a sua pá na mão irá cuidadosamente limpar esse chão das ervas daninhas; ele recolherá o trigo no seu celeiro, mas o refugo ele o queimará com o fogo do julgamento”.
135:7.3 (1503.3) Em resposta às perguntas dos seus discípulos, João continuou a expandir os seus ensinamentos, acrescentando, dia a dia, mais indicações que servissem de ajuda e de conforto se comparadas à ambigüidade da sua mensagem inicial: “Arrependei-vos e sede batizados”. Nessa época, multidões chegavam da Galiléia e de Decápolis. Dezenas de crentes sinceros permaneciam com o seu adorado mestre, dia após dia.
135:8.1 (1503.4) Em dezembro do ano 25 d.C., quando João chegou à vizinhança de Pela, na sua caminhada Jordão acima, o seu renome havia sido espalhado por toda a Palestina; e o seu trabalho transformara-se no principal assunto da conversa em todas as cidades em torno do lago da Galiléia. Jesus havia falado favoravelmente à mensagem de João, e isso havia levado muitos de Cafarnaum a aderir ao culto do arrependimento e do batismo de João. Tiago e João, os pescadores filhos de Zebedeu, haviam ido até lá em dezembro, pouco depois de João ter assumido a sua postura de pregador, perto de Pela, a fim de se oferecerem para o batismo. Eles iam ver João uma vez por semana e traziam de volta a Jesus notícias frescas e de primeira mão sobre o trabalho do evangelista.
135:8.2 (1503.5) Tiago e Judá, irmãos de Jesus, haviam falado em ir até João para o batismo; e agora que Judá tinha vindo a Cafarnaum para os ofícios de sábado, ambos, ele e Tiago, depois de ouvirem o discurso de Jesus na sinagoga, decidiram aconselhar- se com ele a respeito dos seus planos. Isso foi no sábado, à noite, aos 12 de janeiro do ano 26 d.C. Jesus pediu a eles que adiassem a conversa até o dia seguinte, quando ele iria dar-lhes a sua resposta. Jesus dormiu pouquíssimo naquela noite, ficando em comunhão íntima com o Pai nos céus. E preparara tudo para almoçar com os seus irmãos e para aconselhá-los a respeito do batismo de João. Naquela manhã de domingo Jesus estava trabalhando como de costume na marcenaria dos barcos. Tiago e Judá haviam chegado com o almoço e estavam esperando por ele no depósito das madeiras, pois não era ainda a hora da pausa do meio-dia e sabiam que Jesus era muito pontual nessas questões.
135:8.3 (1504.1) Pouco antes do descanso do meio-dia, Jesus deixou de lado as suas ferramentas, tirou o seu avental de trabalho e simplesmente anunciou aos três que trabalhavam com ele: “É chegada a minha hora”. Ele foi até os seus irmãos, Tiago e Judá, e repetiu: “A minha hora chegou — vamos até João”. E então eles partiram imediatamente para Pela, comendo o almoço enquanto viajavam. Isso foi no domingo, 13 de janeiro. Eles pararam à noite no vale do Jordão e, no dia seguinte, chegaram no local em que João batizava, por volta do meio-dia.
135:8.4 (1504.2) João mal havia começado a batizar os candidatos do dia. Dezenas de arrependidos estavam na fila, à espera da sua vez, quando Jesus e os seus dois irmãos entraram nessa fila de homens e mulheres sinceros que passaram a crer no Reino que viria, segundo a pregação de João. João tinha perguntado aos filhos de Zebedeu sobre Jesus. E havia ouvido falar sobre as observações de Jesus a respeito da sua pregação, e estava, dia após dia, esperando vê-lo entrar em cena, mas não esperava acolhê-lo na fila dos candidatos ao batismo.
135:8.5 (1504.3) Absorvido pelos detalhes de um batismo rápido daquele grande número de convertidos, João não levantou os olhos para ver Jesus, até que o Filho do Homem estivesse bem diante dele. Quando João reconheceu Jesus, as cerimônias foram suspensas por um momento, enquanto ele cumprimentava o seu primo na carne e perguntava: “Mas por que vieste até dentro da água para saudar-me?” E Jesus respondeu: “Para submeter-me ao teu batismo”. João replicou: “Mas sou eu que tenho necessidade de ser batizado por ti. Por que vieste até a mim?” E Jesus murmurou a João: “Sê tolerante comigo agora, pois cabe a nós darmos esse exemplo aos meus irmãos que estão aqui comigo, e para que o povo possa saber que é chegada a minha hora”.
135:8.6 (1504.4) Havia um tom de autoridade e de ultimato final na voz de Jesus. João estava trêmulo de emoção no momento em que se preparou para batizar Jesus de Nazaré, no Jordão, ao meio-dia daquela segunda-feira, 14 de janeiro, do ano 26 d.C. Assim, João batizou Jesus e seus dois irmãos, Tiago e Judá. E quando João havia já batizado esses três, ele dispensou os outros naquele dia, anunciando que ele iria reassumir os batismos no dia seguinte ao meio-dia. Quando o povo já partia, os quatro homens ainda de pé dentro d’água ouviram um som estranho; e logo surgiu uma aparição momentânea exatamente por sobre a cabeça de Jesus, e eles ouviram uma voz dizendo: “Este é o meu Filho adorado, em quem eu muito me comprazo”. Uma grande mudança produziu-se no semblante de Jesus que os deixou, saindo d’água em silêncio, indo na direção das colinas a leste. E nenhum homem viu Jesus de novo por quarenta dias.
135:8.7 (1504.5) João seguiu Jesus até uma distância suficiente para contar a ele a história da visita de Gabriel à sua mãe, antes que ambos nascessem, do modo como por tantas vezes ele havia escutado dos lábios da sua mãe. E permitiu a Jesus continuar o seu caminho depois que disse: “Agora sei com certeza que és o Libertador”. Mas Jesus nada respondeu.
135:9.1 (1505.1) Quando João retornou para os seus discípulos (agora havia uns vinte e cinco ou trinta que moravam com ele constantemente), ele os encontrou em uma sincera conferência, conversando sobre o que tinha acabado de acontecer em relação ao batismo de Jesus. E ficaram todos ainda mais atônitos quando João fez-lhes conhecer a história da visita de Gabriel a Maria, antes que Jesus nascesse, e também que Jesus não lhe disse nem uma palavra, mesmo depois que ele lhe tinha contado sobre isso. Naquela tarde, não havendo nenhuma chuva, esse grupo de trinta ou mais pessoas conversou longamente sob a noite estrelada. Perguntavam-se aonde Jesus tinha ido e quando eles o veriam de novo.
135:9.2 (1505.2) Depois da experiência desse dia a pregação de João, havia um novo tom de certeza nas proclamações a respeito do Reino que estava para vir e do Messias aguardado. Foi um período tenso, o daqueles quarenta dias de espera, aguardando pelo retorno de Jesus. João, no entanto, continuou a pregar, com grande força, e os seus discípulos começaram, nessa época, a pregar para as multidões transbordantes que se ajuntavam à volta de João no Jordão.
135:9.3 (1505.3) No curso desses quarenta dias de espera, muitos rumores espalharam-se pelo campo, indo mesmo até Tiberíades e Jerusalém. Milhares vinham para ver a nova atração no acampamento de João, reputado como sendo o Messias, mas Jesus não estava lá para ser visto. Quando os discípulos de João afirmaram que o estranho homem de Deus tinha ido para as colinas, muitos duvidaram de toda a história.
135:9.4 (1505.4) Cerca de três semanas depois que Jesus os havia deixado, uma nova delegação de sacerdotes e de fariseus, vinda de Jerusalém, chegou na cena de Pela. Eles perguntaram diretamente a João se ele era Elias ou o profeta que Moisés prometeu. E quando João disse: “Não sou”, eles atreveram-se a lhe perguntar: “Tu és o Messias?” E João respondeu: “Não sou eu”. E então esses homens de Jerusalém disseram: “Se não és Elias, nem o profeta, nem o Messias, então por que tu batizas o povo e crias todo esse alvoroço?” E João replicou: “Cabe àqueles que me ouviram e que receberam o meu batismo dizer quem eu sou, mas eu vos declaro que, enquanto eu batizo com água, esteve entre nós um que retornará para batizar-vos com o Espírito Santo”.
135:9.5 (1505.5) Esses quarenta dias foram um período difícil para João e os seus discípulos. Quais deviam ser as relações entre João e Jesus? Uma centena de perguntas veio à discussão. A política e as preferências egoísticas começaram a surgir. Discussões intensas surgiram em torno das várias idéias e conceitos do Messias. Tornar-se-ia ele um líder militar e um rei davídico? Iria ele aniquilar os exércitos romanos, como Joshua fez com os cananeus? Ou viria para estabelecer um Reino espiritual? João optou por decidir, com a minoria, que Jesus tinha vindo para estabelecer o Reino do céu, ainda que não tivesse claro na sua própria mente o que devia ser incluído nessa missão de estabelecimento do Reino do céu.
135:9.6 (1505.6) Esses foram dias árduos na experiência de João, e ele orou pelo retorno de Jesus. Alguns dos discípulos de João organizaram grupos de exploração para ir à procura de Jesus, mas João os proibiu, dizendo: “Os nossos tempos estão nas mãos de Deus nos céus e Ele irá guiar o seu Filho escolhido”.
135:9.7 (1505.7) E foi cedo, na manhã de sábado, 23 de fevereiro, que a comitiva de João, ocupada em comer a sua refeição matinal, ao olhar na direção norte, avistou Jesus vindo até eles. Na medida em que Jesus se aproximava deles, João se pôs de pé em uma grande rocha e, levantando a sua voz sonora, disse: “Eis o Filho de Deus, o libertador do mundo! Foi sobre ele que eu disse: ‘Depois de mim haverá um que é o escolhido antes de mim, porque ele veio antes de mim’. Por causa disso, eu saí do deserto para pregar o arrependimento e para batizar com a água, proclamando que o Reino do céu está ao alcance das nossas mãos. E agora vem um que irá batizar-vos com o Espírito Santo. E eu vi o espírito divino descendo sobre esse homem, e ouvi a voz de Deus declarar: ‘Este é o meu Filho adorado em quem Eu muito me comprazo’”.
135:9.8 (1506.1) Jesus rogou-lhes que voltassem à sua refeição, enquanto se assentava para comer com João; seus irmãos, Tiago e Judá, haviam voltado para Cafarnaum.
135:9.9 (1506.2) Cedo, na manhã do dia seguinte, Jesus deixou João e os seus discípulos, indo de volta para a Galiléia. Não garantiu nada no que dizia respeito a quando eles iriam vê-lo de novo. Às perguntas de João sobre a sua própria pregação e missão, Jesus apenas disse: “O meu Pai irá guiar-te agora e no futuro, como o fez no passado”. E esses dois grandes homens separaram-se, naquela manhã, nas margens do Jordão, para nunca mais se falarem um ao outro na carne.
135:10.1 (1506.3) Desde que Jesus tinha ido para o norte da Galiléia, João sentia-se levado a voltar-se com os seus passos para o sul. Por conseguinte, no domingo de manhã, 3 de março, João e o restante dos seus discípulos começaram a sua jornada para o sul. Cerca de um quarto dos seguidores imediatos de João, nesse meio tempo, haviam partido para a Galiléia à procura de Jesus. Havia uma tristeza confusa em torno de João. Nunca mais ele pregou como o tinha feito antes de batizar Jesus. De algum modo ele sentiu que a responsabilidade do Reino por vir não mais repousava nos seus ombros. Sentiu que o seu trabalho estava quase acabado; e ficou desconsolado e solitário. Contudo, ele pregou, batizou e viajou para o sul.
135:10.2 (1506.4) Perto do vilarejo de Adão, João permaneceu por várias semanas e foi lá que ele fez o memorável ataque a Herodes Antipas, por ter tomado ilegalmente a esposa de outro homem. Em junho desse ano (26 d.C.), João estava de volta ao vau do Jordão em Betânia, onde tinha iniciado a sua pregação do Reino vindouro, há mais de um ano. Nas semanas que se seguiram ao batismo de Jesus, o caráter da pregação de João gradualmente transformou-se em uma proclamação de misericórdia pela gente comum, enquanto ele denunciava com veemência renovada a corrupção dos governantes políticos e religiosos.
135:10.3 (1506.5) Herodes Antipas, em cujo território João tinha estado pregando, ficou alarmado com a idéia de que ele e os seus discípulos pudessem começar uma rebelião. Herodes também se ressentia das críticas públicas de João, sobre os seus assuntos domésticos. Em vista de tudo isso, Herodes decidiu colocar João na prisão. E, conseqüentemente, muito cedo na manhã de 12 de junho, antes que chegasse a multidão para ouvir a pregação e testemunhar o batismo, os agentes de Herodes haviam prendido João. Na medida em que as semanas passavam e ele não era libertado, os seus discípulos espalharam-se por toda a Palestina, muitos deles indo até a Galiléia para juntarem-se aos seguidores de Jesus.
135:11.1 (1506.6) João teve uma experiência solitária e um tanto amarga, na prisão. A poucos dos seus seguidores foi permitido vê-lo. Ele ansiava por encontrar Jesus, mas tinha de contentar-se em ouvir os relatos da sua obra através daqueles seguidores seus que se haviam transformado em crentes do Filho do Homem. Muitas vezes era ele tentado a duvidar de Jesus e da sua missão divina. Se Jesus era o Messias, por que nada fez para libertá-lo desse inconcebível aprisionamento? Por mais de um ano e meio esse homem rude de Deus, amante do ar livre, definhou naquela prisão desprezível. E essa experiência foi um grande teste para a sua lealdade e fé em Jesus. De fato, toda essa experiência foi mesmo um grande teste para a fé que João possuía em Deus. Muitas vezes ele foi tentado a duvidar até mesmo da autenticidade da sua própria missão e experiência.
135:11.2 (1507.1) Após ter estado na prisão por muitos meses, um grupo de discípulos seus veio até ele e, após contar sobre as atividades públicas de Jesus, disse: “Então, vê tu, Mestre, pois aquele que estava contigo no alto Jordão prospera e recebe todos que vêm a ele. Ele festeja até mesmo com publicanos e pecadores. Tu deste um testemunho corajoso sobre ele, e ainda assim ele nada faz para a tua libertação”. Mas João respondeu aos seus amigos: “Esse homem nada pode fazer que não tenha sido dado a ele pelo seu Pai nos céus. Vós vos lembrais bem de que eu disse: ‘Não sou eu o Messias, mas sou um que foi enviado antes a preparar o caminho para ele’. E isso eu fiz. O que possui a noiva é o noivo, mas o amigo do noivo, que está próximo dele e o escuta, rejubila-se grandemente por causa do ruído da sua voz. Essa minha alegria, portanto, cumpriu-se. Ele deve crescer, mas eu devo diminuir. Sou desta Terra e já passei a minha mensagem. Jesus de Nazaré desceu à Terra, vindo dos céus, e está acima de todos nós. O Filho do Homem desceu de Deus e as palavras de Deus ele irá dizer a vós. Pois o Pai nos céus não mede o espírito que dá ao seu próprio Filho. O Pai ama o Seu Filho e irá logo colocar todas as coisas nas mãos desse Filho. Aquele que acredita no Filho tem a vida eterna. E essas palavras que eu disse são verdadeiras e perduráveis”.
135:11.3 (1507.2) Esses discípulos ficaram assombrados com o pronunciamento de João, tanto que partiram em silêncio. João ficara também muito agitado, pois percebeu que tinha acabado de fazer uma profecia. Nunca mais ele duvidou completamente da missão e da divindade de Jesus. Mas foi um desapontamento sentido, para João, que Jesus não tivesse enviado a ele nenhuma palavra, que não tivesse vindo vê-lo e que não tivesse exercido nenhum dos seus grandes poderes para libertá-lo da prisão. Jesus, no entanto, sabia de tudo isso, E, sendo assim, mantinha um grande amor por João; mas sendo agora conhecedor da sua natureza divina e sabendo plenamente das grandes coisas que estavam em preparação para João quando ele partisse deste mundo e, também, sabendo que o trabalho de João, na Terra, havia acabado, ele obrigou-se a não interferir na evolução natural da carreira do grande pregador-profeta.
135:11.4 (1507.3) Essa longa espera na prisão estava tornando-se humanamente intolerável. Uns poucos dias antes da sua morte, João novamente enviou mensageiros de confiança a Jesus, perguntando: “O meu trabalho está feito? Por que me enlanguesço na prisão? És verdadeiramente o Messias, ou devemos procurar outro?” E quando esses dois discípulos levaram essa mensagem a Jesus, o Filho do Homem respondeu: “Ide a João e dizei a ele que não me esqueci dele; e que ele deve suportar tudo isso também, pois o conveniente é que cumpramos tudo o que é reto. Dizei a João o que vós vistes e ouvistes — que as boas-novas são pregadas aos pobres — e, finalmente, dizei ao amado precursor da minha missão na Terra, que ele será abundantemente abençoado na idade que está para vir se ele, de mim, não encontrar ocasião para duvidar e cair”. E essa foi a última palavra que João recebeu de Jesus. E essa mensagem confortou-o grandemente e muito fez para estabilizar a sua fé e para prepará-lo para o trágico fim da sua vida na carne, que veio pouco tempo depois dessa ocasião memorável.
135:12.1 (1508.1) De fato, João estava trabalhando no sul da Peréia, quando foi preso e levado imediatamente para a prisão da fortaleza de Macaerus, onde foi encarcerado até a sua execução. Herodes governava sobre a Peréia e a Galiléia; nessa época, mantinha residência na Peréia, tanto em Julias, quanto em Macaerus. Na Galiléia a residência oficial tinha sido levada de Séforis para a nova capital em Tiberíades.
135:12.2 (1508.2) Herodes temia libertar João por medo de que ele instigasse a rebelião. Temia condená-lo à morte e que a multidão causasse motins na capital, pois milhares de pereianos acreditavam que João era um homem sagrado, um profeta. Portanto, Herodes mantinha o pregador nazarita na prisão, não sabendo mais o que fazer com ele. Muitas vezes João tinha estado perante Herodes, mas nunca concordara em sair dos domínios de Herodes, nem de abster-se de todas as atividades públicas se fosse libertado. E, a nova agitação a respeito de Jesus de Nazaré, que crescia firmemente, serviu para admoestar Herodes de que não era a hora de libertar João. Além disso, João era também uma vítima do ódio intenso e amargo de Herodias, a mulher ilegal de Herodes.
135:12.3 (1508.3) Em inúmeras ocasiões Herodes falou com João sobre o Reino do céu; ao mesmo tempo em que ficava algumas vezes seriamente impressionado com a sua mensagem; e tinha medo de libertá-lo da prisão.
135:12.4 (1508.4) Já que, em Tiberíades, grande parte do edifício estava em construção, Herodes passava um tempo considerável nas suas residências pereianas, pois tinha predileção pela fortaleza de Macaerus. Muitos anos passariam antes que todos os prédios públicos e a residência oficial em Tiberíades estivessem completamente prontos.
135:12.5 (1508.5) Para celebrar o seu aniversário, Herodes fez uma grande festa no palácio em Macaerus, e convidou os seus principais oficiais e outros homens de posição elevada nos conselhos do governo da Galiléia e Peréia. Já que Herodias tinha fracassado em causar a morte de João, por apelo direto a Herodes, ela estabeleceu para si mesma a tarefa de levar João à morte por meio de um plano astuto.
135:12.6 (1508.6) No decorrer das festividades e entretenimentos daquela noite, Herodias apresentou a sua filha para dançar diante dos convivas. Herodes estava muito encantado com a dança da donzela e, chamando-a diante de si, disse: “Tu és encantadora. Estou muito satisfeito contigo. Pede a mim, neste meu aniversário, o que desejares, que eu darei a ti, ainda que seja a metade do meu reino”. E Herodes fazia tudo isso sob a influência de muito vinho. A donzela retirou-se e perguntou à sua mãe o que deveria ela pedir a Herodes. Herodias disse: “Vá a Herodes e peça a cabeça de João Batista”. E a jovem donzela, retornando à mesa do banquete, disse a Herodes: “Eu peço que me entregues imediatamente a cabeça de João Batista, em uma bandeja”.
135:12.7 (1508.7) Herodes ficou cheio de medo e de tristeza, no entanto, havia dado a sua palavra diante de todos os que se assentavam para banquetear-se com ele, e, por isso, não podia negar o pedido. E Herodes Antipas enviou um soldado com a ordem de trazer a cabeça de João. E João teve então a sua cabeça decepada, naquela noite, na prisão; e o soldado trouxe a cabeça do profeta em uma bandeja e apresentou-a à jovem donzela, no fundo da sala de banquete. E a donzela deu a bandeja à sua mãe. Quando os discípulos de João ouviram sobre isso, vieram à prisão buscar o corpo de João e, depois de colocá-lo em um túmulo, foram embora e contaram tudo a Jesus.
O Livro de Urântia
Documento 136
136:0.1 (1509.1) JESUS começou o seu trabalho público em um momento de interesse popular pela pregação de João e em uma época em que o povo judeu da Palestina aguardava ansiosamente o aparecimento de um Messias. Havia um grande contraste entre João e Jesus. João era um operário franco e ardente; e Jesus era um trabalhador calmo e feliz, umas poucas vezes apenas, em toda a sua vida, ele apressou-se. Jesus era um consolo e um conforto para o mundo e, de um certo modo, um exemplo; João não seria nunca nem um conforto, nem um exemplo. Ele pregava o Reino do céu, mas não participava da felicidade do mesmo. Se bem que Jesus falasse de João como o maior dos profetas da velha ordem, ele também dizia que o menor entre aqueles que vissem a grande luz do novo caminho e que por ela entrassem no Reino do céu seria, de fato, maior do que João.
136:0.2 (1509.2) Quando João pregava o Reino que viria, o conteúdo da sua mensagem era: Arrependei-vos, fugi da ira que virá! Quando Jesus começou a pregar, a exortação ao arrependimento permaneceu, mas essa mensagem era sempre seguida por uma palavra divina sobre a boa-nova da alegria e da liberdade do novo Reino.
136:1.1 (1509.3) Os judeus nutriam muitas idéias sobre o libertador esperado, e cada uma dessas diferentes escolas de ensinamentos messiânicos era capaz de apontar passagens nas escrituras dos hebreus que comprovavam o seu conteúdo. De um modo geral, os judeus consideravam a própria história nacional como se iniciando com Abraão e culminando com o Messias e a nova idade do Reino de Deus. Em tempos anteriores, eles haviam concebido esse libertador como “o servo do Senhor”, depois como “o Filho do Homem”; ao passo que, mais recentemente, alguns iam mesmo mais longe, a ponto de referirem-se ao Messias como o “Filho de Deus”. Não importava, contudo, que fosse chamado “a semente de Abraão” ou “o filho de Davi”, todos concordavam que o Messias devia ser o “ungido”. Assim, o conceito evoluía de “servo do Senhor” até “filho de Davi”, e de “Filho do Homem” até “Filho de Deus”.
136:1.2 (1509.4) Nos dias de João e de Jesus, os judeus mais instruídos haviam desenvolvido, para o Messias que viria, a imagem do israelita perfeccionado e representativo; e nele combinavam, ao mesmo tempo, a idéia de “servo do Senhor” e a função tríplice de profeta, sacerdote e rei.
136:1.3 (1509.5) Os judeus acreditavam com devoção que, assim como Moisés havia libertado os seus pais da servidão egípcia, mediante feitos prodigiosos e miraculosos, o Messias que estava por vir libertaria o povo judeu do domínio romano, com milagres ainda maiores, e pelo poder e maravilhas, em um triunfo racial. Os rabinos tinham reunido quase quinhentas passagens das escrituras que, não obstante as suas aparentes contradições, afirmavam profeticamente a vinda do Messias. Em meio a todos esses detalhes de tempo, técnica e função, eles deixaram perder-se da sua vista, quase completamente, a personalidade do Messias prometido. Eles estavam em busca da restauração da glória nacional judaica — a exaltação temporal de Israel — mais do que da salvação do mundo. Torna- se evidente, pois, que Jesus de Nazaré jamais poderia satisfazer a esse conceito materialista de Messias, criado pela mente judaica. Muitas das famosas predições messiânicas dos judeus, caso tivessem visto essas sentenças proféticas sob uma luz diferente, teriam muito naturalmente preparado as suas mentes para o reconhecimento de Jesus como sendo aquele que colocaria fim a uma idade e que inauguraria uma nova e melhor dispensação, de misericórdia e de salvação, para todas as nações.
136:1.4 (1510.1) Os judeus haviam sido criados na crença da doutrina de Shekinah. Esse suposto símbolo da Presença Divina, todavia, não era visto no templo. Eles acreditavam que a vinda do Messias efetivaria a restauração dele. E mantinham idéias confusas sobre o pecado da raça e a suposta natureza má do homem. Alguns ensinavam que o pecado de Adão havia amaldiçoado a raça humana e que o Messias iria retirar essa maldição e devolveria o homem ao favorecimento divino. Outros ensinavam que Deus, ao criar o homem, havia colocado no seu ser tanto a natureza do bem como a do mal; e que, quando observou o que adveio disso, Ele ficou muito desapontado, e que “Ele se arrependera, portanto, de haver feito o homem”. E aqueles que ensinavam isso acreditavam que o Messias estava para vir a fim de redimir o homem da sua natureza inerentemente má.
136:1.5 (1510.2) A maioria dos judeus acreditava que eles estavam enfraquecendo-se sob o domínio romano, por causa dos seus pecados nacionais e da tepidez dos prosélitos gentios. A nação judaica não se sentia arrependida no seu coração e, por isso, o Messias retardava a sua vinda. Havia muita conversa sobre o arrependimento; e daí o apelo poderoso e imediato da pregação de João: “Arrependei-vos e sede batizados, pois o Reino do céu está ao alcance da mão”. E, para qualquer judeu devoto, o Reino do céu podia significar uma coisa apenas: a vinda do Messias.
136:1.6 (1510.3) Havia um aspecto da auto-outorga de Michael que era totalmente estranho à concepção judaica do Messias, que era o da união das duas naturezas: a humana e a divina. Os judeus, de várias maneiras, haviam concebido o Messias como um humano perfeccionado, como um super-homem e mesmo como um ser divino; mas eles nunca alimentaram o conceito da união do humano e do divino. E esse foi um grande bloqueio no qual tropeçaram os primeiros discípulos de Jesus. Eles compreenderam o conceito humano do Messias como sendo o filho de Davi, do modo como foi introduzido pelos profetas anteriores; e como o Filho do Homem, na idéia super-humana de Daniel e de alguns dos profetas mais recentes; e mesmo como o Filho de Deus, como descrito pelo autor do Livro de Enoch e por alguns dos seus contemporâneos, mas nunca eles haviam, por um só momento, alimentado o conceito verdadeiro da união, em uma personalidade terrena, das duas naturezas, a humana e a divina. A encarnação do Criador, na forma da criatura, não tinha sido revelada de antemão. Estava sendo revelada apenas em Jesus; o mundo nada sabia dessas coisas, até que o Filho Criador foi feito carne e habitou entre os mortais deste reino.
136:2.1 (1510.4) Jesus foi batizado no apogeu das pregações de João, quando a Palestina estava inflamada pela esperança da sua mensagem — “o Reino de Deus está à mão” — , quando todo o mundo judeu empenhava-se em um exame de consciência sério e solene. O sentido judaico de solidariedade racial era muito profundo. Os judeus não apenas acreditavam que os pecados de um pai poderiam afligir os seus filhos, mas acreditavam firmemente que o pecado de um indivíduo poderia amaldiçoar a nação. Desse modo, nem todos, entre aqueles que se submetiam ao batismo de João, consideravam a si próprios como sendo culpados dos pecados específicos denunciados por João. Muitas almas devotas foram batizadas por João pelo bem de Israel. Eles temiam que algum pecado de ignorância, da sua parte, pudesse retardar a vinda do Messias. Sentiam-se como uma nação culpada e amaldiçoada pelo pecado e apresentavam-se para o batismo no intuito de que, assim fazendo, pudessem manifestar os frutos da penitência da raça. Evidente é, pois, que Jesus de nenhum modo recebeu o batismo de João como um ritual de arrependimento, nem de remissão de pecados. Ao aceitar o batismo das mãos de João, Jesus estava apenas seguindo o exemplo de inúmeros israelitas pios.
136:2.2 (1511.1) Quando foi até o Jordão, para ser batizado, Jesus de Nazaré era um mortal deste reino, que havia atingido o pináculo da ascensão evolucionária humana, em todos os pontos relacionados à conquista da mente e à auto-identificação com o espírito. Era como um mortal perfeccionado, dos mundos evolucionários do tempo e do espaço, que ele comparecia naquele dia ao Jordão. Uma sincronia perfeita e uma completa comunicação haviam sido estabelecidas entre a mente mortal de Jesus e o espírito Ajustador residente, a dádiva divina do seu Pai no Paraíso. E, exatamente como este, um Ajustador reside na mente de todos os seres humanos normais vivendo em Urântia, a partir da ascensão de Michael à soberania do seu universo; excetuando pelo fato de que o Ajustador de Jesus havia sido previamente preparado para essa missão especial, residindo, do mesmo modo, em um outro ser supra-humano encarnado à semelhança da carne mortal, Machiventa Melquisedeque.
136:2.3 (1511.2) Habitualmente, quando um mortal do reino atinge níveis tão elevados de perfeição da personalidade, ocorrem aqueles fenômenos preliminares de elevação espiritual que culminam na fusão final da alma amadurecida do mortal com o seu Ajustador divino solidário. E, aparentemente, essa mudança deveria ter acontecido, na experiência da personalidade de Jesus de Nazaré, naquele mesmo dia em que ele foi ao Jordão com os seus dois irmãos, para ser batizado por João. Essa cerimônia foi o ato final da sua vida meramente humana em Urântia; e muitos observadores supra-humanos esperavam testemunhar a fusão do Ajustador com a mente residida; mas todos estavam destinados a desapontar- se. Algo novo, e até mesmo maior, ocorreu. Quando João colocou as suas mãos sobre Jesus, para batizá-lo, o Ajustador residente, para sempre, deixou a alma humana perfeccionada de Joshua ben José. E, dentro de uns poucos momentos, essa entidade divina retornou de Divínington, como um Ajustador Personalizado, transformado em dirigente da sua espécie em todo o universo local de Nébadon. Assim, Jesus observou o seu próprio espírito divino anterior descendo no seu retorno para ele, na forma personalizada. E ouviu esse mesmo espírito, originário do Paraíso, agora, dizendo: “Este é o meu Filho amado, em quem Eu muito me comprazo”. E João, junto com os dois irmãos de Jesus, também ouviu essas palavras. De pé na beira da água, os discípulos de João não ouviram essas palavras nem viram a aparição do Ajustador Personalizado. Apenas os olhos de Jesus enxergaram o Ajustador Personalizado.
136:2.4 (1511.3) Após o Ajustador Personalizado, que retornara, agora mais elevado, haver assim falado, caiu o silêncio. E, enquanto os quatro permaneciam na água, Jesus, olhando para cima na direção do Ajustador que se aproximava, orou: “Meu Pai, que reina nos céus, santificado seja o Teu nome. Venha a nós o Teu Reino! Seja feita a Tua vontade na Terra, como nos céus”. Enquanto Jesus estava orando, os “céus abriram-se”, e o Filho do Homem teve uma visão de si próprio, que foi apresentada pelo agora Personalizado Ajustador, como um Filho de Deus, do modo como ele era, antes de vir à Terra à semelhança da carne mortal; e como ele seria, quando a vida encarnada terminasse. Essa visão celeste foi percebida apenas por Jesus.
136:2.5 (1512.1) Havia sido a voz do Ajustador Personalizado que João e Jesus ouviram, falando em nome do Pai Universal; pois o Ajustador é como o Pai do Paraíso e provém Dele. Durante todo o restante da vida de Jesus na Terra, esse Ajustador Personalizado esteve solidário com ele, em todos os seus trabalhos; Jesus permaneceu em comunhão constante com esse elevado Ajustador.
136:2.6 (1512.2) Ao ser batizado, Jesus não se arrependeu de nenhuma ação errada; e não fez nenhuma confissão de pecado. E esse foi o batismo da consagração do cumprimento da vontade do Pai celeste. Durante o seu batismo, ele ouviu o chamado inconfundível do seu Pai, o chamado final para ocupar-se dos assuntos do seu Pai; e daí Jesus partiu para uma reclusão, em privacidade, por quarenta dias, para pensar sobre todas essas questões. Retirando-se assim, por um período, do contato ativo de personalidade com os seus companheiros terrenos, Jesus, sendo quem era e estando em Urântia, estava seguindo o mesmo procedimento previsto nos mundos moronciais, que um mortal ascendente cumpre, ao fusionar-se com a sua presença interna do Pai Universal.
136:2.7 (1512.3) Esse dia do batismo pôs fim à vida puramente humana de Jesus. O Filho divino encontrou o seu Pai; e o Pai Universal encontrou o Seu Filho encarnado e Eles falaram-se um ao outro.
136:2.8 (1512.4) (Jesus estava quase com trinta e um anos e meio, quando foi batizado. Embora Lucas diga que Jesus foi batizado no décimo quinto ano do reinado de Tibério César, o que teria ocorrido no ano 29 d.C., posto que Augusto morreu no ano 14 d.C., deveria ser relembrado que Tibério foi co-imperador com Augusto, por dois anos e meio, antes da morte de Augusto, e teve estampadas moedas em sua honra, em outubro do ano 11 d.C. O décimo quinto ano do seu governo, na realidade, portanto, foi esse exato ano 26 d.C., o mesmo do batismo de Jesus. E também esse foi o ano em que Pôncio Pilatos começou a governar a Judéia.)
136:3.1 (1512.5) Antes do seu batismo, Jesus havia suportado a grande tentação da sua outorga mortal, quando ele foi molhado pelo orvalho do monte Hermom, por seis semanas. Lá, no monte Hermom, como um mortal deste reino, sem ajuda, ele havia encontrado e derrotado Caligástia, o enganador de Urântia, o príncipe deste mundo. Nesse dia memorável, segundo os registros do universo, Jesus de Nazaré tornara-se o Príncipe Planetário de Urântia. E esse Príncipe de Urântia, que seria logo proclamado o supremo Soberano de Nébadon, tinha agora ido, por quarenta dias, em recolhimento, para formular os planos e determinar a técnica pela qual proclamaria o novo Reino de Deus, nos corações dos homens.
136:3.2 (1512.6) Após o seu batismo, ele iniciou os quarenta dias de ajustamento de si próprio às relações alteradas do mundo e do universo, ocasionadas pela personalização do seu Ajustador. Durante esse isolamento nas colinas pereianas, ele determinou a política a ser seguida e os métodos a serem empregados na fase nova e modificada da vida da Terra, que ele havia de inaugurar.
136:3.3 (1512.7) Jesus não saiu em retiro com o propósito de jejuar, tampouco para afligir a sua alma. Ele não era um asceta e havia vindo com o fito de acabar definitivamente com todas as noções errôneas a respeito de Deus. As suas razões para procurar esse retiro foram inteiramente diferentes daquelas que tinham atuado sobre Moisés e Elias e, mesmo, sobre João Batista. Jesus já era, então, plenamente consciente a respeito da sua relação com o universo por ele próprio criado e, também, da sua relação com o universo dos universos, supervisionado pelo Pai do Paraíso, o seu Pai nos céus. Agora, ele se lembrava totalmente da missão de auto-outorga e das instruções administradas pelo seu irmão mais velho, Emanuel, antes que ele entrasse na sua encarnação de Urântia. Jesus compreendia total e claramente, agora, todas essas múltiplas relações; e desejava ficar afastado, durante um período de meditação, em silêncio, de modo a poder pensar sobre os seus planos e decidir sobre quais procedimentos adotar na continuação dos seus trabalhos públicos em favor deste mundo e de todos os outros mundos do seu universo local.
136:3.4 (1513.1) Enquanto vagava pelas colinas, procurando um abrigo adequado, Jesus encontrou o dirigente executivo do seu universo, Gabriel, o Brilhante Estrela Matutino de Nébadon. Gabriel restabelecia agora a comunicação pessoal com o Filho Criador do universo; eles encontraram-se diretamente, pela primeira vez, desde que Michael havia deixado os seus colaboradores em Sálvington, quando foi a Edêntia fazer os preparativos para iniciar a auto-outorga de Urântia. Gabriel, por ordem de Emanuel e sob a autoridade dos Anciães dos Dias de Uversa, dava agora a Jesus a informação indicativa de que a sua experiência de auto-outorga em Urântia estava praticamente realizada no que concernia à conquista da soberania perfeita do seu universo e ao fim da rebelião de Lúcifer. A primeira fora conquistada no dia do seu batismo, quando a personalização do seu Ajustador demonstrou que a sua outorga à semelhança da carne mortal estava completa e perfeita; e o segundo passou a ser um fato na história, naquele dia em que ele veio do monte Hermom, ao encontro de Tiglá, o jovem que o esperava. Jesus estava sendo informado agora, pelas autoridades mais elevadas do universo local e do superuniverso, de que a sua obra de outorga estava completa naquilo que dizia respeito ao seu status pessoal, em relação à soberania e à rebelião. Ele já tinha recebido essa garantia, diretamente do Paraíso, na visão batismal e no fenômeno da personalização do seu Ajustador do Pensamento residente.
136:3.5 (1513.2) Enquanto Jesus permaneceu na montanha, falando com Gabriel, o Pai da Constelação de Edêntia apareceu, em pessoa, para Jesus e Gabriel, dizendo: “Os registros foram realizados. A soberania de Michael, Número 611 121, sobre o seu universo de Nébadon está completa e entregue à mão direita do Pai Universal. Eu trago a ti a tua liberação da auto-outorga, vinda de Emanuel, o teu irmão e padrinho para esta encarnação de Urântia. Tens a liberdade para terminar, agora, ou em qualquer momento subseqüente, da maneira da tua própria escolha, a tua auto-outorga de encarnação; e ascender à mão direita do teu Pai, para receber a tua soberania e assumir o teu bem conquistado governo, incondicional, de todo o Nébadon. E também eu atesto que se encerra, segundo as formalidades dos registros do superuniverso, por autorização dos Anciães dos Dias, tudo o que existir ligado ao término de toda a rebelião pecaminosa, no teu universo, dotando-te com a autoridade plena e ilimitada para lidar com todos e quaisquer possíveis levantes como esse, no futuro. Tecnicamente, a tua obra, em Urântia e na carne da criatura mortal, está terminada. O teu caminho, de agora em diante, fica sendo uma questão para a tua própria escolha”.
136:3.6 (1513.3) Quando o Pai Altíssimo de Edêntia se foi, Jesus manteve uma longa conversa com Gabriel, a respeito do bem-estar do universo, e, enviando saudações a Emanuel, reiterou a sua promessa de que, no trabalho que ele estava para empreender em Urântia, ele lembrar-se-ia sempre dos conselhos que lhe tinham sido ministrados em Sálvington, na sua missão de preparo para essa outorga.
136:3.7 (1514.1) Em todos esses quarenta dias de isolamento, Tiago e João, os filhos de Zebedeu, estiveram empenhados em encontrar Jesus. Algumas vezes estiveram a pouca distância do local onde ele estava recolhido, mas nunca o encontraram.
136:4.1 (1514.2) Dia a dia, no alto das colinas, Jesus formulava os planos para o restante da sua outorga em Urântia. Primeiro ele decidiu não ensinar concomitantemente com João. E planejou permanecer em um relativo retiro até que o trabalho de João tivesse atingido o seu propósito, ou até que fosse interrompido subitamente pelo seu encarceramento. Jesus sabia bem que a pregação destemida e sem tato de João iria logo despertar os temores e a inimizade dos governantes civis. Em vista da situação precária de João, Jesus começou definitivamente a planejar o seu programa de trabalhos públicos, em favor do seu povo do mundo, ou seja, em prol de todos os mundos habitados de todo o seu vasto universo. A auto-outorga mortal de Michael acontecia em Urântia, mas para todos os mundos de Nébadon.
136:4.2 (1514.3) A primeira coisa que Jesus fez, depois de repensar o plano geral, para a coordenação do seu programa com os movimentos de João, foi rever, na sua mente, as instruções de Emanuel. Cuidadosamente repassou o conselho dado a ele, a respeito dos seus métodos de trabalho e de que ele não devia deixar nenhum escrito permanente no planeta. Nunca mais Jesus escreveu em nada a não ser na areia. Na sua visita subseqüente a Nazaré, e para grande tristeza do seu irmão José, Jesus destruiu todos os seus escritos, que haviam sido preservados em pranchas na oficina de carpinteiro, e aqueles que estavam dependurados nas paredes da velha casa. E Jesus ponderou muito bem sobre os conselhos de Emanuel, sobre a atitude econômica, social e política que devia manter para com o mundo, do modo como ele o encontrasse.
136:4.3 (1514.4) Jesus não jejuou durante esse período de quarenta dias de isolamento. O período mais longo que passou sem alimento foi o dos seus dois primeiros dias nas colinas, quando estava tão absorto nos seus pensamentos que se esqueceu totalmente de comer. Ao terceiro dia, contudo, ele saiu à procura de alimento. E também ele não foi tentado, durante esse tempo, por quaisquer espíritos do mal, nem por personalidades rebeldes em permanência neste mundo, nem de nenhum outro mundo.
136:4.4 (1514.5) Esses quarenta dias foram a ocasião para a conferência final, entre a mente humana e a mente divina, ou melhor, para o primeiro funcionamento real dessas duas mentes, agora feitas uma. Os resultados desse importante período de meditação demonstraram conclusivamente que a mente divina, de modo triunfal, havia dominado espiritualmente o intelecto humano. A mente do homem tinha transformado-se na mente de Deus, desse momento em diante e, se bem que a individualidade e a mente do homem estivessem sempre presentes, essa mente humana espiritualizada sempre dizia: “Não a minha vontade, mas a Tua seja feita”.
136:4.5 (1514.6) As transações dessa época de eventos memoráveis não foram as visões fantásticas de uma mente enfraquecida pela longa fome, nem foram elas repletas dos simbolismos confusos e pueris que posteriormente ganharam registro como as “tentações de Jesus no deserto”. Esse foi mais um período para repensar sobre toda a carreira variada e cheia de eventos, da sua outorga de Urântia; e para o estabelecimento cuidadoso dos planos para a ministração futura, do modo como melhor servisse a esse mundo e que também contribuísse, em alguma coisa, para melhorar todas as outras esferas isoladas pela rebelião. Jesus pensou sobre todo o ciclo da vida humana em Urântia, desde os dias de Andon e Fonta, passando pelos da falta cometida por Adão e até os da ministração de Melquisedeque de Salém.
136:4.6 (1514.7) Gabriel havia lembrado a Jesus que havia dois modos pelos quais ele poderia manifestar a si próprio ao mundo, caso escolhesse permanecer ainda em Urântia por um período de tempo. E ficou claro para Jesus que a sua escolha nessa questão nada teria a ver, nem com a sua soberania sobre o universo, nem com o término da rebelião de Lúcifer. Esses dois modos de ministração ao mundo eram:
136:4.7 (1515.1) 1. O seu próprio modo — o modo que pudesse parecer o mais agradável e o de maior proveito, do ponto de vista das necessidades imediatas deste mundo e para a edificação presente do seu próprio universo.
136:4.8 (1515.2) 2. O modo do Pai — aquele que daria uma demonstração de um ideal de longo alcance da vida da criatura, como era visualizada pelas altas personalidades do Paraíso, na administração do universo dos universos.
136:4.9 (1515.3) E, assim, tornou-se claro, para Jesus, que havia dois caminhos, segundo os quais ele poderia ordenar o restante da sua vida terrena. Cada um desses caminhos tinha algo argumentando a seu favor, se fosse visto à luz da situação imediata. O Filho do Homem percebeu claramente que a sua escolha, entre esses dois modos de conduta, nada teria a ver com a sua recepção da soberania do universo; pois aquilo era uma questão já estabelecida e selada, nos registros do universo dos universos, e que apenas aguardava a sua demanda pessoal. Contudo, foi indicado a Jesus que uma grande satisfação seria proporcionada ao seu irmão do Paraíso, Emanuel, se ele, Jesus, concluísse que seria adequado terminar a sua carreira terrena de encarnação tão nobremente quanto a havia iniciado: submetendo-se sempre à vontade do Pai. Ao terceiro dia desse isolamento, Jesus prometeu a si próprio que retornaria ao mundo para terminar a sua carreira terrena; e que, em uma situação que envolvesse apenas um dos dois caminhos, ele escolheria sempre a vontade do Pai. E viveu o restante da sua vida terrena sempre fiel a essa resolução. Até o amargo fim mesmo, ele subordinou invariavelmente a sua vontade soberana à vontade do seu Pai celeste.
136:4.10 (1515.4) Os quarenta dias na montanha desértica não foram um período de grande tentação; mas foram, antes, o período das grandes decisões do Mestre. Durante esses dias de comunhão solitária consigo próprio e com a presença imediata do seu Pai — o Ajustador Personalizado (ele não tinha mais um guardião seráfico pessoal) — Jesus se pôs frente às grandes decisões, uma a uma, que viriam a reger as suas políticas e a sua conduta, para o restante da sua carreira terrena. Posteriormente, a tradição de uma grande tentação ficou ligada a esse período de isolamento, por causa da confusão das narrativas fragmentadas das lutas do monte Hermom, e também porque o costume era o de que todos os grandes profetas e os líderes humanos houvessem começado as suas carreiras públicas submetendo-se a esses supostos períodos de jejum e oração. Tinha sido sempre da prática de Jesus, quando posto frente a quaisquer decisões novas ou sérias, retirar-se para uma comunhão com o seu próprio espírito, de um modo tal que ele pudesse buscar conhecer a vontade de Deus.
136:4.11 (1515.5) Em todo esse plano, para o restante da sua vida terrena, Jesus esteve sempre dividido, dentro do seu coração humano, entre dois rumos opostos de conduta:
136:4.12 (1515.6) 1. O do forte desejo que ele alimentava, de conduzir o seu povo — e todo o mundo — a acreditar nele e aceitar o seu novo Reino espiritual. E ele sabia muito bem sobre as idéias deles a respeito do Messias que viria.
136:4.13 (1515.7) 2. O de viver e trabalhar como ele sabia ser o modo de aprovação do seu Pai, de conduzir o seu trabalho em favor de outros mundos em necessidade e continuar a estabelecer o Reino revelando o Pai e manifestando o Seu caráter divino de amor.
136:4.14 (1515.8) Nesses dias de acontecimentos memoráveis, Jesus viveu em uma caverna antiga de rocha, um abrigo de um lado das colinas, perto de uma aldeia algumas vezes chamada de Beit Adis. Ele bebia água de uma pequena fonte que vinha de um lado da montanha perto desse abrigo na rocha.
136:5.1 (1516.1) Ao terceiro dia, após ter começado esse diálogo com o seu Ajustador Personalizado, Jesus foi presenteado com a visão das hostes celestes de Nébadon, enviadas pelos seus comandantes para aguardarem e cumprirem a vontade do seu amado Soberano. Essas poderosas hostes abrangiam doze legiões de serafins e números proporcionais de cada uma das ordens de inteligência do universo. E a primeira grande decisão de Jesus, no seu isolamento, tinha a ver com a sua escolha de fazer uso, ou não, dessas poderosas personalidades, para o programa seguinte do seu trabalho público em Urântia.
136:5.2 (1516.2) Jesus decidiu que ele não utilizaria uma única personalidade sequer que fosse, desse vasto conjunto, a menos que se tornasse evidente que essa seria a vontade do Pai. Não obstante essa decisão ser geral, essas imensas hostes permaneceram com Jesus durante o restante da sua vida terrestre, sempre em prontidão para obedecer à menor expressão da vontade do seu Soberano. Jesus não via constantemente essas personalidades, que o acompanhavam, com os seus olhos humanos; o seu Ajustador Personalizado solidário, contudo, constantemente, não apenas as via, mas podia comunicar-se com todas elas.
136:5.3 (1516.3) Antes de voltar do retiro de quarenta dias nas montanhas, Jesus designou o comando direto dessa hoste ajudante de personalidades do universo, ao seu Ajustador recentemente Personalizado; e, por mais de quatro anos, do tempo de Urântia, essas seletas personalidades, de cada divisão de inteligências do universo, obediente e respeitosamente funcionaram sob a sábia condução do elevado e experiente Monitor Misterioso Personalizado. Ao assumir o comando desse conjunto poderoso, o Ajustador, havendo uma vez sido parte e essência do Pai do Paraíso, assegurou a Jesus que, em nenhum caso, a todas essas agências supra-humanas, seria permitido servir ou manifestar-se, por qualquer motivo, em defesa da carreira terrena dele, a menos que se tornasse claro que o Pai desejava tal intervenção. Assim, por meio de uma grande decisão, Jesus estava privando-se, a si próprio e voluntariamente, de qualquer cooperação supra-humana, para todas as questões que tivessem a ver com o restante da sua carreira mortal, a menos que o Pai pudesse escolher independentemente participar desse ou daquele ato ou episódio dos trabalhos terrenos do Filho.
136:5.4 (1516.4) Ao aceitar esse comando das hostes do universo, a serviço de Cristo Michael, o Ajustador Personalizado fez um grande esforço para mostrar a Jesus que, embora esse conjunto de criaturas do universo pudesse estar, em todas as suas atividades no espaço, comandado e contido pela autoridade delegada pelo seu Criador, tais limitações deixavam de ser operativas, no que dizia respeito à função dele no tempo. E isso porque tal limitação vinha do fato de que os Ajustadores são seres não temporais, mesmo após personalizados. E, desse modo, Jesus foi advertido quanto ao controle, a ser efetuado pelo Ajustador, das inteligências vivas colocadas sob o seu comando, de que seria completo e perfeito quanto às questões envolvendo o espaço; todavia, não poderia haver limitações tão perfeitas a serem impostas, no que concernisse ao tempo. Disse-lhe o Ajustador: “Como tu me comandaste, impedirei a interferência dessa hoste de inteligências do universo, a qual aguarda para servir-te, de todos os modos, no que disser respeito à tua carreira terrena, exceto nos casos em que o Pai do Paraíso me ordenar liberar esses agentes e agências para que cumpram Sua vontade divina, tal como pela tua escolha puder ser realizado; e essa mesma exceção acontecerá nos casos em que optares por agir segundo a tua vontade divino-humana, casos que envolvam apenas alterações da ordem natural terrena quanto ao tempo. Portanto, em todos esses eventos, eu serei impotente, e as tuas criaturas, aqui reunidas em perfeição e unidade de poder, também, serão impotentes. Caso as tuas naturezas unidas alimentem um desejo, tal mandado da tua escolha será logo executado. O teu desejo, em todas as questões como essas, constituirá uma ponte no tempo, e a coisa projetada será existente. Sob o meu comando, essa é a limitação mais completa possível que pode ser imposta ao teu potencial de soberania. Na minha consciência, o tempo não existe e, portanto, não posso limitar as tuas criaturas em nada que se relacione a ele”.
136:5.5 (1517.1) E, desse modo, Jesus tornou-se sabedor de como funcionaria a sua decisão de continuar vivendo como um homem entre os homens. Por uma simples decisão, ele havia excluído todas as hostes do universo à sua disposição, de inteligências variadas, de participarem do seu ministério público, que se seguiria; exceção feita somente àqueles assuntos que envolvessem o tempo. Tornou-se evidente, a partir daí, que qualquer acompanhamento, supostamente supranatural ou supra-humano possível à ministração de Jesus teria pertinência apenas quanto à eliminação do tempo, a menos que o Pai nos céus ordenasse especificamente que fosse de outro modo. Nenhum milagre, nenhuma ministração de misericórdia, nem qualquer outro evento possível, que ocorrer nas obras restantes de Jesus na Terra, não deverá, possivelmente, ser de natureza ou caráter que transcenda às leis naturais estabelecidas e funcionando regularmente nos assuntos dos homens, e do modo como vivem eles em Urântia, exceto nessa questão expressamente declarada do tempo. Nenhum limite, que fique claro, poderia ser colocado às manifestações da “vontade do Pai”. A eliminação do tempo, em qualquer coisa do desejo expresso desse Soberano em potencial de um universo, poderia ser evitada apenas por ato expresso e direto da vontade desse homem-Deus; ou seja, deveria ele próprio decidir que o tempo, enquanto relacionado a algum ato, ou evento em questão, não devesse ser abreviado, nem eliminado. Para impedir o surgimento dos aparentes milagres no tempo, tornava-se necessário que Jesus permanecesse continuamente consciente do fator tempo. Qualquer lapso, da sua parte, na consciência que tinha do tempo, se mantido em relação a algum desejo definido, seria equivalente à realização da coisa concebida na mente desse Filho Criador, sem interferências quanto ao tempo.
136:5.6 (1517.2) Por meio do controle e da supervisão do Ajustador Personalizado, solidário a ele, tornava possível a Michael limitar perfeitamente as suas atividades pessoais terrenas, com referência ao espaço; mas não era possível, ao Filho do Homem, limitar desse mesmo modo o seu novo status terreno, como Soberano potencial de Nébadon, no que concernia ao tempo. E esse era o status de fato de Jesus de Nazaré, quando ele saiu para começar a sua ministração pública em Urântia.
136:6.1 (1517.3) Havendo estabelecido a sua política concernente a todas as personalidades, de todas as classes de inteligências criadas por ele, até onde isso podia ser determinado, em vista do potencial inerente ao seu novo status de divindade; Jesus agora voltava os seus pensamentos na direção de si mesmo. O que iria ele fazer, agora que estava totalmente consciente de ser o criador de todas as coisas e seres existentes neste universo, dessas prerrogativas de criador, nas situações recorrentes da vida, com as quais iria confrontar-se imediatamente, tão logo retornasse à Galiléia, para reassumir o seu trabalho entre os homens? De fato, precisamente ali onde ele estava e já, naquelas montanhas solitárias, esse problema forçosamente se apresentava a ele, na questão de obter comida. Ao terceiro dia das suas meditações solitárias, o corpo humano ficou faminto. Deveria ele ir à procura de comida, como qualquer homem comum iria; ou deveria ele meramente exercer os seus poderes de criação normais e produzir a nutrição adequada ao corpo, pronta e à mão? Essa grande decisão do Mestre havia sido descrita para vós como uma tentação — como um desafio, de inimigos supostos, para que ele “comandasse que essas pedras se transformassem em pães”.
136:6.2 (1518.1) Jesus assim estabeleceu uma outra política, também consistente, para o restante dos seus trabalhos terrenos. No que concernisse às suas necessidades pessoais e, em geral mesmo, nas suas relações com outras personalidades, iria ele, agora, deliberadamente, escolher o caminho da existência normal terrena, para seguir por esse caminho; definitivamente decidia contra uma política que transcendesse, violasse ou ultrajasse as suas próprias leis naturais estabelecidas. Entretanto, ele não podia prometer a si próprio, como já tinha sido advertido pelo seu Ajustador Personalizado, que essas leis naturais não fossem aceleradas, e intensamente, sob certas circunstâncias concebíveis. Em princípio, Jesus decidiu que o trabalho da sua vida deveria ser organizado e ter prosseguimento, de acordo com a lei natural e em harmonia com a organização social existente. O Mestre escolheu, portanto, um programa de vida que era o equivalente a decidir contra os milagres e os prodígios. Novamente ele decidiu a favor da “vontade do Pai”; novamente rendia-se, colocando tudo nas mãos do seu Pai do Paraíso.
136:6.3 (1518.2) A natureza humana de Jesus ditou que o primeiro dever seria a autopreservação; essa é a atitude normal do homem natural, nos mundos do tempo e do espaço; e, portanto, é uma reação legítima para um mortal de Urântia. Mas Jesus não estava preocupado apenas com este mundo e com as criaturas dele; ele estava vivendo uma vida destinada a instruir e inspirar as múltiplas criaturas de todo um vasto universo.
136:6.4 (1518.3) Antes da sua iluminação batismal, ele havia vivido em perfeita submissão à vontade e ao guiamento do seu Pai celeste. E decidiu, enfaticamente, continuar na mesma dependência, mortal e implícita, da vontade do Pai. E propôs a si próprio um caminho antinatural — decidindo não buscar a autopreservação. Escolheu continuar seguindo a política de recusar-se a defender a si próprio. E formulou as suas conclusões, sobre as palavras da escritura, conhecidas da sua mente humana: “O homem não deve viver de pão somente, mas de toda palavra que provém da boca de Deus”. Ao chegar a essa conclusão, com relação ao apetite da natureza física, representado pela fome de comida, o Filho do Homem fez a sua declaração final a respeito de todas as urgências da carne e dos impulsos naturais da natureza humana.
136:6.5 (1518.4) Ele poderia usar o seu poder supra-humano, provavelmente, para os outros, mas, para si mesmo, nunca. E ele seguiu essa política, de modo coerente, até o fim, quando de modo zombeteiro foi dito sobre ele: “Ele salvou os outros; a si próprio ele não pode salvar” — pois ele não queria isso.
136:6.6 (1518.5) Os judeus estavam esperando por um Messias que fizesse prodígios ainda maiores do que os de Moisés, de quem se dizia haver feito a água brotar da rocha em um local desértico e ter alimentado os seus ancestrais, com o maná, no deserto. Jesus sabia que espécie de Messias os seus compatriotas esperavam; e Jesus tinha todos os poderes e prerrogativas para estar à altura das mais ardentes expectativas, mas ele decidiu-se contra um programa de tanta grandiosidade de poder e glória. Jesus considerava que essa seqüência de milagres esperados seria um retrocesso aos velhos tempos de magia ignorante, quando os curadores selvagens tratavam por meio de práticas degradadas. Para a salvação das suas criaturas, talvez ele pudesse acelerar a lei natural, mas transcender as suas próprias leis, fosse para o benefício de si próprio, fosse para impressionar os seus companheiros humanos, isso ele não faria. E a decisão do Mestre foi final.
136:6.7 (1518.6) Jesus condoía-se pelo seu povo; ele compreendia totalmente o modo como eles haviam sido levados à expectativa do Messias vindouro: o tempo em que “a terra dará seus frutos por dez mil vezes; e em um vinhedo haverá mil galhos e cada galho dará mil cachos de uvas, e cada cacho terá mil uvas e cada uva produzirá um barril de vinho”. Os judeus acreditavam que o Messias inauguraria uma era de abundância miraculosa. Os hebreus há muito vinham nutrindo tradições de milagres e de lendas prodigiosas.
136:6.8 (1519.1) Ele não era um Messias vindo com o fito de multiplicar os pães e o vinho. Ele viera, não para ministrar diante das necessidades temporais apenas; ele viera para revelar o seu Pai nos céus, aos filhos na Terra, buscando unir os seus filhos terrenos a Ele, em um esforço sincero para viver de modo a cumprir a vontade do Pai nos céus.
136:6.9 (1519.2) Com essa decisão, Jesus de Nazaré retratou, a um universo atento, a loucura e o pecado de prostituir os talentos divinos e as habilidades dadas por Deus, para engrandecimento pessoal ou para conquistas e glorificações puramente egoístas. Esse havia sido o pecado de Lúcifer e de Caligástia.
136:6.10 (1519.3) Essa grande decisão de Jesus ilustra dramaticamente a verdade de que a satisfação egoísta e a gratificação sensual, em si e por si mesmas, não são capazes de conferir felicidade aos seres humanos em evolução. Há valores mais elevados, na existência mortal — as conquistas da mestria intelectual e realizações espirituais — , que, em muito, transcendem a gratificação necessária dos apetites e instintos puramente físicos do homem. Os dons naturais, de talento e capacidade do homem, deveriam ser devotados, sobretudo, ao desenvolvimento e ao enobrecimento dos seus mais elevados poderes de mente e de espírito.
136:6.11 (1519.4) Jesus revelou às criaturas do seu universo, assim, a técnica do novo e melhor caminho, os valores morais mais altos do viver e das satisfações espirituais mais profundas da existência humana evolucionária, nos mundos do espaço.
136:7.1 (1519.5) Havendo tomado decisões sobre questões tais como o alimento e a ministração física às necessidades do seu corpo material, o cuidado, de si próprio e dos seus companheiros, com a saúde; outras questões ficavam ainda para ser solucionadas. Qual seria a sua atitude, quando se confrontasse com a ameaça pessoal? Ele decidiu exercer uma vigilância e tomar precauções normais, quanto à sua segurança humana, para impedir o fim da sua carreira na carne; porém, decidiu abster-se de qualquer intervenção supra-humana, quando a grande crise da sua vida na carne chegasse. Ao formular essa decisão, Jesus estava assentado à sombra de uma árvore em uma beirada saliente de rocha, tendo um precipício bem diante de si. E entendia, bem claramente, que poderia jogar-se, daquela borda, para o espaço, sem que nada acontecesse para machucá-lo, desde que ele contrariasse a sua primeira grande decisão de não invocar a intervenção das suas inteligências celestes, para prosseguir no trabalho da sua vida em Urântia, e que ab-rogasse a sua segunda decisão, que dizia respeito à sua atitude para com a preservação da sua vida.
136:7.2 (1519.6) Jesus sabia que os seus compatriotas estavam esperando um Messias que estivesse acima da lei natural. E a ele tinha sido ensinada aquela escritura: “Nenhum mal recairá sobre ti, nenhuma praga se aproximará da tua morada. Pois Ele colocará os Seus anjos para encarregarem-se de ti, para zelar por ti, em todos os teus caminhos. Eles te levarão, nas próprias mãos, para que os teus pés não se choquem contra a pedra”. Essa espécie de presunção, esse desafio às leis da gravidade do seu Pai, poderia justificar-se, para protegê-lo de algum possível dano, por acaso, ou para ganhar a confiança de um povo mal instruído e desorientado? Um tal procedimento, por mais gratificante que fosse, para aqueles judeus que buscavam sinais, seria, todavia, não uma revelação do seu Pai, mas uma manipulação questionável das leis estabelecidas do universo dos universos.
136:7.3 (1519.7) Ao compreenderdes tudo isso e ao saberdes que o Mestre recusou-se a desafiar as suas leis naturais, estabelecidas para o seu trabalho, em tudo aquilo que envolvesse a conduta pessoal, imediatamente sabereis, e com toda a certeza, que ele nunca caminhou sobre as águas, nem fez qualquer outra coisa que significasse um ultraje à sua ordem material de administrar o mundo. Claro está, todavia, e deveis ter isso sempre em mente, que não havia sido encontrado nenhum meio pelo qual ele pudesse estar totalmente livre da própria falta de controle sobre o elemento do tempo, para todas as questões colocadas sob a jurisdição do Ajustador Personalizado.
136:7.4 (1520.1) Em toda a sua vida terrena, Jesus permaneceu consistentemente leal a essa decisão. Não importava que os fariseus escarnecessem dele, pedindo para terem um sinal, nem que os espectadores, no Calvário, o desafiassem a descer da cruz; ele aderiu firmemente à decisão tomada nesse momento nas montanhas.
136:8.1 (1520.2) O próximo grande problema com o qual esse Deus-homem debateu-se, e sobre o qual decidiu segundo a vontade do Pai nos céus, foi quanto ao emprego ou não de qualquer dos seus poderes supra-humanos; se deveria usá-los com o propósito de atrair a atenção e de ganhar a adesão dos seus companheiros humanos. Deveria, de qualquer modo, emprestar os seus poderes universais para a gratificação da ânsia dos judeus, pelo espetacular e pelo maravilhoso? Ele decidiu que não devia. Firmou-se em uma política de procedimento que eliminaria todas essas práticas, como método de levar a sua missão a ser notada pelos homens. E, de modo consistente, ele viveu dentro dessa grande decisão. Mesmo quando permitiu a manifestação de inúmeras ministrações de misericórdia, que abreviavam o tempo, ele admoestava, quase que invariavelmente, àqueles que recebiam o seu ministério de cura, para não dizer a nenhum homem sobre os benefícios que tinham recebido. E sempre recusou o desafio sarcástico dos seus inimigos de “mostrar-nos um sinal” como prova e demonstração da sua divindade.
136:8.2 (1520.3) Jesus, muito sabiamente, previu que a operação de milagres e a execução de prodígios poderiam atrair uma lealdade apenas superficial e exterior, por causar intimidação à mente material; e essas atuações não revelariam Deus, nem salvariam os homens. Ele recusou-se a se tornar um mero operador de prodígios. E resolveu ocupar-se de uma única tarefa — o estabelecimento do Reino do céu.
136:8.3 (1520.4) Durante todo esse monumental diálogo de Jesus, em comunhão consigo mesmo, o elemento humano, que questiona e quase duvida, esteve presente, pois Jesus era homem tanto quanto Deus. Estava evidente que ele não iria nunca ser recebido pelos judeus como o Messias, caso não realizasse coisas prodigiosas. Além disso, se ele consentisse em fazer qualquer coisa que fosse não natural, a mente humana evidentemente saberia que estava em subserviência a uma mente verdadeiramente divina. E seria isso consistente com a “vontade do Pai”, que a mente divina fizesse essa concessão à natureza cética da mente humana? Jesus decidiu que não; e apoiou-se na presença do Ajustador Personalizado, como prova suficiente da divindade em parceria com a humanidade.
136:8.4 (1520.5) Jesus havia viajado bastante; relembrou-se de Roma, Alexandria e Damasco. Conhecia os métodos do mundo — como as pessoas atingiam as suas metas, na política e no comércio, por meio de concessões e diplomacia. Utilizaria esse conhecimento para que a sua missão na Terra avançasse? Não! E decidiu, do mesmo modo, contra todas as concessões feitas à sabedoria terrena do mundo e à influência da riqueza, para o estabelecimento do Reino. De novo escolheu depender exclusivamente da vontade do Pai.
136:8.5 (1520.6) Jesus estava plenamente consciente de como os caminhos ficam facilitados e se abrem, para aqueles com poderes como os seus. Ele conhecia muitos modos de atrair a atenção da nação; e o mundo inteiro poderia ter as suas atenções imediatamente focalizadas sobre ele. Logo a Páscoa seria celebrada em Jerusalém; a cidade seria atropelada pelos visitantes. Ele poderia ascender aos pináculos do templo e, diante da multidão desconcertada, caminhar no ar; essa seria a espécie de Messias que eles estavam buscando. E ele iria desapontá-los a todos, em seguida, já que não havia vindo para restabelecer o trono de Davi. E Jesus sabia da inutilidade do método de Caligástia, de tentar adiantar-se ao modo natural, lento e certo, de realizar o propósito divino. De novo, o Filho do Homem inclinava- se obedientemente para o caminho do Pai, à vontade do Pai.
136:8.6 (1521.1) Jesus escolheu estabelecer o Reino do céu, nos corações da humanidade, pelos métodos naturais, comuns, difíceis e cheios de provações; exatamente aqueles procedimentos que as suas criaturas terrenas deveriam adotar, subseqüentemente, no seu trabalho de ampliar e estender este Reino do céu. Pois o Filho do Homem sabia muito bem que seria “através de muita atribulação que muitos filhos, de todas as épocas, entrariam no Reino”. Jesus estava agora passando pelo grande teste do homem civilizado: de ter o poder e firmemente recusar-se a usá-lo para propósitos puramente egoístas ou pessoais.
136:8.7 (1521.2) Nas vossas considerações sobre a vida e a experiência do Filho do Homem, deveríeis sempre ter em mente que o Filho de Deus estava encarnado na mente de um ser humano do primeiro século, não na mente de um mortal do século vinte ou de qualquer outro século. Com isso temos a intenção de transmitir a idéia de que os dons humanos de Jesus eram os de aquisição natural. Ele era produto dos fatores da hereditariedade e meio ambiente do seu tempo, acrescentados da influência da sua instrução e educação. A sua humanidade era genuína, natural, integralmente derivada e estimulada pelos antecedentes das condições reais do status intelectual, social e econômico daqueles dias e daquela geração. Se bem que houvesse sempre, na experiência desse Deus-homem, a possibilidade de que a mente divina transcendesse o intelecto humano, entretanto, quando a sua mente humana funcionava como tal, ela o fazia como uma verdadeira mente mortal o faria sob as condições do ambiente humano daquela época.
136:8.8 (1521.3) Jesus descortinou para todos os mundos do seu imenso universo a loucura que é criar situações artificiais, com o fito de exibir autoridade arbitrária ou de permitir a si um poder excepcional, no propósito de exaltar valores morais ou de acelerar o progresso espiritual. Jesus decidiu que, na sua missão na Terra, não se prestaria a repetir os desapontamentos do reino dos Macabeus. Ele recusou-se a prostituir os seus atributos divinos, com o propósito de conseguir uma popularidade fora de propósito ou para ganhar prestígio político. Ele não iria aprovar a transmutação da energia divina e criativa, em poder nacional ou em prestígio internacional. Jesus de Nazaré recusou-se a fazer concessões ao mal, e menos ainda a consorciar-se com o pecado. O Mestre pôs, triunfalmente, a lealdade à vontade do seu Pai acima de qualquer consideração terrena ou temporal.
136:9.1 (1521.4) Tendo estabelecido essas questões da política, no que eram pertinentes às suas relações individuais com a lei natural e o poder espiritual, voltou a sua atenção para a escolha dos métodos a serem empregados na proclamação e no estabelecimento do Reino de Deus. João havia já começado o trabalho; como poderia ele continuar a mensagem? Como deveria retomar a missão de João? Como deveria ele organizar os seus seguidores, em um esforço efetivo para uma cooperação inteligente? Jesus estava agora chegando à decisão final que iria proibir que se considerasse a si próprio como o Messias judeu, ao menos como era popularmente concebido, o Messias, naqueles dias.
136:9.2 (1522.1) Os judeus visualizavam um libertador que viria com um poder miraculoso, para pôr abaixo os inimigos de Israel e estabelecer os judeus como os governantes do mundo, livres de privações e de opressão. Jesus sabia que essa esperança nunca se realizaria. Ele sabia que o Reino do céu tinha a ver com a derrocada do mal nos corações dos homens; e que era uma questão de interesse puramente espiritual. Ele pensou sobre a conveniência de inaugurar o Reino espiritual com uma demonstração brilhante e deslumbrante de poder — e esse caminho teria sido permissível e totalmente dentro da jurisdição de Michael — , mas ele decidiu totalmente contra um plano assim. Ele não se envolveria nas técnicas revolucionárias de Caligástia. Ele havia conquistado potencialmente o mundo pela submissão à vontade do Pai; e propunha-se terminar o seu trabalho como ele o havia começado, e como Filho do Homem.
136:9.3 (1522.2) Dificilmente podeis imaginar o que teria acontecido em Urântia, caso esse Deus-homem, agora na posse potencial de todo o poder nos céus e na Terra, houvesse decidido desfraldar o estandarte da soberania e invocar os batalhões na formação e militância da execução de maravilhas! Todavia, ele não abriria tais concessões. Não serviria ao mal para que a adoração a Deus viesse presumivelmente como derivada disso. Ele conformar-se-ia segundo a vontade de Deus. Jesus iria proclamar a um universo de olhos abertos sobre ele: “Vós ireis adorar o Senhor vosso Deus e a Ele apenas devereis servir”.
136:9.4 (1522.3) Com o passar dos dias, Jesus concebeu com clareza crescente a espécie de revelador da verdade que ele se tornaria. Discernia que o caminho de Deus não seria o caminho mais fácil. Começou a compreender que era possível que o cálice do remanescente da sua experiência humana fosse amargo, mas decidiu-se a beber dele.
136:9.5 (1522.4) Mesmo a sua mente humana passa a despedir-se do trono de Davi. Passo a passo essa mente humana prossegue no caminho do divino. A mente humana ainda faz perguntas, mas aceita infalivelmente as respostas divinas como direções finais, nesta vida combinada de homem neste mundo, submetendo-se todo o tempo, irrestritamente, a fazer a vontade divina e eterna do Pai.
136:9.6 (1522.5) Roma era a senhora do mundo ocidental. O Filho do Homem, agora em isolamento e tomando essas decisões memoráveis, com as hostes dos céus sob seu comando, representava a última oportunidade dos judeus de alcançar o domínio do mundo; mas esse mesmo judeu, nascido na Terra, possuidor de uma sabedoria e poder tão extraordinários, declinou usar os seus dons universais, fosse para o engrandecimento de si próprio, fosse para levar o seu povo ao trono. Ele viu como eram “os reinos deste mundo”; e possuía o poder para tomá-los. Os Altíssimos de Edêntia haviam colocado todos esses poderes nas suas mãos, mas ele não os queria. Os reinos da Terra eram coisas por demais vis para interessarem ao Criador e Governante de um universo. Jesus tinha apenas um objetivo, a continuidade da revelação de Deus ao homem, o estabelecimento do Reino e o governo do Pai celeste nos corações da humanidade.
136:9.7 (1522.6) A idéia de batalha, de contenda e massacres era repugnante para Jesus; ele não queria nada daquilo. Ele apareceria na Terra como o Príncipe da Paz, revelando um Deus de amor. Antes do seu batismo, de novo, ele havia recusado a oferta dos zelotes de liderá-los em rebelião contra os opressores romanos. E agora ele tomava a sua decisão final a respeito daquelas escrituras que a sua mãe lhe havia ensinado, tais como: “O Senhor disse a mim: ‘Tu és o meu Filho; neste dia Eu o concebi. Peça a mim e dar-te-ei os pagãos como herança e os confins da Terra para a tua posse. Tu irás quebrá-los com uma vara de ferro; tu irás fazê-los em pedaços como a um pote de cerâmica’”.
136:9.8 (1522.7) Jesus de Nazaré chegou à conclusão de que essas afirmações e modo de falar não se referiam a ele. Afinal, e definitivamente, a mente humana do Filho do Homem fez uma limpeza em todas essas contradições e dificuldades messiânicas — as escrituras hebraicas, a educação dos pais e a do chazam, as expectativas judaicas e os desejos da ambição humana-; e para sempre decidiu sobre o curso da sua obra. Retornaria à Galiléia e começaria, com tranqüilidade, a proclamação do Reino e confiaria ao seu Pai (no Ajustador Personalizado) o trabalho dos detalhes do procedimento no dia a dia.
136:9.9 (1523.1) Por meio dessas decisões, Jesus deu um exemplo digno para todas as pessoas em todos os mundos, em todo o seu vasto universo, quando se recusou a dar provas materiais para as questões espirituais, e se recusou a desafiar, com presunção, as leis naturais. E estabeleceu um exemplo inspirador de lealdade ao universo, e nobreza moral, quando se recusou a se apegar ao poder temporal como prelúdio de glória espiritual.
136:9.10 (1523.2) Se o Filho do Homem tinha quaisquer dúvidas sobre a sua missão e a natureza dela, quando subiu as colinas depois do seu batismo; nenhuma mais ele mantinha, quando desceu de volta para os seus companheiros, depois dos quarenta dias de isolamento e decisões.
136:9.11 (1523.3) Jesus havia formulado um programa para o estabelecimento do Reino do seu Pai. Ele não cuidará das gratificações físicas do povo. Não negociará o pão com as multidões, como havia visto muito recentemente sendo feito em Roma. Não atrairá a atenção sobre si próprio, fazendo coisas prodigiosas, ainda que os judeus estejam esperando exatamente esse tipo de libertador. Nem procurará ganhar aceitação, para a mensagem espiritual, por meio de uma exibição de autoridade política ou de poder temporal.
136:9.12 (1523.4) Ao rejeitar esses métodos de enaltecer o Reino vindouro aos olhos dos judeus expectantes, Jesus assegurou-se de que esses mesmos judeus iriam certa e finalmente rejeitar todos os seus clamores de autoridade e de divindade. Mesmo sabendo de tudo isso, Jesus muito ainda fez para prevenir os seus primeiros seguidores de aludir a ele como sendo o Messias.
136:9.13 (1523.5) Em toda a sua ministração pública, ele confrontou-se com a necessidade de lidar com três situações constantemente recorrentes: o pedido dos famintos de serem alimentados, a insistência a respeito dos milagres e o pedido final que permitisse aos seus seguidores coroá-lo como rei. Jesus nunca se desviou, contudo, das decisões que tomou durante aqueles dias no seu isolamento nas colinas pereianas.
136:10.1 (1523.6) No último dia desse seu isolamento memorável, antes de partir montanha abaixo para juntar-se a João e aos seus discípulos, o Filho do Homem tomou a sua decisão final. E tal decisão ele comunicou ao Ajustador Personalizado com estas palavras: “E para todas as outras questões, assim como para aquelas já registradas, prometo a ti que estarei submisso à vontade do meu Pai”. E quando assim tinha acabado de falar, tomou o caminho da descida da montanha. E a sua face resplandeceu com a glória da vitória espiritual e do cumprimento moral.
O Livro de Urântia
Documento 137
137:0.1 (1524.1) CEDO pela manhã, no sábado, 23 de fevereiro do ano 26 d.C., Jesus de- sceu as colinas para juntar-se à companhia de João, acampado em Pela. Durante todo aquele dia, Jesus misturou-se à multidão. Cuidou de um menino que se havia ferido em uma queda e viajou a um lugarejo vizinho de Pela, para entregar a criança com segurança nas mãos dos pais dela.
137:1.1 (1524.2) Durante esse sábado, dois dos principais discípulos de João passaram muito tempo com Jesus. De todos os seguidores de João, um, que se chamava André, era o mais profundamente impressionado com Jesus e o acompanhou na viagem a Pela, com o menino ferido. No caminho de volta, ao encontro de João, ele fez muitas perguntas a Jesus e, pouco antes de chegarem ao seu destino, eles pararam para uma pequena conversa, durante a qual André disse: “Eu tenho observado-te desde que vieste para Cafarnaum e acredito que sejas o novo Mestre e, mesmo não entendendo todos os teus ensinamentos, eu me decidi inteiramente por seguir-te; eu me assentaria aos teus pés para aprender toda a verdade sobre o novo Reino”. E, com uma segurança sincera, Jesus deu as boas- vindas a André como o primeiro dos seus apóstolos, daquele grupo de doze com o qual ele deveria trabalhar na tarefa de estabelecer o novo Reino de Deus nos corações dos homens.
137:1.2 (1524.3) André vinha observando silenciosamente o trabalho de João e acreditava sinceramente nele; e tinha um irmão muito capaz e entusiasta, chamado Simão, que era um dos discípulos principais de João. Em verdade não seria um engano dizer que Simão era um dos principais esteios de João.
137:1.3 (1524.4) Logo que Jesus e André voltaram para o campo, André procurou Simão, o seu irmão e, levando-o para um lado, informou-lhe estar convencido de que Jesus era o grande Mestre, e que se havia engajado como discípulo. Dizendo que Jesus havia aceitado a sua oferta de serviço, André sugeriu também a ele (Simão) que fosse a Jesus oferecer-se para irmanar-se no serviço do novo Reino. Simão disse: “Desde que esse homem veio trabalhar na oficina de Zebedeu, que eu sempre acreditei que ele fosse enviado por Deus, mas e João? Vamos abandoná-lo? Seria a coisa certa a fazer?” E, então, concordaram em ir imediatamente consultar João. João ficou entristecido com o pensamento de perder dois dos seus conselheiros mais capazes e dois promissores discípulos, mas bravamente respondeu às perguntas deles, dizendo: “Isso não é senão o começo; logo o meu trabalho terminará e todos nós nos tornaremos discípulos dele”. Em seguida André acenou a Jesus para que se aproximasse, enquanto ele anunciava que o seu irmão desejava aderir ao serviço do novo Reino. E, dando as boas-vindas a Simão como o seu segundo apóstolo, Jesus disse: “Simão, o teu entusiasmo é louvável, mas é perigoso para o trabalho do Reino. Aconselho-te a pensar mais antes de dizer algo. Eu mudaria o teu nome para Pedro”.
137:1.4 (1525.1) Os pais do garoto ferido, que viviam em Pela, tinham convidado Jesus para que passasse a noite com eles e fizesse daquele o seu lar, e ele prometeu que sim. Antes de deixar André e o seu irmão, Jesus disse: “Bem cedo, amanhã pela manhã, iremos à Galiléia”.
137:1.5 (1525.2) Depois que Jesus havia voltado a Pela, para passar a noite, e enquanto André e Simão estavam ainda discutindo sobre a natureza do seu serviço no estabelecimento do Reino que viria, Tiago e João, os filhos de Zebedeu, acabavam de chegar da sua longa e inútil procura por Jesus nas colinas. Quando ouviram Simão Pedro contar que ele e seu irmão, André, haviam tornado-se os primeiros conselheiros aceitos do novo Reino e que estavam para ir, com o seu novo Mestre, no dia seguinte bem cedo, para a Galiléia, Tiago e João, ambos, ficaram tristes. Eles haviam conhecido Jesus já há algum tempo e o amavam. Tinham procurado por ele durante muitos dias nas colinas e, agora que retornavam, ficavam sabendo que outros tinham sido preferidos antes deles. Perguntaram aonde Jesus tinha ido e apressaram-se para encontrá-lo.
137:1.6 (1525.3) Jesus estava adormecido quando eles chegaram na casa, mas eles acordaram- no dizendo: “Como é que preferiste outros, enquanto nós procurávamos por ti nas colinas, nós que por tanto tempo vivemos contigo. Como deste preferência a outros, antes de nós, e escolheste André e Simão como os teus primeiros colaboradores no novo Reino?” Jesus respondeu a eles: “Acalmai os vossos corações e perguntai a vós próprios: ‘quem mandou que procurásseis pelo Filho do Homem, quando ele estava tratando dos assuntos do seu Pai?’ “ Depois de terem contado, com detalhes, a sua longa busca nas montanhas, Jesus continuou ainda a sua instrução: “Vós devíeis aprender a procurar o segredo do novo Reino nos vossos próprios corações e não nas montanhas. O que vós estáveis procurando, achava-se já presente nas vossas almas. Sois de fato meus irmãos — e não necessitáveis ser recebidos por mim — , já éreis do Reino e devíeis ficar animados, aprontando-vos para também ir conosco amanhã até a Galiléia”. João, então, ousou perguntar: “Mas, Mestre, Tiago e eu seremos agregados teus no novo Reino, do mesmo modo que André e Simão?” E Jesus, colocando uma das mãos no ombro de cada um deles, disse: “Meus irmãos, já estivestes comigo no espírito do Reino, antes mesmo de os outros solicitarem ser recebidos. Irmãos meus, não tendes necessidade de pedir para entrar no Reino; vós tendes estado comigo no Reino, desde o princípio. Perante os homens, outros poderão ter tido precedência sobre vós, mas também no meu coração eu já vos coloquei nos conselhos do Reino, antes mesmo que tivésseis pensado em fazer esse pedido a mim. E mesmo assim poderíeis ter sido os primeiros, perante os homens, não tivésseis estado ausentes em uma tarefa bem-intencionada, mas imposta por vós próprios, de procurar alguém que não estava perdido. No Reino que está por vir, não vos deveis ocupar das coisas que alimentam a vossa ansiedade, mas sim e todo o tempo ocupai-vos apenas em fazer a vontade do Pai que está nos céus”.
137:1.7 (1525.4) Tiago e João receberam a reprimenda de bom grado; nunca mais foram invejosos de André e Simão. E se prepararam, junto com os seus dois companheiros apóstolos, a fim de partir para a Galiléia na manhã seguinte. Desse dia em diante, o termo apóstolo foi empregado para distinguir a família dos conselheiros escolhidos por Jesus, da imensa multidão de discípulos crentes que iria segui-lo posteriormente.
137:1.8 (1525.5) Tarde naquela noite, Tiago, João, André e Simão mantiveram uma conversa com João Batista e, com lágrimas nos olhos, mas a voz firme, o valente profeta judeu entregou dois dos seus discípulos principais para que se tornassem apóstolos do Príncipe Galileu do Reino que estava para vir.
137:2.1 (1526.1) No domingo de manhã, 24 de fevereiro do ano 26 d.C., Jesus despediu-se de João Batista no rio, próximo de Pela, para nunca mais vê-lo na carne.
137:2.2 (1526.2) Naquele dia, enquanto Jesus e os seus quatro discípulos-apóstolos partiam para a Galiléia, houve um grande tumulto no acampamento dos seguidores de João. A primeira grande divisão estava para acontecer. No dia anterior, João havia pronunciado, a André e a Ezdras, positivamente quanto a Jesus ser o Libertador. André decidiu seguir Jesus, mas Ezdras rejeitou aquele carpinteiro de maneiras suaves, de Nazaré, proclamando aos seus companheiros: “O profeta Daniel declara que o Filho do Homem virá, com as nuvens dos céus, em poder e em grande glória. Esse carpinteiro da Galiléia, esse construtor de barcos de Cafarnaum, não pode ser o Libertador. Pode vir, de Nazaré, uma tal dádiva de Deus? Esse Jesus é um parente de João e, por excesso de bondade de coração, o nosso instrutor enganou-se. Que permaneçamos afastados desse falso Messias”. Quando, por causa dessas afirmações, João fez uma reprimenda a Ezdras, este se separou levando muitos discípulos e dirigindo-se para o sul. E esse grupo continuou a batizar em nome de João e finalmente fundou a seita daqueles que acreditavam em João, mas que se recusavam a aceitar Jesus. Remanescentes desse grupo sobrevivem na Mesopotâmia até os dias atuais.
137:2.3 (1526.3) Enquanto essa complicação fermentava entre os seguidores de João, Jesus e os seus quatro discípulos-apóstolos adiantavam-se no seu caminho para a Galiléia. Antes de atravessarem o Jordão, para ir a Nazaré pelo caminho de Naim, Jesus, olhando para a frente, estrada acima, avistou um certo Filipe de Betsaida, que vinha na direção deles, com um amigo. Jesus havia conhecido Filipe há algum tempo e este também era muito conhecido de todos os quatro novos apóstolos. Ele estava, com o seu amigo Natanael, a caminho de visitar João, em Pela, para aprender mais sobre a comentada vinda do Reino de Deus; e ficou encantado de poder saudar Jesus. Filipe era um admirador de Jesus desde que este veio a Cafarnaum pela primeira vez. Mas Natanael, que vivia em Caná, na Galiléia, não conhecia Jesus. Filipe adiantou-se para saudar os seus amigos, enquanto Natanael permaneceu à sombra de uma árvore à beira da estrada.
137:2.4 (1526.4) Pedro levou Filipe para um lado e começou a explicar, referindo-se a si próprio, a André, a Tiago e a João, que todos eles se haviam transformado em seguidores de Jesus, no novo Reino; e insistiu veementemente para que Filipe também fosse um voluntário desse serviço. Filipe ficou em um dilema. O que deveria fazer? Aqui, de repente — em uma beira de estrada, perto do Jordão — , aqui, punha-se ele diante de uma decisão imediata, sobre a mais importante questão de uma vida. Logo ele entrou em uma conversa sincera com Pedro, André e João, enquanto Jesus delineava para Tiago a viagem através da Galiléia e para Cafarnaum. Finalmente, André sugeriu a Filipe: “Por que não perguntar ao Mestre?”
137:2.5 (1526.5) Subitamente Filipe se deu conta de que Jesus era realmente um grande homem, possivelmente o Messias, e decidiu acatar a decisão de Jesus nessa questão; e foi diretamente até ele e perguntou: “Mestre, devo ir até João ou juntar-me aos meus amigos que te seguem?” E Jesus respondeu: “Segue-me”. Filipe ficou emocionado com a certeza de haver encontrado o Libertador.
137:2.6 (1526.6) Filipe agora acenava ao grupo, para que esperassem onde estavam, enquanto ele voltou correndo para anunciar a nova da sua decisão ao seu amigo Natanael, que ainda ficara para trás, sob a amoreira, refletindo sobre as muitas coisas que ele tinha ouvido a respeito de João Batista, sobre o reino que viria, e do Messias esperado. Filipe interrompeu essas meditações, exclamando: “Eu encontrei o Libertador, aquele sobre quem Moisés e os profetas escreveram; e a quem João tem proclamado”. Natanael, levantando os olhos, inquiriu: “De onde vem esse Mestre?” E Filipe respondeu: “Ele é Jesus de Nazaré, filho de José, o carpinteiro, mais recentemente residindo em Cafarnaum”. E então, um tanto chocado, Natanael perguntou: “Uma coisa boa assim pode vir de Nazaré?” Mas Filipe, tomando-o pelo braço, disse: “Vem e vê”.
137:2.7 (1527.1) Filipe levou Natanael a Jesus, que, olhando benignamente no rosto do homem sincero que duvidava, disse: “Eis um israelita genuíno, para quem não há engano. Segue-me”. E Natanael, voltando-se para Filipe, disse: “Tu estás certo. Ele é de fato um mestre dos homens. Eu também o seguirei, se for digno disso”. E Jesus fez um gesto afirmativo a Natanael, dizendo de novo: “Segue-me”.
137:2.8 (1527.2) Jesus havia já reunido a metade do seu futuro corpo de colaboradores íntimos, cinco que já o tinham conhecido há algum tempo e um estranho, Natanael. Sem mais demora atravessaram o Jordão e, passando pela aldeia de Naim, chegaram a Nazaré tarde naquela noite.
137:2.9 (1527.3) Todos passaram a noite com José, na casa da infância de Jesus. Os companheiros de Jesus pouco entenderam por que o seu recém-encontrado Mestre estava tão preocupado em destruir completamente cada vestígio dos seus escritos que ainda permaneciam pela casa na forma dos Dez Mandamentos e outras frases e preceitos. Esse procedimento, no entanto, junto com o fato de que eles nunca mais o haviam visto escrevendo depois disso — exceto no pó ou na areia — , causou uma profunda impressão nas suas mentes.
137:3.1 (1527.4) No dia seguinte, Jesus enviou os seus apóstolos para Caná, já que todos eles haviam sido convidados para as bodas de uma donzela proeminente daquela cidade, enquanto ele se preparava para fazer uma rápida visita à sua mãe, em Cafarnaum, parando em Magdala para ver o seu irmão Judá.
137:3.2 (1527.5) Antes de deixar Nazaré, os novos seguidores de Jesus contaram a José e aos outros membros da família de Jesus sobre os maravilhosos acontecimentos recentes e deram livre expressão às suas crenças de que Jesus era o libertador, há muito esperado. E esses membros da família de Jesus conversaram sobre a questão, e José disse: “Talvez, afinal, a nossa mãe tivesse razão — pode ser que o nosso estranho irmão seja o rei que virá”.
137:3.3 (1527.6) Judá tinha estado presente ao batismo de Jesus e, com o seu irmão Tiago, passara a acreditar firmemente na missão de Jesus na Terra. Se bem que, tanto Tiago quanto Judá, estivessem ambos muito confusos quanto à natureza da missão do seu irmão, a mãe deles tinha feito renascer as suas primeiras esperanças em Jesus como o Messias, o Filho de Davi, tendo encorajado os seus filhos a ter fé no seu irmão como o Libertador de Israel.
137:3.4 (1527.7) Jesus chegou em Cafarnaum na segunda-feira à noite, mas não foi para a sua própria casa, onde viviam Tiago e a sua mãe; ele foi diretamente para a casa de Zebedeu. Todos os seus amigos em Cafarnaum perceberam uma grande e agradável mudança nele. Uma vez mais parecia estar relativamente alegre e mais parecido consigo próprio, como havia sido em seus primeiros dias em Nazaré. Durante anos, antes do período do seu batismo e do isolamento, um pouco antes e um pouco depois, ele ficara mais reservado e contido. Agora, para todos, ele parecia estar exatamente como antes. Havia nele algo de importância majestática de aspecto elevado, mas de novo ele encontrava-se de coração leve e cheio de alegria.
137:3.5 (1528.1) Maria estava emocionada com a expectativa. Ela sentia em antecipação que a promessa de Gabriel estava próxima de cumprir-se. Esperava que toda a Palestina logo ficasse surpreendida e assombrada com a revelação miraculosa do seu filho como o rei sobrenatural dos judeus. Mas às muitas perguntas que lhe faziam Tiago, Judas Zebedeu e sua própria mãe, Jesus apenas retorquia, sorrindo: “É melhor que eu permaneça um pouco por aqui; devo cumprir a vontade do meu Pai, que está nos céus”.
137:3.6 (1528.2) No dia seguinte, terça-feira, eles viajaram todos para Caná, para o casamento de Naomi, que iria acontecer no dia seguinte. E, apesar dos repetidos avisos de Jesus para que não dissessem nada a ninguém sobre ele, “até que venha a hora do Pai”, eles insistiram em espalhar a todos, discretamente, as novas de que haviam encontrado o Libertador. Cada um deles confiantemente esperava que Jesus assumisse logo a sua autoridade messiânica já naquelas bodas de Caná, e que o fizesse com um grande poder e grandeza sublime. Eles lembravam-se do que lhes havia sido dito sobre os fenômenos ocorridos no seu batismo, e acreditaram que o seu futuro caminho na Terra seria marcado por manifestações crescentes de maravilhas sobrenaturais e de demonstrações miraculosas. E, desse modo, toda região estava preparando-se para reunir-se em Caná na festa de casamento de Naomi e Johab, o filho de Natam.
137:3.7 (1528.3) Havia anos que Maria não tinha estado tão contente. Ela viajou a Caná com o espírito de uma rainha-mãe em vias de presenciar a coroação do seu filho. Desde que Jesus havia feito treze anos, a sua família e os amigos não o viam tão despreocupado e feliz, tão cheio de consideração e de compreensão com os pedidos e os desejos dos seus companheiros, e compassivo de um modo tão tocante. E então todos sussurraram entre si, em pequenos grupos, perguntando-se sobre o que iria acontecer. O que essa estranha pessoa faria em seguida? Como iria ele anunciar a glória do Reino vindouro? E estavam todos emocionados com o pensamento de que estariam presentes para ver a revelação do poder e do potencial do Deus de Israel.
137:4.1 (1528.4) Na quarta-feira, por volta do meio-dia, quase mil convidados haviam chegado em Caná, mais de quatro vezes o número dos convidados listados para a festa de casamento. Era um costume judaico celebrar os matrimônios às quartas- feiras, e os convites foram enviados com um mês de antecedência. No final da manhã e nas primeiras horas da tardinha parecia mais uma recepção pública para Jesus do que um casamento. Todos queriam cumprimentar esse galileu tão próximo da fama, e ele estava sendo bastante cordial para com todos, jovens e velhos, judeus e gentios. E todos ficaram contentes quando Jesus consentiu em liderar a procissão que antecede ao casamento.
137:4.2 (1528.5) Jesus estava agora cuidadosamente consciente a respeito da sua existência humana, da sua preexistência divina, e do status das suas naturezas, a humana e a divina, combinadas, ou fusionadas. Com um equilíbrio perfeito, ele podia, em um momento, fazer o seu papel humano e assumir imediatamente as prerrogativas da personalidade de natureza divina.
137:4.3 (1528.6) À medida que o dia passava, Jesus tornava-se crescentemente consciente de que o povo estava esperando que ele fizesse alguma coisa prodigiosa; e mais especialmente ele reconhecia que a sua família e os seus seis discípulos-apóstolos aguardavam que ele anunciasse apropriadamente o seu Reino vindouro por meio de alguma manifestação surpreendente e sobrenatural.
137:4.4 (1529.1) No princípio da tarde Maria chamou Tiago e, juntos, eles atreveram-se a abordar Jesus para perguntar-lhe se ele admitiria confiar neles a ponto de informar- lhes a que horas, e em que momento das cerimônias do casamento, ele havia planejado manifestar-se, como aquele que é “sobrenatural”. Tão logo acabaram de falar dessas questões a Jesus, perceberam que tinham despertado a sua indignação característica. Ele disse apenas: “Se me amais, então estejais dispostos a permanecer comigo, enquanto espero pela vontade do meu Pai que está nos céus”. A eloqüência da sua reprovação, contudo, estava na expressão do seu rosto.
137:4.5 (1529.2) Essa atitude da sua mãe era um grande desapontamento para o Jesus humano; e a sua reação para com ela deixou-o ainda mais grave, pela proposta sugestiva de que ele permitisse a si próprio alguma demonstração externa da sua divindade. Essa era precisamente uma das coisas que ele havia decidido não fazer, quando recentemente isolado nas colinas. Por muitas horas, Maria esteve bastante deprimida. Ela disse a Tiago: “Eu não consigo compreendê-lo; o que tudo isso pode significar? Não terá fim essa conduta estranha da sua parte?” Tiago e Judá tentaram confortar a mãe, enquanto Jesus retirou-se para uma solidão de uma hora. Todavia, ele retornou à reunião e, uma vez mais, estava leve e cheio de alegria.
137:4.6 (1529.3) O casamento prosseguiu em um silêncio de expectativa; e toda a cerimônia terminou, e não houve nenhum gesto, nenhuma palavra do convidado de honra. Então foi sussurrado que o carpinteiro e construtor de barcos, anunciado por João como “o Libertador”, iria mostrar a sua força durante as festividades da noite, talvez na ceia das bodas. Entretanto, toda a expectativa de uma tal demonstração ficou efetivamente anulada nas mentes dos seus seis discípulos- apóstolos, quando Jesus os reuniu um pouco antes da ceia do casamento, para dizer com grande sinceridade: “Não creiais que vim a este lugar para realizar algo de prodigioso, para a gratificação dos curiosos ou para a convicção dos que duvidam. Estamos aqui mais para esperar, aguardando pela vontade do nosso Pai que está nos céus”. No entanto, quando Maria e os outros o viram em consulta com os seus companheiros, ficaram totalmente persuadidos, nas suas próprias mentes, de que algo de extraordinário estava para acontecer. E todos eles assentaram-se para desfrutar da ceia de casamento e da noite de bom e festivo companheirismo.
137:4.7 (1529.4) O pai do noivo havia providenciado bastante vinho para todos os convidados listados para a festa do casamento, mas como poderia imaginar que o casamento do seu filho iria transformar-se em um evento tão intimamente ligado à esperada manifestação de Jesus como o Libertador messiânico? Ele estava encantado de ter a honra de poder contar com o célebre galileu entre os seus convidados, mas, antes que a ceia do casamento tivesse terminado, os serviçais trouxeram a ele a notícia desconcertante de que estava faltando vinho. No momento em que a ceia formal havia acabado e os convivas estavam perambulando no jardim, a mãe do noivo confidenciou a Maria que o suprimento de vinho tinha acabado. E Maria confiantemente disse: “Não te preocupes — vou falar com o meu filho. Ele vai ajudar-nos”. E assim ela ousou falar-lhe, apesar da reprovação de poucas horas antes.
137:4.8 (1529.5) Durante um período de muitos anos, Maria sempre se voltara a Jesus para pedir-lhe ajuda em cada crise da vida de seu lar, em Nazaré, e por isso era tão natural para ela pensar nele nesse momento. Essa mãe ambiciosa, entretanto, tinha ainda outros motivos para apelar ao seu filho mais velho nessa ocasião. Jesus estava sozinho, em um canto do jardim, e sua mãe aproximou-se dele dizendo: “Meu filho, eles não têm mais vinho”. E Jesus respondeu: “Minha boa mulher, o que tenho eu a ver com isso?” E Maria disse: “Mas eu acredito que a tua hora é chegada; não podes ajudar-nos?” Jesus replicou: “De novo eu declaro que não vim para fazer nada nesse sentido. Por que me perturbas de novo com essas questões?” E então, desmanchando-se em lágrimas, Maria suplicou: “Mas, meu filho, eu prometi a eles que tu irias ajudar-nos; por favor, farás alguma coisa por mim?” E então Jesus falou: “Mulher, por que tinhas de fazer tais promessas? Que não as faças de novo. Em todas as coisas devemos aguardar a vontade do Pai nos céus”.
137:4.9 (1530.1) Maria, a mãe de Jesus, ficou abatida, atordoada mesmo! Enquanto ela permanecia ali, imóvel diante dele, com as lágrimas caindo em seu rosto, o coração humano de Jesus ficou dominado de compaixão pela mulher que o tinha concebido na carne; e, inclinando-se para a frente, ele colocou a sua mão ternamente na cabeça dela, dizendo: “Espera, espera, Mãe Maria, não sofras pelas minhas palavras aparentemente duras, pois eu já não te disse muitas vezes que eu vim apenas para cumprir a vontade do Pai celeste? Eu faria de bom grado o que me pediste, se fosse uma parte da vontade do Pai” — e Jesus logo parou, hesitando. Maria pareceu sentir que alguma coisa estava acontecendo. Num pulo, ela jogou os braços em volta do pescoço de Jesus, beijou-o e correu para a sala dos serviçais, dizendo: “Fazei o que quer que o meu filho tenha pedido”. Contudo, Jesus não havia dito nada. Mas agora ele compreendia que havia já dito demais — ou melhor, que havia imaginado — , desejando por demais.
137:4.10 (1530.2) Maria dançava de júbilo. Ela não sabia como o vinho seria produzido, mas confiante acreditava que finalmente conseguira persuadir o seu primeiro filho a afirmar a sua autoridade, a ousar dar um passo adiante e reivindicar a sua posição, e a exibir o seu poder messiânico. E, por causa da presença e da coligação de certos poderes e personalidades do universo, das quais todos os presentes ignoravam totalmente, ela não ficaria decepcionada. O vinho, que Maria desejara e que Jesus, o Deus-homem, fez por aspirar, humana e compassivamente, estava sendo produzido.
137:4.11 (1530.3) À mão estavam seis grandes potes de pedra, cheios de água, em cada um cabendo quase oitenta litros. Essa água estava ali para ser usada nas cerimônias da purificação final da celebração do casamento. A agitação dos serviçais por causa desses vasos imensos de pedra, sob o comando ativo da sua mãe, atraiu a atenção de Jesus que, indo até lá, observou que eles estavam tirando vinho delas, com jarras repletas.
137:4.12 (1530.4) Gradativamente Jesus tomava consciência do que acontecera. De todos aqueles, que estavam presentes à festa de casamento de Caná, Jesus era o mais surpreso. Os outros vinham aguardando que ele fizesse algo prodigioso, mas isso era exatamente o que ele tinha como propósito não fazer. E, então, o Filho do Homem lembrou-se da advertência que o seu Ajustador Personalizado do Pensamento lhe tinha feito nas colinas. Ele lembrou-se de como o Ajustador o havia prevenido sobre a incapacidade, que qualquer poder ou personalidade tinha, de privá-lo das suas prerrogativas de criador, na independência do tempo. Nessa ocasião, os transformadores do poder, os seres intermediários e todas as outras personalidades imprescindíveis estavam reunidos perto da água e de outros elementos necessários e, em presença do desejo expresso do Soberano Criador do Universo, não havia como evitar o aparecimento instantâneo do vinho. E essa ocorrência fez-se duplamente certa, pois o Ajustador Personalizado tinha sinalizado que a execução do desejo do Filho não era em nada uma contravenção à vontade do Pai.
137:4.13 (1530.5) Mas isso, em nenhum sentido, era um milagre. Nenhuma lei da natureza foi modificada, ab-rogada ou mesmo transcendida. Nada aconteceu a não ser uma ab-rogação do tempo, em ligação com a reunião celeste dos elementos químicos necessários à elaboração do vinho. Em Caná, nessa ocasião, os agentes do Criador fizeram o vinho, exatamente pelo modo como é feito comumente, pelo processo natural, exceto que eles o fizeram independentemente do tempo, e com a intervenção de agências supra-humanas para reunir, do espaço, os elementos químicos necessários.
137:4.14 (1531.1) Ademais se tornara evidente que a realização desse chamado milagre não era contrária à vontade do Pai do Paraíso, ou então não teria acontecido, posto que Jesus se submetia a si próprio, para todas as coisas, à vontade do Pai.
137:4.15 (1531.2) Quando os serviçais tiraram esse novo vinho e o levaram ao padrinho, o “mestre-de-cerimônias”, ele o provou e chamou o noivo dizendo: “O costume é servir primeiro o melhor vinho, e, depois, quando os convidados já tiverem bebido o bastante, oferecer o vinho do fruto inferior; mas tu seguraste o melhor dos vinhos para o fim da festa”.
137:4.16 (1531.3) Maria e os discípulos de Jesus estavam grandemente jubilosos com o suposto milagre, pois pensavam que Jesus o tinha executado intencionalmente, mas Jesus retirara-se para um canto abrigado do jardim e para pensar com seriedade por uns poucos breves momentos. E finalmente ele havia decidido que o episódio acontecera fora do seu controle pessoal, dadas as circunstâncias e, que, não sendo adverso à vontade do seu Pai, tornara-se inevitável. Quando retornou ao povo, foi olhado com temor; eles todos acreditaram nele como sendo o Messias. Contudo, Jesus estava dolorosamente perplexo, sabendo que eles acreditaram nele apenas por causa da ocorrência inusitada que acabavam inadvertidamente de presenciar. De novo, Jesus retirou-se para uns momentos no terraço, de modo que pudesse pensar em tudo.
137:4.17 (1531.4) E agora, afinal, Jesus compenetrava-se totalmente de que devia ficar constantemente em guarda, para que a indulgência da compaixão e da piedade não se tornasse responsável por repetidos episódios desse tipo. Contudo, muitos eventos com essa mesma característica ocorreram, antes que o Filho do Homem deixasse finalmente a sua vida mortal na carne.
137:5.1 (1531.5) Embora muitos dos convidados fossem ficar a semana inteira para as festividades do casamento, Jesus e os seus discípulos-apóstolos recém-escolhidos — Tiago, João, André, Pedro, Filipe e Natanael — partiram muito cedo na manhã seguinte, para Cafarnaum, sem despedirem-se de ninguém. A família de Jesus e todos os seus amigos em Caná estavam muito angustiados por ele tê-los deixado tão subitamente, e Judá, o irmão mais novo de Jesus, partiu à procura dele. Jesus e os seus apóstolos foram diretamente para a casa de Zebedeu, em Betsaida. Nessa viagem, Jesus falou sobre muitas coisas de importância para o Reino vindouro, com os seus recém-escolhidos seguidores, e avisou-lhes, especialmente, para não mencionarem a transformação da água em vinho. Ele também os aconselhou a evitar as cidades de Séfores e Tiberíades, nos seus trabalhos futuros.
137:5.2 (1531.6) Depois do jantar, naquela noite, nesse lar de Zebedeu e Salomé, teve lugar um dos ensinamentos mais importantes de toda a carreira terrena de Jesus. Apenas os seis apóstolos estiveram presentes a esse encontro; Judá chegou quando eles já estavam para separar-se. Esses seis homens escolhidos tinham viajado de Caná até Betsaida com Jesus, caminhando, por assim dizer, no ar. Estavam cheios de expectativas e emocionados com o pensamento de haverem sido escolhidos como os companheiros mais próximos do Filho do Homem. No entanto, quando Jesus se pôs a explicar-lhes claramente quem ele era, e qual a sua missão na Terra e como ela poderia possivelmente terminar, eles ficaram atordoados. Não podiam entender do que ele estava falando. Ficaram mudos; e Pedro estava até mesmo chocado, de um modo além de qualquer descrição. Apenas André, o profundo pensador, ousou responder às palavras aconselhadoras de Jesus. Quando Jesus percebeu que eles não haviam entendido a sua mensagem, quando viu que as idéias deles, sobre o Messias judeu, estavam tão completamente cristalizadas, ele os mandou descansar, enquanto caminhava e conversava com o seu irmão Judá. E antes que Judá deixasse Jesus, ele disse com muito sentimento: “Meu pai-irmão, nunca te entendi. Não sei com certeza se tu és o que a minha mãe nos disse; e eu não compreendo o Reino vindouro, mas eu sei que tu és um poderoso homem de Deus. Eu ouvi a voz no Jordão, e creio em ti, não importa quem tu sejas”. E tendo acabado de falar, partiu, indo para a sua própria casa em Magdala.
137:5.3 (1532.1) Naquela noite Jesus não dormiu. Envolto nas suas cobertas noturnas, assentou- se nas margens do lago, pensando e pensando, até a madrugada do dia seguinte. Nas longas horas daquela noite de meditação, Jesus chegou a compreender claramente que ele nunca seria capaz de fazer os seus seguidores verem-no sob nenhum outro prisma, além daquele do Messias longamente esperado. Finalmente, reconhecia que não havia nenhum outro modo de lançar a sua mensagem sobre o Reino, a não ser cumprindo a predição de João, como se fora aquele a quem os judeus esperavam. Enfim, ainda que não fosse ele o tipo davídico de Messias, ele era verdadeiramente o cumprimento das afirmações proféticas das mentes mais bem orientadas espiritualmente entre os profetas da velha ordem. Nunca mais Jesus negou completamente ser ele o Messias. E decidiu deixar a resolução dessa complicada situação ao encargo da vontade do Pai.
137:5.4 (1532.2) Na manhã seguinte, Jesus juntou-se aos seus amigos para o desjejum, mas formavam um grupo melancólico. Conversou com eles no fim da refeição, reuniu- os em torno de si, dizendo: “A vontade do meu Pai é que permaneçamos um certo tempo nessa região. Vós escutastes João dizer que ele veio para preparar o caminho para o Reino; portanto é conveniente esperar que a pregação de João se realize. Quando o precursor do Filho do Homem tiver acabado o seu trabalho, começaremos nós a proclamação das boas-novas do Reino”. Ordenou aos seus apóstolos que retornassem às redes de pesca, enquanto ele se aprontava para ir com Zebedeu até a oficina de barcos, prometendo vê-los no dia seguinte na sinagoga, onde devia falar, no sábado; e marcou com eles um encontro para a tarde naquele mesmo sábado.
137:6.1 (1532.3) A primeira aparição pública de Jesus, depois do seu batismo, foi na sinagoga de Cafarnaum, no sábado, 2 de março, do ano 26 d.C. A sinagoga estava transbordando de gente. As histórias do batismo no Jordão estavam agora mais intensas, com as notícias frescas de Caná sobre a água e o vinho. Jesus deu assentos de honra aos seus seis apóstolos e, assentados com eles, estavam dois dos seus irmãos na carne, Tiago e Judá. A sua mãe, havendo retornado para Cafarnaum com Tiago, na noite anterior, estava também presente, ficando assentada no setor das mulheres na sinagoga. A audiência inteira encontrava-se tensa; todos esperavam presenciar alguma manifestação extraordinária de poder sobrenatural, que desse um testemunho adequado à natureza e à autoridade daquele que iria falar a eles naquele dia. Todavia, estavam fadados a desapontar-se.
137:6.2 (1532.4) Quando Jesus levantou-se, o sacerdote da sinagoga passou a ele o rolo das escrituras e ele leu, do profeta Isaías: “Assim disse o Senhor: ‘Os céus são o Meu trono, e a terra é o estrado aos Meus pés. Onde está a casa que vós construístes para Mim? E onde é o local da Minha morada? Todas essas coisas, as Minhas mãos as fizeram’, diz o Senhor. ‘E olharei por esse homem, até mesmo por ele que é pobre e de espírito contrito, e que treme com a Minha palavra’. Escutai as palavras do Senhor, vós que tremeis e que temeis: ‘Os vossos irmãos odiaram- nos e os jogaram fora por causa do Meu nome’. Mas que o Senhor seja glorificado. Ele aparecerá a vós com alegria, e todos os outros envergonhar-se- ão. Uma voz da cidade, uma voz do templo, uma voz do Senhor diz: ‘Antes que ela tivesse as dores, ela deu à luz; antes que as suas dores viessem, ela deu à luz um menino homem’. Quem ouviu uma coisa como essa? Terá a Terra sido feita para dar frutos em um só dia? Ou pode uma nação nascer de uma hora para outra? Contudo, assim diz o Senhor: ‘Eis que estenderei a paz como um rio, e a glória até mesmo dos gentios será como uma corrente que flui. Como um homem confortado pela sua mãe, assim Eu confortar-vos-ei. E vós sereis confortados mesmo em Jerusalém. E quando virdes essas coisas, o vosso coração irá regozijar-se’”.
137:6.3 (1533.1) Quando acabou essa leitura, Jesus entregou de volta o rolo ao responsável por ele. Antes de assentar-se, ele simplesmente disse: “Sede pacientes e vereis a glória de Deus; e assim será com todos que permanecerem comigo e que assim aprenderão a cumprir a vontade do meu Pai que está nos céus”. E o povo foi para as suas casas, perguntando qual seria o significado de tudo aquilo.
137:6.4 (1533.2) Naquela tarde, junto com os seus apóstolos, e ainda Tiago e Judá, entraram todos em um barco e afastaram-se um pouco da praia, onde eles ancoraram o barco enquanto Jesus lhes falava sobre o Reino vindouro. E eles compreenderam um pouco mais do que haviam entendido na quinta-feira à noite.
137:6.5 (1533.3) Jesus os instruiu a retomar seus deveres regulares, até que “a hora do Reino viesse”. E para encorajá-los, ele deu o exemplo, indo de volta a trabalhar regularmente na oficina de barcos. Explicando-lhes que eles deveriam gastar três horas, todas as noites, estudando e preparando-se para o seu trabalho futuro, Jesus disse ainda: “Todos nós permaneceremos por aqui até que o Pai me peça que vos chame. Cada um de vós, agora, deve retornar ao seu trabalho costumeiro, como se nada tivesse acontecido. Não digais nada sobre mim a nenhum homem e lembrai- vos de que o meu Reino não virá com barulho, nem com encanto, mas antes deve vir por meio da grande mudança que o meu Pai terá feito nos vossos corações e nos corações daqueles que serão chamados para juntarem-se a vós, nos conselhos do Reino. Por agora, permanecereis meus amigos, confio em vós e vos amo; cedo transformar-vos-eis nos meus companheiros pessoais. Sede pacientes, sede gentis. Sede sempre obedientes à vontade do Pai. Estejais prontos para a chamada do Reino. Ao mesmo tempo em que vós ireis experimentar um grande júbilo no serviço do meu Pai, vós deveríeis também vos preparar para complicações, pois eu vos previno que será apenas por meio de bastante atribulação que muitos entrarão no Reino. Mas, para aqueles que tiverem encontrado o Reino, o seu júbilo será pleno, e eles serão chamados os abençoados de toda a Terra. Contudo, não alimenteis falsas esperanças; o mundo tropeçará nas minhas palavras. E mesmo vós, meus amigos, não percebeis completamente o que estou revelando para as vossas mentes confusas. Não cometais erros; iremos adiante, nesse trabalho para uma geração de buscadores de sinais. Eles demandarão que prodígios sejam feitos, como prova de que sou o enviado pelo meu Pai, e serão lentos para ver, na revelação do amor do meu Pai, as credenciais da minha missão”.
137:6.6 (1533.4) Naquela noite, quando eles voltaram à terra, antes de pegarem o seu caminho, Jesus, de pé na beirada da água, orou: “Meu Pai, eu te agradeço por esses pequenos que já crêem, apesar das suas dúvidas. E por causa deles eu me coloquei à parte, para fazer a Tua vontade. E, agora, que eles possam aprender a ser um, assim como Tu e eu somos Um”.
137:7.1 (1533.5) Durante quatro longos meses — março, abril, maio e junho — tempo em que permaneceram à espera, Jesus teve mais de cem reuniões longas e sinceras, se bem que alegres e jubilosas, com esses seis companheiros e com o seu próprio irmão Tiago. Devido à doença na sua família, Judá raramente estava em condições de freqüentar essas instruções. Tiago, irmão de Jesus, não perdeu a fé nele, mas durante esses meses de espera e inação, Maria quase se desesperou com o seu filho. A sua fé, levada a tais alturas em Caná, afundava de novo, agora, a níveis bastante baixos. Ela conseguia apenas voltar à sua exclamação tão repetida: “Eu não posso compreendê-lo. Não consigo imaginar o que significa tudo isso”. Todavia, a esposa de Tiago muito fez para sustentar a coragem de Maria.
137:7.2 (1534.1) Durante os quatro meses, esses sete crentes e, entre eles, o seu próprio irmão na carne, estavam conhecendo Jesus; e acostumando-se com a idéia de viver com esse Deus-homem. Embora eles o chamassem de Rabi, eles estavam aprendendo a não ter medo dele. Jesus possuía aquela graça incomparável de personalidade que o capacitava a viver entre eles, de modo que não se sentissem desamparados, por causa da sua divindade. Eles acharam realmente fácil ser “amigos de Deus”, Deus encarnado à semelhança da carne mortal. Esse tempo de espera testou severamente todo o grupo de crentes. Nada, absolutamente nada, de miraculoso aconteceu. Dia a dia eles iam para o seu trabalho comum, enquanto, noite após noite, se assentavam aos pés de Jesus. E eram mantidos juntos pela sua personalidade sem par e pelas palavras cheias de graça que Jesus lhes dizia, noite após noite.
137:7.3 (1534.2) Esse período de espera e de ensinamentos estava sendo um desafio, especialmente para Simão Pedro. Repetidamente ele buscava persuadir Jesus a ir adiante com a pregação do Reino na Galiléia, enquanto João continuava a pregar na Judéia. Contudo, a resposta de Jesus a Pedro era sempre: “Sê paciente, Simão. Progride. Não estaremos nunca prontos demais, quando o Pai chamar”. E André acalmaria Pedro, de quando em quando, com o seu conselho mais temperado e filosófico. André estava tremendamente impressionado com a naturalidade humana de Jesus. Ele nunca se cansava de contemplar como alguém, que podia viver tão perto de Deus, podia ser tão amigável e cheio de consideração com os homens.
137:7.4 (1534.3) Durante todo esse período, Jesus só falou na sinagoga por duas vezes. Ao fim dessas várias semanas de espera, as notícias sobre o seu batismo e sobre o vinho em Caná haviam começado a diminuir. E Jesus assegurou-se de que nenhum milagre aparente acontecesse mais, durante esse tempo. Entretanto, ainda que eles vivessem muito quietamente em Betsaida, as notícias sobre os feitos estranhos de Jesus estavam sendo levadas a Herodes Antipas, que, por sua vez, enviou espiões para certificarem-se daquilo que ele estava fazendo. Herodes, no entanto, estava mais preocupado com a pregação de João. E decidiu não molestar Jesus, cujo trabalho continuava, muito silenciosamente, em Cafarnaum.
137:7.5 (1534.4) Nesse tempo de espera, Jesus esforçou-se para ensinar aos seus discípulos qual deveria ser a atitude deles em relação aos vários grupos religiosos e aos partidos políticos da Palestina. As palavras de Jesus eram sempre: “Estamos procurando conquistar todos eles, mas não pertencemos a nenhum deles”.
137:7.6 (1534.5) Os escribas e os rabinos, juntos, eram chamados fariseus. Eles referiam-se a si próprios como os “parceiros”. Sob muitos pontos de vista eles eram um grupo progressista, entre os judeus, tendo adotado muitos ensinamentos não claramente encontrados nas escrituras dos hebreus, tais como acreditar na ressurreição dos mortos, uma doutrina apenas mencionada por Daniel, um dos últimos profetas.
137:7.7 (1534.6) Os saduceus eram compostos pelo sacerdócio e por certos judeus ricos. Eles não eram tão cheios de rigor pelos detalhes da aplicação da lei. Os fariseus e os saduceus, na realidade, eram mais partidos religiosos, do que seitas.
137:7.8 (1534.7) Os essênios eram uma seita verdadeiramente religiosa, originada durante a revolta dos macabeus, cujos princípios eram, sob alguns aspectos, mais exigentes do que aqueles dos fariseus. Eles haviam adotado muitas crenças e práticas persas; viviam como uma irmandade, em monastérios, abstinham-se do casamento e possuíam todas as coisas comunitariamente. E especializaram-se em ensinamentos sobre os anjos.
137:7.9 (1535.1) Os zelotes eram um grupo de ardentes patriotas judeus. Eles advogavam que todo e qualquer dos métodos se justificaria na luta para escapar da escravidão do jugo romano.
137:7.10 (1535.2) Os herodianos eram um partido puramente político, que advogava a emancipação do governo romano direto, pela restauração da dinastia de Herodes.
137:7.11 (1535.3) Bem no meio da Palestina viviam os samaritanos, com quem “os judeus não faziam nenhum negócio”, não obstante tivessem eles muitos pontos de vista semelhantes aos ensinamentos dos judeus.
137:7.12 (1535.4) Todos esses partidos e seitas, incluindo a pequena irmandade nazarita, acreditavam na vinda, em algum tempo, do Messias. Eles todos buscavam um libertador nacional. Entretanto, Jesus foi muito positivo, ao deixar claro que ele e os seus discípulos não se tornariam aliados de nenhuma dessas escolas de pensamento ou de práticas. O Filho do Homem não seria nem um nazarita nem um essênio.
137:7.13 (1535.5) Se bem que mais tarde Jesus houvesse ordenado que os apóstolos devessem partir, como o fez João, e pregar os ensinamentos de Deus e instruir os crentes, ele colocou ênfase na proclamação das “boas-novas do Reino do céu”. Ele repetia infalivelmente, para os seus colaboradores, que eles deveriam “demonstrar amor, compaixão e compreensão”. Muito cedo Jesus ensinou aos seus seguidores que o Reino do céu era uma experiência espiritual que tinha a ver com a entronização de Deus nos corações dos homens.
137:7.14 (1535.6) Enquanto aguardavam, assim, antes de embarcarem para as suas pregações públicas ativas, Jesus e os sete apóstolos passavam duas noites, todas as semanas, na sinagoga, estudando as escrituras dos hebreus. Nos anos posteriores, após muito tempo de pregação pública, os apóstolos relembrar-se-iam desses quatro meses como os mais preciosos e proveitosos de toda a sua ligação com o Mestre. Jesus ensinou a esses homens tudo o que poderiam assimilar. Ele não cometeu o erro de instruí-los em excesso. E fez por não deixar a confusão cair sobre eles, não apresentando uma verdade muito adiante da sua capacidade de compreensão.
137:8.1 (1535.7) No sábado, 22 de junho, pouco antes de partirem para a sua primeira excursão de pregações, e dez dias depois do aprisionamento de João, Jesus ocupou o púlpito da sinagoga, pela segunda vez, desde que trouxera os seus apóstolos para Cafarnaum.
137:8.2 (1535.8) Poucos dias antes da pregação desse sermão sobre “O Reino”, como Jesus estivesse trabalhando na oficina de barcos, Pedro trouxe a ele as novas sobre a prisão de João. Jesus depôs as suas ferramentas; uma vez mais, tirou o seu avental e disse a Pedro: “É chegada a hora do Pai. Aprontemo-nos para proclamar os ensinamentos de Deus, sobre o Reino”.
137:8.3 (1535.9) Jesus fez o seu último trabalho na bancada de carpinteiro nessa terça-feira, 18 de junho, do ano 26 d.C. Pedro apressou-se a sair da sua oficina e, no meio da tarde, havia reunido todos os seus companheiros e, deixando-os em um bosque perto da praia, foi buscar Jesus. Contudo, não pôde encontrá-lo, pois o Mestre tinha ido a um outro bosque para orar. E eles não o viram, até tarde naquela noite, quando ele voltou para a casa de Zebedeu e pediu alimento. No dia seguinte ele enviou o seu irmão Tiago para pedir o privilégio de falar na sinagoga, no próximo dia de sábado. E o dirigente da sinagoga ficou muito contente, de que Jesus estivesse de novo disposto a conduzir os serviços.
137:8.4 (1536.1) Antes que fizesse o primeiro esforço ambicioso da sua carreira pública, nesse sermão memorável sobre o Reino de Deus, Jesus leu das escrituras estas passagens: “Vós sereis para mim um reino de sacerdotes, um povo santo. Yavé é o nosso juiz, Yavé é o nosso legislador, Yavé é o nosso rei; ele nos salvará. Yavé é o meu rei e o meu Deus. Ele é um grande rei sobre toda a Terra. O amor-benevolência recai sobre Israel nesse reino. Abençoada seja a glória do Senhor, pois ele é o nosso Rei”.
137:8.5 (1536.2) Quando acabou de ler, Jesus disse:
137:8.6 (1536.3) “Eu vim para proclamar o estabelecimento do Reino do Pai. E esse Reino deverá incluir as almas adoradoras dos judeus e gentios, dos ricos e pobres, dos livres e escravos porque meu Pai não tem preferência por ninguém, Seu amor e Sua misericórdia estendem-se a todos.
137:8.7 (1536.4) “O Pai dos céus envia o Seu espírito para residir nas mentes dos homens e, quando houver acabado o meu trabalho na Terra, do mesmo modo, o Espírito da Verdade será efundido sobre toda a carne. Assim, o espírito do meu Pai e o Espírito da Verdade estabelecer-vos-ão no Reino vindouro de compreensão espiritual e retidão divina. O meu Reino não é deste mundo. O Filho do Homem não conduzirá exércitos à batalha para estabelecer um trono de poder nem um reino de glória temporal. Quando o meu Reino houver chegado, vós reconhecereis no Filho do Homem o Príncipe da Paz, a revelação do Pai eterno. Os filhos deste mundo lutam pelo estabelecimento e ampliação dos reinos deste mundo; os meus discípulos, todavia, entrarão no Reino do céu por meio das suas decisões morais e vitórias espirituais; e, uma vez que hajam entrado, encontrarão alegria, retidão e vida eterna.
137:8.8 (1536.5) “Aqueles que primeiro buscarem entrar no Reino, começando assim a lutar pela nobreza do caráter, como a do meu Pai, possuirão logo tudo o mais que for necessário. E eu vos digo com toda a sinceridade: a menos que busqueis a entrada no Reino, com a fé e a dependência confiada de uma criança pequena, não sereis admitidos de modo nenhum.
137:8.9 (1536.6) “Não sejais enganados por aqueles que vêm dizendo que aqui é o reino ou que acolá está o reino, pois o Reino do meu Pai não concerne às coisas visíveis nem materiais. E este Reino está convosco, mesmo agora, pois, onde o espírito de Deus ensina e guia a alma do homem, na realidade, aí está o Reino do céu. E o Reino de Deus é a retidão, a paz e a alegria no Espírito Santo.
137:8.10 (1536.7) “João, de fato batizou todos, como um símbolo do arrependimento e remissão dos vossos pecados, mas, quando entrardes no Reino do céu, sereis batizados pelo Espírito Santo.
137:8.11 (1536.8) “No Reino do meu Pai não haverá judeus e gentios, apenas os que buscam a perfeição pelo serviço, pois eu declaro; aquele que quer ser grande no Reino do meu Pai deve primeiro transformar-se em um servidor de todos. Se quereis servir aos semelhantes, deveis assentar-vos comigo, no meu Reino, do mesmo modo que, servindo à semelhança da criatura, irei assentar-me dentro em pouco com o meu Pai no Reino Dele.
137:8.12 (1536.9) “Esse novo Reino é como uma semente crescendo em bom solo em um campo. Não dá imediatamente os seus frutos. Há um intervalo de tempo entre o estabelecimento do Reino, na alma do homem, e a hora em que o Reino amadurece, dando os plenos frutos da retidão duradoura e da salvação eterna.
137:8.13 (1536.10) “E o Reino que eu vos proclamo não é um reino de poder e ou abundância. O Reino do céu não é uma questão de comida e bebida, mas, antes, uma vida de retidão progressiva e júbilo crescente no serviço que se perfecciona do meu Pai, que está nos céus. Pois o Pai disse dos seus filhos do mundo: ‘É da minha vontade que sejam finalmente perfeitos, como eu mesmo sou perfeito’.
137:8.14 (1537.1) “Vim para pregar as alegres novas do Reino. Não vim para acrescentar nada às já pesadas cargas daqueles que gostariam de entrar nesse Reino. Eu proclamo um caminho novo e melhor e aqueles que estiverem capacitados para entrar no Reino vindouro desfrutarão todos do descanso divino. E. não importando o que vos custará, em termos das coisas deste mundo, não importando o preço que ireis pagar neste mundo, para entrar no Reino celeste, recebereis muitas vezes mais, em júbilo e progresso espiritual, na vida eterna nas idades que virão.
137:8.15 (1537.2) “A entrada no Reino do Pai não depende de exércitos que marchem, nem de mudar os reinos deste mundo, nem de que se quebre o jugo sobre os aprisionados. O Reino celeste está ao alcance da mão e todos que entrarem nele encontrarão liberdade abundante e salvação cheia de júbilo.
137:8.16 (1537.3) “Tal Reino é domínio do eterno. Aqueles que entrarem no Reino ascenderão até o meu Pai; e irão certamente alcançar a mão direita da Sua glória no Paraíso. E todos que entrarem no Reino do céu tornar-se-ão filhos de Deus e, nas idades que virão, irão ascender ao Pai. E eu não vim para chamar aqueles que seriam os justos, mas os pecadores e todos aqueles que têm fome e sede da retidão, na perfeição divina.
137:8.17 (1537.4) “João veio pregando o arrependimento para preparar-vos para o Reino; agora venho eu proclamar a fé, a dádiva de Deus, como o preço da entrada no Reino do céu. Se apenas acreditardes que o meu Pai vos ama com um amor infinito, então vós estareis no Reino de Deus”.
137:8.18 (1537.5) Depois de assim falar, ele assentou-se. Todos aqueles que o haviam escutado estavam atônitos com as suas palavras. Os seus discípulos, maravilhados. Todavia, o povo não estava preparado para receber as boas-novas, vindas dos lábios desse Deus-homem. Cerca de um terço, dos que o escutaram, acreditou na mensagem, ainda que não pudesse entendê-la completamente; cerca de um terço preparou-se, nos seus corações, para rejeitar um conceito tão puramente espiritual do Reino aguardado; enquanto o terço restante não conseguiu nem compreender os seus ensinamentos; e, sendo assim, muitos deles na verdade acreditaram que Jesus “estava fora de si”.
O Livro de Urântia
Documento 138
138:0.1 (1538.1) DEPOIS de pregar o sermão sobre “O Reino”, Jesus reuniu os seis apóstolos naquela tarde e começou a expor os seus planos para visitar as cidades em volta do mar da Galiléia. Os seus irmãos, Tiago e Judá, ficaram bastante sentidos por não terem sido chamados para essa reunião. Até esse momento eles consideravam-se como fazendo parte do círculo interno de apóstolos de Jesus. Contudo, Jesus planejava não ter parentes próximos como membros desse corpo de diretores apostólicos do Reino. A não-inclusão de Tiago e Judá entre os poucos escolhidos, junto com a sua indiferença aparente para com a sua mãe, desde a experiência de Caná, foi o ponto de partida para um abismo sempre crescente entre Jesus e a sua família. Essa situação continuou durante toda a sua ministração pública — eles quase que o rejeitaram — e essas diferenças não foram completamente aparadas até após a sua morte e ressurreição. A sua mãe constantemente oscilava entre as atitudes de uma fé e de uma esperança flutuantes, e as de emoções crescentes de desapontamento, humilhação e desespero. Apenas Rute, a mais jovem, permaneceu indefectivelmente leal ao seu pai-irmão.
138:0.2 (1538.2) Até depois da ressurreição, toda a família de Jesus tinha pouquíssimo a ver com a sua ministração. Se um profeta pode ter honrarias, mas não na sua própria terra, a ele são dados valor e apreciação, mas não na sua própria família.
138:1.1 (1538.3) No domingo seguinte, 23 de junho do ano 26 d.C., Jesus deu as suas instruções finais aos seis. Ordenou-lhes que partissem, dois a dois, para anunciar as boas-novas do Reino. Proibiu-os de batizar e desaconselhou-os quanto a fazer pregações públicas. Explicou a eles que mais tarde ele iria permitir-lhes que fizessem pregações públicas, mas que, por um certo tempo, por muitas e boas razões, desejava que eles adquirissem experiência prática em lidar pessoalmente com os seus semelhantes. Jesus propunha fazer dessa primeira viagem um trabalho inteiramente pessoal. E, embora esse anúncio tenha levado os apóstolos ao desapontamento, eles ainda aceitaram, ao menos em parte, as razões de Jesus para começar daquele modo a proclamação do Reino e, então, assim, de bom ânimo e com um entusiasmo confiante. Eles deram início aos trabalhos. E Jesus os enviou dois a dois, Tiago e João foram para Queresa, André e Pedro para Cafarnaum enquanto Filipe e Natanael partiram para Tariquéia.
138:1.2 (1538.4) Antes que começassem essas duas primeiras semanas de serviço, Jesus anunciou- lhes que desejava ordenar doze apóstolos para continuar o trabalho do Reino, depois da sua partida; e autorizou a cada um deles escolher um homem, dentre as suas primeiras conversões, para que passasse a ser membro desse corpo projetado de apóstolos. João perguntou: “Mas, Mestre, esses seis homens virão para o nosso meio e compartilharão todas as coisas igualmente conosco, que estamos contigo desde o Jordão ouvindo todos os teus ensinamentos em preparação para este que é o nosso primeiro trabalho para o Reino?” E Jesus respondeu: “Sim, João, os homens que ireis escolher tornar-se-ão um conosco e vós ensinareis a eles tudo aquilo que seja pertinente ao Reino, do mesmo modo que eu vos ensinei”. Depois de ter dito isso, Jesus deixou-os.
138:1.3 (1539.1) Os seis não se separaram para ir e fazer os seus trabalhos, até que houvessem trocado muitas palavras e discutido as instruções de Jesus, com o intuito de que cada um deles escolhesse um novo apóstolo. O conselho de André prevaleceu afinal e eles partiram para os seus trabalhos. Em essência, eis o que André disse: “O Mestre está certo, somos em número muito pequeno para assumirmos esse trabalho. Há necessidade de mais instrutores e o Mestre manifestou grande confiança em nós, por nos ter confiado a escolha desses seis novos apóstolos”. Naquela manhã, quando se separaram a fim de seguir para o trabalho, havia um pouco de depressão escondida em cada coração. Eles sabiam que iriam sentir falta de Jesus e, além do medo e da timidez, não era daquele modo que tinham imaginado a inauguração do Reino do céu.
138:1.4 (1539.2) Havia sido arranjado para que os seis trabalhassem por duas semanas, depois das quais retornariam à casa de Zebedeu para uma reunião. Nesse ínterim, Jesus foi até Nazaré para estar com José e Simão e os outros membros da sua família, que viviam naquela vizinhança. Jesus fez tudo o que lhe foi humanamente possível, em consonância com a sua consagração à vontade do seu Pai, para manter a confiança e o afeto da sua família. E cumpriu bem o seu dever nessa questão, e fez mesmo até mais.
138:1.5 (1539.3) Enquanto os apóstolos estavam fora, para essa missão, Jesus pensou muito sobre João, agora na prisão. Era uma grande tentação usar o seu poder potencial para libertá-lo, mas uma vez mais ele resignou-se a “aguardar a vontade do Pai”.
138:2.1 (1539.4) Essa primeira viagem missionária dos seis foi, sobretudo, cheia de êxito. Todos eles descobriram o grande valor do contato direto e pessoal com os homens. E voltaram para Jesus com um conhecimento mais pleno de que, afinal, a religião é pura e inteiramente uma questão de experiência pessoal. Eles começaram a sentir quão sedenta estava a gente comum de ouvir palavras de conforto religioso e de encorajamento espiritual. Quando se reuniram com Jesus, eles queriam falar todos ao mesmo tempo; mas André tomou a frente e os chamou um a um; e eles fizeram os seus relatos formais ao Mestre e apresentaram as suas indicações dos seis novos apóstolos.
138:2.2 (1539.5) Jesus, depois que cada homem havia apresentado a sua escolha dos novos apóstolos, pediu a todos os outros que votassem na indicação; assim todos os seis novos apóstolos foram formalmente aceitos por todos os seis mais antigos. E então Jesus anunciou que eles todos deveriam estar com os candidatos e convidá- los para o serviço.
138:2.3 (1539.6) Os apóstolos recém-selecionados eram:
138:2.4 (1539.7) 1. Mateus Levi, coletor alfandegário de Cafarnaum, que tinha o seu escritório no lado leste da cidade, perto das fronteiras de Batanea. Foi escolhido por André.
138:2.5 (1539.8) 2. Tomé Dídimo, um pescador de Tariquéia e ex-carpinteiro e pedreiro de Gadara. Foi selecionado por Filipe.
138:2.6 (1539.9) 3. Tiago Alfeus, pescador e agricultor de Queresa. Foi escolhido por Tiago Zebedeu.
138:2.7 (1539.10) 4. Judas Alfeus, irmão gêmeo de Tiago Alfeus, também pescador. Foi escohido por João Zebedeu.
138:2.8 (1540.1) 5. Simão, o zelote, era um alto funcionário da patriótica organização dos zelotes, posição que ele abandonou para juntar-se aos apóstolos de Jesus. Antes de ligar-se aos zelotes, Simão havia sido um mercador. Foi escolhido por Pedro.
138:2.9 (1540.2) 6. Judas Iscariotes era o filho único de pais judeus ricos que viviam em Jericó. Tornou-se um seguidor de João Batista, e os seus pais saduceus o haviam deserdado. Estava procurando emprego naquelas regiões, quando o encontraram os apóstolos de Jesus, sobretudo por causa da sua experiência com as finanças, Natanael convidou-o para juntar-se às suas fileiras. Judas Iscariotes era o único judeu entre os doze apóstolos.
138:2.10 (1540.3) Jesus passou um dia inteiro com os seis, respondendo às suas perguntas e escutando os detalhes do que havia para contar, pois muitas experiências interessantes e úteis eles tinham para relatar. Agora viam a sabedoria do plano do Mestre, de enviá-los para trabalhar de um modo calmo e pessoal, antes de mandá-los para esforços públicos mais ambiciosos.
138:3.1 (1540.4) No dia seguinte, Jesus e os seis foram chamar Mateus, o coletor aduaneiro. Mateus estava esperando por eles; tendo já feito o balancete nos seus livros, estava pronto para entregar os assuntos do seu escritório ao irmão. Quando aproximaram da casa aduaneira, André adiantou-se com Jesus, que, olhando no rosto de Mateus, disse: “Segue-me”. Então ele levantou-se e foi para a sua casa com Jesus e os apóstolos.
138:3.2 (1540.5) Mateus contou a Jesus sobre o banquete que havia arranjado para aquela noite e que desejava pelo menos dar aquele jantar à sua família e amigos, caso Jesus aprovasse e consentisse em ser o hóspede de honra. E Jesus consentiu movimentando a cabeça. Pedro então, com Mateus, se separou deles, e explicou que tinha convidado um tal Simão para juntar-se aos apóstolos e assegurou o consentimento de que Simão fosse também incluído nesta festa.
138:3.3 (1540.6) Depois de um almoço ao meio-dia, na casa de Mateus, foram todos com Pedro chamar Simão zelote, a quem encontraram no seu antigo local de trabalho, agora conduzido pelo seu sobrinho. Quando Pedro levou Jesus até Simão, o Mestre saudou o ardente patriota e apenas disse: “Segue-me”.
138:3.4 (1540.7) E todos voltaram à casa de Mateus, onde conversaram muito sobre política e religião até a hora do jantar. A família Levi dedicava-se, há muito, aos negócios e à coleta de taxas; e por isso muitos dos convidados de Mateus para esse banquete poderiam ser chamados de “publicanos e pecadores” pelos fariseus.
138:3.5 (1540.8) Naqueles dias, quando uma recepção com banquete era dada a um indivíduo proeminente, o costume era que todas as pessoas envolvidas ficassem no salão e observassem os convivas durante a refeição e escutassem as conversas e os discursos dos homens aos quais se prestava honra. Desse modo, a maior parte dos fariseus de Cafarnaum estava presente a essa ocasião para observar a conduta de Jesus nesta inusitada reunião social.
138:3.6 (1540.9) À medida que o jantar progredia, a alegria dos convivas ia transbordando; e todos estavam gostando tão esplendidamente de tudo, que os fariseus, observando tudo ali, começaram, nos seus corações, a criticar Jesus pela sua participação em um acontecimento tão frívolo e comezinho. Mais tarde, naquela noite, quando estavam fazendo os discursos, um dos fariseus mais maledicentes foi tão longe a ponto de criticar, junto a Pedro, a conduta de Jesus, dizendo: “Como ousas dizer que este homem é reto, quando ele come com publicanos e pecadores emprestando, desse modo, a sua presença a tais cenas descuidadas de entrega ao prazer”. Pedro sussurrou esse comentário crítico para Jesus antes que ele desse a bênção aos que estavam reunidos. Quando Jesus começou a falar, disse: “Ao vir aqui, nesta noite, para dar boas-vindas a Mateus e Simão à nossa fraternidade, fico contente de testemunhar a vossa alegria em um ânimo social tão bom; porém, devíeis rejubilar-vos ainda mais porque muitos de vós entrareis no Reino vindouro do espírito, no qual ireis desfrutar mais abundantemente das boas coisas do Reino do céu. E para vós, que estais criticando a mim, dentro dos vossos corações, por eu ter vindo aqui compartilhar da alegria destes amigos, devo dizer-lhes que eu vim para proclamar a alegria àqueles que são socialmente oprimidos e a liberdade espiritual aos que estão moralmente prisioneiros. É necessário que eu vos lembre de que, mais do que os sãos, os doentes é que precisam de um médico? Eu vim, não para chamar os retos, mas os pecadores”.
138:3.7 (1541.1) E essa era verdadeiramente uma coisa estranha ao ambiente judeu: ver um homem de caráter reto e de sentimentos nobres misturando-se livre e alegremente com a gente comum, e ainda mais com tantos publicanos e pecadores reconhecidamente pouco religiosos e em busca de prazeres. Simão zelote quis fazer um discurso nessa reunião, na casa de Mateus, mas André, sabendo que Jesus não queria o Reino vindouro confundido com o movimento dos zelotes, convenceu-o a refrear-se de fazer quaisquer comentários públicos.
138:3.8 (1541.2) Jesus e os apóstolos, naquela noite, permaneceram na casa de Mateus e, quando todos se foram para as suas casas, eles não falaram senão de uma coisa: da bondade e da cordialidade de Jesus.
138:4.1 (1541.3) Na manhã seguinte todos do grupo dos nove dirigiram-se de barco a Queresa, para executar o chamado formal dos dois próximos apóstolos, Tiago e Judas, os dois filhos gêmeos de Alfeus, indicados por Tiago e João Zebedeu. Os dois pescadores gêmeos contavam com a vinda de Jesus e dos seus apóstolos e já estavam esperando por eles na praia. Tiago Zebedeu apresentou o Mestre aos pescadores de Queresa, e Jesus, olhando para eles, acenou dizendo: “Segui-me”.
138:4.2 (1541.4) Naquela tarde que passaram juntos, Jesus os instruiu plenamente sobre como deviam proceder em reuniões festivas, e concluiu as suas observações dizendo: “Todos os homens são meus irmãos. O meu Pai nos céus não despreza nenhum ser criado por nós. O Reino do céu está aberto para todos os homens e mulheres. Nenhum homem pode fechar a porta da misericórdia na cara de nenhuma alma faminta que procure entrada. Nós nos assentaremos e comeremos com todos aqueles que desejem escutar sobre o Reino. Aos olhos do nosso Pai, que nos contempla de cima, todos são iguais. Não recuseis repartir o vosso pão com o fariseu ou com o pecador, com o saduceu ou o publicano, romano ou judeu, rico ou pobre, livre ou escravo. A porta do Reino está bem aberta para todos que desejarem saber a verdade e encontrar Deus”.
138:4.3 (1541.5) Naquela noite em uma ceia simples na casa de Alfeus, os dois gêmeos eram recebidos na família apostólica. Mais tarde naquela noite, Jesus deu aos seus apóstolos a sua primeira lição, que tratava da origem, natureza e destino dos espíritos impuros, mas eles não compreenderam a importância daquilo que lhes havia sido dito. Achavam muito fácil compreender, amar e admirar Jesus, mas difícil, por demais, era compreender muitos dos seus ensinamentos.
138:4.4 (1542.1) Depois de uma noite de descanso, todo o grupo, agora em número de onze, foi de barco até Tariquéia.
138:5.1 (1542.2) Tomé, o pescador, e Judas, o errante, encontraram-se com Jesus e os apóstolos no barco de pesca que atracou em Tariquéia, e Tomé os conduziu à sua casa perto dali. Filipe agora apresentava Tomé como o seu indicado para o apostolado e Natanael apresentava Judas Iscariotes, o judeu, com as mesmas honras. Jesus olhou para Tomé e disse: “Tomé, tu tens pouca fé; entretanto, eu te recebo. Segue-me”. Para Judas Iscariotes o Mestre disse: “Judas, somos todos da mesma carne e do mesmo modo que o recebo em nosso meio, eu oro para que sejas sempre leal aos teus irmãos galileus. Segue-me”.
138:5.2 (1542.3) Depois de haverem descansado, Jesus saiu com os doze para orar com eles e para instruí-los sobre a natureza e o trabalho do Espírito Santo, mas de novo de nenhum modo eles compreenderam o significado daquelas verdades maravilhosas que ele tentava ensinar-lhes. Um compreenderia um ponto e o outro compreenderia outro ponto, nenhum deles, porém, pôde captar o seu ensinamento como um todo. Eles sempre cometeriam o erro de tentar enquadrar o novo evangelho de Jesus dentro das suas velhas formas de crenças religiosas. Não conseguiam captar a idéia de que Jesus tinha vindo para proclamar um novo evangelho de salvação e para estabelecer um novo caminho de encontrar Deus; eles não percebiam que ele era uma nova revelação do Pai dos céus.
138:5.3 (1542.4) No dia seguinte Jesus deixou os seus doze apóstolos a sós; queria que eles se conhecessem uns aos outros e desejava que ficassem a sós para conversarem sobre o que ele lhes havia ensinado. O Mestre voltou para a refeição da tarde e, depois do jantar, ele falou-lhes sobre as ministrações dos serafins, e alguns dos apóstolos compreenderam o seu ensinamento. Descansaram por uma noite e partiram de barco para Cafarnaum no dia seguinte.
138:5.4 (1542.5) Zebedeu e Salomé tinham ido morar com o filho Davi e, desse modo, toda a sua grande casa podia ficar à disposição de Jesus e dos seus doze apóstolos. E, ali, Jesus passou um sábado tranqüilo com os seus mensageiros escolhidos; cuidadosamente traçou os planos para proclamar o Reino e explicou integralmente a importância de evitar quaisquer conflitos com as autoridades civis, dizendo: “Se os governantes civis tiverem de ser censurados, deixai comigo essa tarefa. Cuidai de não fazer nenhuma denúncia contra César ou os seus servidores”. Foi nessa mesma noite que Judas Iscariotes chamou Jesus à parte para perguntar por que nada estava sendo feito para tirar João da prisão. E Judas não ficara totalmente satisfeito com a atitude de Jesus.
138:6.1 (1542.6) A semana seguinte foi dedicada a um programa de aperfeiçoamento intenso. Cada dia os seis novos apóstolos eram colocados nas mãos dos seus respectivos recrutadores para uma cuidadosa recapitulação de tudo o que tinham aprendido e experimentado como preparação para o trabalho do Reino. Os apóstolos mais antigos recapitularam cuidadosamente, para benefício dos seis mais recentes, os ensinamentos de Jesus, dados até aquele momento. Às tardes eles sempre se reuniam no jardim de Zebedeu para receber as instruções de Jesus.
138:6.2 (1542.7) Foi nessa mesma época que Jesus estabeleceu um dia, no meio da semana, para descanso e diversão. E eles seguiram esse plano de descanso de um dia por semana durante o resto da vida material do seu Mestre. Como regra geral, às quartas-feiras eles nunca se dedicavam às suas atividades regulares. Nesse feriado da semana, Jesus normalmente separava-se deles dizendo: “Meus filhos, ide divertir-vos por um dia. Descansai os corpos dos trabalhos árduos do Reino e gozai do arrefecimento que advém da volta às vossas antigas vocações ou da descoberta de novas espécies de atividades recreativas”. Ainda que Jesus, nesse período da sua vida terrena, na verdade não necessitasse desse dia de descanso, ele adaptou-se a esse plano porque sabia que era o melhor para os seus seguidores humanos. Jesus era quem ensinava — o Mestre — ; os seus companheiros eram os seus alunos — os discípulos.
138:6.3 (1543.1) Jesus esforçou-se para esclarecer, aos seus apóstolos, a diferença entre os seus ensinamentos e a sua vida junto com eles, e os ensinamentos que pudessem advir posteriormente sobre ele. Disse Jesus: “O meu Reino e o evangelho relacionado a ele deverão ser o conteúdo da vossa mensagem. Não vos deixeis desviar por pregações sobre mim e sobre os meus ensinamentos. Proclamai o evangelho do Reino e retratai a minha revelação do Pai dos céus, mas não vos deixeis ser extraviados pelas vielas da criação de lendas e de construção de cultos de crenças e de ensinamentos sobre as minhas crenças e ensinamentos”. No entanto, novamente eles não compreenderam por que ele dissera isso, e nenhum deles ousou perguntar por que ele lhes ensinava sobre isso.
138:6.4 (1543.2) Nesses ensinamentos iniciais Jesus tentou evitar controvérsias com os seus apóstolos, tanto quanto possível, exceto naqueles casos que envolviam conceitos errôneos do seu Pai nos céus. Para todas essas questões, ele nunca hesitou em corrigir as crenças errôneas. Havia apenas um motivo, na vida pós-batismal de Jesus em Urântia, e esse era a revelação do seu Pai do Paraíso, uma revelação mais verdadeira e melhor; ele era o pioneiro do caminho novo e melhor até Deus, o caminho da fé e do amor. A sua exortação aos apóstolos era sempre: “Ide procurar os pecadores; encontrai os afligidos e confortai os ansiosos”.
138:6.5 (1543.3) Jesus tinha uma perfeita compreensão da situação; ele possuía um poder ilimitado, que poderia ter sido utilizado para ajudar e adiantar a sua missão; no entanto, ele estava totalmente satisfeito com os meios e as personalidades, os quais a maior parte das pessoas teria considerado inadequados e que teriam encarado como sendo insignificantes. Ele estava empenhado em uma missão de possibilidades dramáticas enormes, mas insistiu em dedicar-se aos assuntos do seu Pai do modo mais tranqüilo e pouco dramático; evitou cuidadosamente qualquer exibição de poder. E agora ele planejava trabalhar de modo pouco ruidoso, ao menos por vários meses, com os seus doze apóstolos, nas cercanias do mar da Galiléia.
138:7.1 (1543.4) Jesus havia planejado uma campanha missionária tranqüila de cinco meses de trabalho pessoal. Contudo, não disse aos apóstolos o quanto aquilo ia durar; eles trabalharam de semana a semana. E muito cedo nesse primeiro dia da semana, exatamente quando ia anunciar isso aos seus doze apóstolos, Simão Pedro, Tiago Zebedeu e Judas Iscariotes vieram para ter uma conversa particular com ele. Levando Jesus para um lado, Pedro ousou dizer-lhe: “Mestre, viemos a pedido dos nossos companheiros no intuito de perguntar se o momento agora não está maduro para entrar no Reino. E se tu irás proclamar o Reino em Cafarnaum, ou se vamos prosseguir até Jerusalém? E quando saberemos, cada um de nós, as posições que iremos ocupar junto contigo no estabelecimento do Reino?” — e Pedro teria continuado a fazer mais perguntas, mas Jesus levantou a mão em um gesto de admoestação e o refreou. E fazendo um aceno aos outros apóstolos que se acercavam deles, Jesus disse: “Meus filhinhos, até quando deverei ser indulgente convosco! Já não esclareci que o meu Reino não é deste mundo? Quantas vezes já lhes disse que não vim para assentar-me no trono de Davi, e então por que é que me estais inquirindo sobre qual o lugar de cada um de vós no Reino do Pai? Não podeis perceber que eu vos chamei como embaixadores de um Reino espiritual? Não compreendeis que logo, muito em breve mesmo, vós ireis representar-me no mundo e na proclamação do Reino, do mesmo modo como eu represento meu Pai que está nos céus? Será possível que eu vos tenha escolhido e que vos tenha instruído como mensageiros do Reino, e vós ainda não compreendeis a natureza e o significado deste Reino vindouro, de predominância divina nos corações dos homens? Meus amigos, escutai-me uma vez mais. Eliminai das vossas mentes essa idéia de que o meu Reino é um governo de poder ou um reino de glória. De fato, todo poder nos céus e na Terra será, dentro em pouco, entregue às minhas mãos, mas não é da vontade do Pai que usemos esse dom divino para glorificar a nós próprios durante esta idade. Numa outra idade vós ireis de fato assentar-vos comigo no poder e na glória, mas cabe-nos agora submetermo-nos à vontade do Pai e continuarmos, em humilde obediência, executando o Seu mandado na Terra”.
138:7.2 (1544.1) Uma vez mais os seus discípulos ficaram chocados, estupefatos. Jesus mandou que fossem orar, dois a dois, pedindo a eles que voltassem até ele ao meio-dia. Nessa manhã crucial, cada um deles procurou encontrar Deus, e cada um esforçou-se para animar e fortalecer o outro; e retornaram a Jesus como ele lhes havia pedido.
138:7.3 (1544.2) Jesus rememorou com eles, nesse momento, a vinda de João, o batismo no Jordão, a festa de casamento em Caná, a escolha recente dos seis e a separação, pela qual passaram, dos próprios irmãos na carne; e então os preveniu de que o inimigo do Reino iria também tentar separá-los. Depois dessa conversa curta, mas sincera, os apóstolos levantaram-se, sob a liderança de Pedro, para declarar a sua devoção imperecível ao seu Mestre e para prometer, como Tomé se expressou, a sua lealdade inarredável ao Reino: “A este Reino vindouro; não importando o que seja; e ainda que eu não o compreenda inteiramente”. Todos eles realmente acreditavam em Jesus, embora não entendessem completamente os seus ensinamentos.
138:7.4 (1544.3) Agora Jesus perguntava a eles quanto dinheiro tinham consigo; e também perguntou quanto às provisões que tinham dado às suas famílias. Quando ficou claro que eles não tinham fundos suficientes para manterem-se por duas semanas, ele disse: “Não é da vontade do meu Pai que comecemos o nosso trabalho desse modo. Permaneceremos aqui perto do mar e pescaremos por duas semanas ou faremos o que as nossas mãos encontrarem para fazer; e nesse ínterim, sob a liderança de André, o primeiro apóstolo escolhido, vós ireis organizar-vos de modo a prover de tudo o que seja necessário ao vosso futuro trabalho, não apenas para o ministério pessoal presente mas, também, para quando posteriormente eu vos mandar na pregação do evangelho e na instrução dos crentes”. Eles ficaram cheios de ânimo com essas palavras; essa era a primeira sugestão clara e positiva que tinham, de que Jesus projetava mais tarde efetuar esforços públicos mais ambiciosos e ativos.
138:7.5 (1544.4) Os apóstolos passaram o restante do dia aperfeiçoando a sua organização e completando os arranjos dos barcos e redes, para embarcar na manhã seguinte com o intuito de pescar, pois todos haviam decidido devotar-se à pescaria; a maioria deles havia sido pescador, e até mesmo Jesus era um barqueiro e pescador experiente. Muitos dos barcos que eles usariam nos próximos anos haviam sido feitos com as próprias mãos de Jesus. E eram barcos bons e confiáveis.
138:7.6 (1544.5) Jesus mandou que eles se devotassem a pescar por duas semanas, acrescentando: “E depois avançareis, tornando-vos pescadores de homens”. Eles pescavam em três grupos; a cada noite Jesus saía com um grupo diferente. Como eles desfrutavam da companhia de Jesus! Ele era um bom pescador, um companheiro alegre e um amigo inspirador; quanto mais trabalhavam com ele, tanto mais o amavam. Certo dia Mateus disse: “Quanto mais tu compreendes algumas pessoas, menos as admiras, mas com este homem, quanto menos eu o compreendo, tanto mais eu o amo”.
138:7.7 (1545.1) Esse plano de pescar e sair, por duas semanas, para o trabalho pessoal em nome do Reino prolongou-se por mais de cinco meses, até o fim desse ano 26 d.C., quando cessaram aquelas perseguições especiais que tinham sido dirigidas contra os discípulos de João depois do seu encarceramento.
138:8.1 (1545.2) Depois de vender o fruto da pesca de duas semanas, Judas Iscariotes, que foi o escolhido para atuar como tesoureiro dos doze, dividiu os fundos apostólicos em seis partes iguais, depois de tirados os fundos para as famílias dependentes. E então, perto do meio de agosto, no ano 26 d.C., eles saíram dois a dois na direção dos campos de trabalho designados por André. Nas duas primeiras semanas Jesus esteve com André e Pedro; nas duas semanas seguintes, com Tiago e João; e assim por diante, com as outras duplas, na ordem da escolha deles. Desse modo ele era capaz de sair ao menos uma vez com cada dupla, antes de reuni-los para o começo dos trabalhos públicos deles.
138:8.2 (1545.3) Jesus ensinou-lhes a pregar o perdão dos pecados pela fé em Deus, sem penitência ou sacrifício; e ensinou que o Pai dos céus ama todos os seus filhos com o mesmo amor eterno. E mandou que os apóstolos se abstivessem de discutir:
138:8.3 (1545.4) 1. A obra e o aprisionamento de João Batista.
138:8.4 (1545.5) 2. A voz surgida durante o batismo. Disse Jesus: “Apenas aqueles que ouviram a voz podem referir-se a ela. Falai apenas daquilo que ouvistes de mim; não façais discurso sobre rumores”.
138:8.5 (1545.6) 3. A conversão da água em vinho em Caná. Jesus os admoestou seriamente, dizendo: “Não reveleis a nenhum homem a respeito da água e do vinho”.
138:8.6 (1545.7) E passaram momentos maravilhosos durante esses cinco ou seis meses, nos quais trabalharam como pescadores alternadamente a cada duas semanas, fazendo assim economias para sustentarem-se no campo durante as duas semanas seguintes de trabalho missionário para o Reino.
138:8.7 (1545.8) A gente comum maravilhava-se com os ensinamentos e as ministrações de Jesus e dos seus apóstolos. Os rabinos há muito haviam ensinado aos judeus que o ignorante não poderia ser pio nem virtuoso. Contudo, os apóstolos de Jesus eram tanto devotos quanto retos; e eram ainda alegremente ignorantes de muitos dos ensinamentos dos rabinos e da sabedoria do mundo.
138:8.8 (1545.9) Jesus deixou evidente, para os seus apóstolos, a diferença entre o arrependimento por meio das chamadas obras boas, como ensinado pelos judeus, e a mudança que a fé causava na mente — o novo nascimento — , que ele exigia como preço para a admissão no Reino. Ele ensinou aos seus apóstolos que a fé é a única coisa necessária para se entrar no Reino do Pai. João havia ensinado a eles “o arrependimento — para escapar da ira que virá”. Jesus ensinava: “A fé como sendo a porta aberta para a entrada no amor presente, perfeito e eterno de Deus”. Jesus não falava como um profeta, como um que vem para declarar a palavra de Deus. Ele parecia falar de si próprio como alguém que tem autoridade. Jesus buscava que eles desviassem os seus pensamentos da necessidade de milagres, fazendo com que a mente deles se voltasse para a busca de uma experiência real e pessoal de satisfação e segurança, vinda do espírito de Deus que reside neles, no seu amor e na sua graça salvadora.
138:8.9 (1545.10) Os discípulos cedo aprenderam que o Mestre era possuído de um profundo respeito e de uma consideração compassiva para com todo ser humano que ele conhecia, e eles ficavam imensamente comovidos por essa consideração única e invariável que Jesus tinha, de modo tão consistente, para com todas as espécies de homens, mulheres e crianças. Ele parava no meio de um discurso profundo para ir até a estrada e dar alento a uma mulher que passava carregando a sua pesada carga de corpo e de alma. Ele interrompia uma conferência séria com os seus apóstolos para se confraternizar com uma criança intrometida. Nada nunca parecia tão importante para Jesus quanto o indivíduo humano que chegava à sua presença imediata. Ele era o Mestre e o instrutor, mas era mais — ele era também um amigo e um semelhante próximo, um camarada compreensivo.
138:8.10 (1546.1) Se bem que os ensinamentos públicos de Jesus consistissem principalmente em parábolas e discursos curtos, invariavelmente ele ensinava aos seus apóstolos por meio de perguntas e respostas. Ele se interromperia sempre para responder a perguntas sinceras, durante os seus discursos públicos mais recentes.
138:8.11 (1546.2) Os apóstolos chocaram-se, no início, mas claramente se acostumaram ao tratamento que Jesus dava às mulheres; sempre deixando bastante claro para todos que as mulheres deviam merecer direitos iguais aos dos homens, no Reino.
138:9.1 (1546.3) Esse período, um tanto monótono, de pescarias alternadas com o trabalho pessoal, provou ser uma experiência estafante para os doze apóstolos, mas eles resistiram ao teste. Apesar de todos os seus queixumes, dúvidas e insatisfações passageiras, eles permaneceram fiéis aos seus votos de devoção e lealdade ao Mestre. Foi a união pessoal com Jesus, durante esses meses de testes, que fez com que eles o amassem tanto e que eles todos (salvo Judas Iscariotes) permanecessem leais e fiéis a ele, mesmo nas horas tenebrosas do seu julgamento e crucificação. Homens verdadeiros não podiam simplesmente abandonar de fato um mestre venerado que havia vivido tão perto deles e que tinha sido tão devotado a eles quanto Jesus. Durante as horas negras da morte do Mestre, nos corações desses apóstolos, toda a razão e o juízo e toda a lógica foram postos de lado, em deferência apenas a uma emoção humana extraordinária — o sentimento supremo de amizade e lealdade. Esses cinco meses de trabalho com Jesus levaram esses apóstolos, cada um deles, a considerá-lo como o melhor amigo que tiveram em todo o mundo. E esse sentimento humano, não os seus magníficos ensinamentos nem os seus feitos maravilhosos, os manteve juntos até depois da ressurreição e da renovação da proclamação do evangelho do Reino.
138:9.2 (1546.4) Esses meses de trabalho tranqüilo não apenas representaram um grande teste para os apóstolos, um teste ao qual eles sobreviveram; mas o período sem atividade pública foi uma grande provação para a família de Jesus. Na época em que Jesus estava preparando-se para deslanchar o seu trabalho público, a sua família inteira (exceto Rute) havia praticamente se desertado dele. Apenas em algumas ocasiões posteriores intentaram fazer contato com Jesus, e ainda assim o fizeram para persuadi- lo a voltar para casa com eles, pois chegaram quase a acreditar que ele estava fora de si. Simplesmente não conseguiam penetrar a sua filosofia nem entender os seus ensinamentos; tudo aquilo era demais para os da sua própria carne e sangue.
138:9.3 (1546.5) Os apóstolos prosseguiram no seu trabalho pessoal em Cafarnaum, Betsaida-Júlias, Corazim, Gerasa, Hipos, Magdala, Caná, Belém da Galiléia, Jotapata, Ramá, Safé, Giscala, Gadara e Abila. Além dessas cidades, eles trabalharam em muitas aldeias, bem como pelo interior, no campo. Ao fim desse período os doze haviam elaborado planos bastante satisfatórios para cuidar das suas respectivas famílias. A maioria dos apóstolos era de casados, alguns possuíam vários filhos, mas eles tinham feito arranjos tais para o sustento daqueles que estavam nos seus lares que, com um pouco de assistência dos fundos apostólicos, eles podiam devotar todas as suas energias ao trabalho do Mestre, sem ter de preocupar-se com o bem-estar financeiro das suas famílias.
138:10.1 (1547.1) Inicialmente os apóstolos organizaram-se da seguinte maneira:
138:10.2 (1547.2) 1. André, o primeiro apóstolo a ser escolhido, havia sido designado como o dirigente e líder geral dos doze.
138:10.3 (1547.3) 2. Pedro, Tiago e João foram apontados como os acompanhantes pessoais de Jesus. Eles deviam assisti-lo dia e noite, ministrando quanto às suas necessidades gerais e físicas, tanto quanto o acompanhando naquelas vigílias noturnas de oração e comunhão misteriosa com o Pai nos céus.
138:10.4 (1547.4) 3. Filipe foi nomeado o intendente do grupo. Era do seu dever prover comida e cuidar para que os visitantes, e às vezes até mesmo uma multidão de ouvintes, tivessem sempre algo para comer.
138:10.5 (1547.5) 4. Natanael cuidava das necessidades das famílias dos doze. Recebia informações regulares quanto às necessidades da família de cada apóstolo e, fazendo requisições a Judas, o tesoureiro, enviaria fundos toda semana para aqueles que necessitavam.
138:10.6 (1547.6) 5. Mateus era o gestor dos recursos do corpo apostólico. O seu dever era cuidar para que o orçamento permanecesse equilibrado, e a tesouraria abastecida. Se não entrassem os fundos para a sustentação de todos eles, se não fossem recebidas doações suficientes para manter o grupo, Mateus tinha o poder de ordenar aos doze que retornassem para prover as necessidades, durante um certo tempo. Isso, entretanto, nunca se fez necessário depois que começaram o seu trabalho público; sempre havia fundos suficientes nas mãos do tesoureiro para financiar as suas atividades.
138:10.7 (1547.7) 6. Tomé era administrador do itinerário. A sua incumbência era a de arranjar alojamento e selecionar, de um modo geral, os locais das pregações e ensinamentos, assegurando com isso um programa de viagem tranqüilo e sem perdas de tempo.
138:10.8 (1547.8) 7. Tiago e Judas, os filhos gêmeos de Alfeus, estavam designados para administrar as multidões. A tarefa deles era designar um número suficiente de monitores assistentes, de modo que fosse possível manter a ordem mesmo entre as multidões durante a pregação.
138:10.9 (1547.9) 8. A Simão zelote era dado o encargo da recreação e das diversões. Ele preparava o programa das quartas-feiras e também procurava prover umas poucas horas de descanso e de diversão a cada dia.
138:10.10 (1547.10) 9. Judas Iscariotes foi apontado tesoureiro. Ele carregava a bolsa. Pagava as despesas e mantinha os livros. Fazia estimativas de orçamentos para Mateus, semanalmente, e também elaborava os relatórios semanais para André. Judas pagava as despesas de acordo com a autorização de André.
138:10.11 (1547.11) Desse modo os doze funcionaram desde o início da sua organização até a época em que a reorganização se fez necessária com a deserção de Judas, o traidor. O Mestre e os seus discípulos-apóstolos seguiram nesse modo simples até domingo, 12 de janeiro do ano 27 d.C., quando Jesus os reuniu e formalmente os ordenou como embaixadores do Reino e pregadores das suas boas-novas. E, logo depois, estavam todos prontos e partiram para Jerusalém e para a Judéia, na primeira viagem de pregação pública.
O Livro de Urântia
Documento 139
139:0.1 (1548.1) UM TESTEMUNHO eloqüente do encanto e da retidão da vida de Jesus na Terra é que apenas um dos seus apóstolos o tenha deserdado, embora repetidamente houvesse ele reduzido a pedaços e rasgado em trapos as esperanças e a ambição que os seus apóstolos alimentavam de exaltação pessoal.
139:0.2 (1548.2) Os apóstolos aprenderam de Jesus sobre o Reino do céu, e Jesus aprendeu muito com eles sobre o reino dos homens e a natureza humana, tal como esta existe em Urântia e nos outros mundos evolucionários do tempo e do espaço. Esses doze homens representavam muitos tipos diferentes de temperamentos humanos, e a instrução não os havia transformado ainda em semelhantes. Muitos desses pescadores galileus traziam uma forte ascendência de sangue gentio, em resultado da conversão forçada, há cem anos atrás, da população gentia da Galiléia.
139:0.3 (1548.3) Não cometais o erro de tomar os apóstolos como sendo de todo ignorantes e pouco instruídos. Todos eles, exceto os gêmeos Alfeus, haviam sido graduados pelas escolas das sinagogas, tendo sido educados profundamente sobre as escrituras dos hebreus e sobre muitos dos conhecimentos correntes daqueles dias. Sete deles eram graduados da escola da sinagoga de Cafarnaum, e não havia escolas judaicas melhores em toda a Galiléia.
139:0.4 (1548.4) Quando os vossos registros se referem a esses mensageiros do Reino como sendo “ignorantes e iletrados”, a intenção é mais a de transmitir a idéia de que eles eram leigos, ou seja, não instruídos segundo o saber dos rabinos, nem educados segundo os métodos da interpretação rabínica das escrituras. Eles tinham lacunas, no que se concebe como sendo uma educação superior. Nos tempos modernos, eles certamente seriam considerados sem instrução e, em alguns círculos da sociedade, até sem cultura. Uma coisa é certa: eles não haviam passado, todos, por um programa rígido convencional e estereotipado de instrução. Desde a adolescência, cada um deles possuíra experiências diferentes de aprendizado de vida.
139:1.1 (1548.5) André, líder do corpo apostólico do Reino, nasceu em Cafarnaum. Era o mais velho, em uma família de cinco filhos — ele próprio, o seu irmão Simão, e três irmãs. O seu pai, agora falecido, havia sido sócio de Zebedeu no negócio de secagem de peixes em Betsaida, o porto de pesca de Cafarnaum. Quando se tornou um apóstolo, André estava solteiro, mas vivia com o seu irmão casado, Simão Pedro. Ambos eram pescadores e sócios de Tiago e de João, os filhos de Zebedeu.
139:1.2 (1548.6) No ano 26 d.C., quando foi escolhido como apóstolo, André tinha 33 anos, um ano completo a mais do que Jesus, e era o mais velho dos apóstolos. Ele vinha de uma linhagem excelente de ancestrais e era o mais capaz dos doze homens. Excetuando a oratória, era um igual aos seus companheiros em quase todas as aptidões imagináveis. Jesus nunca deu a André um apelido, uma designação fraternal. Contudo, tão logo os apóstolos começaram a chamar a Jesus de Mestre, eles também designaram André com um termo equivalente a chefe.
139:1.3 (1549.1) André era um bom organizador e um administrador ainda melhor. Era um dos quatro apóstolos que formavam o círculo interno; mas, ao ser designado por Jesus como dirigente do grupo apostólico, André teria de se manter junto aos seus irmãos, ao passo que os outros três usufruíam de uma comunhão mais estreita com o Mestre. Até o fim, André permaneceu como o deão do corpo de apóstolos.
139:1.4 (1549.2) Mesmo nunca tendo sido um pregador eficiente, André fazia um trabalho pessoal eficaz, sendo o missionário pioneiro do Reino, visto que, como o primeiro apóstolo escolhido, imediatamente trouxe até Jesus o seu irmão, Simão, que depois se tornou um dos maiores pregadores do Reino. André era o principal apoio da política adotada por Jesus, de utilizar o programa de trabalho pessoal como um meio de treinar os doze como mensageiros do Reino.
139:1.5 (1549.3) Estivesse Jesus ensinando aos apóstolos em particular ou pregando à multidão, André, em geral, sabia o que estava acontecendo; era um executivo compreensivo e um administrador eficiente. Ele adotava uma decisão imediata sobre todas as questões trazidas ao seu conhecimento; a menos que considerasse o problema como estando além do domínio da sua autoridade e, quando isso acontecia, ele o levaria diretamente a Jesus.
139:1.6 (1549.4) André e Pedro tinham o caráter e o temperamento bem diferentes, mas lhes deve ser dado, para sempre, o crédito de se darem esplendidamente bem um com o outro. André nunca teve inveja da capacidade oratória de Pedro. E raro é ver um homem mais velho do tipo de André exercendo uma influência tão profunda sobre um irmão mais jovem e talentoso. André e Pedro pareciam nunca ter a menor inveja das habilidades, nem das realizações um do outro. Tarde da noite, no Dia de Pentecostes, quando duas mil almas foram acrescentadas ao Reino, graças principalmente à pregação energética e inspirada de Pedro, André disse ao seu irmão: “Eu não poderia ter feito isso, mas estou contente de ter um irmão que o fez”. Ao que Pedro respondeu: “E se não fosse tu, que me trouxeste ao Mestre e, não fosse a tua perseverança em me manter junto a ele, eu não estaria aqui para fazer isso”. André e Pedro eram exceções à regra, provando que mesmo os irmãos podem conviver em paz e trabalhar juntos de um modo eficiente.
139:1.7 (1549.5) Depois de Pentecostes, Pedro estava famoso; mas nunca se tornou algo irritante, para o irmão mais velho, passar o resto da sua vida sendo apresentado como o “irmão de Simão Pedro”.
139:1.8 (1549.6) De todos os apóstolos, André era o melhor conhecedor dos homens. Ele sabia que os conflitos estavam germinando no coração de Judas Iscariotes, mesmo quando nenhum dos outros sequer suspeitava de que algo estava errado com o tesoureiro deles; mas ele nada disse a ninguém sobre os seus temores. O grande serviço de André para o Reino foi o de aconselhar a Pedro, a Tiago e a João a respeito da escolha dos primeiros missionários que foram expedidos para proclamar o evangelho do Reino, e também o de aconselhar a esses primeiros líderes sobre a organização dos assuntos administrativos do Reino. André tinha o grande dom de descobrir os recursos ocultos e os talentos latentes dos mais jovens.
139:1.9 (1549.7) Logo depois da ascensão celeste de Jesus, André começou a escrever um registro pessoal de muitos dos feitos e dos ditos do seu Mestre que partira. Depois da morte de André foram feitas cópias desse registro particular, e elas circularam livremente entre os primeiros instrutores da igreja cristã. Essas notas informais de André, subseqüentemente, foram editadas, corrigidas, alteradas e tiveram acréscimos até que formassem uma narrativa suficientemente contínua da vida do Mestre na Terra. A última dessas poucas cópias alteradas e corrigidas foi destruída pelo fogo em Alexandria, cerca de cem anos depois que o original havia sido escrito pelo apóstolo, o primeiro a ser escolhido entre os doze.
139:1.10 (1550.1) André era um homem de um discernimento interno claro, de pensamento lógico e de decisão firme, cuja grande força de caráter consistia na sua estupenda estabilidade. A sua desvantagem de temperamento era a sua falta de entusiasmo; muitas vezes ele preferiu fazer elogios ponderados, aos seus companheiros, a encorajá- los. E essa reticência em louvar as realizações de mérito dos seus amigos nasceu da sua aversão pela adulação e pela insinceridade. André era um desses homens categóricos, de temperamento regulado, feito por si próprio, e de sucesso nos seus modestos negócios.
139:1.11 (1550.2) Todos os apóstolos amavam Jesus; mas ainda assim é verdade que cada um dos doze sentia-se atraído por algum aspecto, na personalidade do Mestre, que tivesse exercido um encanto especial sobre aquele apóstolo individualmente. André admirava Jesus por causa da consistência da sua sinceridade e da sua dignidade sem afetação. Quando os homens conheciam Jesus, logo ficavam possuídos por um impulso de compartilhá-lo com os amigos; eles realmente queriam que todo mundo viesse a conhecê-lo.
139:1.12 (1550.3) Quando as perseguições posteriores finalmente dispersaram os apóstolos de Jerusalém, André viajou pela Armênia, Ásia Menor e Macedônia, tendo sido preso, ao final, e crucificado em Patras, na Acáia, após trazer vários milhares de pessoas para o Reino. Dois dias inteiros foi o tempo que levou para que esse homem robusto expirasse na cruz e, mesmo durante essas horas trágicas, continuou ele efetivamente a proclamar as boas-novas da salvação do Reino do céu.
139:2.1 (1550.4) Quando Simão juntou-se aos apóstolos, ele tinha trinta anos. Era casado, possuía três filhos, e vivia em Betsaida, perto de Cafarnaum. O seu irmão, André, e a mãe da sua mulher viviam com ele. Ambos, Pedro e André, eram sócios de pescaria dos filhos de Zebedeu.
139:2.2 (1550.5) O Mestre havia conhecido Simão há algum tempo, quando André o apresentou como o segundo dos apóstolos. Naquele momento Jesus deu a Simão o nome de Pedro, e o fez com um sorriso, para ser uma espécie de apelido. Simão era muito conhecido por todos os seus amigos como sendo um companheiro impulsivo e errático. É bem verdade que, mais tarde, Jesus deu importância nova e de maior significado ao apelido, conferido de uma maneira tão imediata.
139:2.3 (1550.6) Simão Pedro era um homem impulsivo, um otimista. Ele havia crescido dando a si próprio a indulgência de ter sentimentos fortes; estava constantemente em dificuldades, porque persistia em falar sem pensar. Essa espécie de descuido também trazia complicações, umas após outras, para todos os seus amigos e condiscípulos, tendo sido o motivo para o Mestre, muitas vezes, haver chamado suavemente a sua atenção. A única razão pela qual Pedro não entrava em maiores complicações, por falar sem pensar, era que, desde muito cedo, ele aprendera a conversar sobre muitos dos seus planos e esquemas com o seu irmão, André, antes de aventurar-se a fazer propostas em público.
139:2.4 (1550.7) Pedro era um orador fluente, eloqüente e dramático. Era também um líder de homens, por natureza e por inspiração, um pensador rápido, mas sem um raciocínio mais profundo. Fazia, mais do que todos os apóstolos juntos, muitas perguntas e, embora a maioria delas fosse de boa qualidade e pertinente, muitas eram impensadas e tolas. Pedro não tinha uma mente profunda, mas conhecia muito bem a própria mente. Era, por conseguinte, um homem de decisão súbita e de ação rápida. Enquanto os outros, atônitos, faziam comentários de espanto ao verem Jesus na praia, Pedro pulava na água e nadava até a praia para encontrar o Mestre.
139:2.5 (1551.1) O traço que Pedro mais admirava em Jesus era a sua ternura elevada. Pedro nunca se cansava de contemplar a paciência de Jesus. E nunca se esqueceu da lição sobre perdoar a quem erra, não apenas sete, mas setenta vezes e mais sete. Ele pensou muito sobre essas impressões, sobre o caráter do Mestre, de sempre perdoar, durante aqueles dias escuros e tristes que se seguiram imediatamente depois que ele, irrefletida e involuntariamente, negou a Jesus no pátio do sumo sacerdote.
139:2.6 (1551.2) Simão Pedro era aflitivamente vacilante; ele ia subitamente de um extremo a outro. Primeiro ele recusou-se a deixar Jesus lavar os seus pés e então, ao ouvir a resposta do Mestre, ele implorou para que ele o lavasse por inteiro. Mas, afinal, Jesus sabia que as falhas de Pedro vinham da sua cabeça e não do coração. Ele era uma das combinações mais inexplicáveis de coragem e de covardia, como jamais houve na Terra. A sua grande força de caráter era a lealdade, a amizade. Pedro amava Jesus, real e verdadeiramente. E, ainda a despeito de ter uma força altaneira de devoção, ele era instável e inconstante a ponto de permitir que uma garota serviçal o provocasse e o levasse a negar o seu Senhor e Mestre. Pedro podia resistir à perseguição e a qualquer outra forma de ataque direto, mas ele se desamparava e afundava diante do ridículo. Era um soldado valente, quando enfrentava um ataque frontal, mas era um covarde curvado de medo, quando surpreendido por trás.
139:2.7 (1551.3) Pedro foi o primeiro dos apóstolos de Jesus a adiantar-se para defender o trabalho de Filipe com os samaritanos e o de Paulo com os gentios. Entretanto, na Antioquia, mais tarde, ele inverteu a sua posição quando afrontado pelos judaizadores que o ridicularizavam, retirando-se temporariamente de entre os gentios, sem outro resultado a não ser trazer sobre a sua cabeça a denúncia destemida de Paulo.
139:2.8 (1551.4) Ele foi o primeiro entre os apóstolos a confessar, de todo o coração, reconhecer a combinação da humanidade e da divindade em Jesus, e o primeiro — depois de Judas — a negá-lo. Pedro não era tanto um sonhador, mas ele não gostava de descer das nuvens do êxtase e do entusiasmo dos seus deleites teatrais, para o mundo da realidade simples do dia-a-dia.
139:2.9 (1551.5) Ao seguir Jesus ele ficava, literal e figurativamente, à frente da procissão ou então rastejando na última fileira — “seguindo de longe e por trás”. Entretanto, ele era o pregador mais notável dos doze; ele fez mais do que qualquer homem, a não ser Paulo, para estabelecer o Reino e enviar os seus mensageiros aos quatro cantos da Terra, em uma só geração.
139:2.10 (1551.6) Após negar intempestivamente ao Mestre, ele caiu em si e, com o apoio compassivo e sensível de André, ele tomou de volta o caminho das redes de pescaria, enquanto os apóstolos permaneciam estáticos à espera de saber o que viria depois da crucificação. Quando ficou totalmente seguro de que Jesus o havia perdoado e de que tinha sido recebido de volta ao aprisco do Mestre, o fogo do Reino queimou de um modo tão brilhante dentro da sua alma, que ele se tornou uma luz grande e salvadora para milhares de almas na escuridão.
139:2.11 (1551.7) Depois de deixar Jerusalém, e antes de Paulo tornar-se um espírito de liderança para as igrejas cristãs dos gentios, Pedro viajou extensivamente, visitando todas as igrejas da Babilônia até Corinto. Ele visitou muitas igrejas e ministrou até mesmo naquelas que haviam sido erigidas por Paulo. Embora Pedro e Paulo tivessem temperamento e educação muito diferentes, até mesmo em teologia, eles trabalharam juntos e harmoniosamente, nos seus últimos anos, para a edificação das igrejas.
139:2.12 (1552.1) Um pouco do estilo e dos ensinamentos de Pedro é mostrado nos sermões parcialmente transcritos por Lucas e no evangelho de Marcos. O seu estilo vigoroso foi mais bem representado na sua carta conhecida como a Primeira Epístola de Pedro; ao menos isso é verdadeiro antes de haver sido ela alterada, posteriormente, por um discípulo de Paulo.
139:2.13 (1552.2) Todavia, Pedro persistiu no erro de tentar convencer os judeus de que Jesus era, afinal, real e verdadeiramente o Messias deles. Até o dia da sua morte, Simão Pedro continuou a padecer mentalmente da confusão entre os conceitos de Jesus, enquanto Messias judeu, de Cristo como o redentor do mundo e do Filho do Homem, enquanto uma revelação de Deus, o Pai cheio de amor por toda a humanidade.
139:2.14 (1552.3) A esposa de Pedro era uma mulher muito capacitada. Durante anos ela trabalhou satisfatoriamente como membro do corpo feminino e, quando Pedro foi expulso de Jerusalém, ela o acompanhou em todas as suas jornadas às igrejas, bem como em todas as suas excursões missionárias. E, no dia em que o seu ilustre marido teve a vida ceifada, ela foi atirada às bestas selvagens na arena de Roma.
139:2.15 (1552.4) E assim este homem, Pedro, um íntimo de Jesus, um dos que fizeram parte do círculo interno do Mestre, partiu de Jerusalém, proclamando com poder e glória as boas-novas do Reino, até que a plenitude da sua ministração tivesse sido alcançada; e ele se considerou como um digno recebedor de altas honrarias quando os seus captores informaram-lhe que ele deveria morrer como o seu Mestre tinha morrido — na cruz. Dessa forma Simão Pedro foi crucificado em Roma.
139:3.1 (1552.5) Tiago, o mais velho dos dois apóstolos filhos de Zebedeu, aos quais Jesus deu o nome de “filhos do trovão”, estava com trinta anos quando se tornou apóstolo. Era casado, tinha quatro filhos e vivia próximo dos seus pais, nos arredores de Cafarnaum, em Betsaida. Era um pescador e exercia a sua profissão em companhia de João, o seu irmão mais jovem, e associado a André e Simão. Tiago e o seu irmão João desfrutavam da vantagem de haver conhecido Jesus antes de qualquer dos outros apóstolos.
139:3.2 (1552.6) Esse competente apóstolo possuía um temperamento contraditório; ele parecia realmente possuir duas naturezas, ambas de fato movidas por sentimentos fortes. Em especial, tornava-se veemente, quando a sua indignação chegava inteiramente ao auge. Tinha uma disposição feroz, quando adequadamente provocado e, quando a tempestade chegava ao fim, ele estava sempre habituado a justificar-se e a desculpar-se da sua raiva sob o pretexto de que era uma manifestação de justa indignação. Excetuando-se por essas perturbações periódicas de ira, a personalidade de Tiago era muito semelhante à de André. Ele não tinha a circunspecção de André, nem o discernimento dele, sobre a natureza humana, mas era um orador público muito melhor. Depois de Pedro, e talvez de Mateus, Tiago era o melhor orador público entre os doze.
139:3.3 (1552.7) Se bem que não fosse melancólico, Tiago podia estar quieto e taciturno em um dia e muito falante e contador de histórias no outro. Em geral, ele falava livremente com Jesus, mas, entre os doze, durante muitos dias seguidos, ele permanecia silencioso. A sua grande fraqueza estava nesses intervalos de um silêncio inexplicável.
139:3.4 (1552.8) O traço notável da personalidade de Tiago era a sua capacidade de ver todos os lados de uma questão. De todos os doze, era ele quem chegava o mais próximo de captar a importância e o significado real do ensinamento de Jesus. Também ele havia sido lento a princípio, para compreender o que o Mestre queria dizer, mas, logo que eles terminaram os aperfeiçoamentos, Tiago estava de posse de um conceito superior da mensagem de Jesus. Era capaz de entender uma gama bastante ampla de naturezas humanas; ele se dava bem com o versátil André, com o impetuoso Pedro e com o seu contido irmão João.
139:3.5 (1553.1) Embora Tiago e João tivessem os seus problemas tentando trabalhar juntos, era inspirador observar como os dois se davam bem. Não tinham tanto êxito quanto André e Pedro, mas se saíam muito melhor do que era de se esperar, em geral, de dois irmãos, especialmente de dois irmãos tão teimosos e determinados. E, por estranho que possa parecer, esses dois filhos de Zebedeu eram muito mais tolerantes, um com o outro, do que com estranhos. Eles nutriam uma grande afeição entre si; e sempre haviam sido bons companheiros na recreação. Foram esses “filhos do trovão” os que quiseram pedir que o fogo do céu descesse no intuito de destruir os samaritanos que ousaram demonstrar falta de respeito pelo seu Mestre. Contudo, a morte prematura de Tiago modificou muito o temperamento veemente de João, o seu irmão mais novo.
139:3.6 (1553.2) A característica de Jesus mais admirada por Tiago era a afeição compassiva do Mestre. O interesse compreensivo, manifestado por Jesus, para com o pequeno e o grande, o rico e o pobre, exercia uma grande atração sobre ele.
139:3.7 (1553.3) Tiago Zebedeu era um pensador e um planejador bem equilibrado. Junto com André, ele era um dos mais ponderados do grupo dos apóstolos. Era um indivíduo vigoroso, mas nunca tinha pressa para nada. Tiago foi um excelente contrapeso para Pedro.
139:3.8 (1553.4) Sendo modesto e pouco dramático, era um servidor do cotidiano, um trabalhador despretensioso; quando compreendeu algo do real significado do Reino, ele não buscou nenhuma recompensa especial. E deve mesmo ficar claro que foi a mãe de Tiago e João, por si própria, quem fez o pedido para serem concedidos, aos seus filhos, os lugares à mão direita e à mão esquerda de Jesus. E, quando eles declararam que estavam prontos para assumir tais responsabilidades, deve ser reconhecido que estavam conscientes dos perigos inerentes à suposta revolta do Mestre contra o poder romano e, também, que estavam dispostos a pagar o preço disso. Quando Jesus perguntou se eles estavam prontos para beber do cálice, eles responderam afirmativamente. E, quanto a Tiago, isso acabou sendo a verdade ao pé da letra — ele bebeu do cálice com o Mestre, visto ter sido ele o primeiro dos apóstolos a sofrer o martírio, sendo muito cedo colocado à morte pela espada de Herodes Agripa. Tiago, assim, foi o primeiro dos doze a sacrificar a própria vida, na nova frente de batalha do Reino. Herodes Agripa temia a Tiago acima de todos os outros apóstolos. De fato muitas vezes ele permanecia quieto e silencioso, mas, quando as suas convicções eram estimuladas e desafiadas, ele tornava-se corajoso e determinado.
139:3.9 (1553.5) Tiago viveu a vida na sua plenitude e, quando o fim chegou, comportou-se com tanta dignidade e fortaleza que até mesmo o seu acusador e denunciador, que testemunhou o seu julgamento e execução, ficou tão tocado que se afastou às pressas da cena da morte de Tiago para juntar-se aos discípulos de Jesus.
139:4.1 (1553.6) Quando se tornou apóstolo, João estava com vinte e quatro anos e era o mais jovem dos doze. Sendo solteiro, vivia com os seus pais em Betsaida; era pescador e trabalhava com o seu irmão Tiago, em sociedade com André e Pedro. Tanto antes, quanto depois de tornar-se apóstolo, João funcionou como o agente pessoal de Jesus para cuidar da família do Mestre, e continuou com essa responsabilidade enquanto Maria, a mãe de Jesus, viveu.
139:4.2 (1553.7) Sendo o mais jovem dos doze e mantendo um contato tão íntimo com Jesus e com os assuntos da família dele, João era muito querido pelo Mestre, mas não pode ser verdadeiramente dito que fosse “o discípulo a quem Jesus amava”. Dificilmente vós suspeitaríeis de que a uma personalidade tão magnânima como a de Jesus pudesse ser atribuído o desacerto de demonstrar favoritismo, de amar a um dos seus apóstolos mais do que aos outros. O fato de que João fosse um dos três auxiliares pessoais de Jesus emprestou mais ênfase a tal idéia errônea, para não mencionar que João, junto com o seu irmão Tiago, conhecia Jesus há mais tempo do que os outros.
139:4.3 (1554.1) Pedro, Tiago, e João foram apontados como auxiliares pessoais de Jesus, logo depois de se tornarem apóstolos. Pouco depois da seleção dos doze, e na época em que indicou André para atuar como dirigente do grupo, Jesus disse a André: “E agora eu desejo que tu designes dois ou três dos seus companheiros para estarem comigo e para permanecer ao meu lado, para me confortar e para ministrar às minhas necessidades diárias”. E André achou melhor selecionar, para esse dever especial, os outros três primeiros apóstolos escolhidos depois dele. Ele gostaria de se fazer voluntário, ele próprio, para esse serviço abençoado, mas o Mestre já lhe tinha dado a sua missão; e assim, imediatamente, ele apontou Pedro, Tiago e João para permanecerem mais próximos de Jesus.
139:4.4 (1554.2) João Zebedeu possuía muitos traços encantadores no seu caráter, mas um daqueles não tão adoráveis, era a sua presunção imoderada e, em geral, bem dissimulada. O seu longo convívio com Jesus trouxe muitas grandes mudanças para o seu caráter. Essa vaidade ficou bastante diminuída, mas, depois de envelhecer e de tornar-se algo como que infantil, aquela auto-estima reapareceu com uma certa intensidade, de modo que, quando se empenhou em conduzir Natam na redação do evangelho que agora leva o seu nome, o apóstolo idoso não hesitou em referir-se repetidamente a si próprio como o “discípulo a quem Jesus amava”. Em vista do fato de que João chegou a ser o mais próximo de Jesus, mais do que qualquer outro mortal da Terra, e de que ele havia sido o representante pessoal escolhido para tantas questões, não é de se estranhar que ele deva ter chegado a considerar a si próprio como o “discípulo a quem Jesus amava”, pois, muito certamente, ele sabia que era o discípulo em quem, com tanta freqüência, Jesus confiava.
139:4.5 (1554.3) O traço mais forte do caráter dele era a sua confiabilidade; João estava sempre disposto e era corajoso, fiel e devotado. A sua maior fraqueza era a vaidade característica. Ele era o mais jovem membro da família do seu pai e o mais jovem do grupo dos apóstolos. Talvez ele tenha sido apenas um pouco mimado; talvez a ele tivesse sido condescendido um pouco demais. Todavia, o João de alguns anos depois era um tipo de pessoa muito diferente daquele jovem arbitrário, que se auto-admirava e que se juntou às fileiras dos apóstolos de Jesus com apenas vinte e quatro anos.
139:4.6 (1554.4) As características que João mais apreciava em Jesus eram o amor e a falta de egoísmo do Mestre; esses traços causavam tamanho impacto sobre João, que, posteriormente, toda a sua vida se tornou dominada pelo sentimento de amor e de devoção fraterna. Ele falou e escreveu sobre o amor. Esse “filho do trovão” tornou-se o “apóstolo do amor”; e, em Éfeso, quando bispo e já idoso, não sendo mais capaz de permanecer de pé no púlpito e de pregar, tendo de ser carregado até a igreja numa cadeira e, ao final do serviço, diante do pedido de que dissesse algumas palavras aos crentes, durante anos, a única expressão de João era “Meus filhinhos, amai-vos uns aos outros”.
139:4.7 (1554.5) João era um homem de poucas palavras, exceto quando estava com os seus ânimos exaltados. Ele pensava muito, mas falava pouco. Ao envelhecer, o seu temperamento ficou mais controlado, e João dominava-se melhor; mas nunca venceu a sua pouca inclinação para falar; e nunca, de fato, conseguiu superar tal reticência. Mas ele era dotado de uma imaginação notavelmente criativa.
139:4.8 (1555.1) Havia um outro lado em João que não era de se esperar fosse encontrável no seu tipo quieto e introspectivo. De algum modo, ele era um tanto sectário e extremamente intolerante. Sob esse ponto de vista, ele e Tiago eram muito semelhantes — ambos quiseram trazer o fogo dos céus sobre as cabeças dos samaritanos desrespeitosos. Quando João deparou-se com alguns estranhos ensinando em nome de Jesus, ele os proibiu imediatamente de continuar. Contudo, não era ele o único, entre os doze, que estava maculado por essa espécie de consciência exagerada de auto-estima e de superioridade.
139:4.9 (1555.2) A vida de João foi tremendamente influenciada quando ele compenetrou-se de que Jesus ia enfrentar o seu caminho sem um lar e, igualmente, sabia quão fielmente ele tinha provido para que a sua mãe e a sua família tivessem de tudo. João também era profundamente movido pela compaixão por Jesus, pelo fato de a família dele não o compreender, pois João sabia que eles estavam gradativamente distanciando-se de Jesus. Toda essa situação, mais o fato de Jesus submeter sempre o seu menor desejo à vontade do Pai dos céus e, ainda, o fato de Jesus manter o cotidiano da sua vida dentro dessa confiança implícita na vontade do Pai; tudo isso causava uma impressão tão profunda em João, de tal forma a gerar mudanças permanentes e marcantes no seu caráter; mudanças estas que se manifestariam durante toda a sua vida posterior.
139:4.10 (1555.3) João tinha uma coragem fria e ousada, coisa que poucos dos outros apóstolos possuíam. Ele foi o apóstolo que seguiu junto com Jesus, na noite em que o aprisionaram, e que ousou acompanhar o seu Mestre até às próprias mandíbulas da morte. João esteve presente, e ao alcance da mão, até a última hora terrena de Jesus e desempenhou fielmente a sua missão em relação à mãe de Jesus e manteve-se pronto para receber outras instruções mais, que pudessem ser dadas naqueles últimos momentos da existência mortal do Mestre. Uma coisa é certa: João era profundamente confiável. Em geral, João assentava-se à direita de Jesus, quando os doze estavam tomando refeições. Ele foi o primeiro dos doze a acreditar, real e plenamente, na ressurreição, e foi o primeiro a reconhecer o Mestre quando ele veio, até junto deles, na praia, depois da sua ressurreição.
139:4.11 (1555.4) Esse filho de Zebedeu esteve muito de perto ligado a Pedro nas atividades iniciais do movimento cristão, tornando-se um dos principais sustentáculos da igreja de Jerusalém. Foi o principal apoio de Pedro, no Dia de Pentecostes.
139:4.12 (1555.5) Vários anos depois do martírio de Tiago, João casou-se com a viúva do seu irmão. Uma das suas netas, que muito o amava, tomou conta dele nos últimos vinte anos da sua vida.
139:4.13 (1555.6) João esteve na prisão por várias vezes e foi banido para a ilha de Patmos, por um período de quatro anos, até que um outro imperador chegasse ao poder em Roma. Se não tivesse sido sagaz e de muito tato, sem dúvida, João teria sido morto como o seu irmão Tiago, que se exprimia mais abertamente. Com o passar dos anos, João, junto com Tiago, irmão do Senhor, aprendeu a praticar uma sábia conciliação, quando eles se viam diante de magistrados civis. Eles concluíram que uma “resposta suave aplaca a ira”. E aprenderam também a representar a igreja como “uma fraternidade espiritual devotada ao serviço social da humanidade” mais do que como o “Reino do céu”. Eles ensinaram o serviço do amor mais do que o do poder que governa — de reinado e rei.
139:4.14 (1555.7) Quando, no exílio temporário em Patmos, João escreveu o Livro da Revelação, que vós tendes agora em uma forma abreviada e distorcida. Esse Livro da Revelação contém os fragmentos que sobreviveram de uma grande revelação, da qual grandes partes se perderam e outras partes foram retiradas, depois que João o escrevera. Apenas uma parte fragmentada e adulterada ficou preservada.
139:4.15 (1555.8) João viajou muito, trabalhou incessantemente e, depois de tornar-se bispo das igrejas da Ásia, estabeleceu-se em Éfeso. Ele orientou o seu colaborador, Natam, na redação do chamado “evangelho segundo João”, em Éfeso, quando tinha noventa e nove anos de idade. De todos os doze apóstolos, João Zebedeu finalmente tornou-se o mais destacado teólogo. Ele morreu de morte natural, em Éfeso, no ano 103 d.C., quando tinha cento e um anos.
139:5.1 (1556.1) Filipe foi o quinto apóstolo escolhido, tendo sido chamado quando Jesus e os seus quatro primeiros apóstolos estavam no caminho de volta, vindos do local em que João batizava no Jordão, até Caná da Galiléia. Já que vivia em Betsaida, Filipe conhecia Jesus há algum tempo, mas não lhe tinha ocorrido que Jesus fosse realmente um grande homem, até aquele dia no vale do Jordão em que ele disse: “Segue-me”. Filipe foi também, de um certo modo, influenciado pelo fato de André, Pedro, Tiago e João haverem aceitado Jesus como o Libertador.
139:5.2 (1556.2) Filipe estava com vinte e sete anos quando se juntou aos apóstolos; ele havia se casado recentemente, mas não tivera filhos até então. O apelido que os apóstolos deram a ele significava “curiosidade”. Filipe estava sempre querendo que tudo se lhe fosse mostrado. Ele nunca parecia ver longe, diante de qualquer questão. Ele não era necessariamente obtuso, mas faltava-lhe imaginação. Essa falta de imaginação era a grande fraqueza do seu caráter. Ele era um indivíduo comum e terra a terra.
139:5.3 (1556.3) Quando os apóstolos estavam organizados para o serviço, Filipe foi feito intendente; o seu dever era zelar para que nunca lhes faltassem suprimentos. E ele cuidou bem do almoxarifado. A sua característica mais forte era a minuciosidade metódica; era tanto matemático quanto sistemático.
139:5.4 (1556.4) Filipe vinha de uma família de sete filhos, três meninos e quatro meninas. Ele era o segundo; depois da ressurreição ele batizou a sua família inteira no Reino. Toda a família de Filipe era de pescadores. O seu pai era um homem muito capaz, um pensador profundo, mas a sua mãe era de uma família bastante medíocre. Filipe não era um homem de quem se podia esperar que fizesse grandes coisas, mas ele era um homem que podia fazer coisas pequenas de um modo grande, fazia-as bem e aceitavelmente. Apenas umas poucas vezes, em quatro anos, ele deixou de ter comida à mão para satisfazer as necessidades de todos. Mesmo as muitas demandas de emergência que resultavam da vida que viviam, raramente o pegaram desprevenido. O serviço de intendência da família dos apóstolos foi administrado inteligente e eficientemente.
139:5.5 (1556.5) O ponto forte de Filipe era a confiabilidade metódica; o seu ponto fraco era a total falta de imaginação, a ausência de capacidade de colocar dois ao lado de dois para obter quatro. Ele era matemático, abstratamente, mas não possuía imaginação construtiva. Era quase que inteiramente carente de alguns tipos de imaginação. Ele era o homem comum típico, de todos os dias. Havia muitos desses homens e mulheres em meio às multidões que vinham ouvir Jesus ensinar e pregar, e para eles era um grande conforto observar alguém, como eles próprios, elevado a uma posição de honra, nos conselhos do Mestre; eles ficavam encorajados com o fato de que alguém, como eles próprios, tinha já encontrado um lugar de importância nos assuntos do Reino. E Jesus aprendeu muito sobre o modo como algumas mentes humanas funcionam, quando ele escutava tão pacientemente às perguntas tolas de Filipe e quando aquiescia aos inúmeros pedidos do seu intendente para que se “lhe fosse mostrado o como”.
139:5.6 (1556.6) A qualidade de Jesus que Filipe tão continuadamente admirava era a generosidade infalível do Mestre. Filipe nunca encontrava nada em Jesus que fosse pequeno, avaro, miserável, e ele adorava essa liberalidade sempre presente e infalível.
139:5.7 (1557.1) Pouco havia da personalidade de Filipe que fosse digno de destaque. A ele sempre se referiam como o “Filipe da Betsaida, a cidade em que vivem André e Pedro”. Ele quase não tinha nenhuma visão de discernimento; era incapaz de captar as possibilidades dramáticas de uma determinada situação. Não era pessimista; era simplesmente prosaico. Faltava-lhe também muito do discernimento espiritual interno. Ele não hesitaria em interromper Jesus, no meio de um dos ensinamentos mais profundos do Mestre, para fazer alguma pergunta aparentemente tola. Jesus, entretanto, nunca lhe fazia nenhuma reprimenda por tais descuidos; era paciente com ele e levava em consideração a sua incapacidade de compreender os significados mais profundos dos ensinamentos. Jesus bem sabia que, caso reprovasse Filipe, ao fazer tais perguntas aborrecidas, não apenas iria ferir à alma honesta dele, mas uma tal reprimenda iria magoá-lo de um tal modo que ele não mais se sentiria livre para fazer perguntas. Jesus sabia que, nos seus mundos do espaço, havia bilhões incontáveis de mortais semelhantes, de pensamento lerdo, e queria encorajar esses mortais a olhá-lo, permanecendo sempre livres para trazer- lhe as suas perguntas e problemas. Afinal, Jesus estava muito mais interessado nas perguntas tolas de Filipe do que no sermão que ele pudesse estar fazendo. Jesus estava supremamente interessado nos homens, em todas as espécies de homens.
139:5.8 (1557.2) O intendente apostólico não era um bom orador público, mas era um trabalhador pessoal bastante persuasivo e de muito êxito. Ele não ficava desencorajado facilmente; era um labutador muito tenaz em qualquer coisa da qual se incumbisse. Tinha aquele dom grande e raro de dizer: “Vem”. Quando Natanael, o seu primeiro convertido, quis discutir sobre os méritos e deméritos de Jesus de Nazaré, a resposta efetiva de Filipe foi: “Vem e vê”. Ele não era um pregador dogmático que exortava os seus ouvintes a “irem” — façam isso e façam aquilo. Ele encarava todas as situações como elas surgiam, no seu trabalho, com um: “Vem” — “vem comigo; eu te mostrarei o caminho”. E essa é sempre a técnica eficaz, em todas as formas e fases de ensinamento. Até mesmo os pais podem aprender de Filipe o melhor modo de dizer aos seus filhos para não “irem fazer isso, nem irem fazer aquilo”, mas antes: “Vinde conosco para que vos mostremos; e para que compartilhemos convosco do melhor caminho”.
139:5.9 (1557.3) A sua incapacidade de adaptar-se a uma situação nova ficou bem ilustrada quando os gregos vieram até ele em Jerusalém, dizendo: “Senhor, nós desejamos ver Jesus”. Ora, Filipe teria dito: “vem”, a qualquer judeu que fizesse tal pedido. Aqueles homens, no entanto, eram estrangeiros e Filipe não conseguiu se lembrar de nenhuma instrução dos seus superiores a respeito de uma tal situação; e, pois, a única coisa que ele conseguiu pensar em fazer foi consultar o dirigente, André, e então os dois acompanharam os gregos interessados até Jesus. Do mesmo modo, quando Filipe foi a Samaria, pregando e batizando os crentes, como lhe tinha sido ensinado pelo seu Mestre, ele absteve-se de impor as mãos aos seus convertidos, em sinal de terem recebido o Espírito da Verdade. Isso foi feito por Pedro e João, que vieram logo de Jerusalém para observar o seu trabalho em nome da mãe Igreja.
139:5.10 (1557.4) Filipe continuou o seu trabalho durante as horas de provações, da morte do Mestre, participou da reorganização dos doze, e foi o primeiro a ir em frente no intuito de conquistar almas para o Reino, fora das fileiras imediatas dos judeus, tendo tido muito êxito no seu trabalho com os samaritanos e em todos os seus trabalhos posteriores em nome do evangelho.
139:5.11 (1557.5) A esposa de Filipe, que era um membro eficiente do corpo feminino, tornou- se ativamente ligada ao marido no seu trabalho de evangelização, depois da sua partida para fugir das perseguições de Jerusalém. Sua esposa era uma mulher destemida. Ela ficou ao pé da cruz de Filipe, encorajando-o a proclamar as boas-novas, até mesmo para os seus assassinos e, quando lhe faltaram forças, ela começou a contar a história da salvação pela fé em Jesus e foi silenciada apenas quando os judeus irados correram até ela apedrejando-a até a morte. Sua filha mais velha, Lea, continuou o trabalho deles e tornou-se, mais tarde, uma renomada profetisa de Hierápolis.
139:5.12 (1558.1) Filipe, o antigo intendente dos doze, foi um homem de poder no Reino, conquistando almas onde quer que fosse; e foi finalmente crucificado, pela sua fé, e enterrado em Hierápolis.
139:6.1 (1558.2) Natanael, o sexto e último dos apóstolos, foi escolhido pelo próprio Mestre, e trazido a Jesus pelo seu amigo Filipe. Ele havia sido associado de Filipe, em vários empreendimentos de negócios, e estava indo ver João Batista com Filipe, quando se encontraram com Jesus.
139:6.2 (1558.3) Quando Natanael juntou-se aos apóstolos, ele tinha vinte e cinco anos e era o segundo mais jovem do grupo. Era o mais jovem de uma família de sete irmãos, e, sendo solteiro, era o único esteio de pais idosos e enfermos, vivendo com eles em Caná; os seus irmãos e a irmã eram pessoas casadas ou falecidas, e nenhum deles vivia lá. Natanael e Judas Iscariotes eram os dois homens mais bem instruídos entre os doze. Natanael havia chegado a pensar em estabelecer-se como mercador.
139:6.3 (1558.4) Jesus não deu, ele próprio, nenhum apelido a Natanael, mas os doze logo começaram a referir-se a ele em termos que significavam honestidade e sinceridade. Ele era “sem artifícios”. E essa era a sua grande virtude; ele era tanto honesto, quanto sincero. A fraqueza do seu caráter era o seu orgulho; ele era muito orgulhoso, da família, da cidade, da própria reputação e da nação; e tudo isso seria louvável, não fosse levado tão adiante. Natanael, contudo, era inclinado a ir aos extremos nos seus preconceitos pessoais. Estava disposto a prejulgar os indivíduos em função das opiniões pessoais deles. E não demorou a fazer a pergunta, mesmo pouco antes de conhecer Jesus: “Pode alguma coisa boa vir de Nazaré?” Entretanto, Natanael não era obstinado, mesmo no seu orgulho. Ele era rápido em reverter os próprios pensamentos, uma vez que olhasse no rosto de Jesus.
139:6.4 (1558.5) Sob muitos pontos de vista, Natanael era o gênio ímpar dos doze. Ele era o filósofo apostólico e o sonhador, mas era o tipo do sonhador prático. Alternava estações de profunda filosofia com períodos de um raro humor bufão; quando estava com o humor certo, Natanael era provavelmente o melhor contador de histórias entre os doze. Jesus gostava muito de ouvir Natanael discorrendo sobre as coisas, tanto as sérias quanto as frívolas. Natanael, aos poucos, foi levando Jesus e o Reino mais a sério, mas nunca encarou a si próprio com seriedade excessiva.
139:6.5 (1558.6) Os apóstolos todos amavam e respeitavam Natanael, e este se dava esplendidamente com todos, exceto com Judas Iscariotes. Judas não achava que Natanael levasse o seu apostolado suficientemente a sério, e certa vez cometeu a temeridade de ir secretamente a Jesus para lançar uma queixa contra ele. Jesus disse: “Judas, toma cuidado com o que fazes; não superestimes o teu encargo. Quem entre nós é competente para julgar o nosso irmão? A vontade do Pai não é que os seus filhos devam compartilhar apenas as coisas sérias da vida. Deixa-me repetir: Eu vim para que os meus irmãos na carne possam ter júbilo, alegria e uma vida de maior abundância. Vai então, Judas, e faze bem aquilo que te tenha sido confiado e deixa Natanael, o teu irmão, dar conta de si próprio a Deus”. E a memória dessa fala de Jesus, junto com a de muitas experiências semelhantes, viveu por muito tempo no coração iludido e decepcionado de Judas Iscariotes.
139:6.6 (1559.1) Muitas vezes, quando Jesus encontrava-se nas montanhas com Pedro, Tiago e João, e as coisas estavam ficando tensas e confusas entre os apóstolos, quando até mesmo André estava em dúvida sobre o que dizer aos seus irmãos inconsoláveis, Natanael aliviaria a tensão com um pouco de filosofia ou com um lance de humor; e um humor certamente de boa qualidade.
139:6.7 (1559.2) O dever de Natanael era o de cuidar das famílias dos doze. Ele estava freqüentemente ausente do conselho apostólico, pois, quando sabia que alguma doença ou outra coisa fora do ordinário havia acontecido a alguém sob o seu encargo, ele não perdia tempo e corria logo até a casa da vítima. Os doze ficavam sossegados ao saber que o bem-estar das suas famílias estava assegurado nas mãos de Natanael.
139:6.8 (1559.3) O que Natanael mais reverenciava em Jesus era a sua tolerância. Ele nunca se cansou de contemplar a abertura da mente de Jesus e a generosa compaixão do Filho do Homem.
139:6.9 (1559.4) O pai de Natanael (Bartolomeu) morreu pouco depois de Pentecostes; e, depois disso, esse apóstolo foi para a Mesopotâmia e para a Índia proclamar as boas-novas do Reino e batizar os crentes. Os seus irmãos jamais souberam o que aconteceu com o seu ex-filósofo, poeta e humorista. E ele foi também um grande homem para o Reino e realizou muito para a disseminação dos ensinamentos do seu Mestre, embora não tenha participado da organização da igreja cristã posterior. Natanael morreu na Índia.
139:7.1 (1559.5) Mateus, o sétimo apóstolo, foi escolhido por André. Mateus pertencia a uma família de coletores de impostos, ou publicanos, e era, ele próprio, um coletor alfandegário em Cafarnaum, onde vivia. Estava com trinta e um anos e era casado, possuía quatro filhos. Era um homem de alguma posse, o único que tinha um certo recurso entre os do corpo apostólico. Era um bom homem de negócios, adaptando-se bem a qualquer meio social; e havia sido dotado com a capacidade de fazer amigos e de se dar muito bem com uma grande variedade de pessoas.
139:7.2 (1559.6) André apontou-o como o representante financeiro dos apóstolos. De um certo modo Mateus era o agente fiscal e o porta-voz de publicidade da organização apostólica. Era um bom julgador da natureza humana e um eficaz homem de propaganda. É difícil visualizar a sua personalidade, mas foi um discípulo sincero e cada vez mais crente na missão de Jesus e na certeza do Reino. Jesus nunca deu a Levi um apelido, mas os seus companheiros apóstolos comumente referiam-se a ele como o “angariador de dinheiro”.
139:7.3 (1559.7) O ponto forte de Levi era a sua devoção, do fundo do coração, à causa. Que ele, um publicano, tivesse sido adotado por Jesus e pelos seus apóstolos era motivo de uma gratidão imensa da parte do antigo coletor de impostos. Contudo, levou algum tempo para que os apóstolos, especialmente Simão zelote e Judas Iscariotes, se reconciliassem de um modo despreocupado com a presença do publicano no meio deles. A fraqueza de Mateus era o seu ponto de vista estreito e materialista da vida. Em todos esses pontos, contudo, ele fez muitos progressos, com o passar dos meses. Está claro que ele havia de estar ausente em muitas das mais preciosas sessões de instrução, pois o seu dever era manter o tesouro suprido.
139:7.4 (1559.8) O que Mateus mais apreciava era a disposição que o Mestre tinha de perdoar. Ele nunca cessaria de repetir que o necessário era apenas a fé, na questão de encontrar Deus. E sempre gostava de falar do Reino como “esse negócio de encontrar Deus”.
139:7.5 (1560.1) Embora Mateus fosse um homem com um passado de publicano, ele saiu-se admiravelmente bem na sua tarefa e, com o passar do tempo, os seus companheiros tornaram-se orgulhosos com a atuação do publicano. Ele era um dos apóstolos que tomavam longas notas das falas de Jesus, e essas notas foram usadas como base da narrativa posterior de Isador sobre os feitos e os ditos de Jesus, que se tornou conhecida como o evangelho segundo Mateus.
139:7.6 (1560.2) A longa e útil vida de Mateus, o homem de negócios e coletor alfandegário de Cafarnaum, foi o meio de conduzir milhares e milhares de outros homens de negócios, de funcionários e de políticos, nas idades subseqüentes, a também escutarem aquela voz empenhada do Mestre dizendo: “Segue-me”. Mateus realmente foi um político astuto e, de um modo intenso, leal a Jesus, tendo sido supremamente devotado à tarefa de cuidar para que os mensageiros do Reino vindouro fossem adequadamente financiados.
139:7.7 (1560.3) A presença de Mateus entre os doze foi o meio de manter as portas do Reino bem abertas para as hostes de almas desencorajadas e desterradas que haviam já, há muito tempo, considerado a si próprias como estando fora dos limites do consolo religioso. Homens e mulheres, deserdados e em desespero, e amontoados, para ouvirem a Jesus; e ele nunca rejeitou a nenhum deles.
139:7.8 (1560.4) Mateus recebia as oferendas voluntariamente feitas pelos discípulos crentes e ouvintes imediatos dos ensinamentos do Mestre, mas ele nunca solicitou fundos abertamente às multidões. Ele fazia todo o seu trabalho financeiro de um modo silencioso e pessoal e levantava a maior parte do dinheiro entre os da classe mais provida de crentes interessados. Ele praticamente deu a sua modesta fortuna ao trabalho do Mestre e aos seus apóstolos, mas eles nunca souberam dessa generosidade, salvo Jesus, que por si sabia tudo sobre isso. Mateus hesitava em contribuir abertamente para os fundos apostólicos por medo de que Jesus e os seus companheiros pudessem considerar o seu dinheiro como sendo sujo; e assim ele doou muito, mas em nome de outros crentes. Durante os meses iniciais, quando Mateus percebia que a presença dele era como que uma provação para os apóstolos, ele ficou fortemente tentado a fazer com que todos viessem a saber que os seus fundos muitas vezes supriam-nos do pão diário, mas não cedeu a essa tentação. Quando a evidência do desdém pelo publicano tornou-se evidente, Levi fervia de vontade de revelar a eles a sua generosidade, mas sempre conseguia manter-se em silêncio.
139:7.9 (1560.5) Quando os fundos para a semana eram menores do que o estimado, Levi sempre lançava mão, e pesadamente, dos próprios recursos pessoais. E também, algumas vezes quando estava muito interessado nos ensinamentos de Jesus, ele preferia permanecer para ouvir essas instruções, mesmo sabendo que teria de cobrir ele mesmo, por ter deixado de ir angariar os fundos necessários. E Levi gostaria que Jesus pudesse saber que grande parte do dinheiro vinha do seu bolso! E ele mal imaginava que Jesus sabia de tudo. Os apóstolos todos morreram sem saber que Mateus era o seu benfeitor e em um tal grau que, quando ele viajou para proclamar o evangelho do Reino, depois do começo das perseguições, estava praticamente sem nenhum dinheiro.
139:7.10 (1560.6) Quando essas perseguições levaram os crentes a abandonar Jerusalém, Mateus viajou para o norte, pregando o evangelho do Reino e batizando os crentes. Segundo o que sabiam os seus antigos companheiros do apostolado, ele já estaria perdido, no entanto ele continuou pregando e batizando, na Síria, na Capadócia, na Galátia, na Bitínia e na Trácia. E foi na Trácia, na Lisimáquia, que alguns judeus, não crentes, conspiraram com os soldados romanos para consumar a sua morte. E esse publicano regenerado morreu, triunfante, na fé de uma salvação que com tanta certeza ele havia aprendido com os ensinamentos do Mestre, durante a sua recente permanência na Terra.
139:8.1 (1561.1) Tomé era o oitavo apóstolo, e foi escolhido por Filipe. Mais tarde tornou-se conhecido como “o incrédulo Tomé”; mas os seus companheiros apóstolos não o consideravam um incrédulo crônico. É bem verdade que a sua mente era do tipo lógico, cético, mas ele tinha uma forma de lealdade corajosa que proibia aos seus conhecidos mais próximos considerá-lo como um cético por leviandade.
139:8.2 (1561.2) Quando se juntou aos apóstolos Tomé estava com vinte e nove anos, era casado, e possuía quatro filhos. Anteriormente ele havia sido carpinteiro e pedreiro, mas, sendo pescador, ultimamente residia na Tariquéia, situada na margem oeste do Jordão, onde o rio flui do mar da Galiléia; e era considerado como o cidadão líder dessa pequena aldeia. Apesar da pouca instrução, possuía uma mente perspicaz e de bom raciocínio; era filho de pais excelentes, que viviam em Tiberíades. Possuidor da única mente de fato analítica dos doze, Tomé era realmente o cientista do grupo apostólico.
139:8.3 (1561.3) A vivência inicial de Tomé no lar havia sido pouco ditosa; os seus pais não eram de todo felizes na vida de casados, e isso teve reflexo na experiência adulta de Tomé. Ele cresceu com uma disposição, bastante desagradável, para a discussão. Até mesmo a sua esposa ficou contente quando o viu juntar-se aos apóstolos, pois se sentiu aliviada com o pensamento de que o seu marido pessimista estaria longe de casa a maior parte do tempo. Tomé também nutria um vestígio de suspeita, que tornava sobremaneira difícil relacionar-se pacificamente com ele. Pedro havia ficado bastante perturbado por causa de Tomé, a princípio, queixando-se a André, seu irmão, pelo fato de que Tomé era “mesquinho, desagradável e sempre suspeitando de tudo”. Entretanto, quanto mais os seus companheiros conheciam Tomé, mais gostavam dele. Descobriram que ele era estupendamente honesto e inflexivelmente leal. Era perfeitamente sincero e inquestionavelmente verdadeiro, mas era levado por um pendor natural para encontrar erros em tudo e havia crescido como um pessimista de verdade. A sua mente analítica padecia de uma suspeita aflitiva. Tomé estava rapidamente perdendo a fé no seu semelhante quando se ligou aos doze e, assim, entrou em contato com o caráter nobre de Jesus. Essa associação com o Mestre começou imediatamente a transformar toda a disposição interior de Tomé, causando grandes mudanças nas suas reações mentais para com os seus semelhantes.
139:8.4 (1561.4) A grande força de Tomé era a sua excelente mente analítica, acompanhada por uma coragem inflexível — depois de ter tomado a sua decisão. A sua grande fraqueza era o seu duvidar suspeitoso, coisa que ele nunca venceu inteiramente em toda a sua vida na carne.
139:8.5 (1561.5) Na organização dos doze, Tomé ficou encarregado de estabelecer e ordenar o itinerário; e ele foi um diretor à altura do trabalho e dos movimentos do corpo apostólico. Era um bom executivo, um excelente homem de negócios, limitado todavia pelos seus múltiplos humores; era um homem em um dia e no próximo já se tornava outro. Quando se uniu ao grupo tinha inclinação para a melancolia meditativa, mas o contato com Jesus e os apóstolos curou-o amplamente dessa introspecção mórbida.
139:8.6 (1561.6) Jesus experimentava bastante satisfação com a companhia de Tomé e mantinha muitas e longas conversas pessoais com ele. A presença de Tomé, entre os apóstolos, foi um grande conforto para todos os céticos honestos e encorajou muitas mentes perturbadas a virem para o Reino, mesmo que não pudessem compreender completamente tudo sobre os aspectos espirituais e filosóficos dos ensinamentos de Jesus. A admissão de Tomé no grupo dos doze foi uma proclamação permanente de que Jesus ama até mesmo àqueles que duvidam sinceramente.
139:8.7 (1562.1) Os outros apóstolos reverenciavam Jesus por causa de algo da sua personalidade repleta de traços especiais e notáveis, mas Tomé reverenciava o seu Mestre por causa do seu caráter tão esplendidamente equilibrado. Tomé admirava e honrava de um modo crescente a alguém que, sendo misericordioso com tanto amor, era ainda tão inflexivelmente justo e equânime; tão firme, sem ser nunca obstinado; tão calmo, mas nunca indiferente; tão cooperativo e tão compassivo, sem tornar-se nunca intrometido, nem ditatorial; tão forte, e ao mesmo tempo tão doce; tão direto ao ponto, mas sem ser grosseiro jamais, nem rude; tão terno, sem vacilar nunca; tão puro e inocente e, ao mesmo tempo, tão viril, dinâmico e enérgico; tão verdadeiramente corajoso e jamais imprudente, nem temerário; tão amante da natureza e tão liberto de qualquer tendência a reverenciá-la; tão bem-humorado e alegre, mas isento de leviandade e de frivolidade. Era essa incomparável simetria de personalidade o que tanto encantava a Tomé. Talvez, entre os doze apóstolos, Tomé fosse aquele que, intelectualmente, usufruía de uma compreensão mais elevada de Jesus e que melhor apreciava a personalidade dele.
139:8.8 (1562.2) Nos conselhos dos doze, Tomé era sempre cauteloso, advogando em primeiro lugar uma política de segurança, mas, se o seu conservadorismo fosse derrotado ou rejeitado, era sempre ele o primeiro, e destemidamente, a ter a iniciativa de executar o programa escolhido. Quantas vezes não ficava contra algum projeto, por ser temerário e presunçoso; e não debateria até um amargo fim, mas, quando André colocava a proposta em votação e, depois, quando os doze decidiam fazer aquilo a que ele se tinha oposto, tão ardorosamente, Tomé era o primeiro a dizer: “Vamos!” Ele era um bom perdedor. E não guardava rancores nem alimentava sentimentos de mágoa. E de novo, e de novo iria se opor a deixar que Jesus se expusesse ao perigo, mas, quando o Mestre decidia enfrentar os riscos, era sempre Tomé que reanimava os apóstolos com as suas palavras corajosas: “Vamos, camaradas, vamos até lá morrer com ele”.
139:8.9 (1562.3) Tomé era, em alguns aspectos, como Filipe; ele também esperava “que lhe fosse mostrado, e como”, mas a sua expressão externa da dúvida era baseada em operações intelectuais inteiramente diferentes. Tomé era analítico, não meramente cético. E, quando a coragem pessoal física estava envolvida, ele era um dos mais valentes entre os doze.
139:8.10 (1562.4) Tomé tinha lá os seus dias maus, às vezes ficava triste e abatido. A perda da sua irmã gêmea, quando estava com nove anos, havia causado muito pesar na sua juventude, aumentando, ainda mais, os seus problemas de temperamento mais tarde na vida. Quando Tomé ficava desanimado, algumas vezes era Natanael que o ajudava a se restabelecer, algumas vezes era Pedro, e não raro um dos gêmeos Alfeus. Quando estava muito deprimido, infelizmente ele sempre tentava evitar o contato direto com Jesus. No entanto, o Mestre sabia de tudo a esse respeito e tinha uma atitude de solidariedade compreensiva para com esse apóstolo, quando ele estava assim afligido pela depressão e atormentado pelas dúvidas.
139:8.11 (1562.5) Algumas vezes Tomé conseguia a permissão de André para ficar ausente por um dia ou dois; mas logo ele aprendeu que esse comportamento não era sábio; logo percebeu que, quando estava abatido, era melhor ater-se ao seu trabalho, permanecendo perto dos seus companheiros. E, não importando o que acontecesse na sua vida emocional, ele continuava firme como apóstolo. Quando chegava a hora de ir adiante, era sempre Tomé que dizia: “Vamos em frente!”
139:8.12 (1562.6) Tomé é o grande exemplo de um ser humano que tem dúvidas, que se confronta com elas, e que vence. Possuía uma grande mente; não era um crítico maligno. Era um pensador lógico; e era uma prova de rigor para Jesus e para os seus irmãos apóstolos. Se Jesus e a sua obra não fossem verdadeiros, não poderiam ter segurado junto deles, desde o princípio, e até o fim, um homem como Tomé. Ele tinha um senso muito agudo e seguro do factual. Ao primeiro sintoma de fraude ou de ilusão, Tomé tê-los-ia abandonado a todos. Os cientistas podem não compreender plenamente tudo de Jesus e da sua obra na Terra, mas viveu e trabalhou lá, com o Mestre e com os seus colaboradores humanos, um homem cuja mente era a de um verdadeiro cientista — Tomé Dídimo — , e ele acreditou em Jesus de Nazaré.
139:8.13 (1563.1) Tomé teve momentos difíceis durante os dias do interrogatório e da crucificação. Durante algum tempo, ele chegou às profundezas do desespero, mas retomou a sua coragem, permaneceu solidário com os apóstolos e esteve presente junto com eles para acolher Jesus no mar da Galiléia. Por um momento, ele sucumbiu à sua depressão e à dúvida, mas finalmente retomou a sua fé e coragem. Ele deu conselhos sábios aos apóstolos, depois de Pentecostes, e, quando a perseguição dispersou os crentes, ele foi para Chipre, Creta, costa norte da África e Sicília, pregando as boas-novas do Reino e batizando os crentes. E Tomé continuou a pregar e a batizar, até que foi preso pelos agentes do governo romano e acabou sendo executado em Malta. Poucas semanas antes da sua morte ele havia começado a escrever sobre a vida e os ensinamentos de Jesus.
139:10.1 (1563.2) Tiago e Judas, filhos de Alfeus, os pescadores gêmeos que viviam perto de Queresa, foram o nono e o décimo apóstolos, tendo sido escolhidos por Tiago e João Zebedeu. Eles estavam com vinte e seis anos e eram casados; Tiago possuía três filhos e Judas dois.
139:10.2 (1563.3) Não há muito a ser dito sobre esses dois pescadores comuns. Eles amavam o seu Mestre e Jesus os amava, mas eles nunca interromperam os seus discursos com perguntas. Eles entendiam pouquíssimo sobre as discussões filosóficas e sobre os debates teológicos dos seus companheiros apóstolos, mas rejubilavam- se por se verem incluídos naquele grupo de homens poderosos. Esses dois homens eram quase idênticos na aparência pessoal, nas características mentais e no alcance da sua percepção espiritual. O que pode ser dito de um deve ser registrado sobre o outro.
139:10.3 (1563.4) André os designou para o trabalho de manter a ordem junto às multidões. Eles eram os principais porteiros nas horas de pregação e, de fato, eram os servidores gerais e mensageiros dos doze. Eles ajudavam a Filipe com os suprimentos, levavam o dinheiro às famílias cuidadas por Natanael, e estavam sempre prontos para dar uma mão e ajudar a qualquer dos apóstolos.
139:10.4 (1563.5) As multidões de gente comum ficavam muito encorajadas de ver dois homens, tais como eles, serem honrados com um lugar entre os apóstolos. Pela aceitação mesma deles como apóstolos, esses medíocres gêmeos representaram, eles próprios, o meio de trazer uma hoste de crentes medrosos para o Reino. E, também, o povo comum aceitava de um modo melhor a idéia de ser dirigido e conduzido por porteiros oficiais que eram bastante semelhantes a eles próprios.
139:10.5 (1563.6) Tiago e Judas, que também eram chamados de Tadeu e Lebeu, não possuíam pontos fortes nem pontos fracos. Os apelidos dados a eles pelos discípulos eram designações benevolentes para a mediocridade. Eles eram “os menores entre os apóstolos”; eles sabiam disso e sentiam-se bem com isso.
139:10.6 (1563.7) Tiago Alfeus amava especialmente a Jesus por causa da simplicidade do Mestre. Esses gêmeos não conseguiam compreender a mente de Jesus, mas captavam o laço de compaixão entre eles próprios e o coração do seu Mestre. As suas mentes não eram de uma qualidade elevada; eles poderiam, até mesmo com um certo respeito, ser chamados de estúpidos, mas tiveram nas suas naturezas espirituais uma experiência real. Eles acreditavam em Jesus; eram filhos de Deus e eram pessoas do Reino.
139:10.7 (1564.1) Judas Alfeus sentia-se atraído pela humildade sem ostentação de Jesus. Tal humildade, aliada à dignidade pessoal do Mestre, exercia um grande encanto sobre Judas. O fato de Jesus sempre recomendar que não se falasse sobre os atos incomuns que operava, causava uma grande impressão nesse filho simples da natureza.
139:10.8 (1564.2) Os gêmeos eram ajudantes de boa índole, de mente simples, e todos amavamnos. Jesus acolheu esses dois jovens, de um único talento, dando-lhes posições de honra no seu grupo pessoal mais interno do Reino, porque há milhões incontáveis de outras almas simples e temerosas, nos mundos do espaço, às quais ele quer receber, do mesmo modo, em fraternidade ativa e crente, junto a si e ao seu Espírito da Verdade, efundido para todos. Jesus não menospreza a pequenez, apenas a maldade e o pecado. Tiago e Judas eram pequenos, mas eram fiéis também. Eram simples e ignorantes, mas também tinham um coração grande, bom e generoso.
139:10.9 (1564.3) E quão orgulhosamente gratos ficaram, esses homens humildes, naquele dia em que o Mestre recusou-se a aceitar um certo homem rico como evangelista, a menos que ele vendesse os seus bens e ajudasse aos pobres. Quando o povo ouviu isso e viu os gêmeos entre os seus conselheiros, eles souberam com certeza, que Jesus não tinha preferência por pessoas. E que, somente uma instituição divina — o Reino do céu — poderia edificar-se sobre uma fundação humana de tal modo medíocre!
139:10.10 (1564.4) Apenas uma ou duas vezes, em todo o convívio com Jesus, os gêmeos aventuraram- se a fazer perguntas em público. Judas, certa vez, ficou curioso a ponto de fazer uma pergunta a Jesus quando o Mestre havia falado sobre revelar a si próprio abertamente ao mundo. Ele havia ficado um pouco decepcionado de que os segredos não fossem mais apenas dos doze, e ousou perguntar: “Mas, Mestre, quando tu te declarares assim para o mundo, como irás favorecer-nos com as manifestações especiais da tua bondade?”
139:10.11 (1564.5) Os gêmeos serviram fielmente até o fim, até os dias escuros do julgamento, da crucificação e do desespero. Eles nunca perderam a sua fé em Jesus, e (exceto por João) foram os primeiros a acreditar na sua ressurreição. Mas não conseguiam compreender o estabelecimento do Reino. Pouco após o Mestre haver sido crucificado, eles voltaram para as suas famílias e para as redes de pesca; estava realizado o trabalho deles. Eles não possuíam capacidade para continuar nas batalhas mais complexas do Reino. Contudo, viveram e morreram conscientes de terem sido honrados e abençoados pelos quatro anos de contato estreito e pessoal com um Filho de Deus, o soberano criador de um universo.
139:11.1 (1564.6) Simão zelote, o décimo primeiro apóstolo, foi escolhido por Simão Pedro. Era um homem capaz, de bons ancestrais; e vivia com a sua família em Cafarnaum. Contava vinte e oito anos quando se uniu aos apóstolos. Era um agitador feérico e também um homem que falava muito sem pensar. Tinha sido mercador em Cafarnaum, antes de voltar toda a sua atenção para a organização patriótica dos zelotes.
139:11.2 (1564.7) A Simão zelote, foi dado o encargo das diversões e do descanso do grupo apostólico; e ele era um organizador muito eficiente das diversões e das atividades de recreação dos doze.
139:11.3 (1564.8) A força de Simão estava na sua inspirada lealdade. Quando os apóstolos encontravam um homem ou mulher debatendo-se de indecisão quanto à própria entrada no Reino, eles o mandavam para Simão. Em geral levava apenas quinze minutos para que esse advogado entusiasta da salvação pela fé em Deus dissipasse as dúvidas e removesse toda indecisão; e logo se via uma nova alma nascida na “liberdade da fé e no júbilo da salvação”.
139:11.4 (1565.1) A grande fraqueza de Simão estava no lado materialista da sua mente. De judeu nacionalista que era, ele não poderia tão rapidamente transformar-se em um internacionalista de mente espiritualizada. Quatro anos foi um tempo curto demais para que se fizesse tal transformação intelectual e emocional, mas Jesus sempre se manteve paciente com ele.
139:11.5 (1565.2) O que Simão tanto admirava em Jesus era a calma, a segurança, a estabilidade e a serenidade inexplicável do Mestre.
139:11.6 (1565.3) Embora Simão fosse um revolucionário radical, um pavio destemido de agitação, ele gradualmente colocou sob controle a sua índole inflamada a ponto de tornar-se um pregador poderoso e eficiente da “Paz na Terra e da boa vontade entre os homens”. Simão era um grande argumentador; e gostava de discutir. E, quando se tratava de lidar com as mentes legalistas dos judeus instruídos, ou das minúcias intelectuais dos gregos, a tarefa era sempre dada a Simão.
139:11.7 (1565.4) Por natureza era um rebelde e, por formação, era um iconoclasta; mas Jesus o conquistou para os conceitos mais elevados do Reino do céu. Simão sempre se identificou com o partido do protesto, mas agora estava unido ao partido do progresso; do progresso ilimitado e eterno do espírito e da verdade. Simão era um homem de lealdades intensas e de devoções pessoais calorosas; e ele amava Jesus profundamente.
139:11.8 (1565.5) Jesus não temia ser identificado nem se identificar com homens de negócios, com homens do trabalho, otimistas, pessimistas, filósofos, céticos, publicanos, políticos e patriotas.
139:11.9 (1565.6) O Mestre mantinha muitas conversas com Simão, mas nunca teve êxito pleno em fazer um internacionalista, desse ardente judeu nacionalista. Jesus freqüentemente dizia a Simão que era oportuno querer ver melhoradas as ordens social, econômica e política; todavia sempre acrescentava: “Esse assunto nada tem a ver com o Reino do céu. Devemos dedicar-nos a fazer a vontade do Pai. A nossa obra é sermos embaixadores de um governo espiritual do alto; e não devemos ocupar-nos de imediato com nada que não seja representarmos a vontade e o caráter do Pai divino, que está à frente do governo de cujas credenciais somos portadores”. Era difícil para Simão compreender, mas gradativamente ele começou a captar algo do sentido dos ensinamentos do Mestre.
139:11.10 (1565.7) Depois da dispersão das perseguições de Jerusalém, Simão pôs-se temporariamente de retiro. Ele ficara de fato prostrado. Como um nacionalista patriota, ele se havia capitulado em deferência aos ensinamentos de Jesus; e agora estava perdido. Estava em desespero, mas em poucos anos reanimou as próprias esperanças e saiu para proclamar o evangelho do Reino.
139:11.11 (1565.8) Foi para a Alexandria e, após trabalhar Nilo acima, ele penetrou no coração da África, pregando em todos os lugares o evangelho de Jesus e batizando os crentes. Assim trabalhou até que a velhice e a fraqueza chegassem. E Simão morreu e foi enterrado no coração da África.
139:12.1 (1565.9) Judas Iscariotes, o décimo segundo apóstolo, foi escolhido por Natanael. Ele nasceu em Queriot, uma pequena aldeia no sul da Judéia. Quando pequeno, os seus pais mudaram-se para Jericó, onde ele vivia e havia sido empregado nos vários negócios das empresas do seu pai, antes de se tornar interessado na pregação e na obra de João Batista. Os pais de Judas eram saduceus e, quando o filho deles juntou-se aos discípulos de João, eles o repudiaram.
139:12.2 (1566.1) Quando Natanael conheceu Judas na Tariquéia, este estava à procura de um trabalho junto a uma empresa de secagem de peixe, na extremidade baixa do mar da Galiléia. Ele tinha trinta anos e não era casado quando se juntou aos apóstolos. Ele era provavelmente o mais instruído entre os doze e o único judeu na família apostólica do Mestre. Judas não tinha nenhum traço notável de força pessoal, embora tivesse muitos traços externos aparentes de cultura e de hábitos educados. Ele era um bom pensador, mas nem sempre um pensador verdadeiramente honesto. Judas realmente não queria entender a si próprio; ele não era realmente sincero ao lidar consigo mesmo.
139:12.3 (1566.2) André nomeou Judas como tesoureiro dos doze, uma posição para a qual ele estava eminentemente qualificado e, até a época da traição ao seu Mestre, ele desincumbiu- se das responsabilidades do seu posto, honesta, fiel e muito eficientemente.
139:12.4 (1566.3) Não havia nenhum traço especial em Jesus que Judas admirasse mais do que a personalidade atraente em geral e extraordinariamente encantadora do Mestre. Judas nunca foi capaz de colocar-se acima dos seus preconceitos judaicos contra os seus colegas galileus; ele chegava a criticar, na sua mente, até mesmo Jesus, em muitas coisas. A ele, a quem onze dos apóstolos admiravam como o homem perfeito, como o “único digno de ser amado e o mais importante entre dez mil”, é que esse presumido judeu muitas vezes ousava criticar no seu coração. E, realmente, ele acalentava a idéia de que Jesus fosse tímido e mesmo um pouco receoso de afirmar o seu próprio poder e autoridade.
139:12.5 (1566.4) Judas era um bom homem de negócios. Era necessário tato, habilidade e paciência, bem como uma devoção meticulosa, para conduzir os assuntos financeiros de um idealista como Jesus, sem falar da luta com os métodos desordenados de alguns dos apóstolos na condução dos negócios. Judas realmente era um grande executivo, um financista capaz e previdente. E era de uma organização persistente. Nenhum dos doze jamais criticou Judas. Até onde podiam enxergar, Judas Iscariotes era um tesoureiro sem par, um homem instruído, um apóstolo leal (se bem que algumas vezes crítico) e, em todos os sentidos da palavra, um grande sucesso. Os apóstolos amavam Judas; ele era realmente um deles. Ele deve ter acreditado em Jesus, mas duvidamos que ele tenha realmente amado o Mestre, de todo o coração. O caso de Judas ilustra a verdade daquele ditado: “Há um caminho que parece o justo para um homem, mas o fim dele é a morte”. É de todo possível ser vítima da ilusão pacífica, da adaptação agradável aos caminhos do pecado e da morte. Podeis estar certos de que Judas foi, financeiramente, sempre leal ao seu Mestre e seus irmãos apóstolos. O dinheiro nunca haveria sido o motivo da sua traição ao Mestre.
139:12.6 (1566.5) Judas era o filho único de pais pouco sábios. Quando ainda muito jovem, ele foi adulado e afagado; e tornou-se uma criança mimada. Quando cresceu, passou a possuir idéias exageradas sobre a sua própria importância. Tornou-se um mal perdedor. Nutria idéias distorcidas sobre a justiça; permitia-se a indulgência de sentir ódio e suspeita. E era especialista em interpretar erroneamente as palavras e os atos dos seus amigos. Durante toda a sua vida, Judas havia cultivado o hábito de ter de terminar quites com aqueles que, na sua fantasia, o tinham maltratado. O seu sentido de valores e lealdades era imperfeito.
139:12.7 (1566.6) Para Jesus, Judas foi uma aventura com a fé. Desde o começo, o Mestre compreendeu totalmente a fraqueza desse apóstolo e sabia perfeitamente bem dos perigos de admiti-lo na comunidade. No entanto, é da natureza dos Filhos de Deus dar a todos os seres criados chances plenas e iguais de salvação e de sobrevivência. Jesus queria, não apenas que os mortais desse mundo, mas também que os espectadores de inumeráveis outros mundos, soubessem que, quando existem dúvidas quanto à sinceridade, no coração, e à franqueza na devoção de uma criatura ao Reino, a prática invariável dos Juízes dos homens é receber totalmente o candidato em dúvida. A porta da vida eterna está bem aberta a todos; “quem quer que queira entrar, pode vir”; não há restrições ou qualificações, a não ser a fé daquele que vem.
139:12.8 (1567.1) Apenas esse foi o motivo que levou Jesus a permitir a Judas ir até o fim; e sempre fez todo o possível para transformar e salvar esse apóstolo fraco e confuso. Contudo, quando a luz não é recebida com honestidade e vivida de acordo, ela tende a transformar-se em trevas dentro da alma. Judas cresceu intelectualmente com os ensinamentos de Jesus sobre o Reino, mas não conseguiu progressos na aquisição do caráter espiritual, como lograram os outros apóstolos. Ele não conseguiu fazer um progresso pessoal satisfatório na experiência espiritual.
139:12.9 (1567.2) Cada vez mais, Judas deixou que os desapontamentos pessoais crescessem dentro dele, para finalmente tornar-se vítima do ressentimento. Os seus sentimentos haviam sido feridos muitas vezes, e ele deixou que a suspeita crescesse de um modo anormal, a suspeita em relação aos seus melhores amigos, e até mesmo em relação ao Mestre. Em breve ele tornou-se obcecado pela idéia de tirar a diferença e ficar quites, de fazer qualquer coisa para vingar-se, sim, chegando até mesmo à traição aos seus companheiros e ao seu Mestre.
139:12.10 (1567.3) E essas idéias perversas e perigosas não tomaram forma definitiva até o dia em que uma mulher agradecida entornou uma caixa valiosa de incenso aos pés de Jesus. Isso pareceu um desperdício para Judas e, quando o seu protesto público foi tão vivamente desaprovado por Jesus, ali, diante de todos, foi demais. Aquele acontecimento determinou a mobilização de todo ódio, mágoa, maldade, preconceito, inveja e vingança, acumulados durante uma vida; e ele decidiu tirar a diferença, não importasse com quem; e então cristalizou todo o mal da sua natureza sobre a única pessoa inocente em todo o drama sórdido da sua vida desafortunada, apenas porque casualmente Jesus fora o agente principal, no episódio que marcou a sua passagem escolhida por ele próprio, do Reino progressivo da luz, para o domínio das trevas.
139:12.11 (1567.4) O Mestre, muitas vezes, tanto em particular quanto publicamente, havia prevenido a Judas de que ele estava entorpecido; mas as advertências divinas em geral são inúteis quando se trata da natureza humana amargurada. Jesus fez tudo o que foi possível, e compatível com a liberdade moral humana, para impedir que Judas escolhesse o caminho errado. O grande teste finalmente veio. O filho do ressentimento fracassou; e, dando a si mesmo uma auto-importância exagerada, cedeu aos ditames amargos e sórdidos de uma mente orgulhosa, vingativa, que mergulhava célere em confusão, no desespero e na perversidade.
139:12.12 (1567.5) Judas entrou na intriga baixa e vergonhosa para trair o seu Senhor e Mestre e rapidamente levou adiante o esquema nefando. Durante a realização do plano concebido pela sua raiva e deslealdade traiçoeira, ele experimentou momentos de arrependimento e de vergonha e, nesses intervalos de lucidez, ele concebeu medrosamente, tal uma defesa para a sua própria mente, a idéia de que seria possível que Jesus exercesse o seu poder para libertar a si próprio, no último momento.
139:12.13 (1567.6) Quando o negócio vil e pecaminoso estava terminado, esse mortal renegado, que tinha dado tão pouca importância a vender o seu amigo por trinta peças de prata, para satisfazer a sua há muito alimentada sede de vingança, saiu precipitadamente e cometeu o ato final, no drama de fuga às realidades da existência mortal — o suicídio.
139:12.14 (1567.7) Os onze apóstolos ficaram horrorizados, atordoados. Jesus olhou para o traidor apenas com piedade. Os mundos têm achado difícil perdoar Judas, e o seu nome é evitado em todo um vasto universo.
O Livro de Urântia
Documento 140
140:0.1 (1568.1) POUCO antes do meio-dia, no domingo, 12 de janeiro do ano 27 d.C., Jesus reuniu os apóstolos para a ordenação deles, como pregadores públicos do evangelho do Reino. Aqueles doze homens estavam esperando ser chamados a qualquer dia; e, assim, nessa manhã eles não foram muito longe da margem para pescar. Vários deles permaneceram perto da margem, fazendo reparos nas suas redes ou consertando a sua parafernália de pesca.
140:0.2 (1568.2) Quando desceu até a praia, Jesus chamou os apóstolos e saudou primeiro a André e Pedro, que estavam pescando perto da margem; em seguida sinalizou para Tiago e João, que estavam em um barco por perto, conversando com Zebedeu, o pai deles, e remendando as suas redes. Dois a dois, ele convocou os apóstolos e, quando havia reunido todos os doze, seguiu com eles para as terras altas ao norte de Cafarnaum, onde continuou a dar-lhes instruções para a ordenação formal deles.
140:0.3 (1568.3) Daquela vez, todos os doze apóstolos encontravam-se em silêncio; até mesmo Pedro estava disposto a refletir. Afinal, a hora tão esperada havia chegado! Eles seguiam a sós com o Mestre, para participar de alguma espécie de cerimônia solene de consagração pessoal, e de dedicação coletiva ao trabalho sagrado de representar o seu Mestre, na proclamação da vinda do Reino do seu Pai.
140:1.1 (1568.4) Antes do serviço da ordenação formal, Jesus falou a todos os doze, assentados em volta dele: “Meus irmãos, chegou a hora do Reino. Estais aqui comigo, isolados, porque eu vos vou apresentar ao Pai como embaixadores do Reino. Alguns de vós me ouvistes falando deste Reino na sinagoga, logo quando fostes chamados. Cada um de vós aprendeu mais sobre o Reino do Pai depois que estivestes trabalhando comigo nas cidades, em volta do mar da Galiléia. E agora eu tenho algo mais a dizer-vos a respeito deste Reino.
140:1.2 (1568.5) “O novo Reino que meu Pai está para estabelecer nos corações dos seus filhos terrenos é um domínio perene. Esse governo do meu Pai nos corações dos que desejarem fazer a sua divina vontade não terá fim. Eu declaro que meu Pai não é um Deus só de judeus e gentios. Muitos virão, do leste e do oeste, para se sentarem conosco no Reino do Pai, enquanto muitos dos filhos de Abraão recusar- se-ão a aderir à nova fraternidade de prevalecimento do espírito do Pai nos corações dos filhos dos homens.
140:1.3 (1568.6) “O poder deste Reino não consistirá da força de exércitos, nem do poder de riquezas, mas, sim da glória do espírito divino que virá para ensinar às mentes e governar os corações dos cidadãos renascidos do Reino celeste, os filhos de Deus. Essa, a fraternidade do amor, na qual reina a retidão, e cujo grito de batalha será: Paz na Terra e boa vontade a todos os homens. Esse Reino que estais a ponto de proclamar é o desejo dos homens bons de todas as idades, a esperança de toda a Terra e o cumprimento de todas as promessas sábias de todos os profetas.
140:1.4 (1569.1) “Para vós, filhos meus, e para todos os outros que vos seguirão neste Reino, há um teste severo. Apenas a fé vos fará passar pelos seus portais; mas deveis produzir os frutos do espírito do meu Pai se quiserdes continuar a ascender na vida progressiva da irmandade divina. Em verdade, em verdade, vos digo, nem todos aqueles que dizem: ‘Senhor, Senhor’, entrarão no Reino do céu; mas antes aqueles que cumprem a vontade do meu Pai que está no céu.
140:1.5 (1569.2) “A vossa mensagem para o mundo será: buscai primeiro o Reino de Deus e Sua retidão, e, ao chegardes a tanto, todas as outras coisas essenciais para a sobrevivência eterna vos serão asseguradas, por acréscimo. E agora eu deixo claro para vós que o Reino do meu Pai não virá com uma aparência exterior de poder, nem com uma demonstração pouco inusitada. E, pois, não deveis sair para proclamar o Reino dizendo: ‘ele é aqui’ ou ‘é lá’. Pois tal Reino que pregais é Deus dentro de vós.
140:1.6 (1569.3) “Aquele que quiser ser grande no Reino do meu Pai deve tornar-se um ministro para todos; e aquele que quiser ser o primeiro no vosso meio, que se torne o servidor dos irmãos. E quando fordes recebidos realmente como cidadãos, no Reino celeste, não mais sereis servos, sereis filhos do Deus vivo. E assim progredirá esse Reino, no mundo, até quebrar todas as barreiras e levar os homens todos a conhecerem meu Pai e acreditarem na verdade salvadora que eu vim declarar. E, agora mesmo, o Reino está ao alcance das mãos; e alguns de vós não morrereis sem terdes visto o Reino de Deus surgir em grande poder.
140:1.7 (1569.4) “E o que os vossos olhos agora contemplam, esse pequeno começo de doze homens comuns, multiplicar-se-á e crescerá, até que finalmente toda a Terra seja preenchida de louvor ao meu Pai. E não será assim, tanto pelas palavras que disserdes quanto pelas vidas que viverdes, que os homens saberão que vós tereis estado comigo e que tereis aprendido sobre as realidades do Reino. E, se bem que eu não queira depositar cargas pesadas nas vossas mentes, eu deverei colocar sobre as vossas almas a responsabilidade solene de me representarem para o mundo, quando, em breve, eu vos deixar do mesmo modo como eu agora represento o meu Pai, nesta vida que estou vivendo na carne”. E quando terminou de falar, ele levantou-se.
140:2.1 (1569.5) Jesus agora instruía os doze mortais que o haviam ouvido, na sua declaração a respeito do Reino, que se ajoelhassem em um círculo em volta dele. E então o Mestre colocou as suas mãos na cabeça de cada um dos apóstolos, começando por Judas Iscariotes e terminando por André. Depois de abençoá-los, Jesus estendeu as suas mãos e orou:
140:2.2 (1569.6) “Meu Pai, agora eu Te trago estes homens, meus mensageiros. Eu escolhi estes doze, dentre os nossos filhos da Terra, para que saiam e me representem como eu vim representar-Te. Ama a eles e esteja com eles, como Tu me amaste e estiveste comigo. E, agora, meu Pai, dá sabedoria a esses homens, pois eu coloco todos os assuntos do Reino que virá nas mãos deles. E eu gostaria, se for da Tua vontade, de permanecer na Terra por um tempo para ajudá-los, nos seus trabalhos para o Reino. E novamente, meu Pai, agradeço a Ti por ter estes homens, e os confio à Tua guarda enquanto eu vou terminar o trabalho que me encarregaste de fazer”.
140:2.3 (1570.1) Quando Jesus terminou de orar, os apóstolos permaneceram quietos, inclinados em reverência, cada um deles no seu lugar. Muitos minutos se passaram, antes até mesmo que Pedro ousasse levantar os olhos no intuito de olhar para o Mestre. Um a um, abraçaram Jesus, mas nenhum daqueles homens disse palavra. Um grande silêncio penetrou o local, enquanto uma hoste de seres celestes contemplava esta cena solene e sagrada — o Criador de um universo, colocando os assuntos da irmandade divina dos homens sob a condução de mentes humanas.
140:3.1 (1570.2) E então Jesus tomou a palavra e disse: “Agora, portanto, que sois embaixadores do Reino do meu Pai, vos convertestes numa classe de homens distinta e separada de todos os outros homens na Terra. Não sois apenas homens entre homens, mas sois como os cidadãos esclarecidos de uma outra Terra celeste, entre as criaturas ignorantes deste mundo escuro. Não basta viverdes como se estivéreis diante deste momento, mas doravante deveis viver como aqueles que provaram das glórias de uma vida melhor e que foram enviados de volta para a Terra, como embaixadores do Soberano daquele mundo novo melhor. Do instrutor é esperado mais do que do aluno; do dono é exigido mais que do servo. Dos cidadãos do Reino celeste é exigido mais do que dos cidadãos do governo terrestre. Algumas coisas que eu vos direi podem parecer difíceis, mas vós escolhestes representar-me no mundo, como eu agora represento o Pai e, como agentes meus na Terra, sereis obrigados a comportar-vos segundo os ensinamentos e práticas que refletem os meus ideais da vida mortal, para os mundos do espaço, e aos quais eu dou o exemplo da minha vida terrestre, revelando o Pai que está nos céus.
140:3.2 (1570.3) “Assim vos envio ao mundo para proclamardes a liberdade a todos que estiverem no cativeiro espiritual, para júbilo dos prisioneiros do medo e para curardes os doentes de acordo com a vontade do meu Pai nos céus. Quando virdes os meus filhos em angústia falai a eles encorajado-os, dizendo:
140:3.3 (1570.4) “Felizes sejam os pobres em espírito, os humildes, pois deles são os tesouros do Reino do céu.
140:3.4 (1570.5) “Felizes sejam aqueles que têm fome e sede de retidão, pois serão saciados.
140:3.5 (1570.6) “Felizes sejam os mansos, pois herdarão a Terra.
140:3.6 (1570.7) “Felizes sejam os puros de coração, pois verão a Deus.
140:3.7 (1570.8) “E, deste mesmo modo, ireis falar aos meus filhos, com estas mesmas palavras de conforto espiritual e de promessa:
140:3.8 (1570.9) “Felizes sejam aqueles que pranteiam, pois serão confortados. Felizes sejam os que choram, pois receberão o espírito do júbilo.
140:3.9 (1570.10) “Felizes sejam os misericordiosos, pois receberão a misericórdia.
140:3.10 (1570.11) “Felizes sejam os pacificadores, pois serão chamados de filhos de Deus.
140:3.11 (1570.12) “Felizes os que forem perseguidos em nome da retidão, pois deles é o Reino do céu. Sede felizes quando os homens vos insultarem e vos perseguirem e contra vós lançarem falsamente todas as formas de mal. Jubilai em plena alegria, pois grande é a vossa recompensa nos céus.
140:3.12 (1570.13) “Meus irmãos, eu vos envio, pois, ao mundo; e sois o sal da Terra; sal com sabor de salvação. E, entretanto, se esse sal perder o sabor, com o que é que se salgará? E de nada servirá mais, a menos que seja para ser jogado fora e pisoteado pelos homens.
140:3.13 (1570.14) “Vós sois a luz do mundo. Uma cidade plantada em uma colina não pode ficar escondida. E os homens não acendem uma vela para escondê-la, mas em um candeeiro, para que dê uz a todos que estão na casa. Que a vossa luz brilhe, assim, diante dos homens, para que eles possam ver vossas boas obras e para que sejam levados a glorificar o vosso Pai que está nos céus.
140:3.14 (1571.1) “Eu vos envio ao mundo para que me representeis e sejais os embaixadores do Reino do meu Pai; e, quando sairdes para proclamar as boas-novas, confiai no Pai de quem sois mensageiros. Não resistais à injustiça com a força; nem coloqueis a vossa confiança no braço da carne. Se o vosso semelhante bater na vossa face direita, dai-lhe também a outra. Estai dispostos a sofrer de injustiças mais do que fazer cumprir a lei entre vós. Na bondade e na misericórdia, ministrai a todos que estão na infelicidade e na necessidade.
140:3.15 (1571.2) “E eu vos digo: Amai os vossos inimigos, fazei o bem àqueles que vos odeiam. Abençoai àqueles que vos amaldiçoam, e orai por aqueles que se servem de vós com desprezo. E tratai aos homens do mesmo modo que acreditais que eu os trataria.
140:3.16 (1571.3) “O vosso Pai nos céus faz o sol brilhar sobre os maus, tanto quanto sobre os bons; do mesmo modo ele envia a chuva ao justo e ao injusto. Vós sois os filhos de Deus, e mesmo ainda mais; sois agora os embaixadores do Reino do meu Pai. Sede misericordiosos, como Deus é misericordioso, e, no futuro eterno do Reino, vós sereis perfeitos, como o vosso Pai celeste é perfeito.
140:3.17 (1571.4) “Tendes a missão de salvar os homens, não de julgá-los. Ao final da vossa vida terrena, todos deveis esperar misericórdia; e, pois, peço-vos que, durante a vossa vida mortal, demonstreis misericórdia para com todos os vossos irmãos na carne. Não cometais o erro de tentar tirar um cisco do olho do vosso irmão, quando há uma trave dentro dos vossos próprios olhos. Tendo primeiro retirado a trave do vosso próprio olho, vós podeis ver melhor para tirar o cisco do olho do irmão.
140:3.18 (1571.5) “Discerni a verdade com clareza; vivei a vida de retidão com destemor; e, desse modo, sereis apóstolos e os embaixadores do meu Pai. Ouvistes o que foi dito: ‘Se um cego guia outro cego, ambos cairão no buraco’. Se quiserdes guiar outros ao Reino, deveis vós próprios caminhar na luz clara da verdade viva. Para com todos os assuntos do Reino eu vos exorto a demonstrar um julgamento justo e uma sabedoria aguçada. Não apresenteis aos cães aquilo que é sagrado; nem jogueis as vossas pérolas aos porcos, pois eles pisarão nas vossas gemas e voltar-se-ão contra vós.
140:3.19 (1571.6) “Eu vos previno contra os falsos profetas que virão a vós em peles de ovelhas, enquanto por dentro são como lobos devoradores. Pelos frutos vós os reconhecereis. Os homens colhem uvas dos espinheiros ou figos dos cardos? E ainda assim, toda boa árvore dá bons frutos; mas a árvore corrupta dá um fruto malévolo. Uma boa árvore não pode produzir frutos maus; nem pode uma árvore corrupta produzir bons frutos. Toda árvore que não dá bons frutos é logo derrubada e jogada ao fogo. Para se ganhar a entrada no Reino do céu, é o motivo que conta. Meu Pai olha dentro dos corações dos homens e julga-os pelas suas aspirações interiores e suas intenções sinceras.
140:3.20 (1571.7) “No grande dia de julgamento do Reino, muitos dirão a mim: ‘Nós não professamos em vosso nome, e pelo vosso nome não fizemos obras maravilhosas?’ Contudo, serei obrigado a dizer-lhes: ‘Nunca vos conheci; afastai-vos de mim; vós que sois falsos instrutores’. E todo aquele que ouve essa instrução e sinceramente executa a sua missão de me representar diante dos homens, do mesmo modo como eu representei o meu Pai para vós, terá uma entrada ampla no meu serviço e no Reino do Pai celeste”.
140:3.21 (1571.8) Nunca antes os apóstolos tinham ouvido Jesus falar desse modo, pois ele falou-lhes como quem tem a autoridade suprema. Eles retornaram da montanha por volta do pôr-do-sol, mas nenhum daqueles homens fez pergunta alguma a Jesus.
140:4.1 (1572.1) O chamado “Sermão da Montanha” não é o evangelho de Jesus. Ele contém muitos ensinamentos úteis, mas foi feito como instrução da ordenação de Jesus aos doze apóstolos. Foi a missão pessoal do Mestre, para aqueles que iriam pregar o evangelho e que aspiravam a representá-lo no mundo dos homens, do mesmo modo que ele, tão eloqüente e perfeitamente, representava o seu Pai.
140:4.2 (1572.2) “Vós sois o sal da Terra, sal que tem sabor de salvação. E se esse sal perder o seu sabor, com o que se salgará? Não mais será bom para nada a não ser para se jogar fora e ser pisoteado pelos homens.”
140:4.3 (1572.3) Na época de Jesus o sal era precioso. Era usado até mesmo como dinheiro. A moderna palavra “salário” deriva-se de sal. O sal não apenas dá sabor aos alimentos, mas é também um conservante. Faz com que os alimentos fiquem mais saborosos, e para isso ele serve.
140:4.4 (1572.4) “Vós sois a luz do mundo. Uma cidade plantada numa colina não pode esconder- se. Nem os homens acendem uma vela e a colocam às escondidas, mas em um candeeiro; e ele dá a luz a todos os que estão na casa. Que a vossa luz brilhe assim diante dos homens, para que eles possam ver as vossas boas obras e para que sejam levados a glorificar o vosso Pai, que está no céu.”
140:4.5 (1572.5) Ainda que a luz dissipe as trevas, ela também pode “cegar” a ponto de confundir e frustrar. Somos exortados a fazer a nossa luz brilhar de um modo tal que os nossos semelhantes sejam guiados a novos e bons caminhos de vida elevada. A nossa luz deveria brilhar assim, não para atrair a atenção para nós próprios. Até mesmo a vossa atividade de vocação pode ser utilizada como um “refletor” eficaz para a disseminação dessa luz de vida.
140:4.6 (1572.6) Os caracteres fortes não se formam por não fazerem absolutamente o mal, mas muito mais por fazerem de fato o bem. A ausência de egoísmo é uma insígnia de grandeza humana. Os níveis mais elevados de auto-realização são alcançados pela adoração e o serviço. A pessoa feliz e eficiente é motivada, não pelo medo de fazer o errado, mas pelo amor de fazer o certo.
140:4.7 (1572.7) “Pelos seus frutos vós os conhecereis.” A personalidade é basicamente imutável; o que muda — cresce — é o caráter moral. O erro maior das religiões modernas é o negativismo. A árvore que não dá frutos é “derrubada e jogada ao fogo”. O valor moral não pode originar-se apenas na repressão e na obediência à injunção que prega o “não farás”. O medo e a vergonha são motivações sem valor para a vivência religiosa. A religião é válida apenas quando revela a paternidade de Deus e realça a irmandade dos homens.
140:4.8 (1572.8) Uma filosofia eficaz de vida é formada pela combinação de discernimento cósmico com o todo das reações emocionais ao ambiente social e econômico. Lembrai-vos: Conquanto os impulsos hereditários não possam ser modificados fundamentalmente, as respostas emocionais a tais impulsos podem ser mudadas; a natureza moral pode, portanto, ser modificada, o caráter pode ser melhorado. No caráter forte as respostas emocionais são integradas e coordenadas e, assim, é produzida uma personalidade unificada. Uma unificação deficiente enfraquece a natureza moral e engendra a infelicidade.
140:4.9 (1572.9) Sem uma meta digna, a vida fica desinteressante, torna-se inútil, e resulta em muita infelicidade. O discurso de Jesus para a ordenação dos doze constitui uma filosofia da mestria da vida. Jesus recomendou, aos seus seguidores, exercerem a fé experiencial. Ele exortou-os a não dependerem de meros consentimentos intelectuais; nem de uma credulidade ordinária, nem da autoridade estabelecida.
140:4.10 (1573.1) A educação deveria ser uma técnica de aprendizado (a descoberta) de melhores métodos de gratificar as nossas tendências naturais e as herdadas; e a felicidade é o todo resultante dessas técnicas mais elevadas para obter satisfações emocionais. A felicidade depende pouco do ambiente, embora os locais agradáveis possam contribuir grandemente para ela.
140:4.11 (1573.2) Todo mortal anseia realmente por ser uma pessoa completa, por ser perfeito, como o Pai no céu é perfeito; e realizar isso se torna possível porque, em última análise, o “universo é verdadeiramente paterno”.
140:5.1 (1573.3) Do Sermão da Montanha ao discurso da Última Ceia, Jesus ensinou os seus seguidores a manifestar o amor paterno mais do que o amor fraterno. O amor fraterno seria amar o teu semelhante como a ti próprio, e isso seria um preenchimento adequado da “regra de ouro”. O afeto paterno, todavia, requer que tu ames os teus semelhantes mortais como Jesus te ama.
140:5.2 (1573.4) Jesus ama a humanidade com um afeto dual. Ele viveu na Terra como uma personalidade de duas naturezas — a humana e a divina. Como Filho de Deus, ele ama o homem com um amor paterno — ele é o Criador do homem, o seu pai neste universo. Enquanto Filho do Homem, Jesus ama os mortais como um irmão — ele foi verdadeiramente um homem entre os homens.
140:5.3 (1573.5) Jesus não esperou que os seus seguidores realizassem uma manifestação impossível de amor fraterno, mas ele esperou que eles se esforçassem para ser como Deus — para serem perfeitos como o Pai no céu é perfeito — , que eles pudessem começar a ver o homem como Deus vê as suas criaturas e que, portanto, pudessem começar a amar os homens como Deus os ama — demonstrando o começo de um afeto paterno. Durante essas exortações aos doze apóstolos, Jesus buscou revelar esse novo conceito do amor paterno, do modo como ele se relaciona a algumas atitudes emocionais preocupadas em fazer numerosos ajustamentos sociais para o meio ambiente.
140:5.4 (1573.6) O Mestre apresentou esse discurso memorável chamando a atenção para quatro atitudes de fé, como um prelúdio para retratar subseqüentemente as suas quatro reações transcendentes e supremas de amor paterno, contrastando-as com as limitações do amor meramente fraterno.
140:5.5 (1573.7) Primeiro ele falou daqueles que eram pobres em espírito e famintos de retidão, daqueles que persistiam na mansidão e eram puros de coração. Podia-se esperar que esses mortais discernidores do espírito alcançassem níveis divinos tais, de ausência de egoísmo, que os tornassem capazes de atingir o exercício surpreendente do afeto paterno; que, mesmo como lamentadores, teriam forças para demonstrar misericórdia, promover a paz e resistir às perseguições e, durante todas essas situações de provação, que amassem até mesmo a uma humanidade não amável, com um amor paterno. Um afeto paterno pode alcançar níveis de devoção que transcendem incomensuravelmente um afeto fraterno.
140:5.6 (1573.8) A fé e o amor, nessas beatitudes, fortalecem o caráter moral e criam a felicidade. O medo e a raiva enfraquecem o caráter e destroem a felicidade. Esse sermão memorável teve o seu começo com uma nota sobre a felicidade.
140:5.7 (1573.9) 1. “Felizes são os pobres em espírito — os humildes.” Para uma criança, a felicidade é a satisfação de um desejo de prazer imediato. O adulto está disposto a semear os grãos da renúncia, com o fito de ter colheitas subseqüentes de maior felicidade. Na época de Jesus e desde então, a felicidade tem sido muito freqüentemente associada à idéia da posse de riquezas. Na história do fariseu e do publicano orando no templo, um sentia-se rico em espírito — egotista — ; o outro se sentia “pobre em espírito” — humilde. Um era auto-suficiente; o outro era capaz de aprender e de buscar a verdade. O pobre em espírito busca as metas da riqueza espiritual — busca Deus. E os que buscam a verdade não têm de esperar por recompensas em um futuro distante; eles são recompensados agora. Eles encontram o Reino do céu dentro dos seus próprios corações, e experimentam uma tal felicidade agora.
140:5.8 (1574.1) 2. “Felizes são aqueles que têm fome e sede de retidão, pois serão saciados”. Apenas aqueles que se sentem pobres em espírito irão ter fome e sede de retidão. Apenas os humildes buscam a força divina e almejam o poder espiritual. No entanto é muito perigoso praticar conscientemente o jejum espiritual com o fito de melhorar o próprio apetite pelos dons espirituais. O jejum físico torna-se perigoso, depois de quatro ou cinco dias; faz com que nos tornemos aptos a perder todo desejo de alimento. O jejum prolongado, seja físico ou espiritual, tende a destruir a fome.
140:5.9 (1574.2) A retidão na experiência é um prazer, não um dever. A retidão de Jesus é um amor dinâmico — o afeto paterno junto com o fraterno. Não é o tipo de retidão negativa, o tipo “não faça” de retidão. Como é que alguém poderia almejar uma coisa negativa — uma coisa a “não fazer”?
140:5.10 (1574.3) Não é tão fácil ensinar, à mente de uma criança, essas duas primeiras beatitudes, mas a mente amadurecida deveria captar o significado delas.
140:5.11 (1574.4) 3. “Felizes são os mansos, pois eles herdarão a Terra.” A mansidão genuína não tem nenhuma relação com o medo. É mais a atitude de um homem cooperando com Deus — “A vossa vontade será feita”. Abrange a paciência e a tolerância, e é motivada pela fé inabalável em um universo amistoso e cumpridor da lei. Ela mantém o controle de todas as tentações de rebeldia contra o guiamento divino. Jesus foi o homem manso ideal de Urântia; e ele herdou um vasto universo.
140:5.12 (1574.5) 4. “Felizes são os puros de coração, pois eles verão Deus.” A pureza espiritual não é uma qualidade negativa, a não ser ao negar a suspeita e a vingança. Ao discutir sobre a pureza, Jesus não teve a intenção de tratar exclusivamente das atitudes sexuais humanas. Ele referia-se mais àquela fé que o homem deveria ter no seu semelhante; aquela fé que um pai tem no seu filho, e que o capacita a amar os seus semelhantes como um pai os amaria. O amor do pai não necessita mimar, e não fecha os olhos para o mal, mas é sempre o oposto do cinismo. O amor paterno tem sempre um único propósito e sempre busca o melhor no homem, que é a atitude de um verdadeiro progenitor.
140:5.13 (1574.6) Ver Deus — por meio da fé — significa adquirir o verdadeiro discernimento espiritual. E o discernimento espiritual intensifica o guiamento do Ajustador, e tudo isso, no fim, aumenta a consciência de Deus. E quando vós conhecerdes o Pai, vós estareis confirmados na certeza da filiação divina; e podereis amar cada vez mais a cada um dos vossos irmãos na carne, não apenas como um irmão — com o amor fraterno — mas também como um pai — com o afeto paterno.
140:5.14 (1574.7) Essa exortação é fácil de transmitir, até mesmo a uma criança. As crianças são naturalmente confiantes, e os pais deveriam procurar fazer com que elas não perdessem essa fé simples. Ao lidardes com as crianças, evitai qualquer modo de enganá-las e abstendes de sugerir suspeitas. Sabiamente ajudai-as a selecionar os seus heróis e a escolher o trabalho da vida delas.
140:5.15 (1574.8) E então Jesus continuou a instruir os seus discípulos na realização do propósito principal de toda a luta humana — a perfeição — , a própria realização divina. E ele sempre lhes lembrava: “Sede perfeitos, como o vosso Pai nos céus é perfeito”. Ele não exortava os doze a amar os seus semelhantes como eles amavam a si próprios. Isso teria sido uma realização condigna; teria indicado a realização do amor fraterno. Jesus aconselhava os seus apóstolos a amar os homens como ele os havia amado — com o amor paterno, tanto quanto com um afeto fraterno. E ilustrava isso apontando as quatro reações supremas do amor paterno:
140:5.16 (1575.1) 1. “Felizes são os que pranteiam, pois serão confortados.” Nem o chamado senso comum, nem a melhor das lógicas nunca sugeririam que a felicidade poderia derivar-se da aflição. Jesus, porém, não se referia ao lamento externo nem ostensivo. Ele aludia a uma atitude emocional de ternura de coração. É um grande erro ensinar aos meninos e aos rapazes que não é masculino demonstrar ternura ou, por qualquer outro meio, evidenciar sentimentos emocionais ou sofrimento físico. A compaixão é um atributo tão condigno para o homem quanto o é para a mulher. Não é necessário aparentar dureza para ser masculino. Essa é a forma errada de criar homens corajosos. Os grandes homens do mundo não tiveram medo de lamentar. Moisés, o lamentador, foi um grande homem, mais do que Sansão e mais do que Golias. Moisés foi um líder magnífico, mas ele era um homem também de mansidão. Ser sensível e susceptível às necessidades humanas gera uma felicidade genuína e duradoura; e, ao mesmo tempo, essas atitudes gentis protegem a alma das influências destrutivas da raiva, do ódio e da suspeita.
140:5.17 (1575.2) 2. “Felizes são os misericordiosos, pois eles alcançarão a misericórdia.” Misericórdia aqui tem a conotação da altura, da profundidade e da largura da mais verdadeira amizade — o amor da bondade. A misericórdia, algumas vezes pode ser passiva, mas aqui ela é ativa e dinâmica — a paternalidade suprema. Um pai cheio de amor pouca dificuldade tem de perdoar o seu filho, e de perdoá- lo até muitas vezes. E, para com um filho não mimado, o impulso de aliviar o sofrimento é natural. Os filhos são normalmente bons e compassivos quando já têm idade suficiente para avaliar as condições reais.
140:5.18 (1575.3) 3. “Felizes são os pacificadores, pois serão chamados filhos de Deus.” Os ouvintes de Jesus tinham uma sede ardente de libertação militar, não de pacificadores. A paz de Jesus, contudo, não é da espécie pacífica e negativa. Em face das provações e das perseguições, ele disse: “A minha paz eu a deixo convosco”. “Que o vosso coração não seja perturbado, e que não padeça de temores.” Esta é a paz que evita conflitos danosos. A paz pessoal integra a personalidade. A paz social afasta o medo, a cobiça e a raiva. A paz política impede os antagonismos raciais, as suspeitas nacionais e a guerra. Buscar a paz é a cura para a desconfiança e a suspeita.
140:5.19 (1575.4) As crianças podem aprender facilmente a funcionar como pacificadoras. Elas gostam de atividades grupais; elas gostam de brincar juntas. E o Mestre disse certa vez: “Quem quiser salvar a sua vida irá perdê-la, mas quem perder a sua vida encontrá-la-á”.
140:5.20 (1575.5) 4. “Felizes daqueles que são perseguidos por causa da sua retidão, pois deles é o Reino do céu. Felizes deveis ficar quando os homens vos insultarem, perseguirem e lançarem falsamente todo o tipo de mal contra vós. Rejubilai-vos na alegria mais extrema, pois grande é a vossa recompensa nos céus.”
140:5.21 (1575.6) E, assim, freqüentemente a perseguição vem depois da paz. E os jovens e os adultos corajosos nunca fogem da dificuldade ou do perigo. “Nenhum amor é maior do que aquele que dá a sua vida pelos seus amigos.” E um amor paterno pode livremente fazer todas essas coisas — coisas que o amor fraterno dificilmente consegue abranger. E o progresso tem sido sempre a colheita final da perseguição.
140:5.22 (1575.7) As crianças sempre respondem ao desafio da coragem. A juventude está sempre disposta a “ousar”. E toda criança deveria aprender cedo a sacrificar-se.
140:5.23 (1575.8) E assim é revelado que as beatitudes do Sermão da Montanha são baseadas na fé e no amor, e não na lei — na ética ou dever.
140:5.24 (1575.9) O amor paterno tem prazer em dar o bem em troca do mal — fazer o bem em represália à injustiça.
140:6.1 (1576.1) Domingo ao anoitecer, quando chegaram à casa de Zebedeu, vindos das terras altas ao norte de Cafarnaum, Jesus e os doze compartilharam uma refeição simples. Em seguida Jesus saiu para uma caminhada pela praia, enquanto os doze conversavam entre si. Depois de uma breve discussão, enquanto os gêmeos faziam uma pequena fogueira para dar-lhes calor e mais luz, André foi encontrar Jesus e, quando o alcançou, disse: “Mestre, meus irmãos permanecem incapazes de compreender o que disseste sobre o Reino. Não nos sentimos capazes de começar este trabalho, antes que nos dês outras instruções. Eu vim para pedir-te que te juntes a nós no jardim e que nos ajude a compreender o significado das tuas palavras”. E Jesus foi com André encontrar-se com os apóstolos.
140:6.2 (1576.2) Depois de entrar no jardim e reunir os apóstolos em volta de si, Jesus ensinou- lhes outras coisas mais, e disse-lhes: “Achais difícil receber a minha mensagem porque quereis construir o novo ensinamento diretamente em cima do antigo, mas eu declaro que deveis renascer. Deveis começar de novo, como pequenas crianças; e deveis estar dispostos a confiar no meu ensinamento e acreditar em Deus. O novo evangelho do Reino não pode ser tomado como se se quisesse conformá- lo ao que existe. Vós tendes idéias erradas sobre o Filho do Homem e sua missão na Terra. E não cometais o erro de pensar que eu vim para pôr de lado a lei e os profetas; eu não vim para destruir, mas para cumprir, para ampliar e iluminar. Eu não vim para transgredir a lei, mas antes para escrever esses novos mandamentos nas tábuas dos vossos corações.
140:6.3 (1576.3) “Eu peço de vós uma retidão que excederá a retidão daqueles que buscam obter o favorecimento do Pai por meio de caridades, prece e jejum. Se quiserdes entrar no Reino, deveis ter uma retidão que consiste no amor, misericórdia e verdade — o desejo sincero de fazer a vontade do meu Pai nos céus.”
140:6.4 (1576.4) Então disse Simão Pedro: “Mestre, se tu tens um novo mandamento, nós o ouviremos. Revela a nós o novo caminho”. Jesus respondeu a Pedro: “Vós ouvistes, dito por aqueles que ensinam a lei: ‘Não matarás, pois aquele que matar estará sujeito a julgamento’. Entretanto eu olho além do ato, para ver o motivo a descoberto. E declaro a vós que todo aquele que tiver raiva do seu irmão está em perigo de condenação. Aquele que nutre o ódio no seu coração e planeja a vingança na sua mente, está em perigo de ser julgado. Vós apenas podeis julgar os vossos companheiros pelos atos deles; o Pai, que está nos céus, julga pela intenção.
140:6.5 (1576.5) “Ouvistes os instrutores da lei dizendo: ‘Não cometereis adultério’. Mas eu vos digo que todo homem que olha para uma mulher, com a intenção de desejo por ela, já cometeu o adultério com ela, no seu coração. Vós podeis julgar os homens apenas pelos seus atos, mas o meu Pai vê dentro dos corações dos seus filhos e, com misericórdia, julga-os, de acordo com as suas intenções e com os desejos reais”.
140:6.6 (1576.6) Jesus tinha a intenção de continuar examinando os outros mandamentos, quando Tiago Zebedeu interrompeu-o, perguntando: “Mestre, o que devemos ensinar ao povo a respeito do divórcio? Devemos permitir a um homem divorciar- se da sua mulher, como Moisés mandou?” E, quando ouviu essa pergunta, Jesus disse: “Eu não vim para legislar, mas para esclarecer. Eu vim, não para reformar os reinos deste mundo, mas antes para estabelecer o Reino do céu. Não é da vontade do Pai que eu devesse ceder à tentação de ensinar-vos regras para o governo, o comércio, ou o comportamento social, as quais, embora pudessem ser boas para hoje, poderiam estar longe de serem adequadas para a sociedade de outra idade. Estou na Terra somente para confortar as mentes, para liberar os espíritos e para salvar as almas dos homens. Mas, a respeito dessa questão do divórcio, eu vos direi que, embora Moisés fosse favorável a esses procedimentos, não era assim nos dias de Adão no Jardim”.
140:6.7 (1577.1) Depois que os apóstolos haviam conversado entre si, durante um certo tempo, Jesus continuou a falar: “Vós deveis sempre reconhecer dois pontos de vista em toda conduta mortal — o humano e o divino; os caminhos da carne e o caminho do espírito; a perspectiva do tempo e a visão da eternidade”. E, embora os doze não pudessem compreender tudo o que ele lhes ensinava, eles foram realmente ajudados por essa instrução.
140:6.8 (1577.2) E então disse Jesus: “Mas vós tropeçareis nos meus ensinamentos porque vós estais acostumados a interpretar a minha mensagem literalmente; sois vagarosos ao discernir o espírito do meu ensinamento. De novo, deveis lembrar-vos de que sois os meus mensageiros; vós sois obrigados a viver as vossas vidas como eu tenho vivido a minha espiritualmente. Vós sois os meus representantes pessoais; mas não cometais o engano de esperar que todos os homens vivam como vós, sob todos os pontos de vista. Vós vos deveis lembrar também de que eu tenho ovelhas que não são desse rebanho; e que também tenho obrigações para com elas, pois devo prover-lhes o modelo de fazer a vontade do Pai, enquanto eu viver a vida da natureza mortal”.
140:6.9 (1577.3) Natanael perguntou, então: “Mestre, não devemos dar um lugar à justiça? A lei de Moisés diz: ‘Um olho por um olho, e um dente por um dente’. O que devemos dizer?” E Jesus respondeu: “Deveis retribuir o mal com o bem. Os meus mensageiros não devem disputar com os homens, mas devem ser gentis com todos. Medida por medida, não será essa a vossa regra. Os chefes entre os homens podem ter tais leis, mas não é assim no Reino; a misericórdia determinará sempre os vossos julgamentos, e o amor determinará a vossa conduta. E se esses são princípios duros, ainda agora podeis desistir. Se achardes os quesitos do apostolado muito penosos, podeis voltar para o caminho menos rigoroso do discipulado”.
140:6.10 (1577.4) Ao ouvir essas palavras assustadoras, os apóstolos reuniram-se todos, à parte, por um momento, mas logo voltaram, e Pedro disse: “Mestre, gostaríamos de continuar contigo; nenhum de nós retrocederia. Estamos totalmente preparados para arcar com o preço extra; beberemos da taça. Gostaríamos de ser apóstolos, não discípulos meramente”.
140:6.11 (1577.5) Quando ouviu isso, Jesus disse: “Estais dispostos, então, a assumir as vossas responsabilidades e seguir-me. Fazei as vossas boas ações em segredo; e, quando derdes esmolas, que a vossa mão esquerda não saiba o que fez a mão direita. E, quando orardes, devereis permanecer separados e a sós e não usareis de repetições vãs nem de frases sem sentido. Lembrai-vos sempre que o Pai sabe o que necessitais, antes mesmo de pedirdes a Ele. E não vos entregueis a jejuns, mantendo uma figura triste, para serdes vistos pelos homens. Como apóstolos escolhidos meus, agora a serviço do Reino, não deveis armazenar para vós próprios os tesouros desta Terra, mas, pelos vossos serviços altruístas, armazenai tesouros no céu, pois onde estiverem vossos tesouros, lá também estarão os vossos corações.
140:6.12 (1577.6) “A lâmpada do corpo é o olho; portanto, se o vosso olho é generoso, o vosso corpo inteiro estará cheio de luz. Mas se o vosso olho é egoísta, o corpo inteiro será preenchido por trevas. Se a própria luz que está em vós estiver voltada para as trevas, grandes serão essas trevas!”
140:6.13 (1577.7) E então Tomé perguntou a Jesus se eles deveriam “continuar tendo tudo em comum”. Disse o Mestre: “Sim, meus irmãos, eu gostaria que vivêssemos juntos, como uma família que se entende bem. Estais encarregados de um grande trabalho, e almejo que o vosso serviço não se divida. Vós sabeis que foi dito com justeza: ‘Nenhum homem pode servir a dois mestres’. Vós não podeis adorar sinceramente a Deus e, de todo o coração, ao mesmo tempo servir à cobiça. Tendo agora vos alistado, sem reservas, no trabalho do Reino, não tenhais ansiedades pelas vossas vidas; e muito menos deveis preocupar-vos com o que ireis comer ou com o que ireis beber; nem mesmo com os vossos corpos, nem com a roupa que devereis usar. Vós já aprendestes que mãos dispostas e corações honestos nunca terão fome. E agora, quando vos preparardes para devotar todas as vossas energias ao trabalho do Reino, podeis estar seguros de que o Pai não irá esquecer-se das vossas necessidades. Antes buscai o Reino de Deus e, quando houverdes encontrado a vossa entrada nele, todas as coisas que vos forem necessárias, virão por acréscimo. Não sejais, portanto, indevidamente ansiosos com o amanhã. Devemos preocupar-nos com o que é suficiente para o dia”.
140:6.14 (1578.1) Quando viu que estavam dispostos a permanecer acordados toda a noite fazendo perguntas, Jesus lhes disse: “Meus irmãos, os vossos corpos são como vasos de barro; é melhor irdes descansar para que estejais prontos para o trabalho de amanhã”. Mas o sono tinha fugido dos olhos deles. Pedro aventurou-se a pedir ao Mestre: “Posso ter só uma pequena conversa em particular contigo? Não que eu tenha segredos para os meus irmãos, mas tenho o espírito atormentado e, por acaso, se eu tiver de merecer uma reprimenda do meu Mestre, eu a suportaria melhor se estivesse a sós contigo”. E Jesus disse: “Vem comigo, Pedro” — conduzindo-o para dentro da casa. Quando Pedro retornou de junto da presença do seu Mestre muito animado e grandemente encorajado, Tiago decidiu ir falar com Jesus. E assim, até as primeiras horas da madrugada, os outros apóstolos foram, um a um, falar com o Mestre. Quando todos tinham tido já uma conversa pessoal com ele, exceto os gêmeos, que haviam caído no sono, André foi a Jesus e disse: “Mestre, os gêmeos caíram no sono no jardim, ao lado da fogueira; devo despertá-los e perguntar se querem também falar contigo?” E Jesus sorrindo disse a André: “Eles estão bem — não os incomode”. E, agora, a noite chegava ao fim; a luz de um outro dia estava surgindo.
140:7.1 (1578.2) Depois de umas poucas horas de sono, quando os doze estavam reunidos para um desjejum tardio com Jesus, ele disse: “Agora, deveis começar o vosso trabalho de pregar as boas-novas e de instruir os crentes. Preparai-vos para ir a Jerusalém”. Depois de Jesus ter falado, Tomé ganhou coragem para dizer: “Sei, Mestre, que deveríamos estar prontos agora para iniciar o trabalho, mas temo que não estejamos ainda aptos para realizar essa grande tarefa. Consentirias que ficássemos por aqui apenas mais uns poucos dias, antes de começarmos o trabalho do Reino?” E quando Jesus viu que todos os seus apóstolos estavam possuídos por esse mesmo temor, ele disse: “Será como vós pedistes; permaneceremos aqui até o sábado”.
140:7.2 (1578.3) Durante semanas e mais semanas pequenos grupos de buscadores sinceros da verdade, junto com espectadores curiosos, haviam vindo a Betsaida para ver Jesus. Já se falava sobre ele, em todo o país; os grupos de indagadores vinham de cidades distantes como Tiro, Sidom, Damasco, Cesaréia e Jerusalém. Até então, Jesus havia saudado essa gente e lhes havia ensinado sobre o Reino, mas agora o Mestre repassava esse trabalho aos doze. André escolheria um dos apóstolos e o designaria para um grupo de visitantes e, algumas vezes, todos os doze ficavam ocupados nessa tarefa.
140:7.3 (1578.4) Por dois dias eles trabalharam, ensinando dia a dia e mantendo conversas particulares até tarde da noite. Ao terceiro dia Jesus conversou com Zebedeu e Salomé, enquanto mandou os seus apóstolos “saírem para pescar, buscando mudanças e distrações, ou mesmo visitar as famílias”. Na quinta-feira eles retornaram para mais três dias de ensinamentos.
140:7.4 (1578.5) Durante essa semana de aperfeiçoamento, muitas vezes Jesus repetiu aos seus apóstolos os dois grandes motivos da sua missão pós-batismal na Terra:
140:7.5 (1578.6) 1. Revelar o Pai ao homem.
140:7.6 (1578.7) 2. Conduzir os homens para que eles se tornem conscientes da filiação — da compreensão, pela fé, de que são filhos do Altíssimo.
140:7.7 (1579.1) Uma semana dessa experiência variada fez muito pelos doze apóstolos; alguns se tornaram até autoconfiantes demais. Na última conversa, na noite depois do sábado, Pedro e Tiago vieram a Jesus, dizendo: “Nós estamos prontos — agora podemos ir em frente, e ensinar sobre o Reino”. Ao que Jesus respondeu: “Que a vossa sabedoria se iguale ao vosso zelo e que a vossa coragem compense a vossa ignorância”.
140:7.8 (1579.2) Embora os apóstolos não compreendessem muita coisa dos seus ensinamentos, eles não deixavam de entender o significado da beleza da vida encantadora que levaram junto ao Mestre.
140:8.1 (1579.3) Jesus sabia muito bem que os seus apóstolos não estavam assimilando plenamente os ensinamentos. E decidiu dar alguma instrução especial a Pedro, Tiago e João, esperando que eles fossem capazes de dar esclarecimentos aos seus companheiros. Ele sabia que, conquanto alguns aspectos da idéia de um Reino espiritual estivessem sendo captados pelos doze, eles continuavam rigidamente associando, direta e literalmente, esses novos ensinamentos espirituais do Reino do céu aos seus conceitos antigos, já entranhados e cristalizados; como se o Reino pudesse ser algo como uma restauração do trono de Davi e um restabelecimento de Israel no seu poder temporal na Terra. Desse modo, na quinta-feira à tarde, Jesus foi à praia e saiu em um barco com Pedro, Tiago e João, para conversarem sobre os assuntos do Reino. Essa foi uma conversa de quatro horas, e abrangeu muitas perguntas e respostas, e deve ser de proveito colocar tudo aqui, neste registro, que reorganiza o sumário dessa tarde memorável, como foi passado por Simão Pedro ao seu irmão, André, na manhã seguinte:
140:8.2 (1579.4) 1. Fazer a vontade do Pai. O ensinamento de Jesus, para que se confie nos cuidados superiores do Pai celeste, não é o de um fatalismo cego e passivo. Ele cita, aprovando, nessa tarde, uma antiga afirmação hebraica que declara: “Aquele que não trabalha não comerá”. E aponta a sua própria experiência como sendo um testemunho suficiente dos seus próprios ensinamentos. Os seus preceitos, sobre confiar no Pai, não devem ser analisados segundo as condições sociais e econômicas dos tempos modernos ou de qualquer outra idade. A instrução dele abrange os princípios ideais, da vida perto de Deus, em todas as idades e em todos os mundos.
140:8.3 (1579.5) Jesus deixou claro, para os três, a diferença entre as exigências para as funções do apostolado e as do discipulado. E ainda assim ele não proibiu, aos doze, o exercício da prudência e da previsão. Ele era contrário à ansiedade e à preocupação, não à precaução. Ele ensinava a submissão alerta e ativa à vontade de Deus. Em resposta a muitas das perguntas deles a respeito de frugalidades e de trivialidades, ele simplesmente chamou a atenção para a sua vida de carpinteiro, de construtor de barcos e de pescador, e para a sua cuidadosa organização dos doze. Ele procurou deixar claro que o mundo não é para ser encarado como um inimigo; que as circunstâncias da vida são formadas dentro de uma dispensação divina de dádivas, que trabalha junto com os filhos de Deus.
140:8.4 (1579.6) Jesus teve uma grande dificuldade em fazê-los compreender a sua prática pessoal da não-resistência. Ele recusava-se absolutamente a defender-se, e parecia aos apóstolos que ele ficaria contente se eles seguissem a mesma política. Ele ensinou-lhes a não resistir ao mal, a não combater a injustiça nem a injúria, mas ele não lhes ensinou como tolerar passivamente a conduta errada. E deixou claro, nessa tarde, que aprovava a punição social dos malfeitores e dos criminosos; e que o governo civil deveria, algumas vezes, empregar a força na manutenção da ordem social e na execução da justiça.
140:8.5 (1579.7) Ele nunca cessou de prevenir aos seus discípulos contra as más práticas da represália; ele desaprovava totalmente a vingança, a idéia do acerto de contas. Ele deplorava o fato de haver quem guardasse rancores. E não aprovava a idéia de olho por olho e dente por dente. Ele rejeitava todo o conceito da revanche privada e pessoal, atribuindo essas questões ao governo civil, por um lado, e ao julgamento de Deus, por outro. Ele deixou claro, para os três, que os seus ensinamentos aplicavam-se ao indivíduo, não ao Estado. Ele resumiu as suas instruções, até aquele momento, a respeito de todas essas questões da seguinte forma:
140:8.6 (1580.1) Amai os vossos inimigos — lembrai-vos das asserções morais da irmandade humana.
140:8.7 (1580.2) A inutilidade do mal: um erro não se torna certo pela vingança. Não cometais o erro de responder ao mal com as próprias armas dele.
140:8.8 (1580.3) Tende fé — confiança no triunfo final da justiça divina e da bondade eterna.
140:8.9 (1580.4) 2. A atitude política. Jesus advertiu aos seus apóstolos para que fossem discretos nas suas observações a respeito das relações, então estremecidas, existentes entre o povo judeu e o governo romano; e proibiu-os de envolverem-se, de qualquer modo, nessas dificuldades. Ele sempre manteve o cuidado de evitar as ciladas políticas dos seus inimigos, sempre com a observação: “Dai a César as coisas que são de César, e a Deus as coisas que são de Deus”. Jesus negava- se a deixar a sua atenção dispersar-se da sua missão de estabelecer um novo caminho de salvação; ele não permitiria a si próprio envolver-se em qualquer outra coisa. Na sua vida pessoal, sempre observou devidamente todas as leis e as regras civis; em todos os seus ensinamentos públicos, ignorou os reinos civil, social e econômico. Ele disse aos três apóstolos que ele ocupava-se apenas com os princípios da vida interior pessoal e espiritual do homem.
140:8.10 (1580.5) Jesus não foi, portanto, um reformador político. Ele não veio para reorganizar o mundo; e ainda que tivesse feito reformas, elas teriam sido aplicáveis apenas àqueles dias e àquela geração. Todavia, ele mostrou ao homem o melhor modo de viver, e nenhuma geração está isenta do trabalho de descobrir como melhor adequar a vida de Jesus aos seus próprios problemas. Nunca, todavia, deveis cometer o erro de identificar os ensinamentos de Jesus com qualquer teoria política ou econômica, ou com qualquer sistema social ou industrial.
140:8.11 (1580.6) 3. A atitude social. Os rabinos judeus há muito vinham debatendo sobre a questão: Quem é o meu próximo? Jesus apresentou a idéia da bondade ativa e espontânea, um amor tão legítimo pelo semelhante, que fez expandir a noção do que é o próximo, o vizinho, a ponto de incluir o mundo inteiro, e então fazendo com que os nossos próximos fossem todos os homens. Mas, com tudo isso, Jesus estava interessado apenas no indivíduo, não na massa. Jesus não era um sociólogo, ele apenas trabalhou para romper todas as formas de isolamento egoísta. Ele ensinou a simpatia da pura compaixão. Michael de Nébadon é um Filho dominado pela misericórdia; a compaixão é a sua natureza mesma.
140:8.12 (1580.7) O Mestre não disse que os homens não devessem entreter os seus amigos durante as refeições, mas ele disse que os seus seguidores deveriam fazer festas para os pobres e os desafortunados. Jesus tinha um senso firme de justiça, mas que foi sempre temperado pela misericórdia. Ele não ensinou aos seus apóstolos que deixassem os parasitas sociais e os pedintes profissionais tirar vantagem deles. O mais próximo que ele esteve de fazer pronunciamentos sociológicos foi quando mencionou: “Não julgueis, para que não sejais julgados”.
140:8.13 (1580.8) Jesus deixou claro que a bondade indiscriminada poderia ser considerada a culpada de muitos males sociais. No dia seguinte Jesus deu a Judas a instrução definitiva de que nenhum fundo apostólico fosse dado como esmola, a não ser a pedido dele ou sob o pedido conjunto de dois dos apóstolos. Para todas essas questões, a prática era que Jesus dissesse: “Sede sábios como as serpentes, mas tão inofensivos como os pombos”. Parecia ser o seu propósito, em todas as situações sociais, ensinar a paciência, a tolerância e o perdão.
140:8.14 (1581.1) A família ocupava o centro mesmo da filosofia de vida de Jesus — aqui e na vida futura. Ele baseava os seus ensinamentos sobre Deus na família e, ao mesmo tempo, tentava corrigir a tendência judaica de honrar os antepassados em exagero. Exaltava a vida familiar como o dever humano mais elevado, mas deixava claro que as relações familiares não deveriam interferir nas obrigações religiosas. Ele chamava a atenção para o fato de que a família é uma instituição temporal; de que ela não sobrevive à morte. Jesus não hesitou em abdicar-se da sua família, quando a família se postou contrariamente à vontade do Pai. Ele ensinou a mais nova e ampla irmandade entre os homens — os filhos de Deus. No tempo de Jesus, os hábitos e a prática do divórcio eram relaxados, na Palestina, e em todo o império romano. Ele recusou-se reiteradamente a estabelecer leis a respeito do casamento e do divórcio, mas muitos dos primeiros seguidores de Jesus tinham opiniões bem marcadas sobre o divórcio e não hesitaram em atribuí-las a ele. Todos os escritores do Novo Testamento, exceto João Marcos, ativeram-se às idéias mais rigorosas e avançadas sobre o divórcio.
140:8.15 (1581.2) 4. A atitude econômica. Jesus trabalhou, viveu e transacionou no mundo do modo como o encontrou. Ele não foi um reformador econômico, embora freqüentemente chamasse a atenção para a injustiça da distribuição desigual das riquezas. E não propôs, para remediar isso, quaisquer sugestões. Deixou claro, para os três, que, conquanto não fosse para os seus apóstolos manterem propriedades, ele não estava pregando contra a riqueza e a propriedade, mas meramente sobre a sua distribuição injusta e desigual. Reconhecia a necessidade de justiça social e de eqüidade industrial, mas não propôs regras para que isso fosse estabelecido.
140:8.16 (1581.3) Jesus nunca ensinou aos seus seguidores que evitassem posses terrenas; apenas aos seus doze apóstolos ele ensinou isso. Lucas, o médico, era um forte crente da igualdade social, e muito fez para interpretar as palavras de Jesus, em harmonia com as suas crenças pessoais. Jesus nunca ordenou pessoalmente, aos seus seguidores, que adotassem um modo comunitário de vida; ele não se pronunciou, de nenhum modo, sobre essas questões.
140:8.17 (1581.4) Ele prevenia, freqüentemente, aos seus ouvintes sobre a cobiça, declarando que “a felicidade de um homem não reside na abundância das suas posses materiais”. Ele reiterava constantemente: “De que serve a um homem ganhar todo o mundo e perder a sua própria alma?” Ele não fez nenhum ataque direto à posse de propriedades, mas insistiu em que é eternamente essencial que os valores espirituais venham em primeiro lugar. Nos seus ensinamentos posteriores ele procurava corrigir muitos erros, cometidos na visão da vida predominante em Urântia, narrando numerosas parábolas, as quais ele apresentava durante as suas ministrações públicas. Jesus nunca teve a intenção de formular teorias econômicas; ele bem sabia que cada idade deve desenvolver os próprios remédios para os males existentes. E, se Jesus estivesse na Terra, hoje, vivendo a sua vida na carne, ele traria um grande desapontamento à maioria dos bons homens e mulheres, pela simples razão de que não tomaria posições na política atual, nem nas disputas sociais e econômicas. Ele permaneceria bastante reservado ao ensinar-vos como perfeccionar a vossa vida espiritual interior, de modo a vos tornar muito mais competentes para enfrentar a solução dos vossos problemas puramente humanos.
140:8.18 (1581.5) Jesus gostaria de tornar todos os homens semelhantes a Deus; e, então, acompanhá- los à distância, com compaixão, até que esses filhos de Deus resolvessem os seus próprios problemas políticos, sociais e econômicos. Não foi à riqueza que ele denunciou, mas ao que essa riqueza faz à maioria dos devotos dela. Nessa quinta-feira, à tarde, Jesus primeiro disse aos seus discípulos que “mais abençoado é dar do que receber”.
140:8.19 (1581.6) 5. A religião pessoal. Como fizeram os apóstolos, deveríeis entender melhor os ensinamentos de Jesus, por intermédio da sua vida. Ele viveu uma vida perfeita em Urântia, e os seus ensinamentos sem par só podem ser entendidos quando a sua vida é vista como o suporte direto desses ensinamentos. É a sua vida, e não as suas lições aos doze, ou os seus sermões para as multidões, que mais ajudarão a revelar o caráter divino e a personalidade amorosa do Pai.
140:8.20 (1582.1) Jesus não atacou os ensinamentos dos profetas hebreus, nem os dos moralistas gregos. O Mestre reconheceu as muitas coisas boas que esses grandes instrutores representavam, mas ele havia vindo à Terra para ensinar algo mais: “A conformidade voluntária da vontade do homem à vontade de Deus”. Jesus não queria simplesmente produzir um homem religioso, um mortal ocupado integralmente com os sentimentos religiosos e movido apenas por impulsos espirituais. Caso pudésseis apenas ter dado uma olhada nele, teríeis sabido que Jesus era realmente um homem de grande experiência nas coisas deste mundo. Os ensinamentos de Jesus, a esse respeito, têm sido deturpados grosseiramente e bastante adulterados, durante todos esses séculos da era cristã; vós também tendes mantido idéias deturpadas sobre a mansidão e a humildade do Mestre. O que ele almejou, na sua vida, parece ter sido um auto-respeito magnífico. Ele só aconselhou o homem a humilhar-se, para que ele pudesse ser verdadeiramente exaltado; o que ele realmente almejava era a verdadeira humildade para com Deus. Ele dava grande valor à sinceridade — a um coração puro. A fidelidade era uma virtude cardinal segundo a sua avaliação do caráter, enquanto a coragem era a essência mesma dos seus ensinamentos. “Não temais” era o seu lema; e a persistência paciente, o seu ideal de força de caráter. Os ensinamentos de Jesus constituem uma religião de valor, de coragem e de heroísmo. E é exatamente por isso que ele escolheu, para serem os seus representantes pessoais, doze homens comuns, a maioria dos quais era de pescadores rudes, viris e varonis.
140:8.21 (1582.2) Pouco tendo a dizer sobre os vícios sociais dos seus dias, Jesus raramente fazia referência à degenerescência moral. Ele era um instrutor positivo da virtude verdadeira. Ele evitava atentamente o método negativo de administrar a instrução; ele recusava-se a apregoar qualquer coisa do mal. Ele nem mesmo foi um reformador moral. Ele bem sabia, e assim ele ensinou aos seus apóstolos, que as urgências sensuais da humanidade não são suprimidas nem pela repressão religiosa, nem pelas proibições legais. As suas poucas denúncias foram dirigidas mais contra o orgulho, a crueldade, a opressão e a hipocrisia.
140:8.22 (1582.3) Jesus não denunciou com veemência nem mesmo os fariseus, como o fez João. Sabia serem, muitos dos escribas e fariseus, honestos nos seus corações; ele compreendeu a submissão escravizada deles às tradições religiosas. Jesus punha uma grande ênfase em “primeiro tornar boa a árvore”. E fez com que aqueles três compreendessem bem que dava valor à vida como um todo, não apenas a algumas poucas virtudes em especial.
140:8.23 (1582.4) A coisa que João aprendeu com os ensinamentos desse dia foi que a essência da religião de Jesus consistia na aquisição de um caráter compassivo, junto com uma personalidade motivada a fazer a vontade do Pai do céu.
140:8.24 (1582.5) Pedro captou a idéia de que o evangelho, que estavam à beira de proclamar, era realmente um novo começo para toda a raça humana. E, posteriormente, passou essa impressão a Paulo; o qual, a partir disso, formulou a sua doutrina de Cristo como “o segundo Adão”.
140:8.25 (1582.6) Tiago captou a verdade emocionante de que Jesus queria que os seus filhos na Terra vivessem como se fossem já cidadãos completos do Reino celeste.
140:8.26 (1582.7) Jesus sabia que os homens são diferentes uns dos outros, e ensinou isso aos seus apóstolos. Ele exortava-os constantemente a absterem-se de tentar moldar os discípulos e crentes de acordo com algum modelo preestabelecido. Ele procurava permitir a cada alma desenvolver-se do seu próprio modo, como almas individuais e isoladas perfeccionando-se perante Deus. Em resposta a uma das muitas perguntas de Pedro, o Mestre disse: “Eu quero deixar os homens livres, de um modo tal que possam começar novamente como pequenas crianças, na vida nova e melhor”. Jesus sempre insistiu em que a verdadeira bondade deve ser inconsciente, que ao fazer a caridade não se devia deixar que a mão esquerda percebesse o que faz a mão direita.
140:8.27 (1583.1) Os três apóstolos ficaram chocados, nessa tarde, quando compreenderam que a religião do seu Mestre não dava meios para que se fizesse um auto-exame espiritual. Todas as religiões, antes e depois da época de Jesus, e mesmo o cristianismo, cuidadosamente davam condições de um auto-exame consciente. Contudo, não era assim com a religião de Jesus de Nazaré. A filosofia de vida de Jesus é desprovida dessa introspecção religiosa. O filho do carpinteiro nunca ensinou a elaboração do caráter; ele ensinou o crescimento do caráter, esclarecendo que o Reino do céu é como uma semente de mostarda. Todavia, Jesus nada disse que condenasse a auto-análise como um meio de precaver-se para impedir o egoísmo pretensioso.
140:8.28 (1583.2) O direito de entrar no Reino é condicionado pela fé, pela crença pessoal. O custo, a ser pago para permanecer na ascensão progressiva do Reino, é uma pérola de alto preço e, para possuí-la, um homem vende tudo o que tem.
140:8.29 (1583.3) O ensinamento de Jesus é uma religião para todos, não apenas para os fracos e os escravos. A sua religião nunca se tornou cristalizada (durante a sua época) em credos e leis teológicas; ele não deixou uma linha escrita sequer atrás de si. A sua vida e os seus ensinamentos foram legados ao universo, como uma herança inspiradora e idealista adequada para guiar espiritualmente e para a instrução moral de todas as idades; e em todos os mundos. E, mesmo hoje, os ensinamentos de Jesus permanecem fora de todas as religiões, como tais; constituindo-se, porém, nas esperanças vivas de todas elas.
140:8.30 (1583.4) Jesus não ensinou aos seus apóstolos que a religião é a única busca terrena do homem; essa era a idéia judaica de servir a Deus. Contudo, ele insistiu que a religião fosse a ocupação exclusiva dos doze. Jesus nada ensinou que dissuadisse os seus crentes da busca da cultura genuína; ele apenas não dava mérito às escolas religiosas de Jerusalém, presas à tradição. Ele era liberal, generoso, instruído e tolerante. A piedade autoconsciente não tinha lugar na sua filosofia do viver na retidão.
140:8.31 (1583.5) O Mestre não propôs soluções para os problemas não religiosos da sua própria idade, nem de qualquer idade subseqüente. Jesus almejava desenvolver um discernimento espiritual das realidades eternas e estimular a iniciativa na originalidade de viver; e preocupou-se exclusivamente com as necessidades espirituais fundamentais e permanentes da raça humana. Ele revelou uma bondade igual à de Deus. Exaltou o amor — a verdade, a beleza e a bondade — como o ideal divino e a realidade eterna.
140:8.32 (1583.6) O Mestre veio para criar, no homem, um novo espírito, uma nova vontade — para imprimir uma nova capacidade de conhecer a verdade, experimentando a compaixão e escolhendo a bondade — , a vontade para estar em harmonia com a vontade de Deus, conjugada com o impulso eterno de tornar-se perfeito, como o próprio Pai no céu é perfeito.
140:9.1 (1583.7) O sábado seguinte Jesus devotou-o aos seus apóstolos, fazendo, de novo, a jornada às terras altas onde ele os tinha ordenado; e lá, depois de uma longa e maravilhosamente tocante mensagem pessoal de encorajamento, ele iniciou o ato solene da consagração dos doze. Nesse sábado, à tarde, Jesus reuniu os apóstolos em torno de si, na montanha, e os colocou nas mãos do seu Pai do céu, em preparação para o dia em que fosse obrigado a abandoná-los no mundo. Nenhum novo ensinamento houve nessa ocasião, apenas o encontro e a comunhão.
140:9.2 (1584.1) Jesus relembrou muitos aspectos do sermão da ordenação, dado naquele mesmo local, e então, chamando-os diante de si, um a um, ele encarregou-os com a missão de saírem para o mundo, como representantes dele. A responsabilidade da consagração dada pelo Mestre foi: “Ide, ao mundo inteiro, pregar as boas-novas do Reino. Liberai os prisioneiros espirituais, confortai os oprimidos e ministrai aos aflitos. De graça recebestes, e de graça deveis dar”.
140:9.3 (1584.2) Jesus lhes aconselhou a não aceitarem dinheiro nem roupas suplementares, dizendo: “O trabalhador vale o próprio salário”. E finalmente acrescentou: “Observai que eu os envio, como ovelhas, em meio a lobos; sede, portanto, sábios como serpentes, e inofensivos como pombos. Mas tende cuidado, pois os vossos inimigos vos levarão perante os conselhos deles e, nas sinagogas, eles vos criticarão e castigarão. Sereis levados perante os chefes e governantes, porque vós acreditais neste evangelho; e o vosso depoimento mesmo será uma testemunha de mim para eles. E quando eles vos conduzirem ao julgamento, não vos inquieteis sobre o que ireis dizer, pois o espírito do meu Pai reside em vós e, em uma hora dessas, ele irá falar por vosso intermédio. Alguns de vós sereis levados à morte e, antes de estabelecerdes o Reino na Terra, vós sereis odiados por muita gente, por causa desse evangelho; mas não temais; eu estarei convosco e o meu espírito irá, antes de vós, a todo o mundo. E a presença do meu Pai residirá em vós, quando estiverdes indo aos judeus, inicialmente, e depois aos gentios”.
140:9.4 (1584.3) E, quando desceram a montanha, eles foram de volta para o seu lar na casa de Zebedeu.
140:10.1 (1584.4) Naquela noite, enquanto ensinava na casa, pois havia começado a chover, Jesus falou demoradamente a eles, tentando mostrar aos doze o que eles deviam ser, não o que deviam fazer. Eles conheciam uma religião que lhes impunha que só fizessem determinadas coisas como meio de alcançar a retidão — a salvação. E Jesus reiterava: “No Reino, vós deveis ser retos e justos para fazerdes o trabalho”. Muitas vezes ele repetiu: “Sede, portanto, perfeitos, como o vosso próprio Pai no céu é perfeito”. A todo o tempo estava o Mestre explicando aos seus apóstolos desnorteados que a salvação que ele viera trazer ao mundo seria obtida apenas pela crença, pela fé simples e sincera. Disse Jesus: “João pregou um batismo de arrependimento, de pesar pelo modo antigo de viver. Vós ireis proclamar o batismo do companheirismo com Deus. Pregai o arrependimento àqueles que estão em necessidade desse ensinamento, mas, àqueles que buscam já a admissão sincera ao Reino, abri as portas bem abertas e convidai-os a entrar na jubilosa comunhão dos filhos de Deus”. Mas era uma tarefa difícil a de persuadir esses pescadores galileus de que, no Reino, ser reto, por meio da fé, deve vir antes do fazer com retidão, na vida diária dos mortais da Terra.
140:10.2 (1584.5) Outro grande obstáculo para esse trabalho de instrução dos doze foi a tendência deles de tomar os princípios altamente idealistas e espirituais, da verdade religiosa, e colocá-los na forma de regras concretas de conduta pessoal. Jesus queria apresentar a eles o espírito magnificamente belo da atitude da alma, mas eles insistiam em traduzir esses ensinamentos em regras para o comportamento pessoal. Muitas vezes, quando se asseguravam de lembrar-se daquilo que o Mestre dissera, era quase que certo que eles se esquecessem do que ele não tinha dito. Mas, vagarosamente, eles assimilavam os seus ensinamentos, mesmo porque Jesus era, de fato, tudo o que ele ensinava. O que eles não ganhavam da sua instrução verbal, eles adquiriam, gradualmente, vivendo com ele.
140:10.3 (1585.1) Não estava visivelmente claro para os apóstolos que o seu Mestre achava-se empenhado em viver uma vida de inspiração espiritual para todas as pessoas, de todas as idades, em todos os mundos de um vasto universo. Não obstante o que Jesus dizia a eles, de tempos em tempos, os apóstolos não captaram a idéia de que ele estava fazendo um trabalho, neste mundo, mas que serviria para todos os outros mundos da sua vasta criação. Jesus viveu a sua vida terrena em Urântia, não para estabelecer um exemplo pessoal de vida mortal, para os homens e mulheres deste mundo, mas, antes, para criar um ideal espiritual elevado e inspirador, para todos os seres mortais em todos os mundos.
140:10.4 (1585.2) Nessa mesma tarde, Tomé perguntou a Jesus: “Mestre, tu dizes que devemos transformar-nos como que em pequenas crianças, antes que possamos ganhar a entrada no Reino do Pai, e tu ainda nos preveniste para não sermos enganados por falsos profetas e para não sermos culpados de jogarmos as nossas pérolas diante de porcos. Agora, fiquei honestamente perplexo. Eu não consigo entender os teus ensinamentos”. Jesus respondeu a Tomé: “Por quanto tempo vou tolerar-vos! Vós sempre insistis em tomar literalmente tudo o que eu ensino. Quando eu vos pedi que vos tornásseis crianças pequenas, como preço para a entrada no Reino, eu me referia não à facilidade de serdes enganados, não à mera tendência para acreditar, nem à rapidez para confiar em estranhos agradáveis. O que desejei que vós captásseis, com a ilustração, foi a relação pai-filho. Vós sois as crianças, e é no Reino do vosso Pai que buscais entrar. E, se presente está aquele afeto natural entre toda a criança normal e o seu pai, que assegura um entendimento e uma relação de amor, ela para sempre exclui qualquer necessidade de barganhar pelo amor e pela misericórdia do Pai. E o evangelho que vós ireis pregar tem a ver com uma salvação que vem da realização pela fé dessa mesma relação eterna entre pai e filho”.
140:10.5 (1585.3) A grande característica do ensinamento de Jesus era que a moralidade da sua filosofia originava-se na relação pessoal do indivíduo com Deus — esse mesmo relacionamento entre a criança e o pai. Jesus colocou ênfase no indivíduo, e não na raça nem na nação. Enquanto jantavam, Jesus teve a conversa com Mateus, na qual ele explicou que a moralidade de qualquer ato é determinada pelo motivo do indivíduo. A moralidade de Jesus era sempre positiva. A regra de ouro restabelecida por Jesus demanda contato social ativo; a regra negativa mais antiga poderia ser obedecida em isolamento. Jesus retirou a moralidade de todas as regras e cerimônias e elevou-a aos níveis grandiosos do pensamento espiritual e do viver realmente da retidão.
140:10.6 (1585.4) Essa nova religião de Jesus não estava isenta de implicações práticas, mas tudo o que puder ser encontrado no seu ensinamento, que tiver algum valor prático, seja político, seja social ou econômico, será uma decorrência natural dessa experiência interior da alma, que manifesta os frutos do espírito na ministração diária espontânea da experiência religiosa pessoal genuína.
140:10.7 (1585.5) Depois que Jesus e Mateus haviam acabado de conversar, Simão zelote perguntou: “Mas, Mestre, todos os homens são filhos de Deus?” E Jesus respondeu: “Sim, Simão, todos os homens são filhos de Deus, e essa é a boa-nova que vós ireis proclamar”. Os apóstolos, todavia, não podiam captar tal doutrina; era uma anunciação nova, estranha e surpreendente. E era por causa desse desejo de imprimir neles essa verdade que Jesus ensinou seus seguidores a tratar todos os homens como seus irmãos.
140:10.8 (1585.6) Em resposta a uma pergunta feita por André, o Mestre deixou claro que a moralidade do seu ensinamento era inseparável da religião do seu viver. Ele ensinou a moralidade, não a moralidade saída da natureza do homem, mas da relação do homem com Deus.
140:10.9 (1585.7) João perguntou a Jesus: “Mestre, o que é o Reino do céu?” E Jesus respondeu: “O Reino do céu consiste destes três elementos essenciais: primeiro, o reconhecimento do fato da soberania de Deus; segundo, a crença na verdade da filiação a Deus; e terceiro, a fé na eficácia do supremo desejo humano de fazer a vontade de Deus — de ser como Deus. E esta é a boa-nova do evangelho: a de que, pela fé, todo mortal pode ter esses elementos essenciais à salvação”.
140:10.10 (1586.1) E agora a semana de espera estava acabada, e eles prepararam-se para partir, no dia seguinte, rumo a Jerusalém.
O Livro de Urântia
Documento 141
141:0.1 (1587.1) NO PRIMEIRO dia da semana, 19 de janeiro, do ano 27 d.C, Jesus e os doze apóstolos estavam prontos para partir das suas instalações em Betsaida. Os doze de nada sabiam dos planos do seu Mestre, exceto que estavam indo até Jerusalém para assistir à festa da Páscoa, em abril, e que era intenção viajar pelo caminho do vale do Jordão. Não se afastaram da casa de Zebedeu antes de perto do meio-dia, porque as famílias dos apóstolos e outros discípulos vieram para despedir-se e desejar que eles se dessem bem no novo trabalho que iam começar.
141:0.2 (1587.2) Pouco antes de partir, os apóstolos se perderam do Mestre e André foi atrás dele. Depois de uma busca breve, encontrou-o assentado em um barco na praia; Jesus estava chorando. Muitas vezes, os doze haviam visto o Mestre demonstrando estar afligido e haviam presenciado, em breves momentos, as suas preocupações mentais sérias; nenhum deles, entretanto, jamais o havia visto chorar. André ficou um tanto assustado de ver o Mestre atingido desse modo, na véspera da partida deles para Jerusalém, e atreveu-se a chegar até Jesus e perguntar: “Neste grande dia, Mestre, quando nós estamos para partir rumo a Jerusalém no intuito de proclamar o Reino do Pai, por que choras? Qual de nós ter-te-ia ofendido?” E Jesus, voltando com André para junto dos doze, respondeu- lhe: “Nenhum de vós causastes essa tristeza. Eu me entristeci apenas porque ninguém da família do meu pai José lembrou-se de vir para nos desejar boa-viagem”. Naquele momento Rute estava visitando o seu irmão José em Nazaré. Outros membros da sua família mantiveram-se afastados por orgulho, desapontamento, mal-entendidos ou pequenos ressentimentos, que eles se permitiram ter em resultado de mágoas.
141:1.1 (1587.3) Cafarnaum não era distante de Tiberíades, e o renome de Jesus havia começado a espalhar-se bastante em toda a Galiléia, indo mesmo até locais mais distantes. Jesus sabia que Herodes logo seria informado sobre o seu trabalho; desse modo julgou que fosse melhor viajar para o sul e pela Judéia, com os apóstolos. Um grupo de mais de cem crentes desejava ir junto com eles, mas Jesus falou-lhes suplicando a eles que não acompanhassem o grupo apostólico, na sua jornada rio Jordão abaixo. Embora assentissem em permanecer quietos, muitos deles acabaram indo atrás do Mestre, depois de alguns dias.
141:1.2 (1587.4) No primeiro dia, Jesus e os apóstolos seguiram somente até Tariquéia, onde pousaram naquela noite. No dia seguinte, viajaram até um ponto no Jordão, perto de Pela, onde João havia pregado, cerca de um ano atrás, onde Jesus tinha recebido o batismo. Ali, pousaram por mais de duas semanas, ensinando e pregando. Ao fim da primeira semana, várias centenas de pessoas, procedentes da Galiléia, Fenícia, Síria, Decápolis, Peréia e Judéia, tinham-se agrupado em um acampamento perto de onde estavam Jesus e os doze.
141:1.3 (1588.1) Jesus não fez nenhum sermão público. André dividiu a multidão e designou os pregadores para as reuniões da manhã e da tarde; depois da refeição da noite, Jesus falou aos doze. Ele não lhes ensinou nada de novo, mas repassou o seu ensinamento anterior e respondeu às muitas perguntas deles. Numa dessas noites, ele disse aos doze algo sobre os quarenta dias que passara na montanha perto daquele lugar.
141:1.4 (1588.2) Muitos daqueles que vieram da Peréia e Judéia haviam sido batizados por João e estavam interessados em saber mais a respeito dos ensinamentos de Jesus. Os apóstolos conseguiram grande progresso, ensinando aos discípulos de João, pois de nenhum modo eles depreciaram as pregações de João, e também desta vez eles nem mesmo batizaram os seus novos discípulos. Entretanto, para os seguidores de João, era sempre uma pedra no caminho, que Jesus, sendo tudo aquilo que João havia anunciado, nada fizesse para tirá-lo da prisão. Os discípulos de João nunca puderam compreender por que Jesus não impediu a morte cruel do seu amado líder.
141:1.5 (1588.3) Noite após noite, André cuidadosamente ensinava aos seus amigos apóstolos a delicada e difícil tarefa de darem-se bem com os seguidores de João Batista. Durante esse primeiro ano da ministração pública de Jesus, mais do que três quartos dos seus seguidores haviam anteriormente seguido João e dele haviam recebido o batismo. Passaram todo esse ano, 27 d.C., retomando com serenidade o trabalho de João na Peréia e Judéia.
141:2.1 (1588.4) Na noite anterior àquela em que eles deixaram Pela, Jesus deu aos apóstolos mais instruções a respeito do novo Reino. Disse o Mestre: “Tem sido indicado a vós esperar pela vinda do Reino de Deus; agora eu estou anunciando que este Reino há muito esperado está próximo e à mão, e até mesmo que já está aqui e em meio a nós. Em todo reino deve haver um rei assentado no seu trono e decretando as leis desse reino. E assim vós desenvolvestes um conceito do Reino do céu como um governo glorificado do povo judeu sobre todos os povos da Terra, com um Messias assentado no trono de Davi e, desse local de poder miraculoso, promulgando as leis para todo o mundo. Todavia, meus filhos, não vedes com os olhos da fé, e não ouvis com o ouvido do espírito. Eu declaro que o Reino do céu é a realização e o reconhecimento do governo de Deus, dentro dos corações dos homens. É bem verdade, há um Rei neste Reino, e esse Rei é o meu Pai e vosso Pai. De fato nós somos os seus súditos leais, mas, transcendendo de longe, a esse fato, está a verdade transformadora de que nós somos os seus filhos. Na minha vida tal verdade está tornando-se manifestada para todos. O nosso Pai também se assenta em um trono, mas não um trono feito pelas mãos. O trono do Infinito é a eterna morada do Pai no céu dos céus; Ele completa todas as coisas e proclama as Suas leis de universos a universos. E o Pai também governa dentro dos corações dos Seus filhos na Terra, pelo espírito que Ele enviou para viver dentro das almas dos homens mortais.
141:2.2 (1588.5) “Quando fordes súditos desse Reino, de fato ouvireis a lei do Soberano do Universo; e, em conseqüência do evangelho do Reino que eu vim declarar, quando vós vos descobrirdes pela fé, como filhos, não mais vos vereis como criaturas súditas da lei de um rei Todo-Poderoso, mas vos vereis como filhos privilegiados de um Pai divino e amantíssimo. Em verdade, em verdade, eu vos digo, enquanto a vontade do Pai for como uma lei, para vós, difícil será estar no Reino. Mas quando a vontade do Pai tornar-se verdadeiramente a vossa vontade, então estareis de fato no Reino, porque o Reino ter-se-á tornado assim uma experiência estabelecida dentro de vós. Enquanto a vontade de Deus for a vossa lei, permanecereis como nobres súditos escravos; mas quando acreditardes nesse novo evangelho da filiação divina, a vontade do meu Pai tornar-se-á a vossa vontade, e então sereis elevados à alta posição de filhos livres de Deus, filhos liberados do Reino”.
141:2.3 (1589.1) Alguns dos apóstolos conseguiram captar algo desse ensinamento, mas nenhum deles compreendeu, na sua plenitude, o significado dessa anunciação espantosa, exceto talvez Tiago Zebedeu. Essas palavras, contudo, calaram fundo nos seus corações; mas ressurgiram alegrando os ministérios deles, durante os últimos anos de serviço.
141:3.1 (1589.2) O Mestre e os seus apóstolos permaneceram perto de Amatos, por quase três semanas. Os apóstolos continuaram pregando duas vezes por dia à multidão, e Jesus pregava aos sábados à tarde. Tornou-se impossível continuar com as recreações às quartas-feiras; e assim André fez um arranjo para que dois apóstolos descansassem um dia, dos seis na semana, ao passo que aos serviços do sabat todos estariam cumprindo o seu dever.
141:3.2 (1589.3) Pedro, Tiago e João realizavam a maior parte das pregações públicas. Filipe, Natanael, Tomé e Simão ocupavam-se com grande parte do trabalho pessoal e davam instruções para os grupos especiais de buscadores da verdade; os gêmeos continuavam no seu trabalho geral de supervisão da segurança, enquanto André, Mateus e Judas formavam um comitê geral de administração a três, embora cada um deles também fizesse um trabalho religioso considerável.
141:3.3 (1589.4) André estava bastante ocupado com a tarefa de desfazer os mal-entendidos e desacordos constantes e repetidos entre os discípulos de João e os discípulos mais recentes de Jesus. Situações sérias surgiam de poucos em poucos dias, mas André com a assistência do corpo de apóstolos conseguia fazer com que as partes em contenda chegassem a alguma espécie de acordo, temporariamente ao menos. Jesus recusava-se a participar de qualquer dessas conversas; e também não daria nenhum conselho sobre como fazer os acordos adequados para essas dificuldades. Nem mesmo uma vez ele ofereceu sugestão de como os apóstolos deviam resolver tais questões desconcertantes. Quando André trazia essas questões a Jesus, este dizia sempre: “Não é sábio que o dono da festa participe das complicações com a família dos seus convidados; um pai sábio nunca toma partido nas pequenas rixas entre os seus próprios filhos”.
141:3.4 (1589.5) O Mestre demonstrou uma grande sabedoria e manifestou perfeita eqüidade em todas as suas condutas para com os seus apóstolos e para com todos os seus discípulos. Jesus era verdadeiramente um mestre para os homens; ele exerceu grande influência sobre o seu semelhante humano, porque a sua personalidade combinava encanto e força. Havia uma influência sutil de comando na sua vida austera, nômade e sem lar. Havia uma atração intelectual e um poder de atração espiritual na sua maneira de ensinar com autoridade, na sua lógica lúcida, na sua força de raciocínio, na sagacidade do seu discernimento, na agilidade da sua mente, no seu equilíbrio sem par e na sua tolerância sublime. Ele era simples, varonil, honesto e destemido. Junto a toda essa influência física e intelectual, manifestada pela simples presença do Mestre, havia também todos os encantos espirituais do ser, que se tornaram inerentes à sua personalidade — paciência, ternura, mansidão, doçura e humildade.
141:3.5 (1589.6) Jesus de Nazaré era de fato uma pessoa forte e poderosa; ele era um poder intelectual e uma fortaleza espiritual. A sua personalidade era de um grande apelo não só para as mulheres voltadas para a espiritualidade, entre os seus seguidores, mas também para o instruído e intelectual Nicodemos e para o duro soldado romano, o capitão da guarda parado junto à cruz, e que, quando terminara de ver o Mestre morrer, disse: “Verdadeiramente, este foi um Filho de Deus”. E os rudes e vigorosos pescadores galileus chamavam-no de Mestre.
141:3.6 (1590.1) As pinturas retratando Jesus têm sido bastante infelizes. Essas pinturas do Cristo têm exercido uma influência deletéria sobre a juventude; os mercadores do templo dificilmente teriam fugido diante de Jesus, caso ele tivesse sido um homem tal como os vossos artistas têm-no retratado usualmente. A sua masculinidade era cheia de dignidade; ele era bom, e isso era natural. Jesus não posava como um místico suave, doce, gentil e bom. O seu ensinamento era de um dinamismo impressionante. Ele não apenas tinha boas intenções, mas realmente percorria os lugares fazendo o bem.
141:3.7 (1590.2) O Mestre nunca disse: “Vinde a mim todos vós que sois indolentes e todos vós que sois sonhadores”. No entanto, muitas vezes disse: “Vinde a mim todos vós que trabalhais, e eu vos darei descanso — força espiritual”. O jugo do Mestre realmente é leve, mas, ainda assim, ele nunca o impõe; cada indivíduo deve tomar esse jugo pela sua própria e livre vontade.
141:3.8 (1590.3) Jesus retratou a conquista pelo sacrifício, o sacrifício do orgulho e do egoísmo. Ao mostrar misericórdia, ele almejava retratar a libertação espiritual de todos os ressentimentos, mágoas, raiva, ambição de poder pessoal e vingança. E, quando ele dizia: “Não resistais ao mal”, não era com a intenção de buscar desculpas para o pecado, nem de aconselhar a confraternização com a iniqüidade, conforme explicou mais tarde. Ele tinha a intenção de ensinar mais ainda o perdão, de “não resistir ao mau tratamento infligido à vossa personalidade, aos ferimentos profundos causados aos vossos sentimentos de dignidade pessoal”.
141:4.1 (1590.4) Enquanto permanecia em Amatos, Jesus passou muito tempo com os apóstolos instruindo-os sobre o novo conceito de Deus; de novo e de novo ele tentava imprimir neles a idéia de que Deus é um Pai, não um guarda-livros grande e supremo que está preocupado mais em registrar os males causados pelos seus filhos errantes da Terra, em fazer os registros dos seus pecados e perversidades, para serem usados contra eles, quando Ele for julgá-los posteriormente como o Juiz justo de toda a criação. Os judeus tinham já, havia muito tempo, concebido Deus como um rei que se sobrepunha a tudo, até mesmo como um Pai da nação, mas nunca antes um grande número de mortais havia alimentado a idéia de Deus como um Pai cheio de amor pelo indivíduo.
141:4.2 (1590.5) À pergunta de Tomé: “Quem é este Deus do Reino?” — Jesus respondeu: “Deus é o vosso Pai; e a religião — meu evangelho — nada mais é, nem nada menos, do que o reconhecimento crente da verdade de que vós sois os filhos Dele. E eu estou aqui entre vós, na carne, para tornar claras ambas essas idéias, por meio da minha vida e dos meus ensinamentos”.
141:4.3 (1590.6) Jesus também buscou libertar as mentes dos seus apóstolos da idéia de oferecer sacrifícios animais como um dever religioso. Aqueles homens, no entanto, instruídos na religião do sacrifico diário, eram lentos para compreender o que ele queria dizer. Contudo, o Mestre nunca se cansou nem se aborreceu durante a ministração do seu ensinamento. Quando ele não conseguia alcançar as mentes de todos os apóstolos por meio de uma ilustração, ele repetia a sua mensagem e empregaria um outro tipo de parábola com o propósito de esclarecê-los.
141:4.4 (1590.7) Nessa época, Jesus começou a ensinar mais plenamente aos doze a respeito da missão que eles tinham “de confortar os aflitos e de ministrar aos doentes”. O Mestre ensinou-lhes muito sobre o homem, como um todo — a união do corpo, mente e espírito; que formam o homem ou a mulher individualmente. Jesus falou aos seus colaboradores sobre as três formas de aflição que eles encontrariam e explicou como eles deveriam ministrar a todos aqueles que sofrem as tristezas das doenças humanas. Ele ensinou-lhes a reconhecer:
141:4.5 (1591.1) 1. As doenças da carne — aquelas aflições consideradas comumente como sendo as doenças físicas.
141:4.6 (1591.2) 2. As mentes perturbadas — aquelas aflições não físicas, que foram consideradas, posteriormente, como dificuldades e perturbações emocionais e mentais.
141:4.7 (1591.3) 3. A possessão de espíritos malignos.
141:4.8 (1591.4) Em várias ocasiões, Jesus explicou aos seus apóstolos sobre a natureza e algo a respeito da origem desses espíritos maus, também chamados, naquela época, de espíritos impuros. O Mestre bem sabia a diferença entre a posse dos espíritos malignos e a insanidade, mas os apóstolos não sabiam. Aquilo não era compreensível para eles, e Jesus, tampouco, podia fazer-lhes entender nada dessa questão, em vista dos conhecimentos limitados deles sobre a história anterior de Urântia. Por muitas vezes, todavia, Jesus disse-lhes, aludindo a tais espíritos malignos: “Eles não mais molestarão os homens quando eu tiver ascendido ao meu Pai no céu, e depois que eu houver efundido o meu espírito sobre toda a carne, na época em que o Reino virá em grande poder e glória espiritual”.
141:4.9 (1591.5) De semana a semana e de mês a mês, durante todo esse ano, os apóstolos deram mais e mais atenção à ministração da cura aos doentes.
141:5.1 (1591.6) Uma das palestras noturnas mais movimentadas de Amatos foi a reunião em que se discutiu sobre a unidade espiritual. Tiago Zebedeu havia perguntado: “Mestre, como aprenderemos a ver de um modo igual, para assim desfrutarmos de maior harmonia entre nós próprios?” Quando Jesus ouviu essa pergunta, ficou tão tocado, dentro do seu espírito, que respondeu: “Tiago, Tiago, quando foi que eu ensinei a vós que devêsseis ver tudo do mesmo modo? Eu vim ao mundo para proclamar a liberdade espiritual, com o fito de que os mortais pudessem ter o poder de viver vidas individuais de originalidade e de liberdade, diante de Deus. Eu não desejo que a harmonia social e a paz fraterna sejam compradas com o sacrifício da livre personalidade e da originalidade espiritual. O que eu vos peço, meus apóstolos, é a unidade espiritual — e isso vós podeis experimentar na alegria da vossa dedicação unida a fazer de todo o coração a vontade do meu Pai no céu. Vós não tendes que ver de um modo igual, nem tendes de sentir do mesmo modo, nem mesmo pensar da mesma maneira, para serdes espiritualmente iguais. A unidade espiritual deriva-se da consciência de que cada um de vós é residido, e crescentemente dominado, pela dádiva espiritual do Pai celeste. A vossa harmonia apostólica deve crescer do fato de que a esperança espiritual de todos vós é idêntica pela origem, natureza e destino.
141:5.2 (1591.7) “Desse modo, podeis experienciar a unidade perfeccionada de propósito espiritual e compreensão espiritual, que nasce da consciência comum da identidade dos vossos espíritos residentes vindos do Paraíso; e podeis desfrutar de toda a profunda unidade espiritual, mesmo haverndo grande diversidade entre vossas atitudes individuais de pensamento intelectual, sentimentos, temperamento e conduta social. As vossas personalidades podem ser diversas de um modo animador e, mesmo, marcadamente diferentes, enquanto as vossas naturezas espirituais e frutos espirituais, de adoração divina e amor fraterno, podem ser tão unificados que todos aqueles que contemplarem as vossas vidas certamente tomarão conhecimento dessa identidade de espírito e dessa unidade de alma; eles irão reconhecer que vós estivestes comigo e que, por meio desse fato e de um modo aceitável, aprendestes como fazer a vontade do Pai no céu. Vós podeis alcançar a unidade, no serviço de Deus, até mesmo quando estiverdes prestando tal serviço segundo a técnica dos vossos próprios dons de mente, corpo e alma.
141:5.3 (1592.1) “A vossa unidade espiritual implica duas coisas que sempre se harmonizarão nas vidas dos crentes individuais. A primeira: vós estais possuídos por um motivo comum para uma vida de serviço; todos vós desejais fazer, acima de qualquer coisa, a vontade do Pai no céu. E a segunda: todos vós tendes uma meta comum de existência; todos vós tendes o propósito de encontrar o Pai nos céus para, por meio disso, demonstrardes ao universo que vos tornastes como Ele”.
141:5.4 (1592.2) Muitas vezes, durante o aperfeiçoamento dos doze, Jesus retomou esse tema. Repetidamente disse-lhes não ser do seu desejo que aqueles que acreditavam nele viessem a tornar-se dogmatizados e padronizados, de acordo com a interpretação religiosa, ainda que fosse como homens bons. De novo e de novo ele preveniu aos seus apóstolos contra a formulação de credos e contra o estabelecimento de tradições, como um meio de guiar e de controlar os crentes no evangelho do Reino.
141:6.1 (1592.3) Perto do fim da última semana em Amatos, Simão zelote trouxe a Jesus um certo Teherma, um persa que fazia negócios em Damasco. Teherma havia ouvido falar de Jesus e tinha vindo a Cafarnaum para vê-lo; e, uma vez lá, sendo informado de que Jesus havia seguido com os seus apóstolos Jordão abaixo a caminho de Jerusalém, ele partiu para encontrá-lo. André havia apresentado Teherma a Simão, para a instrução. Simão via o persa como um “adorador do fogo”, embora Teherma só a duras penas conseguisse explicar que o fogo era apenas o símbolo visível do Único Puro e Sagrado. Depois de conversar com Jesus, o persa demonstrou a sua intenção de permanecer por vários dias para ouvir os ensinamentos e para escutar as pregações.
141:6.2 (1592.4) Quando Simão zelote e Jesus estavam a sós, Simão perguntou ao Mestre: “Por que é que eu não consegui persuadi-lo? Por que é que ele resistia tanto a mim, e tão prontamente deu ouvidos a ti?” Jesus respondeu: “Simão, Simão, quantas vezes eu te ensinei sobre absteres-te de qualquer esforço para tirar algo de dentro dos corações daqueles que buscam a salvação? Quão freqüentemente eu não tenho dito a ti para trabalhar apenas para colocar algo dentro dessas almas famintas? Conduze os homens ao Reino; e as verdades grandes e vivas do Reino, em breve, expulsarão todos os erros sérios. Quando tiveres apresentado ao homem mortal as boas-novas de que Deus é o Pai dele, tu poderás, com mais facilidade, persuadi- lo de que ele é, em realidade, um filho de Deus. E tendo feito isso, tu terás trazido a luz da salvação para aquele que estava nas trevas. Simão, quando o Filho do Homem chegou a ti pela primeira vez, ele chegou denunciando Moisés e os profetas, na proclamação de um novo e melhor caminho de vida? Não. Eu não vim para tirar aquilo que todos vós recebestes dos vossos antepassados, mas para mostrar-vos a visão perfeccionada daquilo que os vossos pais viram apenas parcialmente. Vai então, Simão, ensinar sobre o Reino e pregá-lo; e, quando tu tiveres trazido um homem com certeza e segurança para dentro do Reino, então é o momento, quando ele vier a ti com perguntas, de dar-lhe a instrução que tem a ver com o avanço progressivo da alma para dentro do Reino divino”.
141:6.3 (1592.5) Simão ficara pasmo com essas palavras, e fez como Jesus lhe tinha instruído, e Teherma, o persa, estava entre aqueles que entraram no Reino.
141:6.4 (1592.6) Naquela noite, Jesus discursou aos apóstolos sobre a nova vida no Reino. O que ele disse, em parte, foi: “Quando entrardes no Reino, vós renascereis. Vós não podeis ensinar as coisas profundas do espírito àqueles que nasceram apenas na carne; vede primeiro se os homens nasceram para o espírito antes de tentardes instruí-los nos caminhos avançados do espírito. Não deveis tentar evidenciar as belezas do templo para os homens, sem terdes, antes, levado-os até o templo. Apresentai a Deus os homens, como filhos de Deus, antes de discursar sobre as doutrinas da paternidade de Deus e a filiação dos homens. Não disputeis com os homens — sede pacientes, sempre. O Reino não é vosso; sois apenas os embaixadores. Simplesmente proclamai que esse é o Reino do céu — Deus é o vosso Pai e vós sois os Seus filhos e essa é a boa-nova; se acreditardes nela de todo o coração, ela será a vossa salvação eterna”.
141:6.5 (1593.1) Os apóstolos fizeram um grande progresso durante a permanência em Amatos. No entanto, ficaram muito decepcionados porque Jesus não deu a eles nenhuma sugestão sobre como lidar com os discípulos de João. Mesmo sobre a importante questão do batismo, tudo o que Jesus disse foi: “De fato, João batizou com a água, mas, quando entrardes no Reino do céu, vós sereis batizados com o Espírito”.
141:7.1 (1593.2) Aos 26 de fevereiro, Jesus, os seus apóstolos e um grande grupo de seguidores viajaram Jordão abaixo até um vau perto de Betânia, na Peréia, local onde João fizera a primeira proclamação do Reino vindouro. Junto com os seus apóstolos, Jesus permaneceu ali, ensinando e pregando, durante quatro semanas, antes de irem todos para Jerusalém.
141:7.2 (1593.3) Na segunda semana de permanência em Betânia, além do Jordão, Jesus levou Pedro, Tiago e João até as colinas, depois do rio, ao sul de Jericó, para um descanso de três dias. O Mestre ensinou aos três muitas verdades novas e avançadas sobre o Reino do céu. Com o propósito de fazer o registro desses ensinamentos, nós os reorganizamos e classificamos, como a seguir:
141:7.3 (1593.4) Jesus empenhou-se em deixar clara a sua vontade de que, havendo provado das boas realidades espirituais do Reino, os discípulos vivessem no mundo de tal modo que os homens, vendo a vida deles, se tornassem conscientes do Reino e conseqüentemente fossem levados a perguntar aos crentes sobre os caminhos para o Reino. E todos esses buscadores sinceros da verdade, de fato, ficaram alegres ao ouvir as boas-novas sobre a dádiva da fé que assegura a admissão ao Reino, com as suas realidades espirituais eternas e divinas.
141:7.4 (1593.5) O Mestre buscava imprimir, em todos os instrutores do evangelho do Reino, a sua única meta que era revelar Deus, para o homem individual, como o seu Pai — para conduzir esse homem individual a tornar-se consciente da sua filiação; e então apresentar esse mesmo homem a Deus, como o seu filho pela fé. Ambas essas revelações essenciais são realizadas em Jesus. Ele tornou-se, de fato, “o caminho, a verdade e a vida”. A religião de Jesus era inteiramente baseada na sua vida de auto-outorga na Terra. Quando Jesus partiu deste mundo, ele não deixou para trás livros ou leis, nem outras formas de organização humana, ligadas à vida religiosa do indivíduo.
141:7.5 (1593.6) Jesus explicou claramente que tinha vindo para estabelecer relações pessoais e eternas com os homens, relações estas que teriam precedência sobre todas as outras relações humanas. E enfatizou que essa relação espiritual íntima, de comunhão, seria estendida a todos os homens, de todas as idades e de todas as condições sociais, dentre todos os povos. A recompensa única que ele tinha para os seus filhos era: neste mundo — uma alegria espiritual e a comunhão divina; no próximo mundo — uma vida eterna, de progresso nas realidades espirituais divinas do Pai do Paraíso.
141:7.6 (1593.7) Jesus colocou grande ênfase naquilo que chamava as duas verdades de primeira importância nos ensinamentos do Reino, sendo elas: alcançar a salvação pela fé, e apenas pela fé; e associá-la ao ensinamento revolucionário da realização da iberdade humana, por intermédio do reconhecimento sincero da verdade de que “vós conhecereis a verdade, e a verdade libertar-vos-á”. Jesus era a verdade manifestada na carne, e ele prometeu enviar o seu Espírito da Verdade aos corações de todos os seus filhos, depois do seu retorno ao Pai no céu.
141:7.7 (1594.1) O Mestre estava ensinando a esses apóstolos os elementos essenciais da verdade, para toda uma idade na Terra. Freqüentemente eles ouviam os seus ensinamentos, ainda que, na realidade, em tudo o que ele dizia, houvesse a intenção de ser a inspiração e a edificação de outros mundos. O exemplo dele foi um plano novo e original de vida. Do ponto de vista humano ele foi realmente um judeu, mas viveu a sua vida para todos os mundos, como um mortal desta esfera.
141:7.8 (1594.2) Para assegurar o reconhecimento do seu Pai, no desdobrar do plano do Reino, Jesus explicou que, propositalmente, havia ignorado os “grandes homens da Terra”. Ele começou o seu trabalho com os pobres, a mesma classe que tinha sido tão negligenciada pela maioria das religiões evolucionárias dos tempos precedentes. Ele não desprezava nenhum homem; o seu plano abrangia o mundo inteiro e era de fato universal. Ele era tão audacioso e enfático nesses anúncios, que até mesmo Pedro, Tiago e João foram tentados a pensar que ele pudesse talvez estar fora de si.
141:7.9 (1594.3) Docemente, Jesus buscou levar aos apóstolos a verdade de que havia vindo, na sua missão de outorga, não para estabelecer um exemplo para umas poucas criaturas da Terra, mas para estabelecer e demonstrar um modo exemplar de vida humana para todos os povos de todos os mundos do seu universo inteiro. E esse modo de vida aproximou-se da mais alta perfeição, e mesmo da bondade final do Pai Universal. No entanto, os apóstolos não puderam compreender o significado das suas palavras.
141:7.10 (1594.4) Ele anunciou que havia vindo para funcionar como um instrutor, um instrutor enviado do céu para apresentar a verdade espiritual à mente material. E isso foi exatamente o que ele fez; sendo um instrutor, não um pregador. Do ponto de vista humano, Pedro foi muito mais efetivamente um pregador do que Jesus. A pregação de Jesus era bastante eficiente por causa da sua personalidade única, mais do que em decorrência de um atrativo irresistível, oratório ou emocional. Jesus falava diretamente às almas dos homens. Ele era um instrutor dos espíritos dos homens, mas instruía por meio da mente. Ele viveu com os homens.
141:7.11 (1594.5) Foi nessa ocasião que Jesus confessou a Pedro, a Tiago e a João que o seu trabalho na Terra devia, sob alguns pontos de vista, ficar limitado pelos mandados dos seus “colaboradores no alto”, referindo-se às instruções de pré-outorga de Emanuel, o seu irmão do Paraíso. E disse a eles que havia vindo para fazer a vontade do seu Pai e apenas a vontade do seu Pai. Como estivesse motivado por uma unicidade totalmente sincera de propósito, ele não se preocupava, de um modo ansioso, com o mal no mundo.
141:7.12 (1594.6) Os apóstolos estavam começando a reconhecer a amizade espontânea de Jesus. Embora o Mestre fosse de aproximação fácil, ele vivia sempre independentemente de todos os seres humanos, e acima deles. Jamais, sequer por um momento, ele foi dominado por qualquer influência mortal ou sujeitou-se ao débil julgamento humano. Ele não dava atenção à opinião pública, e não era influenciado pelo elogio. Raramente perdia tempo em corrigir mal-entendidos, ou se ressentia com as apresentações falsas dos fatos. Nunca pediu conselhos a nenhum homem, nem fez pedidos de preces.
141:7.13 (1594.7) Tiago ficava maravilhado de ver como Jesus parecia antever o fim a partir de um simples começo. O Mestre raramente parecia surpreender-se. Nunca se mostrava agitado, vexado ou desconcertado. Ele nunca precisou pedir desculpas a nenhum homem. Algumas vezes ficava triste, mas nunca desalentado.
141:7.14 (1594.8) João reconhecia claramente que, não obstante todos os seus dons divinos, ele era humano, afinal. Jesus viveu como um homem, entre os homens; e compreendeu os homens, amou-os e sabia como comandá-los. Na sua vida pessoal, era tão humano, quanto incapaz de errar. E era sempre altruísta.
141:7.15 (1595.1) Embora Pedro, Tiago e João não pudessem compreender muito do que Jesus dizia, nessa ocasião, as suas palavras plenas de graça gravaram-se nos corações deles e, depois da crucificação e da ressurreição, elas ressurgiram para enriquecer grandemente e alegrar as suas ministrações posteriores. Não é de se admirar que esses apóstolos não tenham compreendido as palavras do Mestre, pois ele estava projetando sobre eles o plano de uma nova idade.
141:8.1 (1595.2) Durante a permanência de quatro semanas, em Betânia, além do Jordão, várias vezes por semana André designaria duplas apostólicas para irem a Jericó, por um dia ou dois. João tinha muitos crentes em Jericó, e a maioria deles recebia bem os ensinamentos mais avançados de Jesus e dos seus apóstolos. Nessas visitas a Jericó, os apóstolos começaram mais especificamente a cumprir as instruções de Jesus, de que ministrassem aos doentes; eles visitavam cada casa da cidade e procuravam confortar todas as pessoas afligidas.
141:8.2 (1595.3) Os apóstolos realizaram algum trabalho público em Jericó, mas os seus esforços eram principalmente de natureza mais silenciosa e pessoal. Agora eles faziam a descoberta de que as boas-novas do Reino eram muito confortantes para os doentes; que a sua mensagem trazia a cura aos afligidos. E foi em Jericó que a missão dada por Jesus aos doze, de pregar as boas-novas do Reino e ministrar aos aflitos, foi pela primeira vez levada a efeito.
141:8.3 (1595.4) Eles pararam em Jericó, a caminho de Jerusalém, e foram surpreendidos por uma delegação, da Mesopotâmia, que havia vindo para conversar com Jesus. Os apóstolos haviam planejado passar apenas um dia ali, mas, quando chegaram esses buscadores da verdade, vindos do leste, Jesus passou três dias com eles, e eles voltaram para as suas casas, ao longo do Eufrates, felizes com o conhecimento das novas verdades sobre o Reino do céu.
141:9.1 (1595.5) Na segunda-feira, o último dia de março, Jesus e os apóstolos começaram a sua viagem de subida das colinas até Jerusalém. Lázaro, de Betânia, havia descido até o Jordão, duas vezes, para ver Jesus; e todos os arranjos haviam sido feitos para que o Mestre e os seus apóstolos tivessem o seu centro de operações na casa de Lázaro e das suas duas irmãs, em Betânia, enquanto quisessem permanecer em Jerusalém.
141:9.2 (1595.6) Os discípulos de João permaneceram em Betânia, depois do Jordão, ensinando e batizando as multidões, de modo que Jesus foi acompanhado apenas pelos doze até chegar na casa de Lázaro. E, lá, Jesus e os apóstolos permaneceram durante cinco dias, descansando e restaurando as forças, antes de irem até Jerusalém para a Páscoa. Foi um grande acontecimento, na vida de Marta e de Maria, terem o Mestre e os seus apóstolos no lar do irmão delas, onde elas podiam ministrar segundo as necessidades deles.
141:9.3 (1595.7) No domingo, 6 de abril, pela manhã, Jesus e os apóstolos desceram em direção a Jerusalém; e essa foi a primeira vez que o Mestre e todos os doze estiveram juntos ali.
O Livro de Urântia
Documento 142
142:0.1 (1596.1) DURANTE o mês de abril, Jesus e os apóstolos trabalharam em Jerusalém, indo para fora da cidade todas as noites e pernoitando em Betânia. Jesus passava, ele próprio, uma ou duas noites, por semana, na casa de Flávio, um judeu grego, em Jerusalém, e até ali iam, secretamente, muitos judeus proeminentes para entrevistarem-se com Jesus.
142:0.2 (1596.2) No primeiro dia em Jerusalém, Jesus esteve com Anás, amigo de anos anteriores, e que havia sido o sumo sacerdote e era parente de Salomé, a mulher de Zebedeu. Anás havia ouvido falar de Jesus e dos seus ensinamentos, mas, quando ele surgiu na casa do sumo sacerdote, foi recebido com muita reserva. Quando Jesus percebeu a frieza de Anás, foi embora imediatamente e, ao sair, disse: “O medo é o maior escravizador do homem, e o orgulho, a sua grande fraqueza; tu te trairias a ti próprio, dentro da prisão desses dois destruidores do júbilo e da liberdade?” Anás nada respondeu, todavia. E o Mestre não mais viu Anás, até o momento em que este se assentou junto do próprio genro para o julgamento do Filho do Homem.
142:1.1 (1596.3) Durante esse mês, diariamente, Jesus ou um dos seus apóstolos ensinava no templo. Quando as multidões da Páscoa estavam grandes demais para terem acesso ao ensinamento dentro do templo, os apóstolos faziam os grupos de aprendizado do lado de fora dos recintos sagrados. A ênfase da mensagem deles era:
142:1.2 (1596.4) 1. O Reino do céu está à mão.
142:1.3 (1596.5) 2. Pela fé na paternidade de Deus, vós podeis entrar no Reino do céu, tornando- vos assim os filhos de Deus.
142:1.4 (1596.6) 3. O amor é a regra para viver dentro do Reino — a suprema devoção a Deus que, ao mesmo tempo, significa amar ao próximo como a si mesmo.
142:1.5 (1596.7) 4. A obediência à vontade do Pai, produzindo os frutos do espírito, na vida pessoal de cada um; essa é a lei do Reino.
142:1.6 (1596.8) As multidões, que vieram celebrar a Páscoa, ouviram esse ensinamento de Jesus e, às centenas, rejubilaram-se com as boas-novas. Os sacerdotes principais e os dirigentes judeus ficaram muito preocupados com Jesus e os seus apóstolos, e debateram entre si sobre o que deveriam fazer com eles.
142:1.7 (1596.9) Além de ensinarem no templo e nas suas cercanias, os apóstolos e outros crentes estavam empenhados em realizar muito trabalho pessoal junto às multidões da Páscoa. Esses homens e mulheres interessados levavam a boa-nova da mensagem de Jesus, nessa celebração da Páscoa, até as partes mais remotas do império romano e também para o Oriente. Esse foi o começo da propagação do evangelho do Reino, para o mundo exterior. O trabalho de Jesus não mais ficaria confinado à Palestina.
142:2.1 (1597.1) Havia em Jerusalém, assistindo às festividades da Páscoa, um certo Jacó, um rico comerciante judeu de Creta; e ele veio até André e pediu para ver Jesus a sós. André arranjou esse encontro secreto com Jesus, na casa de Flávio, para a noite do dia seguinte. Esse homem não pôde compreender os ensinamentos do Mestre, e tinha vindo porque desejava inquirir mais completamente sobre o Reino de Deus. E Jacó disse a Jesus: “Mas, Rabi, Moisés e os velhos profetas nos dizem que Yavé é um Deus ciumento, um Deus de muita ira e de forte raiva. Os profetas dizem que ele odeia os malfeitores e se vinga daqueles que não obedecem à sua lei. Tu e os teus discípulos nos ensinais que Deus é um rei, um Pai cheio de compaixão, que ama tanto a todos os homens e que os acolheria no seu Reino do céu, o qual tu proclamas estar perto e à mão”.
142:2.2 (1597.2) Quando Jacó acabou de falar, Jesus respondeu: “Jacó, tu acabaste de expor muito bem os ensinamentos dos velhos profetas, que instruíram aos filhos daquela geração de acordo com a luz da época deles. O nosso Pai no Paraíso é imutável. Mas o conceito da sua natureza ampliou-se e cresceu, desde os dias de Moisés até os tempos de Amós e mesmo até a geração do profeta Isaías. E agora eu vim, na carne, revelar o Pai, em nova glória, e mostrar o Seu amor e sua misericórdia a todos os homens, em todos os mundos. Quando se disseminar pelo mundo o evangelho deste Reino, com a mensagem de coragem e boa vontade a todos os homens, melhores relações surgirão entre as famílias de todas as nações. Com o passar do tempo, pais e filhos amar-se-ão mais uns aos outros; e assim será gerada uma melhor compreensão do amor do Pai no céu pelos Seus filhos na Terra. Lembra-te, Jacó, que um pai bom e verdadeiro não apenas ama a sua família como um todo — como uma família — mas ama também e verdadeiramente se importa afetuosamente com cada um dos seus membros individuais”.
142:2.3 (1597.3) Depois de uma discussão considerável sobre o caráter do Pai celeste, Jesus fez uma pausa e disse: “Tu, Jacó, sendo pai de muitos filhos, sabes bem a verdade das minhas palavras”. E Jacó disse: “Mas, Mestre, quem te disse que sou pai de seis filhos? Como soubeste disso a meu respeito?” E o Mestre respondeu: “Bastaria dizer que o Pai e o Filho sabem de todas as coisas, pois de fato eles a tudo vêem. Amando os teus filhos como um pai na Terra, tu deves aceitar como uma realidade o amor do Pai celeste por ti — não só por todos os filhos de Abraão, mas por ti, pela tua alma individual”.
142:2.4 (1597.4) Então Jesus continuou dizendo: “Quando os teus filhos são muito jovens e imaturos e tu tens de castigá-los, eles podem achar que talvez o pai deles esteja com raiva e tomado por uma ira ressentida. A imaturidade deles não os deixa penetrar além da punição, para que possam discernir a afeição previdente e corretiva do pai. Contudo, quando esses mesmos filhos tornam-se homens e mulheres crescidas, não seria uma tolice que eles se ativessem à noção anterior, concebida erradamente, sobre o seu pai? Como homens e mulheres eles deviam agora discernir o amor do seu pai, em todas aquelas ações disciplinares. E não devia a humanidade, com o passar dos séculos, vir a compreender melhor a verdadeira natureza e o caráter amoroso do Pai no céu? Que proveito podes ter das gerações sucessivas de esclarecimento espiritual, se persistires em ver Deus como Moisés e os profetas O viam? Eu te digo, Jacó, sob a luz brilhante desta hora, tu deverias ver o Pai como nenhum daqueles, que vieram antes, jamais O contemplaram. E, vendo-O assim, tu deverias rejubilar- te por entrares no Reino onde esse Pai, tão misericordioso, governa, e tu deverias buscar ter a vontade do amor Dele dominando a tua vida, daqui por diante”.
142:2.5 (1598.1) E Jacó respondeu: “Rabi, eu creio; eu desejo que tu me conduzas ao Reino do Pai”.
142:3.1 (1598.2) Os doze apóstolos, a maioria dos quais havia ouvido essa conversa sobre o caráter de Deus, naquela noite, fizeram várias perguntas a Jesus, sobre o Pai no céu. As respostas do Mestre a essas perguntas podem ser mais bem apresentadas pelo seguinte resumo, exposto numa linguagem moderna:
142:3.2 (1598.3) Jesus repreendeu aos doze com brandura; em essência eis o que disse: Não sabeis das tradições de Israel em relação ao crescimento da idéia de Yavé, e acaso sois ignorantes sobre os ensinamentos das escrituras a respeito da doutrina de Deus? E então o Mestre continuou a instruir os apóstolos sobre a evolução do conceito da Deidade, no curso do desenvolvimento do povo judeu. Ele chamou a atenção para as seguintes fases do crescimento da idéia de Deus:
142:3.3 (1598.4) 1. Yavé — o Deus dos clãs do Sinai. Esse foi o conceito primitivo da Deidade, que Moisés exaltou ao nível mais alto como o Senhor Deus de Israel. O Pai no céu nunca deixa de aceitar a adoração sincera dos seus filhos na Terra, não importando quão imaturo seja o conceito da Deidade que tenham, nem o nome com o qual simbolizam a Sua natureza divina.
142:3.4 (1598.5) 2. O Altíssimo. Esse conceito do Pai no céu foi proclamado por Melquisedeque a Abraão, tendo sido levado até bem longe de Salém por aqueles que, posteriormente, acreditaram nessa idéia ampliada e expandida da Deidade. Abraão e o seu irmão deixaram Ur, por causa do estabelecimento da adoração do sol, e tornaram-se crentes nos ensinamentos de Melquisedeque sobre El Elyon — o Deus Altíssimo. O conceito deles, sobre Deus, era composto de uma fusão das antigas idéias da Mesopotâmia com a da doutrina do Altíssimo.
142:3.5 (1598.6) 3. El Shadai. Durante esses dias primitivos, muitos dos hebreus adoravam El Shadai, o conceito egípcio do Deus do céu, sobre o qual eles aprenderam durante o seu cativeiro na terra do Nilo. Muito depois dos tempos de Melquisedeque, todos esses três conceitos de Deus tornaram-se fundidos, formando a doutrina da Deidade criadora, o Senhor Deus de Israel.
142:3.6 (1598.7) 4. Eloim. Desde os tempos de Adão, o ensinamento sobre a Trindade do Paraíso tem perdurado. Não vos lembrais como as escrituras iniciam, afirmando que “No começo os Deuses criaram os céus e a Terra”? Isso indica que, quando esse registro foi feito, o conceito de três Deuses em Um, na Trindade, havia encontrado um lugar na religião dos nossos antepassados.
142:3.7 (1598.8) 5. O Supremo Yavé. Na época de Isaías essas crenças sobre Deus tinham- se expandido até o conceito de um Criador Universal, que era simultaneamente Todo-Poderoso e todo-misericordioso. E esse conceito de Deus, em evolução e em ampliação, virtualmente suplantou todas as idéias anteriores da Deidade, na religião dos nossos pais.
142:3.8 (1598.9) 6. O Pai no céu. E, agora, conhecemos Deus como o nosso Pai no céu. O nosso ensinamento oferece uma religião em que o crente é um filho de Deus. Essa é a boa-nova do evangelho do Reino do céu. Coexistentes com o Pai há o Filho e há o Espírito, e a revelação da natureza e o ministério dessas Deidades do Paraíso continuarão a ampliar-se e a iluminar as idades sem fim, da progressão espiritual eterna dos filhos ascendentes de Deus. Em todas as épocas e durante todas as idades, a verdadeira adoração de qualquer ser humano — no que concerne ao seu progresso espiritual individual — é reconhecida, pelo espírito residente, como uma homenagem feita ao Pai no céu.
142:3.9 (1599.1) Nunca antes os apóstolos estiveram tão chocados como estavam ao escutarem sobre essa narrativa do crescimento do conceito de Deus nas mentes judias de gerações anteriores; eles estavam espantados demais, também, para fazerem perguntas. Como permaneciam assentados, diante de Jesus, em silêncio, o Mestre continuou: “E teríeis já conhecido tais verdades caso tivésseis lido as escrituras. Acaso não lestes em Samuel, onde ele diz: ‘E a raiva do Senhor foi incitada contra Israel, tanto assim que ele colocou Davi contra eles, dizendo: ide e fazei o censo de Israel e Judá’? E isso não era estranho porque, nos dias de Samuel, os filhos de Abraão realmente acreditavam que Yavé criara tanto o bem, quanto o mal. No entanto, quando um escritor posterior narrou esses acontecimentos, depois da ampliação do conceito que os judeus faziam da natureza de Deus, ele não atribuiu o mal a Yavé; e, por conseguinte, disse: ‘E Satã levantou-se contra Israel e levou Davi a fazer o censo de Israel’. Acaso não podeis perceber que tais registros das escrituras mostram, claramente, como o conceito da natureza de Deus continuou a crescer de uma geração para outra?
142:3.10 (1599.2) “Novamente deveríeis ter percebido o crescimento da compreensão da lei divina, em perfeita harmonia com os conceitos, em ampliação, da divindade. Quando os filhos de Israel saíram do Egito, nos dias anteriores à ampliação da revelação de Yavé, eles possuíam os dez mandamentos que lhes serviram de lei, até os tempos em que acamparam diante do Sinai. E esses dez mandamentos eram:
142:3.11 (1599.3) “1. Não adorarás nenhum outro deus, pois o Senhor é um Deus ciumento.
142:3.12 (1599.4) “2. Não elaborarás deuses fundindo-o em imagens.
142:3.13 (1599.5) “3. Não negligenciarás a observação da festa do pão sem levedura.
142:3.14 (1599.6) “4. De todos os varões dos homens ou do gado, os primogênitos são meus, disse o Senhor.
142:3.15 (1599.7) “5. Durante seis dias poderás trabalhar, mas no sétimo dia descansarás.
142:3.16 (1599.8) “6. Não deixarás de observar a festa dos primeiros frutos e a festa da colheita no final do ano.
142:3.17 (1599.9) “7. Não oferecerás o sangue de nenhum sacrifício com pão feito com levedura.
142:3.18 (1599.10) “8. Do sacrifício da festa da Páscoa, não sairás antes que chegue a manhã seguinte.
142:3.19 (1599.11) “9. O primeiro entre os primeiros frutos da terra, vós os trareis para a casa do Senhor, vosso Deus.
142:3.20 (1599.12) “10. Não ferverás um cabrito no leite da mãe dele.
142:3.21 (1599.13) “E então, entre trovões e relâmpagos no Sinai, Moisés deu a eles os dez mandamentos novos, e todos vós estais de acordo que são afirmações mais dignas de acompanhar os conceitos ampliados da Deidade de Yavé. E não haveríeis nunca notado que esses mandamentos estão registrados duas vezes nas escrituras? Que a observação do sabat, no primeiro caso, é atribuída á libertação do Egito; enquanto em um registro posterior as crenças religiosas, dos nossos pais, que avançavam, exigiam que a razão para a observação do sabat fosse mudada, passando a ser um reconhecimento ao fato da criação?
142:3.22 (1599.14) “E então vós vos lembrareis de que uma vez mais — no dia do maior esclarecimento espiritual de Isaías — esses dez mandamentos negativos foram transformados na grande e positiva lei do amor, o comando de amar a Deus acima de tudo; e ao vosso semelhante como a vós próprios. E é essa lei suprema de amor a Deus e ao homem que eu também declaro a vós como constituindo todo o dever do homem”.
142:3.23 (1600.1) E quando ele acabou de falar, ninguém lhe fez nenhuma pergunta. E todos foram, um a um, dormir.
142:4.1 (1600.2) Flávio, o judeu grego, era um prosélito que, não tendo sido circuncidado ou batizado, não tinha acesso ao templo; e já que era um grande amante do belo na arte e na escultura, a casa que ocupava, enquanto permanecia em Jerusalém, era um belo edifício. E, afinal, essa casa era adornada com tesouros sem preço que ele havia reunido aqui e ali nas suas viagens pelo mundo. Quando primeiro pensou em convidar Jesus para ficar na sua casa, ele temeu que o Mestre pudesse ofender-se ao ver essas, assim consideradas, imagens. Flávio, contudo, ficou agradavelmente surpreso quando Jesus entrou e, em vez de reprová-lo por ter esses objetos supostamente idólatras espalhados pela casa, manifestou um grande interesse por toda a coleção e fez muitas perguntas de reconhecimento sobre cada objeto, enquanto Flávio acompanhava-o de aposento em aposento, mostrando-lhe todas as suas esculturas favoritas.
142:4.2 (1600.3) O Mestre percebeu que o seu anfitrião estava surpreso com a sua atitude amistosa para com a arte; e, conseqüentemente, quando eles haviam terminado de ver toda a coleção, Jesus disse: “Deverias esperar a minha reprovação pelo fato de apreciares a beleza das coisas criadas pelo meu Pai e confeccionadas pelas mãos artísticas do homem,? Moisés, certa vez procurou combater a idolatria e a adoração de deuses falsos; mas por isso deveriam todos os homens ver com desagrado a reprodução da graça e da beleza? Eu te digo, Flávio, os filhos de Moisés não o compreenderam; e, ainda agora, transformam em falsos deuses até mesmo as suas proibições de imagens e de coisas celestes e terrestres. Todavia, ainda que Moisés houvesse ensinado essas restrições às mentes sem iluminação daqueles dias, o que teria isso a ver com os dias de hoje, nos quais o Pai no céu é revelado como um Soberano Espiritual universal acima de tudo? E, Flávio, eu declaro que, no Reino que se aproxima, não mais se ensinará que: ‘não deveis adorar isso, nem adoreis aquilo’; não mais haverá preocupação com mandamentos proibindo coisas ou indicando cuidados, de que não se faça isso nem aquilo; mas antes todos estarão ocupados com um dever supremo. E esse dever do homem expressa-se em dois grandes privilégios: a adoração sincera ao Criador infinito, o Pai do Paraíso; e o serviço de amor aos nossos semelhantes. Se tu amas o teu semelhante como amas a ti próprio, realmente sabes que és filho de Deus.
142:4.3 (1600.4) “Numa idade em que o meu Pai não era bem compreendido, justificavam-se as tentativas de Moisés, de conter a idolatria, mas na idade vindoura o Pai terá sido revelado na vida do Filho; e essa nova revelação de Deus fará, para sempre, com que não tenha mais sentido em confundir o Pai Criador com ídolos de pedra ou com imagens de ouro e de prata. Doravante, os homens inteligentes podem desfrutar dos tesouros da arte sem confundir essa apreciação material da beleza com a adoração e o serviço do Pai no Paraíso, o Deus de todas as coisas e de todos os seres”.
142:4.4 (1600.5) Flávio acreditou em tudo o que Jesus lhe ensinou. No dia seguinte ele seguiu para Betânia, além do Jordão, e foi batizado pelos discípulos de João. E assim sucedeu, porque os apóstolos de Jesus ainda não batizavam os crentes. Quando Flávio voltou a Jerusalém, fez uma grande festa para Jesus e convidou sessenta dos seus amigos. E muitos desses convidados também se tornaram crentes na mensagem do Reino vindouro.
142:5.1 (1601.1) Um dos grandes sermões que Jesus proferiu no templo, nessa semana de Páscoa, foi em resposta a uma pergunta feita por um dos seus ouvintes, um homem de Damasco. Esse homem perguntou a Jesus: “Mas, Rabi, como sabermos com certeza que tu és enviado por Deus, e que nós podemos verdadeiramente entrar neste Reino que tu e os teus discípulos declaram estar perto e à mão?” E Jesus respondeu:
142:5.2 (1601.2) “Quanto à minha mensagem e aos ensinamentos dados aos meus discípulos, deveríeis julgá-los pelos seus frutos. Se proclamarmos as verdades do espírito, o espírito testemunhará dentro dos vossos corações que a nossa mensagem é genuína. A respeito do Reino e sobre a vossa convicção e a aceitação que o Pai celeste tem de vós, eu pergunto-vos, dentre vós, qual o pai que, sendo digno e de bom coração, manteria o seu filho ansioso e na expectativa quanto ao status dele na família ou quanto à segurança do seu lugar no afeto do coração do seu pai? Acaso vós, que sois pais terrenos, tendes prazer em torturar os vossos filhos com a incerteza sobre a constância do amor que os vossos corações humanos mantêm por eles? O vosso Pai no céu também não deixa os Seus filhos do espírito, pela fé, em incertezas e dúvidas quanto à posição deles no Reino. Se receberdes Deus como o vosso Pai, então, de fato e verdade sois os filhos de Deus. E, se sois filhos, então estareis seguros na vossa posição e quanto a tudo o que diz respeito à filiação eterna e divina. Se vós acreditardes nas minhas palavras, conseqüentemente vós acreditais Nele que me enviou e, acreditando assim no Pai, vós vos estais certificando do vosso status como cidadãos celestes. Se fizerdes a vontade do Pai no céu, nunca ireis fracassar na realização da vida eterna de progresso no Reino divino.
142:5.3 (1601.3) “O Espírito Supremo testemunhará, para os vossos espíritos, que sois verdadeiramente filhos de Deus. E se sois filhos de Deus, então nascestes do espírito de Deus; e todo aquele que houver nascido do espírito tem em si próprio o poder de superar qualquer dúvida; e essa vitória, que supera toda a incerteza, é vitória da vossa própria fé.
142:5.4 (1601.4) “Disse o profeta Isaías, falando desses tempos: ‘Quando o espírito do alto é vertido sobre nós, então o trabalho da retidão transforma-se em paz, em silêncio e, para sempre, em convicção’. E, para todos aqueles que verdadeiramente crêem nesse evangelho, eu me transformarei na garantia de que serão recebidos nas misericórdias eternas e na vida, que perdurará para sempre, do Reino do meu Pai. E então, vós, que ouvis esta mensagem e que credes neste evangelho do Reino, sois os filhos de Deus, e vós tendes a vida eterna; e a evidência, para todo o mundo, de que nascestes do espírito é que vós amais uns aos outros com sinceridade”.
142:5.5 (1601.5) A multidão de ouvintes permaneceu por muitas horas com Jesus, fazendo-lhe perguntas e escutando com atenção as suas respostas confortadoras. Mesmo os apóstolos ficaram encorajados, pelo ensinamento de Jesus, a pregar o evangelho do Reino com mais poder e mais convicção. Essa experiência em Jerusalém foi uma grande inspiração para os doze. Foi o primeiro contato deles com multidões tão enormes, e eles aprenderam muitas lições úteis que demonstraram ser de grande ajuda para o seu trabalho posterior.
142:6.1 (1601.6) Uma noite, na casa de Flávio, um certo Nicodemos, um membro rico e antigo do sinédrio judeu, apareceu para ver Jesus. Muito havia ouvido falar a respeito dos ensinamentos deste galileu e, sendo assim, Nicodemos veio para ouvi-lo, em uma tarde, enquanto Jesus ensinava nas praças do templo. Ele poderia ter ido ali, com freqüência, para ouvir Jesus ensinando, mas temia ser visto pelo povo, assistindo àqueles ensinamentos, pois os chefes judeus já divergiam tanto de Jesus, que nenhum membro do sinédrio iria querer ser identificado abertamente de algum modo com ele. E, dessa maneira, Nicodemos havia arranjado, com André, para ver Jesus, em privacidade, ainda naquele dia depois do cair da noite. Pedro, Tiago e João estavam no jardim de Flávio quando a entrevista começou; e, mais tarde, todos eles foram para dentro da casa, onde a conversa continuou.
142:6.2 (1602.1) Ao receber Nicodemos, Jesus não demonstrou nenhuma deferência especial; ao falar com ele, não fez nenhuma concessão, nenhuma persuasão indevida. O Mestre não fez nenhuma tentativa de repelir o seu interlocutor secreto, nem empregou sarcasmo. Em todas as suas relações para com o visitante ilustre, Jesus esteve calmo, sincero e digno. Nicodemos não era um representante oficial do sinédrio; ele veio ver Jesus, essencialmente, por causa do seu interesse pessoal e sincero nos ensinamentos do Mestre.
142:6.3 (1602.2) Sendo apresentado por Flávio, Nicodemos disse: “Rabi, sabemos que vós sois um instrutor enviado por Deus, pois ninguém meramente humano poderia ensinar desse modo, a menos que Deus estivesse com ele. E eu estou desejoso de saber mais a respeito dos vossos ensinamentos sobre o Reino vindouro”.
142:6.4 (1602.3) Jesus respondeu a Nicodemos: “Em verdade, em verdade, eu te digo, Nicodemos, a menos que um homem tenha nascido do alto, ele não pode ver o Reino de Deus”. Então Nicodemos replicou: “Mas como pode um homem nascer de novo quando ele é velho? Ele não pode entrar por uma segunda vez no ventre da sua mãe para nascer”.
142:6.5 (1602.4) Jesus disse: “Contudo, eu declaro-te que a menos que um homem nasça do espírito, ele não pode entrar no Reino de Deus. Aquele que nasce da carne é carne, e aquele que nasce do espírito é espírito. Mas tu não deves espantar-te porque eu disse que tu deves nascer do alto. Quando sopra o vento, tu escutas o farfalhar das folhas, mas não podes ver o vento — nem de onde vem, nem para onde vai — e assim é com todos os nascidos do espírito. Com os olhos da carne podes aperceber- te das manifestações do espírito, mas não podes discernir de fato o espírito”.
142:6.6 (1602.5) Nicodemos retrucou: “Mas eu não entendo — como pode ser isso?” E Jesus disse: “Como pode ser que tu sejas um instrutor em Israel e continues ainda ignorante sobre tudo isso? Por isso é que se torna um dever, para aqueles que sabem sobre as realidades do espírito, revelar essas coisas àqueles que discernem apenas as manifestações do mundo material. Mas tu acreditarás em nós se te contarmos sobre as verdades celestes? Tu tens a coragem, Nicodemos, de acreditar naquele que desceu do céu, o próprio Filho do Homem?”
142:6.7 (1602.6) E Nicodemos disse: “Mas como posso começar a captar esse espírito que deverá recriar-me na preparação para a minha entrada no Reino?” Jesus respondeu: “O espírito do Pai no céu já reside em ti. Se quiseres ser conduzido por esse espírito vindo do alto, tu irás, muito em breve, começar a ver com os olhos do espírito, e, então, por meio da escolha sincera, serás guiado pelo espírito, nascerás no espírito, desde que o teu propósito de viver seja o de fazer a vontade do teu Pai que está no céu. E, assim, tendo nascido no espírito e estando feliz no Reino de Deus, tu começarás a colher na tua vida diária os frutos abundantes do espírito”.
142:6.8 (1602.7) Nicodemos era inteiramente sincero. E estava profundamente impressionado, mas foi embora confuso. Nicodemos era um homem realizado, quanto ao autodesenvolvimento e o autocontrole, e até mesmo quanto às suas altas qualidades morais. Ele era de educação refinada, um egocêntrico altruísta; entretanto, não sabia como submeter a sua vontade à vontade do Pai divino, como uma criança pequena querendo submeter-se ao guiamento e à condução de um pai terreno sábio e amoroso, tornando-se assim em realidade um filho de Deus, um herdeiro progressivo do Reino eterno.
142:6.9 (1603.1) Nicodemos, contudo, reuniu fé suficiente para assegurar-se no Reino. Protestou, apenas timidamente, quando os seus colegas do sinédrio tentaram condenar Jesus sem uma audiência; no entanto, com José de Arimatéia, mais tarde, ele demonstrou ousadamente a sua fé e reivindicou o corpo de Jesus, mesmo quando a maior parte dos discípulos havia fugido com medo das cenas dos sofrimentos finais e da morte do Mestre.
142:7.1 (1603.2) Depois do atarefado período de ensinamentos por meio do trabalho pessoal na semana da Páscoa em Jerusalém, Jesus passou a quarta-feira seguinte em Betânia, com os seus apóstolos, descansando. Naquela tarde, Tomé fez uma pergunta que proporcionou uma longa e instrutiva resposta. Disse Tomé: “Mestre, no dia em que nós nos separamos para sermos embaixadores do Reino, tu nos disseste muitas coisas, instruindo-nos a respeito do nosso modo pessoal de vida; mas o que devemos ensinar à multidão? Como deve esse povo viver depois que o Reino vier mais plenamente? Os teus discípulos deveriam possuir escravos? Os teus crentes deveriam buscar a pobreza e evitar a propriedade? A misericórdia deverá prevalecer sozinha de modo a não termos mais leis nem justiça?” Jesus e os doze passaram aquela tarde e toda aquela noite, depois do jantar, discutindo sobre as perguntas de Tomé. Com o propósito de fazer o registro de tudo isso, apresentamos o resumo seguinte das instruções do Mestre:
142:7.2 (1603.3) Jesus primeiro procurou deixar claro para os seus apóstolos que ele estava na Terra, vivendo uma vida única na carne, e que os doze deles, haviam sido convocados a participar dessa experiência de auto-outorga do Filho do Homem; e, como colaboradores, também eles deveriam compartilhar de muitas das restrições especiais e das obrigações de toda a experiência da outorga. Havia uma sugestão velada de que o Filho do Homem, entre todas as pessoas que haviam vivido na Terra, fosse a única pessoa que podia simultaneamente enxergar dentro do coração de Deus e nas profundezas da alma humana.
142:7.3 (1603.4) Jesus explicou, bem claramente, que o Reino do céu era uma experiência evolucionária, começando aqui na Terra e progredindo através de várias etapas sucessivas de vida até o Paraíso. No decorrer da noite ele declarou definitivamente que, em algum estágio futuro do desenvolvimento do Reino, ele iria revisitar este mundo, no seu poder espiritual e glória divina.
142:7.4 (1603.5) Em seguida ele explicou que a “idéia de um reino” não era o melhor modo de ilustrar a relação do homem com Deus; que ele empregava essas figuras de linguagem porque o povo judeu estava esperando um reino e porque João havia pregado em termos do Reino vindouro. Jesus disse: “O povo de uma outra idade entenderá melhor o evangelho do Reino, quando este for apresentado em termos que expressem o relacionamento familiar — quando o homem entender a religião como o ensinamento da paternidade de Deus e da irmandade entre os homens, a filiação a Deus”. Então o Mestre discursou, durante algum tempo, sobre a família terrena como uma ilustração da família celeste, reafirmando as duas leis fundamentais da vida: o primeiro mandamento de amor pelo pai, o chefe da família, e o segundo mandamento, o de amor mútuo entre os filhos; de amar ao irmão como a si próprio. E então explicou que essa qualidade de afeição fraterna iria, invariavelmente, manifestar-se em um serviço social amoroso e sem egoísmo.
142:7.5 (1603.6) E, em seguida, surgiu a discussão memorável sobre as características fundamentais da vida familiar e sobre as suas aplicações ao relacionamento existente entre Deus e o homem. Jesus afirmou que uma verdadeira família baseia-se nos sete fatos seguintes:
142:7.6 (1604.1) 1. O fato da existência. As relações da natureza e os fenômenos da semelhança mortal estão ligados na família: os filhos herdam alguns traços dos pais. Os filhos têm origem nos pais; a existência da personalidade depende de um ato dos pais. A relação entre o pai e o filho é inerente em toda a natureza e pertence a todas as existências vivas.
142:7.7 (1604.2) 2. A segurança e o prazer. Os verdadeiros pais têm um grande prazer em prover as necessidades dos filhos. Muitos pais, não contentes em suprir meramente as necessidades dos seus filhos, gostam também de prover os seus prazeres.
142:7.8 (1604.3) 3. A educação e a instrução. Os pais sábios planejam cuidadosamente a educação e a instrução adequada dos seus filhos e filhas. Quando jovens, eles são preparados para as responsabilidades maiores da vida.
142:7.9 (1604.4) 4. A disciplina e as restrições. Os pais previdentes também cuidam da disciplina necessária, da orientação, da correção e, algumas vezes, das restrições a serem feitas à sua progênie imatura.
142:7.10 (1604.5) 5. O companheirismo e a lealdade. O pai afetuoso mantém um relacionamento íntimo e amoroso com os filhos. O seu ouvido fica sempre aberto aos seus pedidos; ele está sempre pronto a compartilhar das provações deles e a ajudá-los nas dificuldades. O pai está supremamente interessado no bem-estar progressivo da sua progênie.
142:7.11 (1604.6) 6. O amor e a misericórdia. Um pai compassivo perdoa livremente; os pais não conservam memórias vingativas contra os seus filhos. Os pais não são como juízes, nem como inimigos, nem como credores. As verdadeiras famílias são construídas na tolerância, paciência e perdão.
142:7.12 (1604.7) 7. A provisão para o futuro. Os pais temporais gostam de deixar uma herança para os seus filhos. A família continua de uma geração para a outra. A morte apenas põe fim a uma geração para marcar o começo de outra. A morte termina com a vida de um indivíduo, mas não necessariamente com a vida da família.
142:7.13 (1604.8) Durante horas o Mestre discutiu sobre a aplicação desses aspectos da vida familiar às relações do homem, o filho da Terra, com Deus, o Pai do Paraíso. E esta foi a sua conclusão: “Toda a relação de um filho com o Pai, eu a conheço até à perfeição, pois tudo o que tiverdes de alcançar quanto à filiação, no futuro eterno, eu já alcancei agora. O Filho do Homem está preparado para ascender à mão direita do Pai, e assim em mim está aberto agora um caminho ainda mais amplo para que todos vós possais ver Deus e, antes de acabardes a progressão gloriosa, para vos tornardes perfeitos como o vosso próprio Pai no céu é perfeito”.
142:7.14 (1604.9) Quando ouviram essas palavras surpreendentes, os apóstolos lembraram-se dos pronunciamentos que João fizera na época do batismo de Jesus, e se relembraram, vividamente, dessa experiência, quando da sua pregação e ministração subseqüente de ensinamentos, depois da morte e da ressurreição do Mestre.
142:7.15 (1604.10) Jesus é um Filho divino, da mais inteira confiança do Pai Universal. Ele tem estado com o Pai e O compreende plenamente. Ele vivia agora a sua vida terrena para a plena satisfação do Pai, e essa encarnação na carne capacitou-o plenamente para compreender o homem. Jesus foi a perfeição do homem; ele alcançou exatamente essa perfeição tal como todos os verdadeiros crentes estão destinados a alcançá-la, nele e por meio dele. Jesus revelou um Deus de perfeição ao homem e apresentou, em si próprio, o filho perfeccionado dos mundos a Deus.
142:7.16 (1605.1) Embora Jesus tivesse falado por várias horas, Tomé ainda não estava satisfeito, pois disse: “Mas, Mestre, nós não achamos que o Pai no céu sempre nos trate com bondade e com misericórdia. Muitas vezes nós sofremos dolorosamente na Terra, e nem sempre as nossas preces são ouvidas. Onde é que falhamos em compreender o significado do teu ensinamento?”
142:7.17 (1605.2) Jesus respondeu: “Tomé, Tomé! Quanto tempo demorará para adquirires a capacidade de ouvir com o ouvido do espírito? Quanto tempo levará para que aprendas que este Reino é um reino espiritual, e que o meu Pai é também um ser espiritual? Tu não compreendes que estou ensinando a vós como filhos espirituais da família espiritual do céu, da qual o chefe paterno é um espírito eterno e infinito? Tu não me deixarás usar a família terrena como uma ilustração das relações divinas, sem aplicar o meu ensinamento tão literalmente aos assuntos materiais? Na tua mente não podes separar as realidades espirituais do Reino dos problemas materiais, sociais, econômicos e políticos da idade? Quando eu falo a linguagem do espírito, por que insisti em traduzir o significado do que eu digo, na linguagem da carne? Só porque eu tomo a liberdade de empregar lugares-comuns e comparações literais com o propósito de ilustração? Meus filhos, eu vos imploro a todos, cesseis de aplicar os meus ensinamentos sobre o Reino do espírito aos assuntos sórdidos da escravidão, da pobreza, de casas e terras, e aos problemas materiais da eqüidade e da justiça humana. Essas questões temporais são motivo da ocupação dos homens deste mundo, e, conquanto, de um certo modo, elas afetem a todos os homens, vós fostes chamados a representar-me no mundo, do mesmo modo como eu represento o meu Pai. Vós sois os embaixadores espirituais de um Reino espiritual, representantes especiais do Pai espiritual. A esta altura deveria ser possível eu instruir-vos como homens crescidos do Reino do espírito. Deveria eu estar sempre me dirigindo a vós como se fosseis crianças? Não crescereis nunca na vossa percepção do espírito? No entanto, eu vos amo e irei suportar-vos até o fim mesmo da nossa associação na carne. E, mesmo então, o meu espírito vos precederá em todo o mundo”.
142:8.1 (1605.3) Lá pelo fim de abril, a oposição a Jesus, entre os fariseus e os saduceus, havia- se tornado tão pronunciada que o Mestre e os seus apóstolos decidiram deixar Jerusalém por algum tempo, indo para o sul até Belém e Hebrom. Todo o mês de maio foi passado realizando um trabalho pessoal nessas cidades e entre as pessoas das aldeias vizinhas. Nenhuma pregação pública foi feita nessa viagem, apenas a visitação de casa em casa. Uma parte desse tempo, enquanto os apóstolos ensinavam o evangelho e ministravam aos doentes, Jesus e Abner passaram em Engedi, visitando a colônia nazarita. João Batista viera desse lugar, e Abner havia sido o dirigente daquele grupo. Muitos, na irmandade dos nazaritas, tornaram- se crentes de Jesus, mas a maioria desses homens ascetas e excêntricos recusou-se a aceitá-lo como um instrutor enviado do céu, porque ele não ensinava o jejum e outras formas de renúncia.
142:8.2 (1605.4) O povo que vivia nessa região não sabia que Jesus havia nascido em Belém. Eles sempre supuseram que o Mestre tivesse nascido em Nazaré, exatamente como pensava a maioria dos seus discípulos, mas os doze apóstolos conheciam os fatos.
142:8.3 (1605.5) Essa permanência no sul da Judéia foi um período de descanso e de trabalho frutífero; muitas almas foram acrescidas ao Reino. Nos primeiros dias de junho a agitação contra Jesus havia já se acalmado tanto, em Jerusalém, que o Mestre e os apóstolos voltaram a instruir e a confortar os crentes.
142:8.4 (1606.1) Embora Jesus e os apóstolos tivessem passado todo o mês de junho em Jerusalém ou nas cercanias, eles não se dedicaram a nenhum ensinamento público durante esse período. Na maior parte do tempo ficaram nas tendas, que eram montadas em um parque sombreado, ou jardim, conhecido naquela época como o Getsêmani. Esse parque estava situado na encosta oeste do monte das Oliveiras, não muito longe do riacho Cedrom. Eles passaram as festas dos sábados e os fins de semana com Lázaro e as suas irmãs em Betânia. Por poucas vezes Jesus esteve dentro dos muros de Jerusalém, mas um grande número de buscadores interessados na verdade veio ao Getsêmani para conversar com ele. Numa certa sexta-feira, à noite, Nicodemos e José de Arimatéia aventuraram-se a ir ver Jesus, mas, quando já estavam em frente da entrada da tenda do Mestre, voltaram amedrontados. E, claro está, que eles não perceberam que Jesus sabia de tudo que haviam feito.
142:8.5 (1606.2) Quando os chefes dos judeus souberam que Jesus havia voltado a Jerusalém, prepararam-se para prendê-lo; mas, quando observaram que ele não fazia nenhuma pregação pública, concluíram que estava amedrontado, por causa das agitações anteriores; e decidiram permitir que ele continuasse os seus ensinamentos, do modo privado como o fazia, sem que fosse molestado. E assim os assuntos continuaram, silenciosamente, até os últimos dias de junho, quando um certo Simão, membro do sinédrio, aderiu publicamente aos ensinamentos de Jesus, depois de declarar-se diante dos chefes dos judeus. Imediatamente, uma nova agitação, visando à prisão de Jesus, sobreveio, e se fortaleceu tanto, que o Mestre decidiu retirar-se para as cidades de Samaria e para a Decápolis.
O Livro de Urântia
Documento 143
143:0.1 (1607.1) NO FINAL de junho, do ano 27 d.C., por causa da oposição crescente dos dirigentes religiosos judeus, Jesus e os doze partiram de Jerusalém, depois de enviar as suas tendas e os parcos bens pessoais para serem guardados na casa de Lázaro, em Betânia. Indo para o norte de Samaria, eles detiveram-se para o sábado em Betel. E lá eles pregaram, por vários dias, ao povo que veio de Gofna e de Efraim. Um grupo de cidadãos de Arimatéia e de Tamná chegou com a finalidade de convidar Jesus a visitar as suas aldeias. O Mestre e os seus apóstolos passaram mais de duas semanas ensinando aos judeus e aos samaritanos dessa região, muitos dos quais vieram de tão longe quanto Antipatris para ouvir as boas-novas do Reino.
143:0.2 (1607.2) O povo do sul de Samaria ouviu Jesus entusiasmado e, com exceção de Judas Iscariotes, os apóstolos conseguiram vencer grande parte do seu preconceito contra os samaritanos. Era muito difícil para Judas amar esses samaritanos. Na última semana de julho, Jesus e os seus colaboradores estavam prontos para partir rumo às novas cidades gregas de Fasaeles e de Arquelais, perto do Jordão.
143:1.1 (1607.3) Na primeira metade do mês de agosto, o grupo apostólico fez o seu centro de apoio nas cidades gregas de Arquelais e de Fasaeles, onde eles tiveram a sua primeira experiência pregando a grupos quase exclusivos de gentios — gregos, romanos e sírios — , já que poucos judeus residiam nessas duas cidades gregas. Ao entrarem em contato com esses cidadãos romanos, os apóstolos encontraram novas dificuldades para a proclamação da mensagem do Reino vindouro e depararam-se com novas objeções aos ensinamentos de Jesus. Numa das muitas conversas noturnas com os seus apóstolos, Jesus escutou atentamente sobre essas objeções, feitas ao evangelho do Reino, que os doze repetiam enquanto reproduziam as experiências com as pessoas envolvidas nos seus trabalhos pessoais.
143:1.2 (1607.4) Uma pergunta, feita por Filipe, era típica das dificuldades deles. Disse Filipe: “Mestre, esses gregos e romanos fazem pouco da nossa mensagem, dizendo que tais ensinamentos servem apenas aos fracos e aos escravos. Eles afirmam que a religião dos pagãos é superior aos nossos ensinamentos, porque inspira a aquisição de um caráter forte, robusto e agressivo. E dizem que nos transformaríamos todos numa espécie debilitada de homens não resistentes e passivos, que seriam logo eliminados da face da Terra. Eles gostam de ti, Mestre, e admitem voluntariamente que o teu ensinamento seja celeste e ideal, mas não nos levarão a sério. Afirmam que a tua religião não é para este mundo; que os homens não podem viver como tu ensinas. E agora, Mestre, o que diremos a esses gentios?”
143:1.3 (1607.5) Depois de ter ouvido outras objeções semelhantes, ao evangelho do Reino, apresentadas por Tomé, Natanael, Simão zelote e Mateus, ele disse aos doze:
143:1.4 (1608.1) “Eu vim a este mundo para fazer a vontade do meu Pai e para revelar Seu caráter amoroso a toda a humanidade. Essa, meus irmãos, é minha missão. E vou realizá-la, independentemente da má compreensão desses meus ensinamentos, da parte de judeus ou gentios, nos dias presentes ou em outra geração. Mas não deveis esquecer-vos do fato de que mesmo o amor divino tem disciplinas severas. O amor de um pai por seu filho muitas vezes leva o pai a restringir os atos pouco sábios da sua prole imprudente. O filho nem sempre compreende a sabedoria e o amor dos motivos da disciplina restritiva do pai. Todavia, eu declaro-vos que meu Pai no Paraíso rege o universo dos universos por meio do poder do pulso do seu amor. O amor é a maior de todas as realidades do espírito. A verdade é uma revelação libertadora, mas o amor é a relação suprema. E quaisquer que sejam os erros cometidos pelos vossos semelhantes na direção do mundo de hoje, o evangelho que eu proclamo, em uma idade que virá, irá reger este mesmo mundo. A meta última do progresso humano é o reconhecimento reverente da paternidade de Deus, e a materialização amorosa da irmandade dos homens.
143:1.5 (1608.2) “E quem vos disse que o meu evangelho é destinado apenas aos escravos e aos debilitados? E vós, meus apóstolos escolhidos, acaso pareceis débeis? Será que João tem a aparência de fraco? Vós já presenciastes a mim sendo escravizado pelo medo? A verdade é que os pobres e os oprimidos desta geração têm o evangelho pregado a eles. As religiões deste mundo têm negligenciado os pobres, mas o meu Pai não tem preferência por ninguém. Além disso, os pobres desta época são os primeiros a dar atenção ao chamado de arrependimento e de aceitação da filiação. O evangelho do Reino deve ser pregado a todos os homens — judeus e gentios, gregos e romanos, ricos e pobres, livres e escravos — e igualmente aos jovens e velhos, aos homens e às mulheres.
143:1.6 (1608.3) “Porque o meu Pai é um Deus de amor e júbilo, na prática da misericórdia, não vos impregneis da idéia de que o serviço do Reino deverá ser de facilidade monótona. A ascensão ao Paraíso é a aventura suprema de todos os tempos, é a árdua realização da eternidade. O serviço do Reino, na Terra, apelará para toda a virilidade corajosa que vós e vossos colaboradores possam reunir. Muitos de vós sereis levados à morte, por causa da vossa lealdade ao evangelho desse Reino. Fácil é morrer na frente física da batalha, onde vossa coragem é fortalecida pela presença dos vossos camaradas na luta; mas uma forma mais elevada e mais profunda de coragem e devoção humana é necessária ao sacrificardes a vida, calmamente e a sós, pelo amor de uma verdade guardada no relicário do coração mortal.
143:1.7 (1608.4) “Hoje, os descrentes podem escarnecer de vós, por causa da pregação de um evangelho de não-resistência e de vidas sem violência, mas vós sois os primeiros voluntários de uma longa linha de crentes sinceros no evangelho deste Reino e irão maravilhar a toda a humanidade pela sua devoção heróica a esses ensinamentos. Nenhum exército do mundo jamais demonstrou mais coragem e bravura do que as que serão mostradas por vós e pelos vossos sucessores leais, que se espalharão por todo o mundo proclamando as boas-novas — a paternidade de Deus e a irmandade entre os homens. A coragem da carne é a forma mais baixa de bravura. A bravura da mente é um tipo mais elevado de coragem humana; e o tipo mais elevado e supremo de bravura é a lealdade sem concessões às convicções esclarecidas das realidades espirituais profundas. E essa coragem constitui-se no heroísmo do homem sabedor de Deus. E vós sois, todos, homens conhecedores de Deus, na verdade sois os companheiros pessoais do Filho do Homem”.
143:1.8 (1608.5) Essa não é a totalidade do que Jesus disse, naquela ocasião, mas é a introdução do seu discurso; e ele delongou-se na amplificação e na ilustração de tudo aquilo que disse. Essa foi uma das elocuções mais apaixonadas que Jesus proferiu aos doze. Raramente o Mestre falara aos seus apóstolos com uma veemência tão evidente, contudo essa foi uma daquelas ocasiões em que ele falou com uma gravidade manifesta, acompanhada de emoção especial.
143:1.9 (1609.1) O resultado sobre a pregação pública e a ministração pessoal dos apóstolos foi imediato; desde esse mesmo dia, a mensagem deles teve um novo tom de predomínio da coragem. Os doze continuaram a adquirir um espírito positivamente dinâmico de agregação em torno do novo evangelho do Reino. Desse dia em diante eles não mais se ocuparam tanto com a pregação contra as virtudes negativas, nem com as injunções passivas dos ensinamentos multifacetados do Mestre.
143:2.1 (1609.2) O Mestre foi um exemplo perfeito do autocontrole humano. Quando insultado, não insultava; quando sofria, não proferia nenhuma ameaça contra aqueles que o atormentavam; quando foi denunciado pelos seus inimigos, ele simplesmente entregou-se ao julgamento justo do Pai no céu.
143:2.2 (1609.3) Numa das conversas noturnas, André perguntou a Jesus: “Mestre, devemos praticar a renúncia como João ensinou, ou devemos buscar o autocontrole que está nos teus ensinamentos? Em que os teus ensinamentos diferem dos de João?” Jesus respondeu: “De fato, João ensinou o caminho da retidão, de acordo com a luz e as leis dos pais dele; e estas formavam uma religião de auto-exame e auto-renúncia. Mas eu venho com uma nova mensagem de auto-esquecimento e autocontrole. E mostro-vos o caminho da vida, como foi revelado a mim pelo Pai do céu.
143:2.3 (1609.4) “Em verdade, em verdade, digo-vos, que aquele que conquista o controle sobre o próprio ego é maior do que aquele que conquista uma cidade. A automestria é a medida da natureza moral do homem; é indicadora do seu desenvolvimento espiritual. Jejuastes e orastes, segundo a velha ordem; e como novas criaturas que sois, no renascimento pelo espírito, vos é ensinado a acreditar e a rejubilar. No Reino do Pai, deveis transformar-vos em novas criaturas; as velhas coisas devem passar; observai, pois vos mostro como todas as coisas devem tornar-se novas. E, pelo amor que tendes uns pelos outros, deveis convencer o mundo de que passastes da escravidão à liberdade, da morte à vida eterna.
143:2.4 (1609.5) “Segundo o velho caminho, buscais suprimir, obedecer e colocar-vos em conformidade com as regras do viver; pelo novo caminho antes sereis transformados, na vossa alma interior, pelo Espírito da Verdade e sereis fortalecidos por ele, com a renovação espiritual constante da vossa mente e, assim, sereis dotados com o poder de atuar do modo certo, rejubilante e cumprindo, com graça e aceitação, a vontade perfeita de Deus. Não vos esqueçais de que vossa fé, pessoal, nas promessas imensamente grandes e preciosas de Deus, é que assegura que vos tornareis participantes da natureza divina. Assim, por vossa fé e transformação do espírito, vos transformais, em realidade, nos templos de Deus; e o espírito Dele, de fato, reside dentro de vós. Se, então, o espírito residir em vós, não mais sereis escravos da carne, mas sereis filhos livres e libertos do espírito. A nova lei do espírito proporciona-vos a liberdade do autocontrole e da automestria, em substituição à velha lei do medo, escravidão e prisão á auto-renúncia.
143:2.5 (1609.6) “Quantas vezes, após haverdes feito o mal, vós pensastes em atribuir os vossos atos à influência do maligno, quando, em realidade, fostes levados pelas vossas próprias tendências naturais? E o profeta Jeremias não vos disse, há muito tempo, que o coração humano engana, acima de todas as coisas, e que é, algumas vezes, até mesmo desesperadamente perverso? Quão fácil para vós é que sejais enganados e que por isso caiais em medos tolos, em concupiscências diversas, nos prazeres escravizantes, da malícia, da inveja e mesmo do ódio vingativo!
143:2.6 (1610.1) “A salvação se dá por meio da regeneração do espírito, e não pelos atos de retidão na carne. Vós vos justificais pela fé e, pela graça, sois admitidos à comunhão entre irmãos, e não pelo medo e pela renúncia da carne; embora os filhos do Pai, nascidos do espírito, sejam sempre e cada vez mais os mestres sobre o próprio ego e tudo o que é pertinente aos desejos da carne. Quando souberdes que sois salvos pela fé, estareis na paz real de Deus. E tudo que vier no caminho dessa paz celeste está destinado a ser santificado no serviço eterno dos filhos, sempre em avanço, do Deus eterno. Doravante não é um dever, mas é como um alto privilégio que, ao buscardes a perfeição no amor do Pai, vos limpeis de todos os males da mente e do corpo.
143:2.7 (1610.2) “A vossa filiação tem o seu fundamento na fé, e deveis permanecer insensíveis ao medo. O vosso júbilo nasce da confiança na palavra divina e, conseqüentemente, não sereis levados a duvidar da realidade do amor e da misericórdia do Pai. É a bondade mesma de Deus que conduz os homens ao arrependimento verdadeiro e genuíno. O vosso segredo da mestria e do controle sobre o ego está ligado à vossa fé no espírito residente, que sempre trabalha por amor. Mesmo essa fé salvadora que tendes, não a tendes por vós próprios, é também uma dádiva de Deus. E, se sois filhos dessa fé viva, não sois mais escravos do vosso ego, pois sois antes os mestres triunfantes de vós próprios, sois os filhos libertados de Deus.
143:2.8 (1610.3) “Se, pois, sois nascidos do espírito, então, meus filhos, estais para sempre libertados das correntes autoconscientes de uma vida de auto-renúncia e vigilância sobre os desejos da carne, e sereis transladados para o Reino rejubilante do espírito, do qual espontaneamente vós mostrareis os frutos, vindos do espírito, na vossa vida diária; e os frutos do espírito são, em essência, o tipo mais elevado de autocontrole agradável e enobrecedor; são o auge mesmo da realização terrestre para os mortais — a verdadeira mestria sobre vós próprios”.
143:3.1 (1610.4) Nesse momento, um estado de grande tensão nervosa e emocional desenvolveu- se entre os apóstolos e os seus condiscípulos imediatos. Eles ainda não se haviam acostumado a viver e trabalhar juntos. Estavam experimentando dificuldades cada vez maiores para manter relações harmoniosas com os discípulos de João. O contato com os gentios e os samaritanos fora uma grande provação para esses judeus. E, além de tudo isso, as afirmações recentes de Jesus haviam aumentado o seu tumulto mental. André estava quase fora de si; não sabia mais o que fazer e, assim sendo, foi até o Mestre, levando os seus problemas e perplexidades. Depois de haver escutado o dirigente apostólico relatar os seus problemas, Jesus disse: “André, tu não podes retirar dos homens as suas perplexidades, quando eles estão nesse nível de envolvimento e quando tantas pessoas e sentimentos violentos estão implicados. Não posso fazer o que pedes a mim — não participarei dessas dificuldades sociais pessoais — , mas estarei convosco, no gozo de um período de três dias de descanso e de repouso. Vai aos teus irmãos e anuncia que todos irão comigo ao monte Sartaba, onde desejo descansar um ou dois dias.
143:3.2 (1610.5) “Agora deves ir aos teus onze irmãos e conversar com cada um deles, em particular; deves dizer: ‘O Mestre deseja que tenhamos um período de descanso e de relaxamento, a sós com ele. Já que todos nós recentemente experimentamos muitos aborrecimentos de espírito e de tensão mental, eu sugiro que não se faça menção às nossas preocupações e provações, enquanto estivermos nesse descanso. Posso confiar em ti para cooperar comigo nessa questão?’ E, desse modo, explique particular e pessoalmente a cada um dos teus irmãos”. E André fez como o Mestre havia instruído que fizesse.
143:3.3 (1611.1) Essa foi uma ocasião maravilhosa, nas experiências de cada um deles; e nunca se esqueceram do dia em que subiram a montanha. Durante toda a viagem, dificilmente foi dita uma palavra sobre os próprios problemas. Ao chegarem ao topo da montanha, Jesus assentou-os em volta de si e disse: “Meus irmãos, deveis aprender o valor do descanso e a eficácia do relaxamento. Deveis compreender que o melhor método de resolver certos problemas emaranhados é o de abandoná-los por algum tempo. Então, quando voltardes, refrescados pelo descanso ou adoração, estareis aptos a atacar os vossos problemas com uma cabeça mais clara e com a mão mais firme, para não mencionar o coração que estará mais resoluto. De novo, muitas vezes vereis que o problema terá o seu tamanho e proporções encolhidas, durante o tempo em que estivestes descansando a vossa mente e o vosso corpo”.
143:3.4 (1611.2) No dia seguinte Jesus designou a cada um dos doze um tópico para a discussão. O dia todo foi devotado a reminiscências e a conversas sobre questões não ligadas ao trabalho religioso. Eles ficaram momentaneamente chocados quando Jesus até deixou de fazer os agradecimentos — verbais — no momento de partir o pão para a refeição do meio-dia. Essa foi a primeira vez que perceberam que ele havia negligenciado tais formalidades.
143:3.5 (1611.3) Quando subiram a montanha, a cabeça de André estava cheia de problemas. João tinha o coração excessivamente perplexo. Tiago, a alma gravemente perturbada. Mateus estava muito pressionado, por causa da falta de fundos no caixa, desde que eles permaneciam entre os gentios. Pedro encontrava-se extenuado e, ultimamente, andava mais temperamental do que de costume. Judas sofria de um ataque periódico de sensibilidade e de egoísmo. Simão parecia anormalmente desnorteado nos seus esforços para reconciliar o seu patriotismo com o amor pela irmandade dos homens. Filipe estava mais e mais confuso com o modo pelo qual as coisas caminhavam. Natanael tinha estado com menos bom humor desde que eles haviam entrado em contato com as populações gentias; e Tomé achava-se em meio a uma crise severa de depressão. Apenas os gêmeos aparentavam estar normais e sem perturbações. Todos eles andavam excessivamente atordoados com a questão de como se darem pacificamente com os discípulos de João.
143:3.6 (1611.4) Ao terceiro dia, quando iniciaram a descida da montanha, para voltar ao acampamento, uma grande mudança havia acontecido neles. Tinham feito a descoberta importante de que muitas das perplexidades humanas na realidade inexistem, de que muitos problemas que nos pressionam são criações de um medo e de uma apreensão exagerados. Haviam aprendido que todas essas perplexidades são mais bem manipuladas quando abandonadas; ao distanciarem- se, eles deixaram os problemas resolvendo-se por si próprios.
143:3.7 (1611.5) O regresso dessa folga marcou a abertura de um período de relações bastante melhores com os seguidores de João. Alguns dos doze realmente se viram possuídos de alegria quando perceberam como tudo mudara nas mentes de todos e quando observaram que estavam livres das irritações, tendo tudo surgido como resultado dos três dias de férias dos deveres rotineiros da vida. Há sempre o perigo de que a monotonia no contato humano multiplique, em muito, as perplexidades e aumente as dificuldades.
143:3.8 (1611.6) Não eram muitos os gentios, nas duas cidades gregas de Arquelais e Fasaeles, que acreditavam no evangelho, mas os doze apóstolos ganharam uma boa experiência nesse seu primeiro trabalho extenso, exclusivamente com populações gentias. Numa segunda-feira pela manhã, por volta do meio do mês, Jesus disse a André: “Vamos para Samaria”. E eles partiram imediatamente para a cidade de Sichar, perto do poço de Jacó.
143:4.1 (1612.1) Por mais de seiscentos anos os judeus da Judéia, e, mais tarde, também os da Galiléia, mantiveram uma inimizade em relação aos samaritanos. Esse sentimento prejudicial, entre os judeus e os samaritanos, surgira da seguinte maneira: Cerca de setecentos anos a.C., Sargon, rei da Assíria, ao subjugar uma revolta na Palestina Central, levara consigo em cativeiro mais de vinte e cinco mil judeus do reino do norte de Israel e instalou no lugar deles um número quase igual de descendentes de cutitas, sefarvitas e hamatitas. Mais tarde, Assurbanipal enviou ainda outras colônias para residirem em Samaria.
143:4.2 (1612.2) A inimizade religiosa entre os judeus e os samaritanos data do retorno dos judeus, em cativeiro na Babilônia, quando os samaritanos trabalharam para impedir a reconstrução de Jerusalém. Mais tarde eles ofenderam os judeus quando estenderam uma ajuda amigável aos exércitos de Alexandre. Em retribuição à amizade deles, Alexandre deu aos samaritanos a permissão para construírem um templo no monte Gerizim, onde eles adoravam Yavé e os seus deuses tribais e ofereciam sacrifícios muito semelhantes aos da ordem dos serviços dos templos de Jerusalém. E eles continuaram com esse culto, ao menos até a época dos macabeus, quando João Hircano destruiu o templo deles no monte Gerizim. Depois da morte de Jesus, o apóstolo Filipe, nos seus trabalhos com os samaritanos, realizou muitos encontros no local desse velho templo samaritano.
143:4.3 (1612.3) Os antagonismos entre judeus e samaritanos tornaram-se históricos e tradicionais; desde os dias de Alexandre eles davam-se cada vez menos bem uns com os outros. Os doze apóstolos não eram avessos a pregar nas cidades gregas e em outras cidades gentias da Decápolis e da Síria, mas surgia um teste severo para a sua lealdade ao Mestre, quando este dizia: “Vamos a Samaria”. Contudo, nesse período de pouco mais de um ano, em que estiveram com Jesus, eles desenvolveram uma forma de lealdade pessoal que transcendia até mesmo a sua fé nos ensinamentos do Mestre e mesmo até os seus preconceitos contra os samaritanos.
143:5.1 (1612.4) Quando o Mestre e os doze chegaram ao poço de Jacó, estando cansado da viagem, Jesus parou ao lado do poço, enquanto Filipe levou os apóstolos consigo para ajudar a carregar os alimentos até as tendas de Sichar, pois estavam dispostos a permanecer um pouco mais nessa vizinhança. Pedro e os filhos de Zebedeu teriam permanecido com Jesus, mas este solicitou que fossem com os seus irmãos, dizendo: “Não temais por mim; esses samaritanos serão amigáveis; apenas os nossos irmãos, os judeus, tentam causar danos a nós”. E eram quase seis horas, nessa tarde de verão, quando Jesus assentou-se junto ao poço para aguardar pelo retorno dos apóstolos.
143:5.2 (1612.5) A água do poço de Jacó era menos mineral do que a dos poços de Sichar e, portanto, era de muito mais valor para ser bebida. Jesus estava com sede, mas não havia nenhum meio de retirar a água do poço. Foi quando uma mulher de Sichar surgiu, com o seu cântaro de água, e preparou-se para tirar água do poço, e Jesus disse-lhe: “Dá-me um pouco para beber”. Essa mulher de Samaria sabia que Jesus era judeu, pela sua aparência, e suas roupas, e supôs que ele fosse galileu por causa do seu sotaque. Chamava-se Nalda e era uma pessoa atraente. Ficou muito surpreendida de ouvir um homem judeu falando assim a ela, junto ao poço, pedindo água, pois não era considerado próprio, naqueles dias, a um homem que se respeitasse dirigir-se a uma mulher em público, e menos ainda que um judeu conversasse com uma samaritana. E, sendo assim, Nalda perguntou a Jesus: “Como é que tu, sendo um judeu, pedes a mim, uma mulher samaritana, água para beber?” Jesus respondeu: “De fato eu te pedi um pouco de água, mas, se pudesses compreender, tu me pedirias um pouco da água da vida”. Então Nalda disse: “Mas, Senhor, tu não tens com que retirar água, e o poço é profundo; de onde, então, podes tirar essa água da vida? Será que és maior do que o nosso pai Jacó, que nos deu este poço e do qual ele próprio bebeu tanto quanto os seus filhos e o seu gado também?”
143:5.3 (1613.1) Jesus respondeu: “Todos os que beberem dessa água terão sede novamente, mas quem beber da água do espírito vivo nunca mais terá sede. Essa água da vida tornar-se-á dentro dele como um poço de água fresca, jorrando até a vida eterna”. Então Nalda disse: “Dê-me dessa água para que eu não sinta mais sede, nem tenha que vir até aqui para retirar mais água. Além do mais, qualquer coisa que uma mulher samaritana possa receber de um judeu, tão louvável, seria um prazer”.
143:5.4 (1613.2) Nalda não sabia como encarar a boa disposição com a qual Jesus conversava com ela. E via, no rosto do Mestre, a expressão de um homem íntegro e santo, mas confundia a boa vontade dele com alguma familiaridade comum; assim ela tomou a sua fala simbólica como um modo dele se insinuar para ela. E, sendo uma mulher de moralidade pouco rígida, estava disposta a iniciar abertamente um namorico, quando Jesus, olhando bem fundo nos seus olhos, disse, em uma voz que demonstrava autoridade: “Mulher, vai buscar o seu marido e traze-o aqui”. Essa ordem trouxe Nalda de volta a si. Ela notou que havia entendido mal a bondade do Mestre; e percebeu que havia interpretado mal o sentido das suas palavras. E chegou a ficar amedrontada; e começou a compreender que estava diante de uma pessoa excepcional e, buscando na sua mente uma resposta adequada, em uma grande confusão, ela disse: “Senhor, eu não posso chamar o meu marido, pois não tenho nenhum marido”. Então Jesus disse: “Tu disseste a verdade, pois, ainda que tenhas tido um marido, aquele com quem tu estás vivendo agora, não é o teu marido. Melhor seria se pudesses deixar de tomar as minhas palavras levianamente, e se procurasses achar a água da vida que eu hoje te ofereci”.
143:5.5 (1613.3) Nesse momento Nalda estava mais calma, e o seu eu mais elevado havia sido despertado. Ela não era uma mulher imoral inteiramente por escolha própria. Havia sido rude e injustamente posta de lado pelo marido e, nessa situação desesperada, tinha consentido em viver com um certo grego, como mulher dele, mas sem casamento. Nalda agora se envergonhava muito de ter falado impensadamente a Jesus, e penitentemente ela dirigiu-se ao Mestre, dizendo: “Meu Senhor, arrependo-me pelos meus modos de falar convosco, pois percebo que és um homem santo ou um profeta, talvez”. E ela estava a ponto de buscar a ajuda direta e pessoal do Mestre quando então fez o que muitos têm feito antes e, subitamente, evadiu-se da questão da salvação pessoal, voltando-se para a discussão sobre a teologia e a filosofia. Rapidamente ela conduziu a conversa, passando das suas próprias necessidades para uma controvérsia teológica. Apontando para o monte Gerizim, ela continuou: “Os nossos pais fizeram a sua adoração nessa montanha, e tu dizes que Jerusalém é o local onde os homens devem adorar; qual, então, é o local certo para adorar a Deus?”
143:5.6 (1613.4) Jesus percebeu a tentativa, da alma da mulher, de evitar o contato direto e de busca junto ao seu Criador, mas percebeu também presente na sua alma um desejo de saber qual o melhor caminho na vida. Afinal, no coração de Nalda havia uma sede verdadeira da água da vida; e, assim, ele tratou-a com paciência, dizendo: “Mulher, deixa-me dizer-te que virá logo o dia em que nem nessa montanha, nem em Jerusalém, tu adorarás o Pai. E agora tu adoras aquilo que não conheces, uma mistura da religião de muitos deuses pagãos e de filosofias gentias. Os judeus ao menos sabem a quem adoram; eles acabaram com toda a confusão, concentrando a sua adoração em um único Deus, Yavé. E tu deverias acreditar em mim quando digo que a hora logo virá — e já veio, agora mesmo — em que todos os adoradores sinceros adorarão o Pai em espírito e em verdade, pois são exatamente a esses adoradores que o Pai procura. Deus é espírito e aqueles que O adoram devem fazê-lo em espírito e em verdade. A tua salvação não vem de saberes como os outros deveriam adorar, nem onde, mas vem de receberes no teu próprio coração essa água da vida que eu estou oferecendo a ti, neste momento”.
143:5.7 (1614.1) Nalda faria, contudo, ainda um outro esforço para evitar falar da questão embaraçosa da sua vida pessoal na Terra e da posição da sua alma diante de Deus. Uma vez mais, ela recorreu a perguntas sobre a religião em geral, dizendo: “Sim, eu sei, senhor, que João pregou sobre a vinda do Convertedor, daquele que será chamado de Libertador, e que, quando vier, ele declarará para nós todas as coisas” — e Jesus, interrompendo Nalda, disse com uma segurança surpreendente: “Eu, que falo a ti, sou ele”.
143:5.8 (1614.2) Esse foi o primeiro pronunciamento direto, positivo e indisfarçado da própria natureza e filiação divinas, que Jesus fez na Terra; e foi feito a uma mulher, a uma samaritana, uma mulher de caráter questionável aos olhos dos homens, até esse momento, mas uma mulher a quem o olho divino contemplou, como sendo alguém contra quem se tinha pecado mais do que pecara ela própria por seu próprio desejo; sendo agora uma alma humana que desejava a salvação, que a desejava sinceramente e de todo o seu coração, e isso era suficiente.
143:5.9 (1614.3) Quando Nalda estava para dar voz à sua aspiração real e pessoal por coisas melhores e por um caminho mais nobre de viver, quando estava pronta para falar sobre o desejo real do seu coração, os doze apóstolos chegavam de Sichar e, deparando com a cena de Jesus falando tão intimamente com essa mulher — uma samaritana — , e a sós, ficaram mais do que atônitos. Rapidamente colocaram no chão os suprimentos e permaneceram ao lado, nenhum deles ousando reprová-lo, enquanto Jesus dizia a Nalda: “Mulher, toma o teu caminho; Deus te perdoou. De agora em diante viverás uma nova vida. Já recebeste a água da vida, e uma nova alegria brotará dentro da tua alma e tornar-te-ás filha do Altíssimo”. E a mulher, percebendo a desaprovação dos apóstolos, abandonou o seu pote de água e fugiu para a aldeia.
143:5.10 (1614.4) Ao entrar na aldeia, ela proclamou a todos o que havia encontrado: “Ide ao poço de Jacó e ide depressa, pois lá vereis um homem que falou de tudo o que eu fiz. Será que ele pode ser o Convertedor?” E, antes que o sol se pusesse, uma grande multidão reuniu-se no poço de Jacó para ouvir Jesus. E o Mestre falou- lhes ainda mais sobre a água da vida, a dádiva do espírito residente.
143:5.11 (1614.5) Os apóstolos nunca deixaram de chocar-se com a disposição que Jesus tinha de falar com mulheres, mulheres de caráter discutível, e imorais mesmo. Era muito difícil para Jesus ensinar aos seus apóstolos que as mulheres, mesmo as mulheres chamadas imorais, têm almas que podem escolher Deus como o Pai delas, tornando-se assim filhas de Deus e candidatas à vida eterna. E, mesmo dezenove séculos depois, muitos ainda demonstram a mesma relutância em compreender os ensinamentos do Mestre. Mesmo a religião cristã tem sido construída persistentemente sobre o fato da morte de Cristo e não sobre a verdade da sua vida. O mundo deveria estar mais ocupado com a vida feliz, e reveladora de Deus, que Jesus levou, do que com a sua morte trágica e pesarosa.
143:5.12 (1614.6) Nalda contou toda essa história ao apóstolo João, no dia seguinte, mas ele nunca a revelou plenamente aos outros apóstolos, e Jesus não falou detalhadamente desse acontecimento aos doze.
143:5.13 (1615.1) Nalda contou a João que Jesus tinha contado a ela “tudo o que eu fiz na minha vida”. João quis perguntar a Jesus, muitas vezes, sobre essa conversa com Nalda, mas nunca o fez. Jesus apenas havia contado a ela uma coisa sobre ela própria, mas o olhar fundo nos olhos dela e o modo como ele a tratara trouxeram- lhe tudo, em uma revisão panorâmica, bem diante da sua mente, em um lapso de tempo tal que ela associou toda essa auto-revelação, da própria vida que levara, ao olhar e à palavra do Mestre. Jesus nunca lhe havia dito que ela tivera cinco maridos. Ela vivera com quatro homens diferentes, desde que o seu marido a deixara, e isso, junto com todo o seu passado, veio vividamente à sua mente no momento em que compreendeu que Jesus era um homem de Deus, tanto que ela acabou repetindo depois, para João, que Jesus tinha realmente dito a ela tudo sobre a sua vida pessoal.
143:6.1 (1615.2) Na noite em que Nalda levou a multidão até o lado de fora de Sichar, para ver Jesus, os doze haviam acabado de voltar com comida; e eles suplicaram a Jesus que comesse com eles em vez de falar com o povo, pois eles tinham estado sem comer todo o dia e estavam famintos. Jesus, entretanto, sabia que a escuridão logo os envolveria; e, desse modo, persistiu na sua determinação de conversar com o povo, antes de mandar todos embora. Quando André tentou persuadi-lo a comer um pouco, antes de falar à multidão, Jesus replicou: “Eu tenho, para comer, um alimento do qual vós nada sabeis”. Quando os apóstolos ouviram isso, eles disseram entre si: “Será que algum homem lhe trouxe algo para comer? Pode ser que a mulher tenha dado comida a ele junto com o que lhe deu para beber?” Quando Jesus os ouviu falando entre si, antes de falar ao povo, ele voltou- se de lado para dizer aos doze: “O meu alimento é fazer a vontade Dele, que me enviou, e realizar o Seu trabalho. Vós não devíeis mais dizer que há tanto e mais tanto tempo ainda antes da colheita. Vede esse povo vindo de uma cidade samaritana para ouvir-nos; eu vos digo que os campos já estão brancos para a colheita. Aquele que colhe recebe o salário, e junta o fruto para a vida eterna; conseqüentemente os semeadores e os colhedores rejubilam-se juntos. Pois nisto reside a verdade do ditado: ‘Um semeia e o outro colhe’. Eu agora vos estou enviando para colher onde não trabalhastes; outros trabalharam, e vós estais para entrar no trabalho deles”. Isso ele disse referindo-se à pregação de João Batista.
143:6.2 (1615.3) Jesus e os apóstolos foram a Sichar e, antes de montarem o acampamento deles no monte Gerizim, pregaram durante dois dias. E muitos dos habitantes de Sichar acreditaram no evangelho e pediram o batismo, mas os apóstolos de Jesus não batizavam ainda.
143:6.3 (1615.4) Na primeira noite do acampamento, no monte Gerizim, os apóstolos esperaram que Jesus os reprovasse pela atitude deles para com a mulher, no poço de Jacó, mas ele não fez referência à questão. Em vez disso fez-lhes aquela maravilhosa palestra sobre “As realidades que são as mais importantes no Reino de Deus”. Em qualquer religião é muito fácil permitir que os valores assumam uma grandeza desproporcional, como também é fácil permitir que acontecimentos ocupem o lugar da verdade, na teologia. O fato da cruz tornou-se o centro mesmo do cristianismo, que estava para vir em seguida; mas não é essa a verdade central da religião que se pode derivar da vida e dos ensinamentos de Jesus de Nazaré.
143:6.4 (1615.5) O tema dos ensinamentos de Jesus no monte Gerizim foi: Ele queria que todos os homens vissem a Deus como um Pai-amigo, exatamente como ele (Jesus) é um amigo-irmão. De novo e de novo, ele inculcou neles o fato de que o amor é a relação mais elevada no mundo — no universo — , do mesmo modo que a verdade é o maior pronunciamento sobre a observação dessas relações divinas.
143:6.5 (1616.1) Jesus revelou-se assim tão completamente aos samaritanos porque ele podia fazê-lo com segurança, e porque sabia que não visitaria de novo o centro de Samaria para pregar o evangelho do Reino.
143:6.6 (1616.2) Jesus e os doze permaneceram acampados no monte Gerizim até o fim de agosto. Eles pregavam as boas-novas do Reino — a paternidade de Deus — , aos samaritanos, nas aldeias, dia após dia, e passavam as noites no acampamento. O trabalho que Jesus e os doze fizeram nessas cidades samaritanas conduziu muitas almas ao Reino e fez muito para preparar o caminho ao trabalho maravilhoso de Filipe nessas regiões, depois da morte e da ressurreição de Jesus, em seguida à dispersão dos apóstolos até os confins da Terra, na perseguição amarga dos crentes em Jerusalém.
143:7.1 (1616.3) Nas conversas noturnas no monte Gerizim, Jesus ensinou muitas grandes verdades e, em particular, colocou ênfase no seguinte:
143:7.2 (1616.4) A verdadeira religião é o ato de uma alma individual, nas suas relações conscientes com o Criador; a religião organizada é a tentativa de socializar o ato da adoração do homem religioso individual.
143:7.3 (1616.5) A adoração — a contemplação do espiritual — deve alternar-se com o serviço, o contato com a realidade material. O trabalho deveria alternar-se com a diversão; a religião deveria ser equilibrada pelo humor. A filosofia profunda deveria receber o alívio da poesia rítmica. A tensão de viver — a tensão da personalidade no tempo — deveria ser afrouxada, no descanso da adoração. Os sentimentos de insegurança que advêm do medo do isolamento da personalidade no universo deveriam receber o antídoto que é a contemplação, na fé, do Pai, e que é a tentativa de realização e compreensão do Supremo.
143:7.4 (1616.6) A prece é destinada a tornar o homem menos pensativo e mais realizador; ela não se destina a fazer o conhecimento crescer, mas antes a expandir o discernimento.
143:7.5 (1616.7) A adoração intenta antecipar a vida melhor, que está adiante, e em seguida destina-se a refletir de volta, para a vida atual, essas novas significações espirituais. A prece sustenta espiritualmente, mas a adoração é divinamente criativa.
143:7.6 (1616.8) A adoração é a técnica de voltar-se para o Um, para receber a inspiração do serviço de muitos. A adoração é a medida pela qual se avalia o distanciamento da alma, até o universo material, e a sua conexão simultânea e segura com as realidades espirituais de toda a criação.
143:7.7 (1616.9) A prece é como a autolembrança — um pensamento sublime -; a adoração é o auto-esquecimento — o suprapensamento. A adoração é a atenção sem esforço, o repouso verdadeiro e ideal para a alma, uma forma de exercício espiritual repousante.
143:7.8 (1616.10) A adoração é o ato de uma parte identificando-se com o Todo; o finito com o Infinito; o filho com o Pai; o tempo no ato de um passo que toca a eternidade. A adoração é o ato da comunhão pessoal do filho com o Pai divino, é deixar que a alma-espírito assuma atitudes reanimadoras, criativas, fraternais e românticas.
143:7.9 (1616.11) Embora os apóstolos tenham captado apenas pouco dos seus ensinamentos no acampamento, outros mundos captaram; e novas gerações na Terra irão alcançar esses ensinamentos.
O Livro de Urântia
Documento 144
144:0.1 (1617.1) SETEMBRO e outubro foram passados em retiro num acampamento isolado, nos declives do monte Gilboa. O mês de setembro Jesus passou-o lá, a sós com os seus apóstolos, ensinando-lhes e instruindo-os sobre as verdades do Reino.
144:0.2 (1617.2) Havia uma série de razões para que Jesus e os seus apóstolos se mantivessem retirados nas fronteiras de Samaria e da Decápolis, durante esse período. Os dirigentes religiosos de Jerusalém estavam bastante hostis para com eles; Herodes Antipas ainda mantinha João na prisão, temendo libertá-lo, tanto quanto executá-lo; e havia suspeitas de que João e Jesus mantivessem ainda alguma forma de ligação. Essas condições tornaram contra-indicado planejar qualquer trabalho mais intenso, tanto na Judéia quanto na Galiléia. Havia uma terceira razão: a tensão, que aumentava pouco a pouco, entre os líderes dos discípulos de João e os apóstolos de Jesus; e que ficou agravada com o número cada vez maior de crentes.
144:0.3 (1617.3) Jesus sabia que os dias de trabalhos preliminares, de ensinamento e de pregação, estavam quase terminados, que o próximo passo envolvia o começo do esforço maior e final da sua vida na Terra, e não queria que o deslanchar desse empreendimento fosse, de nenhum modo, penoso nem embaraçoso para João Batista. Jesus, portanto, havia decidido passar algum tempo em retiro, repassando tudo com os seus apóstolos, para depois, então, fazer reservadamente algum trabalho, nas cidades da Decápolis, até que João fosse executado ou libertado para juntar-se a eles, com vistas a um esfoço unificado.
144:1.1 (1617.4) Com o passar do tempo, o grupo dos doze tornou-se mais devotado a Jesus e mais profundamente compromissados com o trabalho do Reino. A devoção deles era, em grande parte, uma questão de lealdade pessoal. Eles não captavam o ensinamento multifacetado de Jesus; eles não compreendiam plenamente a natureza nem o significado da sua auto-outorga na Terra.
144:1.2 (1617.5) Jesus deixou claro, para os seus apóstolos, que estavam todos em retiro por três razões:
144:1.3 (1617.6) 1. Confirmar o entendimento e a fé, que deviam ter no evangelho do Reino.
144:1.4 (1617.7) 2. Dar tempo para que a oposição ao trabalho deles, na Judéia e na Galiléia, se acalmasse.
144:1.5 (1617.8) 3. E aguardar o destino de João Batista.
144:1.6 (1617.9) Enquanto permaneceram em Gilboa, Jesus contou aos doze muitas coisas sobre a primeira parte da sua vida e das suas experiências no monte Hermom; revelou também algo do que acontecera nas colinas, durante os quarenta dias imediatamente após o seu batismo. E ordenou diretamente a eles que não contassem a nenhum homem sobre essas experiências, antes que ele voltasse para o Pai.
144:1.7 (1618.1) Durante essas semanas do mês de setembro, eles descansaram, conversaram, rememoraram as próprias experiências desde que Jesus os chamara para o serviço e empenharam-se em um esforço sério para coordenar tudo o que o Mestre lhes havia ensinado até então. Até um certo ponto, todos sentiam que essa seria a última oportunidade para um descanso prolongado. Compreenderam que o seu próximo esforço público, tanto na Judéia quanto na Galiléia, marcaria o começo da proclamação final do Reino vindouro, mas não tinham uma idéia formada sobre o que o Reino seria, quando viesse. João e André julgavam que o Reino já tinha vindo; Pedro e Tiago acreditavam que estava ainda para vir; Natanael e Tomé confessavam francamente estar perplexos; Mateus, Filipe e Simão zelote viam-se incertos e confusos; os gêmeos mantinham-se em uma ignorância abençoada sobre a controvérsia; e Judas Iscariotes permanecia silencioso, desligado de comprometimentos.
144:1.8 (1618.2) Durante grande parte desse período, Jesus permaneceu a sós na montanha perto do acampamento. Ocasionalmente levava Pedro, Tiago ou João junto consigo, mas, mais freqüentemente, distanciava-se para orar ou comungar a sós. Depois do batismo de Jesus, e dos quarenta dias nas colinas pereianas, não é próprio falar desses períodos de comunhão com o seu Pai como sendo de preces, nem é compatível falar de Jesus adorando, mas é inteiramente correto fazer alusão a esses períodos como sendo de uma comunhão pessoal com o seu Pai.
144:1.9 (1618.3) O tema central das conversas durante todo o mês de setembro foi a prece e a adoração. Depois de haverem discutido sobre a adoração, por alguns dias, Jesus finalmente pronunciou o seu memorável discurso sobre a oração, em resposta ao pedido de Tomé: “Mestre, ensina-nos como orar”.
144:1.10 (1618.4) João havia ensinado aos seus discípulos uma prece, uma prece para a salvação no Reino vindouro. Embora Jesus nunca tenha proibido os seus seguidores de usar a forma de oração ensinada por João, os apóstolos perceberam logo que o Mestre não aprovava totalmente a prática de utilizar orações formalmente estabelecidas. Entretanto, os crentes solicitavam constantemente que se lhes fosse ensinado como fazer as preces. Os doze almejavam saber qual a forma de súplica que Jesus aprovaria. E foi principalmente por causa da necessidade de uma prece simples, para a gente comum, que Jesus consentiu, nessa época, em responder ao pedido de Tomé, de ensinar-lhes uma forma sugestiva de prece. Jesus deu essa lição em uma tarde, na terceira semana da permanência deles no monte Gilboa.
144:2.1 (1618.5) “De fato, João ensinou-vos uma forma simples de prece: ‘Ó Pai, purifica-nos do pecado, mostra-nos Tua glória, revela-nos Teu amor e deixa que Teu espírito santifique nossos corações, para todo o sempre. Amém!’ Ele ensinou essa prece para que tivésseis alguma coisa a ensinar à multidão. Mas não teve a intenção de que usásseis essa súplica de modo fixo e formal como expressão da oração das vossas próprias almas.
144:2.2 (1618.6) “A prece é uma expressão inteiramente pessoal e espontânea da atitude da alma com o espírito; a prece deveria ser a comunhão da filiação e a expressão da fraternidade. A prece, quando ditada pelo espírito, conduz ao progresso espiritual cooperador. A prece ideal é uma forma de comunhão espiritual, que conduz à adoração inteligente. A verdadeira oração é uma forma sincera de estender a mão na direção do céu para alcançar os vossos ideais.
144:2.3 (1619.1) “A prece é o respirar da alma e deveria levar-vos à persistência na tentativa de melhor conhecerdes sobre a vontade do Pai. Se, dentre vós, houver um que tenha um vizinho e se este for a ele à meia-noite e disser: ‘Amigo, empresta-me três pães, pois um amigo chegou de viagem para ver-me e nada eu tenho para oferecer-lhe’; e se o vizinho responder: ‘Não me incomodes, pois a porta agora está fechada, as crianças e eu estamos na cama, e eu não posso levantar-me e dar-te pão’; ele persistirá, explicando-lhe que o amigo tem fome e que ele não tem nenhuma comida para oferecer. Eu vos digo, embora o vizinho não vá se levantar para dar-lhe o pão, só porque é um amigo; mas que, em vista do inoportunismo, ele poderá acabar levantando-se e dando-lhe tantos pães quantos forem necessários. E então, se a persistência consegue favores até do homem mortal, quão mais a vossa persistência conseguirá, em espírito, do pão da vida, das mãos dispostas do Pai nos céus. E, de novo, vos digo: Pedi e vos será dado; buscai e encontrareis; batei e a porta abrir-se-á para vós. Pois todos aqueles que pedem, recebem; e aquele que busca, encontra; e, para quem bate, a porta da salvação será aberta.
144:2.4 (1619.2) “Qual de vós, sendo pai, se o vosso filho fizer um pedido tolo, hesitaria em dar-lhe, preferivelmente, mais de acordo com a vossa sabedoria de pai, do que nos termos do pedido errado do filho? Porque, caso a criança necessite de um pão, dar-lhe-ias uma pedra, apenas porque tolamente ela pediu a pedra? Se o filho necessita de um peixe, dareis a ele uma cobra d’água, apenas porque ela veio na rede com os peixes e porque a criança imprudentemente pede a serpente? Se, pois, sendo mortais e finitos, sabeis como corresponder a um pedido e como fazer a dádiva boa e apropriada às vossas crianças, quão mais não dará em espírito, o Pai celeste, e de bênçãos adicionais àqueles que pedem? Os homens deveriam sempre orar e não se deixar desencorajar.
144:2.5 (1619.3) “Deixai que eu vos conte a história de um certo juiz que vivia em uma cidade perversa. Esse juiz não temia a Deus, nem tinha respeito pelos homens. Ora, nessa cidade havia uma viúva em necessidade e, repetidamente, ela vinha a esse juiz injusto dizendo: ‘proteja-me do meu adversário’. Por algum tempo ele não quis dar-lhe ouvidos, mas em breve ele disse a si próprio: ‘Ora, mesmo não temendo a Deus nem tendo consideração pelos homens, pelo fato dessa viúva não parar de me incomodar, eu farei jus à reivindicação dela, para que deixe de me cansar com as suas contínuas vindas’. Essas histórias eu as conto a vós para encorajar-vos a persistir na prece e não pensem que os vossos pedidos possam modificar o Pai justo e reto lá no alto. A vossa persistência, contudo, não serve para ganhar favores junto a Deus, mas para modificar a vossa atitude terrena e ampliar a capacidade de receptividade da vossa alma para com o espírito.
144:2.6 (1619.4) “No entanto, quando orais, colocais tão pouca fé. A fé verdadeira removerá montanhas de dificuldades materiais que podem estar colocadas no meio do caminho da expansão da alma e do progresso espiritual”.
144:3.1 (1619.5) Todavia, os apóstolos não estavam ainda satisfeitos, desejavam que Jesus lhes desse um modelo de prece, o qual pudesse ser ensinado aos novos discípulos. Depois de ouvir esse discurso sobre a prece, Tiago Zebedeu disse: “Muito bom, Mestre, mas nós não desejamos uma forma de prece para nós próprios, tanto quanto para os crentes mais recentes, que tão freqüentemente nos pedem: ‘Ensinai-nos como orar de um modo aceitável, para o Pai no céu’”.
144:3.2 (1619.6) Quando Tiago terminou de falar, Jesus disse: “Nesse caso, então, como ainda aguardais uma prece, eu gostaria de apresentar-vos aquela que ensinei aos meus irmãos e irmãs, na minha casa em Nazaré:
144:3.3 (1620.1) “Pai nosso que estais no céu
144:3.4 (1620.2) Santificado seja o vosso nome.
144:3.5 (1620.3) Vinde a nós o vosso Reino; a vossa vontade seja feita
144:3.6 (1620.4) na Terra, assim como no céu.
144:3.7 (1620.5) O pão nosso de amanhã, dai-nos neste dia;
144:3.8 (1620.6) Refrescai as nossas almas com a água da vida.
144:3.9 (1620.7) E perdoai-nos de todas as nossas dívidas
144:3.10 (1620.8) Como nós perdoamos também aos nossos devedores.
144:3.11 (1620.9) Salvai-nos da tentação, e livrai-nos do mal,
144:3.12 (1620.10) E fazei-nos sempre mais perfeitos, como Vós o sois”.
144:3.13 (1620.11) Não é de se estranhar que os apóstolos desejassem que Jesus lhes ensinasse uma prece como modelo para os crentes. João Batista havia ensinado várias preces aos seus seguidores; todos os grandes instrutores formularam preces para os seus alunos. Os instrutores religiosos dos judeus possuíam umas vinte e cinco ou trinta preces prontas, que recitavam nas sinagogas e mesmo nas esquinas. Jesus era particularmente avesso a orar em público. Até esse momento, os doze haviam-no ouvido orar apenas umas poucas vezes. Eles viram-no passando noites inteiras em prece ou em adoração; e estavam muito curiosos para conhecer o modo ou a forma dos seus pedidos. Sentiam-se realmente muito pressionados a saber qual resposta dar às multidões quando pedissem que lhes fosse ensinado como orar, como João havia ensinado aos seus discípulos.
144:3.14 (1620.12) Jesus ensinou aos doze que orassem sempre reservadamente; e pediu-lhes que ficassem a sós, em meio a redondezas silenciosas, junto à natureza, ou que fossem aos seus quartos e fechassem as portas, quando estivessem fazendo as preces.
144:3.15 (1620.13) Depois da morte e da ascensão de Jesus ao Pai, entre muitos crentes, tornou- se prática terminar esta que é chamada a oração do Senhor, acrescentando: “Em nome do Senhor Jesus Cristo”. E, ainda mais tarde, duas linhas foram perdidas na transcrição, e, a essa prece, foi acrescentada uma afirmação suplementar que dizia: “Pois a vós pertence o Reino, e o poder e a glória, para todo o sempre”.
144:3.16 (1620.14) Jesus deu aos apóstolos a prece em forma coletiva, como eles haviam orado no lar em Nazaré. Ele nunca ensinou uma prece formal, pessoal, apenas preces grupais, familiares ou sociais. E nunca se dispôs a fazer isso.
144:3.17 (1620.15) Jesus ensinou que a prece eficiente deve ser:
144:3.18 (1620.16) 1. Não-egoísta — não apenas para si próprio.
144:3.19 (1620.17) 2. Crente — de acordo com a fé.
144:3.20 (1620.18) 3. Sincera — honesta de coração.
144:3.21 (1620.19) 4. Inteligente — de acordo com a luz.
144:3.22 (1620.20) 5. Confiante — em submissão à vontade totalmente sábia do Pai.
144:3.23 (1620.21) Quando Jesus passou noites inteiras na montanha, em prece, ele o fez principalmente pelos seus discípulos, e particularmente pelos doze. Pouquíssimas preces do Mestre eram feitas para si próprio; embora praticasse bastante a adoração, aquela adoração cuja natureza é a comunhão de compreensão com seu Pai do Paraíso.
144:4.1 (1620.22) Dias depois do discurso sobre a prece, os apóstolos ainda continuavam a fazer perguntas ao Mestre a respeito desta prática de suma importância: a da adoração. A instrução de Jesus aos apóstolos, durante esses dias, a respeito da prece e da adoração, pode ser restabelecida na forma moderna, do modo como a seguir está resumido:
144:4.2 (1621.1) A repetição sincera e veemente de qualquer prece, quando esta é a expressão sincera de um filho de Deus e é feita com fé, não importando o quanto seja improvável ou impossível que se obtenha uma resposta direta a ela, servirá sempre para expandir a capacidade de receptividade espiritual da alma.
144:4.3 (1621.2) Em todas as preces, lembrai que a filiação é uma dádiva. Nenhum filho nada tem a ver quanto a ganhar a posição de filho ou de filha. O filho da Terra nasce pela vontade dos seus pais. E também assim, o filho de Deus recebe essa graça, e a nova vida do espírito, pela vontade do Pai no céu. E, por isso, o Reino do céu — a filiação divina — deve ser recebido como se fôssemos criancinhas. A retidão vós a conquistais — o desenvolvimento progressivo do caráter — , mas a filiação vós a recebeis como uma graça e por meio da fé.
144:4.4 (1621.3) A prece conduziu Jesus à supercomunhão de alma com os Dirigentes Supremos do universo dos universos. A prece conduzirá os mortais da Terra à comunhão da verdadeira adoração. A capacidade espiritual de receptividade da alma determina a quantidade das bênçãos celestes que podem ser pessoalmente apropriadas e conscientemente realizadas, em resposta à prece.
144:4.5 (1621.4) A prece, e a adoração associada a ela, é como a prática de um distanciamento da rotina diária da vida, do desgaste monótono da existência material. É um amplo caminho de aproximação da auto-realização espiritualizada e de aquisição da individualidade intelectual e religiosa.
144:4.6 (1621.5) A prece é um antídoto para a introspecção perniciosa. A prece, ao menos como ensinada pelo Mestre, é uma ministração bastante benéfica à alma. Jesus empregou com consistência a influência benéfica da prece junto aos seus semelhantes. O Mestre, em geral, orava no plural, não no singular. Apenas durante a grande crise da sua vida terrena Jesus orou para si próprio.
144:4.7 (1621.6) A prece é o fôlego da vida espiritual, em meio à civilização material das raças da humanidade. A adoração é a salvação indicada às gerações de mortais que estão na busca do prazer.
144:4.8 (1621.7) Do mesmo modo que a prece assemelha-se a um recarregar das baterias espirituais da alma, a adoração pode ser comparada ao ato de sintonizar a alma para captar as emissões universais vindas do espírito infinito do Pai Universal.
144:4.9 (1621.8) A prece é o olhar sincero e ardente do filho para o seu Pai espiritual; é um processo psicológico de substituir a vontade humana pela vontade divina. A prece é uma parte do plano divino, para transformar aquilo que está sendo, naquilo que deveria ser.
144:4.10 (1621.9) Uma das razões pelas quais Pedro, Tiago e João, que freqüentemente acompanhavam Jesus nas suas longas vigílias noturnas, nunca ouviram Jesus orando, estava no fato de que o seu Mestre, só muito raramente, fazia as suas preces em palavras pronunciadas. Praticamente todas as preces de Jesus eram feitas no espírito e no coração — silenciosamente.
144:4.11 (1621.10) De todos os apóstolos, Pedro e Tiago estiveram mais próximos de compreender os ensinamentos do Mestre sobre a prece e a adoração.
144:5.1 (1621.11) De quando em quando, durante o restante da sua permanência na Terra, Jesus trazia ao conhecimento dos apóstolos várias outras formas de prece, mas o fez apenas como uma ilustração para outras questões, e determinou que essas “preces em forma de parábola” não deveriam ser ensinadas às multidões. Muitas delas eram de outros planetas habitados, mas Jesus não revelou esse fato aos doze. Entre essas preces estavam as seguintes:
144:5.2 (1622.1) Pai nosso, em Quem consistem todos os reinos do universo,
144:5.3 (1622.2) Que o Teu nome seja exaltado e Todo-glorioso seja o Teu caráter.
144:5.4 (1622.3) A Tua presença nos engloba, e a Tua glória manifesta-se
144:5.5 (1622.4) De modo imperfeito, por nosso intermédio, mas, no alto, é mostrada em perfeição.
144:5.6 (1622.5) Conceda-nos, neste dia, as forças vivificadoras da luz,
144:5.7 (1622.6) E não nos deixes errar pelos desvios malignos da nossa imaginação,
144:5.8 (1622.7) Pois Teu é o Residente glorioso, o poder eterno,
144:5.9 (1622.8) E nossa é a dádiva eterna do amor infinito do Teu Filho.
144:5.10 (1622.9) Assim seja, na verdade eterna.
* * *
144:5.12 (1622.10) Pai nosso criador, que estás no centro do universo,
144:5.13 (1622.11) Outorga a nós a Tua natureza e dá-nos o Teu caráter.
144:5.14 (1622.12) Faz de nós os Teus filhos e filhas, por meio da graça,
144:5.15 (1622.13) Que o Teu nome seja glorificado por meio da nossa eterna realização.
144:5.16 (1622.14) Dá o Teu espírito Ajustador e controlador, para viver e residir dentro de nós.
144:5.17 (1622.15) E que possamos fazer a Tua vontade nesta esfera, como os anjos cumprem os Teus comandos na luz.
144:5.18 (1622.16) Sustenta-nos neste dia, no nosso progresso dentro do caminho da verdade.
144:5.19 (1622.17) Livra-nos da inércia, do mal e de todas as transgressões pecaminosas.
144:5.20 (1622.18) Sê paciente conosco, assim como nós mostramos bondade e amor aos nossos semelhantes.
144:5.21 (1622.19) Derrama o espírito da Tua misericórdia nos nossos corações de criaturas.
144:5.22 (1622.20) Conduze-nos pela Tua própria mão, passo a passo, nos labirintos incertos da vida,
144:5.23 (1622.21) E, quando vier o nosso fim, recebe os nossos espíritos fiéis no Teu próprio seio.
144:5.24 (1622.22) E que seja assim feito o Teu desejo, não o nosso.
* * *
144:5.26 (1622.23) Pai nosso celeste, perfeito e reto,
144:5.27 (1622.24) Guia e dirige a nossa jornada deste dia.
144:5.28 (1622.25) Santifica os nossos passos e coordena os nossos pensamentos.
144:5.29 (1622.26) Conduze-nos sempre nos caminhos do progresso eterno.
144:5.30 (1622.27) Sacia-nos de sabedoria, à plenitude do poder,
144:5.31 (1622.28) Revitalizando-nos com a Tua energia infinita.
144:5.32 (1622.29) Inspira-nos com a consciência divina
144:5.33 (1622.30) Da presença e da orientação das hostes seráficas.
144:5.34 (1622.31) Guia-nos sempre para cima, na senda da luz;
144:5.35 (1622.32) Inocenta-nos plenamente no dia do grande julgamento.
144:5.36 (1622.33) Faze-nos à Tua semelhança, na glória eterna
144:5.37 (1622.34) E recebe-nos, no alto, para o Teu serviço perpétuo.
* * *
144:5.39 (1622.35) Pai nosso, que Te manténs em mistério,
144:5.40 (1622.36) Revela-nos o Teu caráter santo.
144:5.41 (1622.37) Faz, neste dia, com que os Teus filhos na Terra
144:5.42 (1622.38) Vejam o caminho, a luz e a verdade.
144:5.43 (1622.39) Mostra-nos a direção do progresso eterno
144:5.44 (1622.40) E dá-nos vontade para caminhar dentro dele.
144:5.45 (1622.41) Estabelece, dentro de nós, a Tua soberania divina
144:5.46 (1622.42) E concede-nos o domínio pleno do ego.
144:5.47 (1622.43) Não nos deixe enveredar pelos caminhos das trevas e da morte;
144:5.48 (1622.44) Conduze-nos eternamente nas águas da vida.
144:5.49 (1622.45) Ouve esta nossa prece, por amor da Tua própria causa;
144:5.50 (1622.46) Contenta-te em fazer-nos cada vez mais semelhantes a Ti.
144:5.51 (1623.1) E afinal, pelo Filho divino,
144:5.52 (1623.2) Nos receba em Teus braços eternos.
144:5.53 (1623.3) E assim, seja feita a Tua vontade, não a nossa.
* * *
144:5.55 (1623.4) Glorioso Pai e gloriosa Mãe, unificados em um Progenitor único,
144:5.56 (1623.5) Gostaríamos de ser leais à Vossa natureza divina.
144:5.57 (1623.6) Que viva de novo em nós a vossa Pessoa
144:5.58 (1623.7) Por meio do dom e da dádiva do Vosso espírito divino,
144:5.59 (1623.8) Que, nesta esfera e em nós, só imperfeitamente imita a Vós,
144:5.60 (1623.9) Tal como Vos mostrais em perfeição e em majestade, no alto.
144:5.61 (1623.10) A cada dia, dai-nos a Vossa doce ministração de fraternidade
144:5.62 (1623.11) E conduzi-nos, todo momento, na direção do serviço ao amor.
144:5.63 (1623.12) Sede sem pre e firmemente paciente conosco
144:5.64 (1623.13) Assim como nós somos pacientes com os nossos filhos.
144:5.65 (1623.14) Dai-nos a sabedoria divina de fazer bem todas as coisas,
144:5.66 (1623.15) Dai-nos o amor infinito, que é a graça de toda a criatura.
144:5.67 (1623.16) E concedei-nos a Vossa paciência e a Vossa bondade amorosa
144:5.68 (1623.17) Que a nossa caridade possa envolver os fracos deste reino.
144:5.69 (1623.18) E, quando a nossa carreira acabar, fazei dela uma honra ao Vosso nome,
144:5.70 (1623.19) Um prazer para o Vosso espírito de bondade, e uma satisfação Para aque les que ajudam a nossa alma
144:5.71 (1623.20) Não como desejamos nós, nosso Pai de amor, mas assim como Vós dese jardes, para o eterno bem dos vossos filhos mortais,
144:5.72 (1623.21) Que assim possa ser.
* * *
144:5.74 (1623.22) Ó Fonte nossa Todo-fiel e Centro nosso Todo-Poderoso,
144:5.75 (1623.23) Reverenciado e santo seja o nome do vosso Filho tão cheio de graça.
144:5.76 (1623.24) As Vossas bondades e as Vossas bênçãos têm descido sobre nós,
144:5.77 (1623.25) Dando-nos poder para fazer a Vossa vontade e para executar a Vossa ordem.
144:5.78 (1623.26) Dai-nos, a cada momento, a sustentação da árvore da vida;
144:5.79 (1623.27) A cada dia, refrescai-nos, com as águas da vida do Vosso rio.
144:5.80 (1623.28) A cada passo, conduzi-nos para fora das trevas e para a luz divina.
144:5.81 (1623.29) Renovai as nossas mentes, por meio das transformações do espírito residente,
144:5.82 (1623.30) E, quando o fim mortal finalmente vier sobre nós,
144:5.83 (1623.31) Recebei-nos junto a Vós e enviai-nos à eternidade.
144:5.84 (1623.32) Coroai-nos com os atributos celestes do serviço fecundo,
144:5.85 (1623.33) E nós glorificaremos o Pai, o Filho e a Santa Influência.
144:5.86 (1623.34) E que assim seja, em um universo sem fim.
* * *
144:5.88 (1623.35) Pai nosso que habitas em locais secretos do universo,
144:5.89 (1623.36) Honrado seja o Teu nome, reverenciada seja a Tua misericórdia e respei tado seja o Teu julgamento.
144:5.90 (1623.37) Que o sol da retidão brilhe sobre nós ao meio-dia,
144:5.91 (1623.38) Enquanto nós Te suplicamos que guies os nossos passos incertos sob o crepúsculo.
144:5.92 (1623.39) Conduze-nos com a Tua mão, nos caminhos da Tua escolha
144:5.93 (1623.40) E, quando o caminho for duro e as horas forem de trevas, não nos abandones.
144:5.94 (1623.41) Não nos esqueças, assim como nós muitas vezes Te esquecemos e Te negli genciamos.
144:5.95 (1623.42) Mas sê misericordioso e ama-nos como nós Te desejamos amar.
144:5.96 (1623.43) Do alto, olha-nos com bondade e perdoa-nos com misericórdia
144:5.97 (1623.44) Como nós perdoamos, com justiça, àqueles que nos magoam e que nos ofendem.
144:5.98 (1624.1) E possam o amor, a devoção e o dom do Filho excelso
144:5.99 (1624.2) Tornar disponível a vida eterna, com a Tua misericórdia sem fim e com o Teu amor.
144:5.100 (1624.3) Que o Deus dos universos possa conceder-nos a medida plena do Seu espírito;
144:5.101 (1624.4) Dá-nos a graça de submeter-nos à condução desse espírito.
144:5.102 (1624.5) Pela ministração de amor das Tuas devotadas hostes seráficas
144:5.103 (1624.6) Que possa o Filho guiar-nos até o fim da idade.
144:5.104 (1624.7) Faze-nos sempre, e cada vez mais, semelhantes a Ti
144:5.105 (1624.8) E, quando do nosso fim, recebe-nos no abraço eterno do Paraíso.
144:5.106 (1624.9) Assim seja, em nome do Filho a nós enviado
144:5.107 (1624.10) E para a honra e glória de Ti, Pai Supremo.
144:5.108 (1624.11) Embora os apóstolos não fossem livres para apresentar essas lições sobre a prece nos seus ensinamentos públicos, eles aproveitaram muito de todas essas revelações para as suas experiências religiosas pessoais. Jesus utilizou esses e outros modelos de preces, como ilustrações, nas instruções íntimas dadas aos doze. E uma permissão específica nos foi concedida, para que transcrevêssemos essas sete amostras de orações neste registro.
144:6.1 (1624.12) Por volta de primeiro de outubro, Filipe e alguns dos seus amigos apóstolos estavam em uma aldeia próxima comprando alimentos, quando encontraram alguns dos apóstolos de João Batista. Nesse encontro casual, na praça do mercado, programou-se uma conferência de três semanas, no acampamento de Gilboa, entre os apóstolos de Jesus e os apóstolos de João; pois recentemente havia apontado doze dos seus líderes como apóstolos, seguindo o precedente de Jesus. João havia feito isso em resposta à solicitação de Abner, líder dos seus leais apoiadores. Jesus esteve presente, no acampamento de Gilboa, durante a primeira semana dessa conferência conjunta, mas ausentou-se nas duas últimas semanas.
144:6.2 (1624.13) No começo da segunda semana desse mês, Abner havia reunido todos os seus condiscípulos no acampamento em Gilboa, e estavam todos preparados para o conselho com os apóstolos de Jesus. Durante três semanas, esses vinte e quatro homens entraram em sessões, três vezes ao dia e seis dias a cada semana. Na primeira semana, Jesus esteve com eles entre as sessões da manhã, da tarde e da noite. Todos queriam que o Mestre se reunisse com eles e que presidisse as suas deliberações conjuntas, mas ele recusou-se firmemente a participar de suas discussões; embora consentisse em falar-lhes em três ocasiões; e essas palestras, de Jesus, para os vinte e quatro, foram sobre compaixão, cooperação e tolerância.
144:6.3 (1624.14) André e Abner alternavam-se na presidência desses encontros conjuntos entre os dois grupos apostólicos. Esses homens tinham muitas dificuldades a serem discutidas e muitos problemas para resolver. Muitas vezes eles levavam os seus problemas a Jesus, para apenas ouvi-lo dizer: “Eu me ocupo apenas dos vossos problemas pessoais e puramente religiosos. Sou o representante do Pai para o indivíduo, não para o grupo. Se tiverdes dificuldades pessoais nas vossas relações com Deus, vinde a mim que ouvirei e aconselharei na solução do problema. Mas, quando estiverdes tratando da coordenação de interpretações humanas divergentes para as questões religiosas e para a socialização da religião, cabe a vós mesmos cuidar de todos esses problemas, por meio das vossas próprias decisões. Não obstante isso, eu vos acompanharei sempre compassiva e interessadamente; e, quando chegardes às conclusões, no que toca a essas questões de importância não-espiritual, já que todos vós estais de acordo, então, prometo adiantadamente dar a minha aprovação total e a minha cooperação sincera. E, agora, com a finalidade de deixar-vos desimpedidos para as vossas deliberações, estarei distante por duas semanas. Não vos preocupeis comigo, pois voltarei para vós. Eu estarei cuidando dos assuntos do meu Pai, pois temos outros Reinos além deste aqui”.
144:6.4 (1625.1) Depois de falar assim, Jesus desceu a encosta da montanha e eles não mais o viram por duas semanas inteiras. E nunca souberam para onde foi, nem o que fez durante esses dias. Demorou algum tempo para que os vinte e quatro pudessem ater-se às considerações sérias dos seus problemas, tão desconcertados ficaram com a ausência do Mestre. Dentro de uma semana, contudo, estavam de novo no cerne das suas discussões, sem poder apelar para a ajuda de Jesus.
144:6.5 (1625.2) O primeiro item sobre o qual o grupo concordou foi o da adoção da prece que, tão recentemente, Jesus havia ensinado a eles. Essa prece, aceita em votação unânime, era aquela que seria ensinada aos crentes pelos dois grupos de apóstolos.
144:6.6 (1625.3) Em seguida decidiram que, enquanto João vivesse, fosse na prisão ou fora dela, ambos os grupos de doze apóstolos continuariam com os seus trabalhos; e também que encontros conjuntos de uma semana aconteceriam, a cada três meses, em locais a serem determinados.
144:6.7 (1625.4) O mais sério de todos os problemas, contudo, tornou-se a questão do batismo. As dificuldades todas ficaram ainda mais agravadas, porque Jesus havia-se recusado a fazer qualquer pronunciamento sobre esse tema. Finalmente, eles concordaram: enquanto João vivesse, ou até o momento em que eles pudessem modificar em conjunto essa decisão, apenas os apóstolos de João batizariam os crentes, e apenas os apóstolos de Jesus instruiriam finalmente os novos discípulos. Sendo assim, desde aquele momento, até depois da morte de João, dois dos apóstolos de João acompanhavam Jesus e os seus apóstolos para batizar os crentes, pois aquele conselho conjunto de apóstolos havia decidido, por unanimidade, que o batismo devia tornar-se o passo inicial e o sinal exterior na aliança com os assuntos do Reino.
144:6.8 (1625.5) Em seguida, ficou decidido que, no caso da morte de João, os apóstolos dele apresentar-se-iam a Jesus e submeter-se-iam à direção dele, e que não mais batizariam, a menos que fossem autorizados por Jesus ou pelos seus apóstolos.
144:6.9 (1625.6) E então foi votado que, no caso da morte de João, os apóstolos de Jesus começariam a batizar com água como símbolo do batismo do Espírito divino. Quanto à questão de o arrependimento estar ligado ou não à pregação do batismo, isso ficou entregue à opção de cada um; nenhuma decisão foi tomada, como obrigatória, pelo grupo. Os apóstolos de João pregavam: “Arrependei-vos e sereis batizados”. Os apóstolos de Jesus proclamavam: “Acreditai e sede batizados”.
144:6.10 (1625.7) E essa é a história da primeira tentativa, dos seguidores de Jesus, de coordenar esforços divergentes, de compor diferenças de opinião, de organizar empreendimentos grupais, de legislar sobre ritos exteriores e de socializar práticas religiosas pessoais.
144:6.11 (1625.8) Muitas outras questões menores foram consideradas; e a solução delas foi tomada em unanimidade. Esses vinte e quatro homens tiveram uma experiência verdadeiramente notável durante essas duas semanas em que foram levados a enfrentar os problemas e a decidir conjuntamente em caso de impasses, sem Jesus. Eles aprenderam a divergir, debater, lutar, orar e transigir e, durante todo esse tempo, a conservar-se em toda a simpatia para com os pontos de vista das outras pessoas e também a manter ao menos um certo nível de tolerância para com as opiniões alheias sinceras.
144:6.12 (1625.9) Na tarde da sua discussão final sobre as questões financeiras, Jesus retornou; e ouviu sobre as deliberações deles, escutou as decisões e disse: “Essas, então, são as vossas conclusões; e eu vos ajudarei, a cada um, a pôr em prática o espírito das vossas decisões unidas”.
144:6.13 (1626.1) Dois meses e meio depois dessa época João foi executado e, durante esse período, os apóstolos de João permaneceram com Jesus e os doze. Trabalharam juntos e batizaram os crentes, durante esse período de trabalho, nas cidades da Decápolis. O acampamento de Gilboa foi levantado aos 2 de novembro de 27 d.C.
144:7.1 (1626.2) Durante os meses de novembro e de dezembro, Jesus e os vinte e quatro trabalharam silenciosamente nas cidades gregas da Decápolis, principalmente em Citópolis, Gerasa, Abila e Gadara. Esse foi realmente o fim daquela época preliminar de absorver o trabalho e a organização de João. Sempre a religião socializada de uma nova revelação paga o preço do comprometimento e de concessões com as formas e os usos estabelecidos da religião precedente, que ela procura salvaguardar. O batismo foi o preço que os seguidores de Jesus pagaram, para levar com eles, enquanto grupo religioso socializado, os seguidores de João Batista. Os seguidores de João, ao juntarem-se aos seguidores de Jesus, cederam em quase tudo, exceto no batismo pela água.
144:7.2 (1626.3) Jesus promoveu poucos ensinamentos públicos, nessa missão nas cidades da Decápolis. Passou um tempo considerável ensinando aos vinte e quatro e teve muitas sessões especiais com os doze apóstolos de João. Com o tempo, eles tornaram- se mais compreensivos, quanto ao porquê de Jesus não ter ido visitar João na prisão, e quanto à causa de nenhum esforço haver sido feito para assegurar a libertação de João. Nunca puderam, entretanto, compreender por que Jesus não fazia nenhuma obra miraculosa, por que ele recusava-se a dar sinais externos da sua autoridade divina. Antes de vir para o acampamento de Gilboa, eles já criam em Jesus, sobretudo por causa do testemunho de João, mas logo eles estavam já começando a crer em resultado do seu próprio contato com o Mestre e os seus ensinamentos.
144:7.3 (1626.4) A maior parte do tempo, nesses dois meses, o grupo trabalhou aos pares; um dos apóstolos de Jesus saindo com um dos de João. O apóstolo de João batizava, o apóstolo de Jesus instruía; enquanto ambos pregavam o evangelho do Reino, como cada um o entendia. E eles ganharam muitas almas, entre os gentios e os judeus apóstatas.
144:7.4 (1626.5) Abner, o dirigente dos apóstolos de João, tornou-se um devoto firme de Jesus e, mais tarde, foi feito o superior de um grupo de setenta instrutores a quem o Mestre encarregou com a missão de pregar o evangelho.
144:8.1 (1626.6) No final de dezembro todos foram para perto do Jordão, junto a Pela, onde, novamente, começaram a ensinar e a pregar. Vinham a esse acampamento tanto judeus quanto gentios para ouvir as boas-novas. Foi enquanto Jesus ensinava à multidão, uma tarde, que alguns amigos especiais de João trouxeram ao Mestre a última mensagem que ele receberia do Batista.
144:8.2 (1626.7) João, a essa altura, tinha estado já durante um ano e meio na prisão e, na maior parte desse tempo, Jesus havia trabalhado muito silenciosamente; e assim não era estranho que João fosse levado a indagar sobre o Reino. Os amigos de João interromperam os ensinamentos de Jesus para dizer-lhe: “João Batista nos enviou para perguntar — tu és realmente o Libertador, ou devemos procurar por algum outro?”
144:8.3 (1626.8) Jesus parou para dizer aos amigos de João: “Voltai e dizei a João que ele não foi esquecido. Dizei a ele sobre o que vistes e ouvistes, que as boas-novas foram pregadas aos pobres”. E, depois de Jesus ter falado aos mensageiros de João, ele voltou à multidão e disse: “Não penseis que João duvida do evangelho do Reino. Ele faz perguntas apenas para deixar os seus discípulos, que são também meus discípulos, bem seguros. João não é um fraco. Deixai-me perguntar a vós, que ouvistes João pregando, antes de Herodes colocá-lo na prisão: O que vistes em João — uma palha balançando ao vento? Um homem de humor variável e vestido em roupas macias? Em geral aqueles que se vestem suntuosamente e que vivem delicadamente estão nas cortes dos reis e nas mansões dos ricos. Mas o que vistes, quando contemplastes João? Um profeta? Eu vos digo que sim; e muito mais do que um profeta. Foi escrito sobre João: ‘Bem, eu coloco o meu mensageiro para que vós o vejais diante de vós; ele irá preparar o caminho’.
144:8.4 (1627.1) “Em verdade, em verdade, eu vos digo, entre aqueles nascidos de mulheres não nasceu ninguém maior do que João Batista; no entanto, aquele que não é senão pequeno ainda no Reino do céu, é ainda maior, porque nasceu do espírito e sabe que se tornou um filho de Deus”.
144:8.5 (1627.2) Muitos dos que ouviram Jesus, naquele dia, submeteram-se ao batismo de João e, assim, proclamaram publicamente a entrada no Reino. E os apóstolos de João ficaram firmemente ligados a Jesus, daquele dia em diante. Esse acontecimento marcou a união real dos seguidores de João e de Jesus.
144:8.6 (1627.3) Depois de conversarem com Abner, os mensageiros partiram para Macaeros, com o objetivo de dizer tudo isso a João. E ele ficou muito confortado, e a sua fé fortaleceu-se com as palavras de Jesus e a mensagem de Abner.
144:8.7 (1627.4) Nessa tarde, Jesus continuou a ensinar, dizendo: “A que compararei esta geração? Muitos de vós não aceitais a mensagem de João nem o meu ensinamento. Sois como crianças brincando na praça do mercado, que chamam os seus amigos para dizer: ‘Nós tocamos flauta para vós e não dançastes; gememos e não vos afligistes’. E assim acontece com alguns de vós. João chegou fazendo jejum de alimentos e bebidas e eles disseram que estava possuído por um demônio. O Filho do Homem vem, comendo e bebendo, e essa mesma gente diz: ‘Vede, é um homem glutão e um bebedor de vinho, amigo de publicanos e pecadores!’ Na verdade, a sabedoria justifica-se pelos frutos dela.
144:8.8 (1627.5) “Pareceria que o Pai no céu escondeu, dos sábios e dos arrogantes, algumas dessas verdades, ao passo que as revelou aos bebês pequeninos. Mas, o Pai, a todas as coisas faz bem; o Pai revela-Se ao universo pelos métodos da sua própria escolha. Vinde, pois, todos de vós que penais e que tendes fardos pesados, e encontrareis o descanso para as vossas almas. Tomai sobre vós o jugo divino e experimentareis a paz de Deus que transcende a todo o entendimento.”
144:9.1 (1627.6) João Batista foi executado, por ordem de Herodes Antipas, na tarde de 10 de janeiro, do ano 28 d.C. No dia seguinte, uns poucos entre os discípulos de João, que tinham ido a Macaeros, souberam da sua execução e foram até Herodes e requisitaram o corpo dele, e puseram-no em uma tumba; mais tarde lhe deram uma sepultura em Sebaste, a cidade de Abner. Aos 12 de janeiro, dois dias depois, partiram para o acampamento dos apóstolos de João e de Jesus, perto de Pela, e contaram a Jesus sobre a morte de João. Ao ouvir o relato deles, Jesus dispersou a multidão e, reunindo os vinte e quatro, disse-lhes: “João está morto. Herodes mandou decapitá-lo. Hoje à noite, fazei uma reunião de conselho e colocai os vossos assuntos em ordem, como deve ser feito. Não haverá muita demora mais. É chegada a hora de proclamarmos o Reino abertamente e com toda a força. Amanhã iremos para a Galiléia”.
144:9.2 (1627.7) Conseqüentemente, na manhã de 13 de janeiro, do ano 28 d.C., bem cedo, Jesus e os apóstolos, acompanhados de uns vinte e cinco discípulos, rumaram para Cafarnaum e se alojaram, nessa noite, na casa de Zebedeu.
O Livro de Urântia
Documento 145
145:0.1 (1628.1) JESUS e os apóstolos chegaram em Cafarnaum na noite de terça-feira, 13 de janeiro. Como de costume, fizeram da casa de Zebedeu, em Betsaida, a sua sede. Agora que a morte de João Batista havia acontecido, Jesus se preparava para lançar-se à primeira campanha de pregação aberta e pública, na Galiléia. A novidade de que Jesus havia voltado espalhou-se rapidamente por toda a cidade e, no dia seguinte bem cedo, Maria, a mãe de Jesus, apressou-se a partir para Nazaré, no intuito de visitar o seu filho José.
145:0.2 (1628.2) Jesus passou a quarta-feira, a quinta-feira e a sexta-feira, na casa de Zebedeu, instruindo os seus apóstolos, na preparação para a primeira grande viagem pública que fariam. Também recebeu e ensinou a muitos buscadores sinceros da verdade, tanto em grupos, quanto isoladamente. Por intermédio de André, ele comprometeu-se a falar na sinagoga no próximo dia de sábado.
145:0.3 (1628.3) Bem tarde, na noite de sexta-feira, Rute, a irmã mais nova de Jesus, fez-lhe, secretamente, uma visita. Eles passaram quase uma hora juntos, em um barco ancorado a uma pequena distância da praia. Nenhum ser humano, exceto João Zebedeu, jamais soube dessa visita, e a ele foi recomendado que não falasse a ninguém sobre ela. Rute era o único membro da família de Jesus que acreditava, de um modo consistente e resoluto, na divindade da missão terrena dele, desde a época inicial da consciência espiritual de Jesus e ao longo de toda a sua memorável ministração, até a sua morte, ressurreição e ascensão; e ela, finalmente, passou à vida futura não tendo nunca duvidado do caráter sobrenatural da missão do seu pai-irmão na carne. A pequena Rute foi o maior conforto de Jesus, no que dizia respeito à sua família terrena, durante as provas cruéis do seu julgamento, da sua rejeição e da sua crucificação.
145:1.1 (1628.4) Na sexta-feira, pela manhã, dessa mesma semana, quando Jesus estava ensinando à beira da praia, o povo em volta dele empurrou-o até tão perto da água que ele fez um sinal para alguns pescadores, trabalhando num barco próximo, para que viessem resgatá-lo. Ele entrou no barco e continuou a ensinar à multidão reunida, por mais de duas horas. Esse barco chamava-se “Simão”; era o antigo barco de pesca de Simão Pedro e havia sido construído pelas próprias mãos de Jesus. Nessa manhã, em particular, o barco estava sendo usado por Davi Zebedeu e dois companheiros seus, que haviam acabado de vir de uma praia próxima, depois de uma noite infrutífera de pescaria no lago. Eles estavam limpando e reparando as suas redes, quando Jesus pediu-lhes que viessem ajudá-lo.
145:1.2 (1628.5) Depois de Jesus ter acabado de ensinar ao povo, ele disse a Davi: “Tu te atrasaste para vir ajudar-me, agora deixa que eu trabalhe contigo. Vamos pescar; vá para o fundo e joga as tuas redes para um arrastão”. Mas Simão, um dos ajudantes de Davi, respondeu: “Mestre, é inútil. Nós lutamos toda a noite e não pegamos nada; contudo, a seu pedido iremos até lá e lançaremos as redes”. E Simão consentiu em seguir a indicação de Jesus, por causa de um gesto feito pelo seu patrão, Davi. Quando chegaram no local indicado por Jesus, eles jogaram as redes e pegaram uma quantidade tão grande de peixes, que temeram pelo rompimento das redes e tiveram de sinalizar aos seus companheiros, nas margens, para que viessem ajudá-los. Quando haviam enchido todos os três barcos de peixes, até quase afundarem, Simão caiu aos joelhos de Jesus dizendo: “Sai de perto de mim, Mestre, pois eu sou um pecador”. Simão e todos aqueles que estavam envolvidos nesse episódio ficaram assombrados com a quantidade de peixes na rede. Desde aquele dia, Davi Zebedeu, o seu ajudante Simão e os seus companheiros abandonaram as suas redes e seguiram Jesus.
145:1.3 (1629.1) Este, entretanto, não foi um lanço milagroso da rede, em nenhum sentido. Jesus era um estudante cuidadoso da natureza; era um pescador experiente e conhecia os hábitos dos peixes no mar da Galiléia. Nessa ocasião, ele apenas levou esses homens até o local onde os peixes geralmente deveriam ser encontrados naquela hora do dia. Mas os seguidores de Jesus sempre consideraram esse fato como um milagre.
145:2.1 (1629.2) No sábado seguinte, durante o serviço da tarde na sinagoga, Jesus pregou o seu sermão sobre “A Vontade do Pai do Céu”. Pela manhã, Simão Pedro havia pregado sobre “O Reino”. No encontro de quinta-feira, à noite, na sinagoga, André havia proferido um ensinamento cujo tema foi “O Novo Caminho”. Nesse momento em particular, havia mais pessoas acreditando em Jesus na cidade de Cafarnaum do que em qualquer outra cidade na Terra.
145:2.2 (1629.3) Jesus ensinou na sinagoga, nessa tarde de sábado; e, conforme o costume, o primeiro texto ele o tomou da lei, lendo do Livro do Êxodo: “E servirás ao Senhor, teu Deus, e Ele abençoará o teu pão e a tua água, e toda a doença será afastada de ti”. Jesus escolhera o segundo texto dos profetas, lendo de Isaías: “Levanta-te e resplandece, pois a tua luz já veio, e a glória do Senhor levantou- se sobre ti. As trevas podem cobrir a Terra e uma profunda obscuridade pode recobrir o povo, mas o espírito do Senhor levantar-se-á sobre ti, e a glória divina será vista contigo. Até mesmo os gentios virão para essa luz, e muitas grandes mentes render-se-ão ao esplendor dessa luz”.
145:2.3 (1629.4) Esse sermão foi um esforço da parte de Jesus para deixar claro o fato de que a religião é uma experiência pessoal. Entre outras coisas, o Mestre disse:
145:2.4 (1629.5) “Bem sabeis que um pai de coração terno, amando a sua família como um todo, considera-a como um grupo, por causa do forte afeto que dedica a cada membro individual dessa família. Não mais deveis pensar no Pai do céu como filhos de Israel, e sim como filhos de Deus. Enquanto grupo, sois de fato filhos de Israel, contudo, como indivíduos cada um de vós é um filho de Deus. Eu vim, não para revelar o Pai aos filhos de Israel, e, sim, para trazer esse conhecimento de Deus e a revelação do Seu amor e misericórdia ao indivíduo que crê, como uma experiência pessoal genuína. Os profetas todos têm ensinado que Yavé importa-se com o seu povo, que Deus ama Israel. Contudo, eu vim até vós para proclamar uma verdade maior, uma verdade que muitos dos profetas recentes também compreenderam, a verdade de que Deus vos ama — a cada um de vós — como indivíduos. Em todas essas gerações, vós tendes conhecido uma religião racial ou nacional, agora eu vim para vos dar uma religião pessoal.
145:2.5 (1630.1) “Contudo, mesmo essa não é uma idéia nova. Muitos, dentre vós, que tendes a mente espiritualizada, têm sabido dessa verdade, porquanto alguns dos profetas vos instruíram desse modo. Acaso não lestes as escrituras onde o profeta Jeremias diz: ‘Naqueles dias não se dirá mais que os pais comeram uvas ainda verdes e os filhos ficaram com os dentes estragados. Cada homem morrerá pela sua própria iniqüidade; todo homem que comer uvas ainda verdes ficará com os dentes estragados. Vede, dias virão em que farei uma nova aliança com o Meu povo, não de acordo com a aliança que Eu fiz com os pais deles, quando os tirei das terras do Egito, mas de acordo com o novo caminho. Eu irei até mesmo escrever a Minha lei nos seus corações. Eu serei o seu Deus, e eles serão o Meu povo. Naquele dia, cada homem ao seu vizinho, não irá dizer: Tu conheces o Senhor? Não! Pois todos eles Me conhecerão pessoalmente, desde o menor até o maior de todos’.
145:2.6 (1630.2) “Acaso não lestes sobre tais promessas? Não acreditais nas escrituras? Não compreendeis que as palavras dos profetas estão realizadas naquilo que podeis ver já no dia de hoje? E Jeremias não vos exortou a fazer da religião um assunto do coração, para vos relacionardes com Deus como indivíduos? E acaso o profeta não vos falou que o Deus do céu buscaria vossos corações individualmente? E não fostes avisados de que o coração humano natural é enganoso acima de todas as coisas, e que, muitas vezes, é desesperadamente malvado?
145:2.7 (1630.3) “Não lestes, também em Ezequiel, onde ele ensinou até mesmo aos vossos pais que a religião deve tornar-se uma realidade nas vossas experiências individuais? Não mais usareis o provérbio que diz: ‘Os pais comeram uvas ainda verdes e seus filhos ficaram com os dentes estragados’. ‘Enquanto eu viver’, diz o Senhor Deus, ‘observai que todas almas sejam Minhas; como a alma do pai, e também a alma do filho. Apenas a alma que peca morrerá’. E, então, Ezequiel previu mesmo esse dia, no qual, em nome de Deus, falou: ‘Um novo coração também darei a ti, e um novo espírito colocarei dentro de ti’.
145:2.8 (1630.4) “Não mais deveis temer que Deus puna uma nação, pelo pecado de um indivíduo; nem o Pai do céu punirá um dos seus filhos crentes, pelos pecados de uma nação, ainda que o membro individual de qualquer família, freqüentemente, tenha de sofrer as conseqüências materiais dos erros da família e das transgressões do grupo. Não compreendeis que a esperança de uma nação melhor — ou de um mundo melhor — está ligada ao progresso e ao esclarecimento do indivíduo?”
145:2.9 (1630.5) Então o Mestre descreveu que a vontade do Pai do céu, depois que o homem discerne tal liberdade espiritual, é de que os Seus filhos, na Terra, deveriam começar aquela eterna ascensão da carreira ao Paraíso, que consiste na resposta consciente da criatura ao estímulo divino do espírito residente, de encontrar o Criador, de conhecer Deus e buscar ser como Ele.
145:2.10 (1630.6) Os apóstolos foram grandemente ajudados por esse sermão. Todos eles compreenderam mais completamente que o evangelho do Reino é uma mensagem dirigida ao indivíduo, não à nação.
145:2.11 (1630.7) O povo de Cafarnaum, mesmo estando familiarizado com os ensinamentos de Jesus, ficou surpreendido com esse sermão, nesse dia de sábado. E Jesus ensinou, de fato, como alguém que tem autoridade e não como os escribas.
145:2.12 (1630.8) Quando Jesus acabou de falar, um homem ainda jovem da congregação, que tinha estado muito agitado por causa daquelas palavras, foi tomado por um ataque epilético violento e gritava alto. Ao fim da crise, ao recuperar a consciência, ainda em um estado meio de sonho, ele disse: “O que temos nós a ver contigo, Jesus de Nazaré? Tu és o santo de Deus; acaso vieste para destruir-nos?” Jesus pediu silêncio à assistência e, tomando o jovem pela mão, disse: “Sai deste estado” — e ele acordou imediatamente.
145:2.13 (1631.1) Esse jovem não estava possuído por nenhum espírito impuro, nem demônio; ele era vítima da epilepsia comum. Mas haviam ensinado a ele que a sua aflição era atribuída à posse de um espírito malévolo. E, acreditando nisso, ele procedia de acordo, em tudo o que pensava ou dizia que se referisse à sua doença. O povo acreditava que tais fenômenos eram causados diretamente pela presença de espíritos impuros. E, assim, concluía que Jesus havia expulsado um demônio para fora desse homem. No entanto, Jesus, naquele momento, não curou a epilepsia dele. Só mais tarde, naquele dia, depois do entardecer, é que esse homem ficou realmente curado. Muito tempo depois do Dia de Pentecostes, o apóstolo João, que foi o último a escrever sobre os atos de Jesus, evitou qualquer referência a esses atos assim chamados de “expulsão de demônios”, e ele fez isso tendo em vista o fato de que tais casos de possessão demoníaca nunca ocorreram depois de Pentecostes.
145:2.14 (1631.2) O resultado é que esse incidente corriqueiro espalhou-se rapidamente, por toda Cafarnaum, como se Jesus tivesse expulsado um demônio de um homem e o tivesse curado, miraculosamente, na sinagoga, na conclusão do seu sermão vespertino. O sábado era exatamente o dia para um rumor tão surpreendente espalhar-se, rápida e efetivamente. E a história foi também levada até todos os povoados menores, nos arredores de Cafarnaum, e muita gente acreditou nela.
145:2.15 (1631.3) Os trabalhos de cozinha e de arrumação, na grande casa de Zebedeu, onde Jesus e os doze estavam hospedados, eram feitos, na sua maior parte, pela esposa e pela mãe de Simão Pedro. A casa de Pedro era próxima á de Zebedeu; e Jesus e os seus amigos pararam lá, quando vinham da sinagoga, porque a sogra de Pedro tinha estado doente por vários dias, com calafrios e febre. E aconteceu que, durante o tempo em que Jesus ficou ao lado dessa mulher adoentada, segurando a sua mão, acariciando a sua fronte e dizendo-lhe palavras de conforto e de encorajamento, a febre foi embora. Jesus ainda não havia tido tempo para explicar, aos seus apóstolos, que nenhum milagre fora realizado na sinagoga; e, com esse incidente tão recente e vívido nas suas mentes, e com a lembrança da água e do vinho em Caná, eles tomaram essa coincidência como um outro milagre, e alguns deles correram para espalhar as novas por toda a cidade.
145:2.16 (1631.4) Amata, a sogra de Pedro, estivera sofrendo com a febre da malária. Ela não havia sido miraculosamente curada por Jesus naquele momento. E, só várias horas mais tarde, depois do pôr-do-sol, é que a sua cura foi efetivada quando do acontecimento extraordinário que ocorreu no jardim da frente da casa de Zebedeu.
145:2.17 (1631.5) E esses casos são típicos da maneira pela qual uma geração em busca de milagres, e um povo com a mente voltada para os milagres, infalivelmente, agarram-se a tais coincidências como um pretexto para proclamar que mais um milagre havia sido realizado por Jesus.
145:3.1 (1631.6) No momento em que Jesus e os seus apóstolos estavam prontos para tomar a sua refeição da noite, perto do final desse dia de sábado cheio de acontecimentos, toda a Cafarnaum e os seus arredores estavam inquietos por causa desses supostos milagres de cura; e, todos que estavam doentes, ou afligidos, começaram os seus preparativos para irem a Jesus ou para serem carregados até ele, pelos seus amigos, tão logo o sol se pôs. De acordo com o ensinamento judeu, não era permitido sequer ir em busca da saúde durante as horas sagradas do sábado.
145:3.2 (1632.1) E, portanto, tão logo o sol escondeu-se no horizonte, dezenas de crianças, mulheres e homens afligidos começaram a tomar o caminho da casa de Zebedeu, em Betsaida. Um homem partiu com a sua filha paralisada, tão logo o sol se escondeu por trás das casas da vizinhança.
145:3.3 (1632.2) Os acontecimentos de todo o dia haviam preparado o quadro para essa cena extraordinária ao entardecer. Até mesmo o texto que Jesus havia usado para o seu sermão dessa tarde deixava a entender que a doença devia ser banida; e ele havia falado com uma força e com uma autoridade totalmente sem precedentes! A sua mensagem era irresistível! Sem fazer nenhum apelo ao poder humano, ele falou diretamente às consciências e às almas dos homens. Embora Jesus não tenha recorrido à lógica, nem às minúcias legais, nem a explicações engenhosas, ele fez um apelo poderoso, direto, claro e pessoal aos corações dos seus ouvintes.
145:3.4 (1632.3) Aquele sabat foi um grande dia na vida terrena de Jesus, sim, e na vida de um universo. Para todos os fins e propósitos, no universo local, a pequena cidade judia de Cafarnaum foi a capital de Nébadon. O punhado de judeus, na sinagoga de Cafarnaum, não foi o único grupo a ouvir aquela declaração memorável de fechamento do sermão de Jesus: “O ódio é a sombra do medo; a vingança é a máscara da covardia”. E também os seus ouvintes não poderiam esquecer as suas palavras abençoadas, declarando: “O homem é filho de Deus, não um filho do diabo”.
145:3.5 (1632.4) Logo após o pôr-do-sol, enquanto Jesus e os apóstolos ainda estavam na mesa de jantar, a esposa de Pedro ouviu vozes no jardim da frente e, chegando até a porta, viu um grande número de doentes reunindo-se, e viu que a estrada de Cafarnaum estava lotada por aqueles que vinham em busca da cura pelas mãos de Jesus. Ao deparar com essa visão, ela foi imediatamente informar o seu marido, e este contou a Jesus.
145:3.6 (1632.5) Quando o Mestre saiu da porta de entrada da casa de Zebedeu, os seus olhos depararam-se com um grande número de seres humanos enfermos e afligidos. E o seu olhar pasmo pôde ver quase mil seres humanos doentes e sofredores; esse era por baixo o número de pessoas reunidas diante dele. Nem todos os presentes eram afligidos; alguns haviam vindo para ajudar os seus seres amados, nesse esforço de assegurar a cura.
145:3.7 (1632.6) Ver todos aqueles mortais afligidos, homens, mulheres e crianças, sofrendo, em grande parte, em conseqüência dos erros e transgressões dos seus Filhos, aos quais confiara a administração do universo; tocou especialmente o coração humano de Jesus e desafiou a sua misericórdia divina de Filho Criador benevolente. Jesus, no entanto, bem sabia que ele nunca poderia criar um movimento espiritual duradouro apoiando-se na fundação de prodígios puramente materiais. A sua política consistente havia sido a de abster-se de exibir as suas prerrogativas de criador. Desde Caná, nada de sobrenatural ou de miraculoso acompanhara os seus ensinamentos; mas essa multidão aflita tocou o seu coração compassivo e apelou poderosamente para o seu afeto cheio de compreensão.
145:3.8 (1632.7) Uma voz no jardim da frente disse: “Mestre, exclama a palavra, restaura a nossa saúde, cura as nossas doenças e salva as nossas almas”. Mal essas palavras haviam sido ditas e uma vasta comitiva de serafins, de controladores físicos, de Portadores da Vida e de intermediários, que sempre acompanhou este Criador, encarnado, de um universo, se fez pronta para atuar com o poder criativo, apenas o seu Soberano desse o sinal. Esse foi um dos momentos, na carreira terrena de Jesus, em que a sabedoria divina e a compaixão humana estiveram tão entrelaçadas, no pensamento do Filho do Homem, que ele buscou refúgio apelando para a vontade do seu Pai.
145:3.9 (1632.8) Quando Pedro implorou ao Mestre que desse ouvidos aos pedidos de ajuda, Jesus, vendo de cima a multidão afligida, respondeu: “Eu vim ao mundo para revelar o Pai e estabelecer o Seu Reino. Com esse propósito eu vivi a minha vida até este momento. Portanto, se for da vontade Dele, que me enviou, e se não for incompatível com a minha dedicação à proclamação da boa-nova do Reino do céu, eu desejaria ver os meus filhos curados... e “ — mas as outras palavras de Jesus perderam-se no tumulto.
145:3.10 (1633.1) Jesus havia passado a responsabilidade da decisão dessa cura para o comando do seu Pai. Evidentemente que a vontade do Pai não colocou nenhuma objeção, pois, mal haviam sido pronunciadas as palavras do Mestre, o conjunto das personalidades celestes, que servia sob o comando do Ajustador Personalizado de Jesus, estava já poderosamente mobilizado. A vasta comitiva desceu, em meio à multidão variada de mortais aflitos e, em poucos instantes, 683 homens, mulheres e crianças foram curados, ficaram perfeitamente sadios de todas as suas doenças físicas e de outras desordens materiais. Essa cena nunca foi testemunhada na Terra, antes desse dia; e, depois, tampouco. E para aqueles de nós, que estavam presentes, contemplando essa onda criativa de cura, foi de fato um espetáculo emocionante.
145:3.11 (1633.2) No entanto, entre todos os seres que ficaram surpreendidos com essa súbita e inesperada explosão de cura sobrenatural, Jesus era o mais surpreso. Num momento em que os seus interesses humanos e as suas simpatias estavam focalizadas na cena de sofrimento e de aflição instalada ali, diante dele, ele esquecera- se de manter a sua mente humana atenta aos avisos de prevenção dados pelo seu Ajustador Personalizado, a respeito da impossibilidade de limitar as suas prerrogativas criativas de Filho Criador, no que concernia ao elemento tempo, sob certas condições e em certas circunstâncias. Jesus desejou ver todos esses mortais sofredores curados, se a vontade do Pai não fosse violada com isso. O Ajustador Personalizado de Jesus, instantaneamente, comandou esse ato de energia criativa naquele momento, pois não iria transgredir a vontade do Pai do Paraíso e, com essa decisão — em vista da expressão precedente, de desejo de cura, de Jesus — , o ato criativo aconteceu. Aquilo que um Filho Criador deseja, e que é a vontade do seu Pai, É. Em toda a vida subseqüente de Jesus na Terra, nenhum outro ato de cura física em massa aconteceu.
145:3.12 (1633.3) Como era de se esperar, a fama dessa cura ao entardecer, em Betsaida, Cafarnaum, espalhou-se em toda a Galiléia, Judéia e em todas as regiões mais distantes. Uma vez mais os temores de Herodes foram despertados; assim ele enviou observadores para trazer relatos sobre o trabalho e os ensinamentos de Jesus, e para que ficasse apurado se ele era o antigo carpinteiro de Nazaré ou se era João Batista ressuscitado de entre os mortos.
145:3.13 (1633.4) Sobretudo mediante essa demonstração, não intencional, de cura física, daí por diante, durante todo o restante da sua carreira terrena, Jesus tornou-se tanto um médico quanto um pregador. Bem verdade é que ele continuou o seu ensinamento, mas, sobretudo, o seu trabalho pessoal consistiu principalmente mais em ministrar aos doentes e aos desamparados, enquanto os seus apóstolos faziam o trabalho de pregação pública e de batizar os crentes.
145:3.14 (1633.5) Contudo, nessa demonstração ao entardecer, a maioria daqueles que receberam a cura física sobrenatural ou criativa por meio da energia divina, não obteve um benefício espiritual de modo permanente dessa manifestação extraordinária de misericórdia. Um pequeno número, de fato, se viu edificado por essa ministração física, mas o Reino espiritual em nada ficou mais avançado nos corações dos homens, diante dessa efusão espantosa de cura criativa fora do tempo.
145:3.15 (1633.6) As curas miraculosas que, de quando em quando, acompanhavam a missão de Jesus na Terra, não eram parte do seu plano de proclamação do Reino. Elas foram inerentes, incidentalmente, à presença na Terra, de um ser divino de prerrogativas quase ilimitadas de criador, junto com uma combinação sem precedentes de misericórdia divina e de compaixão humana. Mas esses chamados milagres trouxeram a Jesus muitos problemas, pois produziram uma publicidade geradora de preconceitos e propiciaram bastante notoriedade não almejada.
145:4.1 (1634.1) Durante a noite seguinte a esse grande desencadeamento de cura, a multidão rejubilante e feliz invadiu a casa de Zebedeu, e os apóstolos de Jesus foram levados ao clímax mais alto de entusiasmo emocional. De um ponto de vista humano, esse foi provavelmente o dia mais grandioso de todos os grandes dias da ligação deles com Jesus. Em nenhum momento, anterior ou posterior, as esperanças deles subiram a alturas tais de expectativa confiante. Jesus havia dito a eles, poucos dias antes, quando eles estavam ainda dentro das fronteiras de Samaria, que era chegada a hora em que o Reino seria proclamado em poder, e agora os olhos deles viam o que eles supunham ser o cumprimento daquela promessa. Eles estavam emocionados com a visão do que devia vir, se essa assombrosa manifestação de poder de cura fosse apenas o começo. As suas dúvidas pendentes sobre a divindade de Jesus foram banidas. Eles estavam literalmente intoxicados pelo êxtase de um encantamento estupefaciente.
145:4.2 (1634.2) Entretanto, quando todos procuraram por Jesus, não o conseguiram encontrar. O Mestre estava muito perturbado pelo que havia acontecido. Os homens, mulheres e crianças que haviam sido curados de diversas doenças ficaram lá, até tarde da noite, esperando pelo retorno de Jesus, para que lhe pudessem agradecer. Os apóstolos não conseguiam entender a conduta do Mestre, pois as horas passavam e ele permanecia em reclusão; o contentamento deles poderia ter sido pleno e perfeito, não fosse a ausência continuada do Mestre. Quando Jesus retornou para junto deles, já era tarde da noite, e praticamente todos os beneficiários do episódio da cura haviam ido para as próprias casas. Jesus não aceitou as congratulações e a adoração dos doze e dos outros que haviam ficado para cumprimentá-lo, dizendo apenas: “Rejubilai, não porque o meu Pai seja poderoso para curar o corpo, e sim porque Ele é poderoso para salvar a alma. Vamos descansar, pois amanhã deveremos cuidar dos assuntos do Pai”.
145:4.3 (1634.3) E, de novo, esses doze homens, se desapontaram; perplexos e de corações entristecidos foram para o seu descanso; poucos deles, afora os gêmeos, dormiram bem, naquela noite. Mal o Mestre fazia alguma coisa para encorajar as almas e alegrar os corações dos seus apóstolos, e já parecia imediatamente despedaçar as esperanças e até demolir as fundações da coragem e entusiasmo deles. Quando esses pescadores, perplexos, se olharam nos olhos uns dos outros, só tinham um pensamento: “Nós não podemos compreendê-lo. O que pode significar tudo isso?”
145:5.1 (1634.4) Jesus também não dormiu muito, naquela noite de sábado. Ele havia compreendido que o mundo estava cheio de infortúnios físicos e sobrecarregado de dificuldades materiais; e previu o grande perigo que seria forçar-se a devotar tanto do seu tempo a cuidar de doentes e aflitos, e que a ministração das coisas físicas podia acabar interferindo na sua missão de estabelecer o Reino espiritual nos corações dos homens, ou que essa missão acabasse ficando subordinada à ministração das coisas físicas. Por causa desse pensamento e de outros semelhantes, que ocuparam a mente mortal de Jesus, durante a noite, ele levantou-se naquele domingo de manhã, muito antes do dia nascer, e, sozinho, caminhou até um dos seus locais favoritos para a comunhão com o Pai. Os temas da oração de Jesus, nessa manhã bem cedo, foram a sabedoria e o julgamento, para que ele conseguisse poder evitar que a sua compaixão humana e, junto, a sua misericórdia divina, exercessem um apelo tal para ele, diante da presença do sofrimento mortal, que todo o seu tempo acabasse sendo ocupado com a ministração física, em detrimento da ministração espiritual. Embora ele não desejasse evitar, de todo, a ministração aos doentes, ele sabia que devia também se dedicar a fazer o trabalho mais importante de ensinamento espiritual e de aperfeiçoamento religioso.
145:5.2 (1635.1) Jesus sempre ia às colinas para orar, porque por ali não havia quartos onde pudesse ficar isolado na sua devoção pessoal.
145:5.3 (1635.2) Pedro não conseguiu dormir naquela noite; e, assim, muito cedo, pouco depois de Jesus ter saído para uma prece, ele acordou Tiago e João, e os três foram ao encontro do Mestre. Depois de mais de uma hora de busca, encontraram Jesus e imploraram a ele que lhes dissesse qual o motivo da sua estranha conduta. Eles desejavam saber por que ele parecera perturbado com a poderosa efusão do espírito de cura, já que todo o povo estava transbordando de júbilo e já que os seus apóstolos estavam tão contentes.
145:5.4 (1635.3) Durante mais de quatro horas Jesus empenhou-se em explicar a esses três apóstolos o que havia acontecido. Ele mostrou-lhes o que se passara e explicou sobre os perigos de tais manifestações. Jesus confidenciou-lhes sobre o motivo de ter vindo orar. Ele buscava deixar claras, para os seus seguidores pessoais, as razões verdadeiras pelas quais o Reino do Pai não podia ser construído sobre a realização de prodígios e de curas físicas. Mas eles não podiam entender o seu ensinamento.
145:5.5 (1635.4) Nesse meio tempo, cedo na manhã de domingo, outras multidões de almas aflitas, e muitos curiosos, começaram a ajuntar-se perto da casa de Zebedeu. Clamavam para ver Jesus. André e os apóstolos estavam tão perplexos que, enquanto Simão zelote falava para a multidão, André, junto com vários dos seus condiscípulos, foi procurar Jesus. Quando André localizou Jesus, em companhia dos três, ele disse: “Mestre, por que nos deixa sozinhos com a multidão? Vê, todos os homens te procuram; nunca antes tantos estiveram buscando os teus ensinamentos. E, mesmo agora, a casa está cercada daqueles que vieram de perto e de longe por causa das tuas obras poderosas. Tu não irás conosco para ministrar a eles?”
145:5.6 (1635.5) Ao ouvir isso, Jesus respondeu: “André, eu não ensinei a ti e a esses outros que a minha missão na Terra é a revelação do Pai; e que a minha mensagem é a proclamação do Reino do céu? Como, pois, queres desviar-me da minha obra, para a gratificação dos curiosos e para a satisfação daqueles que andam atrás de sinais e prodígios? Não estivemos junto a esse povo todos esses meses? E eles não se atropelaram nas multidões, para ouvir sobre as boas-novas do Reino? Por que agora eles nos assediam? Não seria por causa da cura dos seus corpos físicos, mais do que para receber a verdade espiritual da salvação das suas almas? Quando os homens sentem-se atraídos para nós, por causa de manifestações extraordinárias, muitos deles não vêm em busca da verdade e da salvação, mas da cura para seus males físicos, e para assegurar a libertação das suas dificuldades materiais.
145:5.7 (1635.6) “Durante todo esse tempo eu estive em Cafarnaum, e tanto na sinagoga quanto junto ao mar eu proclamei as boas-novas do Reino a todos que tiveram ouvidos para ouvir e corações para receber a verdade. Não é da vontade do meu Pai que eu volte convosco, para satisfazer a esses curiosos e para ocupar-me com a ministração das coisas físicas, abandonando as coisas espirituais. Eu vos ordenei que pregassem o evangelho e que ministrassem aos doentes, mas eu não posso ficar ocupado pelas curas e deixar de lado os meus ensinamentos. Não, André, eu não voltarei contigo. Vai e dize ao povo para acreditar em tudo aquilo que nós lhe ensinamos, e para rejubilar-se com a liberdade de filhos de Deus, e te prepara para a nossa partida rumo a outras cidades da Galiléia, onde o caminho já foi preparado para a pregação das boas-novas do Reino. Com esse propósito é que eu vim do Pai. Vai, então, e cuida da nossa partida imediata, enquanto eu espero pela tua volta.”
145:5.8 (1636.1) Quando Jesus acabou de falar, André e os seus companheiros apóstolos partiram tristemente de volta para a casa de Zebedeu, dispersaram a multidão reunida e, rapidamente, aprontaram-se para a viagem, como Jesus havia mandado. E, assim, na tarde de domingo, 18 de janeiro, do ano 28 d.C., Jesus e os apóstolos partiram para a sua primeira campanha de pregações realmente públicas e abertas, nas cidades da Galiléia. Nessa primeira viagem, eles pregaram o evangelho do Reino em muitas cidades, mas não visitaram Nazaré.
145:5.9 (1636.2) Naquele domingo à tarde, pouco depois de Jesus e os seus apóstolos terem partido para Rimom, os seus irmãos Tiago e Judá vieram vê-lo, batendo na casa de Zebedeu. Por volta do meio-dia, Judá procurou o seu irmão Tiago e insistiu para que fossem até Jesus. No momento em que Tiago consentiu em ir com Judá, Jesus já havia partido.
145:5.10 (1636.3) Os apóstolos detestaram ter de abandonar Cafarnaum, onde um interesse tão grande havia sido despertado. Pedro calculava que nada menos de mil crentes poderiam ter sido batizados para o Reino. Jesus ouviu-os pacientemente, mas não consentiu em voltar. O silêncio prevaleceu durante um certo tempo e, então, Tomé dirigiu-se aos seus companheiros apóstolos, dizendo: “Vamos! O Mestre já disse. Não importa que não possamos entender plenamente os mistérios do Reino do céu; de uma coisa estamos certos: Seguimos um instrutor que não busca nenhuma glória para si próprio”. E, ainda que de um modo relutante, seguiram todos para pregar as boas-novas nas cidades da Galiléia.
O Livro de Urântia
Documento 146
146:0.1 (1637.1) A PRIMEIRA viagem de pregação pública pela Galiléia começou no domingo, 18 de janeiro do ano 28 d.C., e continuou durante cerca de dois meses, terminando com o retorno a Cafarnaum, no dia 17 de março. Nessa campanha, Jesus e os doze apóstolos, ajudados pelos antigos apóstolos de João, pregaram o evangelho e batizaram os crentes em Rimom, Jotapata, Ramá, Zebulom, Irom, Giscala, Corazim, Madom, Caná, Naim, e En-dor. Nessas cidades, permaneceram e ensinaram; enquanto ao passar por muitas outras aldeias menores eles proclamaram o evangelho do Reino.
146:0.2 (1637.2) Essa foi a primeira vez que Jesus permitiu aos seus seguidores pregar sem restrição. Nessa viagem ele os advertiu em apenas três ocasiões; aconselhou-os a permanecerem afastados de Nazaré e a ser discretos quando passassem por Cafarnaum e por Tiberíades. Foi uma fonte de grande satisfação para os apóstolos sentirem, afinal, que tinham liberdade para pregar e ensinar sem restrição, e todos se lançaram à obra de pregar o evangelho, ministrando aos doentes e batizando os crentes com grande seriedade e muita alegria.
146:1.1 (1637.3) A pequena cidade de Rimom dedicou-se, certa vez, à adoração de um deus babilônico do ar, Raman. Muitos dos primeiros ensinamentos babilônicos e do zoroastrismo eram ainda abraçados pelas crenças dos rimonitanos; por isso Jesus e os vinte e quatro devotaram grande parte do seu tempo à tarefa de deixar evidente a diferença entre essas crenças mais antigas e o novo evangelho do Reino. Ali, Pedro fez um dos grandes sermões da sua carreira inicial, sobre “Aarão e o bezerro de ouro”.
146:1.2 (1637.4) Embora muitos dos cidadãos de Rimom hajam-se tornado crentes dos ensinamentos de Jesus, eles causaram grandes problemas para os seus irmãos em anos posteriores. É difícil, no curto tempo de uma única vida, converter adoradores da natureza à plena comunhão da adoração de um ideal espiritual.
146:1.3 (1637.5) Muitas das melhores idéias sobre a luz e as trevas, o bem e o mal, o tempo e a eternidade, vindas dos babilônios e dos persas, foram incorporadas, mais tarde, às doutrinas do chamado cristianismo; e essa inclusão tornou os ensinamentos cristãos mais imediatamente aceitáveis aos povos do Oriente próximo. De um modo semelhante, a inclusão de muitas das teorias de Platão, sobre o espírito ideal ou sobre os arquétipos invisíveis de todas as coisas visíveis e materiais, mais tarde adaptadas por Filo para a teologia dos hebreus, fez com que os ensinamentos cristãos de Paulo passassem a ser mais facilmente aceitos pelos gregos ocidentais.
146:1.4 (1637.6) Foi em Rimom que Todan ouviu, pela primeira vez, o evangelho do Reino e, mais tarde, levou essa mensagem à Mesopotâmia e mesmo até mais adiante. Ele estava entre os primeiros a pregar as boas-novas àqueles que residiam além do Eufrates.
146:2.1 (1638.1) Conquanto a gente comum de Jotapata haja ouvido Jesus e os seus apóstolos com alegria, e embora muitos tenham aceitado o evangelho do Reino, foi a palavra de Jesus aos vinte e quatro, na segunda noite da permanência deles nessa aldeia pequena, que deu personalidade à missão de Jotapata. Natanael estava com a mente confundida pelos ensinamentos do Mestre a respeito da prece, da ação de graças e da adoração; e, em resposta à sua pergunta, Jesus falou prolongadamente para melhor explicar o seu ensinamento. Resumido e colocado em uma linguagem moderna, esse discurso pode ser apresentado, enfatizando os seguintes pontos:
146:2.2 (1638.2) 1. A atenção, que se dá à iniqüidade, consciente e persistentemente, dentro do coração do homem, destrói gradualmente a conexão, tecida pela prece, da alma humana com os circuitos espirituais de comunicação entre o homem e o seu Criador. Naturalmente que Deus ouve os pedidos dos seus filhos, mas, quando o coração humano, deliberada e persistentemente, abriga conceitos iníquos, isso leva gradualmente à perda da comunhão pessoal entre o filho da Terra e o seu Pai celeste.
146:2.3 (1638.3) 2. A prece que é incompatível com as leis conhecidas e estabelecidas de Deus é uma abominação para as Deidades do Paraíso. Se o homem não ouve os Deuses, quando falam à Sua criação por meio das leis do espírito, da mente e da matéria, o próprio ato de um desdém deliberado e consciente, da parte das criaturas, faz com que os ouvidos das personalidades espirituais deixem de escutar os pedidos pessoais desses mortais desobedientes e sem lei. Jesus citou, para os seus apóstolos, a passagem do profeta Zacarias: “Mas eles recusaram-se a ouvir e, sacudindo os ombros, fecharam os ouvidos para não ouvir. Sim, eles endureceram como pedra os seus corações, para não ter que ouvir a Minha lei e as palavras que Eu enviei, pelo Meu espírito, por meio dos profetas; e portanto os resultados dos seus maus pensamentos caem como uma grande ira sobre as suas cabeças culpadas. E aconteceu que eles gritaram por misericórdia, mas não havia ouvido aberto para escutá-los”. E então Jesus citou o provérbio do homem sábio que disse: “Aquele que ensurdece o seu ouvido, para não ouvir a lei divina, até mesmo a sua prece será uma abominação”.
146:2.4 (1638.4) 3. Ao abrir o lado humano do canal de comunicação entre Deus e o homem, os mortais imediatamente disponibilizam o fluxo sempre constante da ministração divina às criaturas dos mundos. Quando o homem ouve o espírito de Deus falar dentro do coração humano, inerente a essa experiência está o fato de que Deus simultaneamente ouve a prece desse homem. O próprio perdão do pecado opera desse mesmo modo inequívoco. O Pai no céu já vos perdoou antes mesmo de terdes pensado em pedir o perdão a Ele, mas esse perdão só se torna disponível, à vossa experiência religiosa pessoal, no momento em que vós perdoardes aos vossos semelhantes. O perdão de Deus não está de fato condicionado ao perdão que dais aos vossos semelhantes, mas é condicionado precisamente assim na experiência. E tal fato, da sincronia entre o perdão divino e o humano, foi, desse modo, reconhecido e incluído na prece que Jesus ensinou aos apóstolos.
146:2.5 (1638.5) 4. Há uma lei básica de justiça, no universo, da qual a misericórdia é impotente para se desviar. Não é possível, a uma criatura completamente egoísta dos reinos do tempo e do espaço, receber as glórias não-egoístas do Paraíso. Nem mesmo o amor infinito de Deus pode forçar a salvação, da sobrevivência eterna, de qualquer criatura mortal que escolhe não sobreviver. A misericórdia é concedida com uma grande amplidão, mas, afinal, há mandados de justiça que, nem o amor, combinado com a misericórdia, pode efetivamente ab-rogar. E novamente Jesus citou as escrituras dos hebreus: “Eu chamei e vós vos recusastes a ouvir; eu estendi a minha mão, mas nenhum homem deu atenção. Vós reduzistes a nada todos os Meus conselhos e rejeitastes Minha censura e, por causa dessa atitude rebelde, torna-se inevitável Me chamardes sem receber uma resposta. Tendo rejeitado o caminho da vida, vós podeis buscar por Mim com toda a diligência nos vossos momentos de sofrimento, mas não ireis encontrar-Me”.
146:2.6 (1639.1) 5. Aqueles que querem receber misericórdia devem demonstrar ter misericórdia; não julgueis para não serdes julgados. Com o mesmo espírito que julgardes os outros, também sereis julgados. A misericórdia não abole totalmente a justiça do universo. Ao final, a verdade seguinte ficará demonstrada: “Aquele que fecha os ouvidos ao grito do pobre, também ele algum dia clamará por ajuda, e ninguém o ouvirá”. A sinceridade de qualquer prece é a certeza de que será ouvida; a sabedoria espiritual e a consistência universal de qualquer pedido determinam o tempo, a maneira e o grau da resposta. Um pai sábio não responde literalmente aos pedidos tolos dos seus filhos ignorantes e inexperientes, não obstante as crianças possam sentir um grande prazer e uma satisfação real na alma, ao fazerem pedidos absurdos.
146:2.7 (1639.2) 6. Quando vos tornardes inteiramente dedicados a fazer a vontade do Pai no céu, a resposta a todos os vossos pedidos será concedida porque as vossas preces estarão de pleno acordo com a vontade do Pai, e a vontade do Pai manifesta- se sempre em todo o seu vasto universo. Aquilo que o verdadeiro filho deseja e que é da vontade do Pai infinito, É. Uma prece feita desse modo não pode permanecer sem resposta, e possivelmente nenhuma outra espécie de pedido pode ser atendida integralmente.
146:2.8 (1639.3) 7. O apelo do justo é o ato de fé do filho de Deus, que abre a porta das reservas de bondade, verdade e misericórdia do Pai; e essas boas dádivas têm, há muito, estado à espera da aproximação do filho, para que ele aproprie-se pessoalmente delas. A prece não muda a atitude divina para com o homem, mas muda a atitude do homem para com o imutável Pai. É o motivo da prece o que dá a ela o direito de acesso ao ouvido divino, não é a posição social, econômica ou religiosa, exterior, daquele que faz a prece.
146:2.9 (1639.4) 8. A prece não deve ser empregada para evitar as demoras no tempo, nem para transcender as limitações do espaço. A prece não é algo como uma técnica destinada ao engrandecimento do eu, nem deve ser feita para conseguir vantagens injustas sobre o semelhante. Uma alma totalmente egoísta é incapaz de fazer uma prece, no sentido verdadeiro da palavra. Disse Jesus: “Que o vosso deleite supremo exista, segundo o caráter de Deus, e Ele certamente vos concederá os desejos sinceros do vosso coração”. “Comprometais o vosso caminho com o Senhor; confiai Nele, e Ele agirá.” “Pois o Senhor ouve o apelo do necessitado, e Ele considerará a prece dos desamparados.”
146:2.10 (1639.5) 9. “Eu vim do Pai; e, portanto, se vós alguma vez estiverdes sem saber o que pedir ao Pai, pedi em meu nome e eu apresentarei o vosso pedido, de acordo com as vossas reais necessidades e desejos e de acordo com a vontade do meu Pai.” Protegei-vos contra o grande perigo de tornar-vos autocentrados nas vossas preces. Evitai orar demasiadamente para vós próprios; orai mais para o progresso espiritual dos vossos semelhantes. Evitai a prece materialista; orai em espírito e para a abundância das dádivas do espírito.
146:2.11 (1639.6) 10. Quando orardes pelos doentes e afligidos, não espereis que os vossos pedidos ocupem o lugar das ministrações amorosas e inteligentes a serem dadas por vós às necessidades desses afligidos. Orai pelo bem-estar das vossas famílias, dos amigos e dos semelhantes, mas orai especialmente por aqueles que vos amaldiçoam, e fazei, com amor, pedidos por aqueles que vos perseguem. “Sobre quando orar, entretanto, disso eu nada digo. O espírito que reside em vós, só ele pode levar-vos a formular as preces que expressam as vossas relações internas com o Pai dos espíritos”.
146:2.12 (1640.1) 11. Muitos recorrem à prece apenas quando estão em dificuldades. Essa prática é imprudente e enganosa. É bem verdade que fazeis bem em orar quando estiverdes atormentados, mas deveis também vos lembrar de falar ao Pai, enquanto filhos, mesmo quando tudo vai bem com a vossa alma. Que as vossas preces verdadeiras sejam sempre feitas em segredo. Que os homens não ouçam as vossas preces pessoais. As preces de ação de graças são apropriadas para os grupos de adoradores, mas a prece da alma é um assunto pessoal. Existe apenas uma forma de prece que é apropriada para todos os filhos de Deus, e esta é: “Apesar de tudo, seja feita a vossa vontade”.
146:2.13 (1640.2) 12. Todos que acreditam neste evangelho deveriam orar sinceramente para a expansão do Reino do céu. De todas as preces das escrituras dos hebreus, ele comentou com mais aprovação a prece do salmista: “Criai em mim um coração puro, ó Deus, e renovai em mim o meu espírito de retidão. Purgai-me de pecados secretos e mantende este vosso servo afastado de transgressões presunçosas”. Jesus comentou delongadamente sobre a relação da prece com as palavras desleixadas e ofensivas, citando: “Colocai uma vigia, ó Senhor, na minha boca; tomai conta da porta dos meus lábios”. “A língua humana”, disse Jesus, “é um membro que poucos podem dominar, mas o espírito interior pode transformar esse membro desregrado em uma voz suave de tolerância e em um ministro inspirado de misericórdia”.
146:2.14 (1640.3) 13. Jesus ensinou que a prece para chamar pelo guiamento divino, na trajetória da vida terrena, tem quase tanta importância quanto a prece que invoca o conhecimento da vontade do Pai. Na realidade isso significa uma prece para atingir a sabedoria divina. Jesus nunca ensinou que o conhecimento humano e as habilidades especiais poderiam ser conquistadas por meio da prece. Ele ensinou, contudo, que a prece é um fator na expansão da capacidade, que se tem, para receber a presença do espírito divino. Quando Jesus ensinou aos seus agregados a orar em espírito e em verdade, ele explicou que se referia a orar com sinceridade e de acordo com o próprio esclarecimento, a orar de todo o coração de um modo inteligente, honesto e constante.
146:2.15 (1640.4) 14. Jesus preveniu aos seus seguidores contra o pensamento de que as suas preces ficariam mais eficazes se feitas com repetições rebuscadas, e por meio de uma construção mais eloqüente para a frase, o jejum, a penitência ou os sacrifícios. Mas exortou os seus crentes a empregar a prece como um meio para que eles sejam conduzidos, pelo agradecimento, à verdadeira adoração. Jesus deplorava que tão pouco do espírito da ação de agradecimento estivesse presente nas preces e na adoração dos seus seguidores. Ele citou as escrituras, nessa ocasião, dizendo: “É uma coisa boa agradecer ao Senhor e cantar louvores em nome do Altíssimo, em reconhecimento do seu amor e bondade a cada manhã, e todas as noites, à sua fidelidade, pois Deus me fez alegre por intermédio do seu trabalho. Em tudo e por tudo eu agradecerei de acordo com a vontade de Deus”.
146:2.16 (1640.5) 15. E então Jesus disse: “Não sejais tão constantemente preocupados com as vossas necessidades comuns. Não fiqueis apreensivos a respeito dos problemas da vossa existência terrena, mas em todas essas coisas, pela oração e pela súplica, com o espírito de um agradecimento sincero, deixai as vossas necessidades expostas diante do vosso Pai que está no céu”. E então citou das escrituras: “Eu louvarei o nome de Deus com uma canção e O exaltarei com o meu agradecimento. E isso irá agradar ao Senhor, mais do que o sacrifício de um boi ou um touro com chifres e cascos”.
146:2.17 (1641.1) 16. Jesus ensinou aos seus seguidores que, após fazerem as suas preces ao Pai, eles deveriam permanecer durante um momento em atitude de receptividade silenciosa para dar, ao espírito residente, uma oportunidade melhor de falar à alma atenta. O espírito do Pai fala melhor ao homem, quando a mente humana está em uma atitude de verdadeira adoração. Nós adoramos a Deus, graças à ajuda do espírito residente do Pai e à iluminação da mente humana, por meio da ministração da verdade. A adoração, como ensinada por Jesus, faz o adorador cada vez mais semelhante ao ser adorado. A adoração é uma experiência de transformação, por meio da qual o finito aproxima-se gradualmente, para alcançar, em ultimidade, a presença do Infinito.
146:2.18 (1641.2) E Jesus falou aos seus apóstolos de muitas outras verdades sobre a comunhão do homem com Deus, mas não foram muitos os que puderam compreender plenamente o seu ensinamento.
146:3.1 (1641.3) Em Ramá, Jesus teve o debate memorável com um filósofo grego idoso, cujos ensinamentos mostravam que a ciência e a filosofia eram suficientes para satisfazer as necessidades da experiência humana. Com paciência e compaixão, Jesus ouviu esse educador grego reconhecer a verdade de muitas coisas que ele dissera; mas Jesus apontou, quando o filósofo terminou, na sua argumentação sobre a existência humana, que ele havia deixado de explicar “de onde, para onde e o porque”, e acrescentou: “Onde vós terminais é que nós começamos. A religião é uma revelação à alma do homem, que lida com as realidades espirituais, que a mente em si não poderia jamais descobrir, nem sondar integralmente. Os esforços intelectuais podem revelar os fatos da vida, mas o evangelho do Reino desvela as verdades do ser. Vós abordastes as sombras materiais da verdade; será que podereis agora escutar o que eu tenho para falar-vos, sobre as realidades eternas e espirituais que projetam, em sombras temporais transitórias, os fatos materiais da existência mortal?” E, por mais de uma hora, Jesus ensinou a esse grego sobre as verdades salvadoras do evangelho do Reino. O velho filósofo foi sensível ao modo de abordagem adotado pelo Mestre, e, sendo honesto, sincero e de coração aberto, ele rapidamente acreditou nesse evangelho da salvação.
146:3.2 (1641.4) Os apóstolos ficaram um pouco desconcertados com o modo franco segundo o qual Jesus aquiesceu quanto a muitas das proposições do grego, mas Jesus disse a eles, depois, em particular: “Meus filhos, não vos admireis de que eu tenha sido tolerante com a filosofia do grego. A certeza interior verdadeira e genuína não teme, nem um pouco, uma análise exterior; a verdade também não se ressente de nenhuma crítica honesta. Vós não deveríeis, nunca, esquecer-vos de que a intolerância é uma máscara a encobrir as dúvidas secretas, alimentadas quanto à verdade da própria crença. Nenhum homem é perturbado, em momento algum, pela atitude do seu semelhante quando tem uma confiança perfeita na verdade daquilo em que acredita, de todo o coração. A coragem é a confiança daqueles que têm uma honestidade a toda prova quanto às coisas que professam acreditar. Os homens sinceros são destemidos quanto a um exame crítico das suas verdadeiras convicções e dos seus ideais nobres”.
146:3.3 (1641.5) Na segunda noite em Ramá, Tomé fez a Jesus esta pergunta: “Mestre, como um novo crente dos seus ensinamentos pode saber realmente, e sentir-se seguro sobre a verdade dessas boas-novas do Reino?”
146:3.4 (1641.6) E Jesus disse a Tomé: “Tua certeza de haveres entrado na família do Reino do Pai e de que sobreviverás eternamente, junto com os filhos do Reino, é totalmente uma questão de experiência pessoal — de fé na palavra verdadeira. A segurança espiritual corresponde à tua experiência religiosa pessoal com as realidades eternas da verdade divina, a qual, por outro lado, se equivale ao entendimento inteligente que tens das realidades da verdade, somado à tua fé espiritual e diminuído das tuas dúvidas sinceras.
146:3.5 (1642.1) “O Filho é naturalmente dotado com a vida do Pai. Tendo sido dotados com o espírito vivo do Pai, vós sois, portanto, filhos de Deus. Sobrevivereis depois da vossa vida no mundo material da carne, porque estais identificados com o espírito vivo do Pai, a dádiva da vida eterna. Muitos, de fato, tinham esta vida antes de eu ter vindo do Pai, e muitos mais têm recebido este espírito porque eles acreditaram na minha palavra; mas eu declaro que, quando eu voltar ao Pai, Ele enviará o Seu espírito aos corações de todos os homens.
146:3.6 (1642.2) “Ainda que não possais observar o espírito divino trabalhando nas vossas mentes, há um método prático para descobrir o nível até o qual conseguistes manter o controle dos poderes da vossa alma, sob o ensinamento e o guiamento desse espírito interior residente do Pai celeste: é a medida do amor pelo vosso semelhante. Esse espírito do Pai compartilha do amor do Pai e, à proporção que domina o homem, leva infalivelmente na direção da adoração divina e da consideração amorosa pelo semelhante. Acreditastes, inicialmente, que sois filhos de Deus, porque o meu ensinamento tornou-vos mais conscientes da condução interna da presença residente do Pai; todavia, em breve o Espírito da Verdade será vertido sobre toda a carne, viverá entre os homens e ensinará a todos os homens, do mesmo modo que vivo agora convosco e vos digo as palavras da verdade. E este Espírito da Verdade, falando a todos os dons espirituais nas vossas almas, ajudar-vos-á a saber que sois realmente filhos de Deus. E dará um testemunho infalível, junto com a presença residente do Pai, o vosso espírito; assim, pois, esse espírito residente do Pai, a partir de então, passará a estar em todos os homens, como agora reside apenas em alguns, e irá dizer a cada um de vós que, em realidade, sois filhos de Deus.
146:3.7 (1642.3) “Todo filho terreno, que aceitar a condução desse espírito, conhecerá finalmente a vontade de Deus, e aquele que se entregar à vontade do meu Pai viverá eternamente. O caminho da vida terrena até o estado eterno não vos foi claramente descrito. No entanto há um caminho, sempre houve, e eu vim para fazer dele um caminho novo e vivo. Aquele que entra no Reino tem já a vida eterna — não perecerá jamais. Mas vós compreendereis melhor uma grande parte de tudo isso quando eu tiver voltado para o Pai e quando, então, vos tornareis capacitados para ver as vossas experiências em retrospecção”.
146:3.8 (1642.4) E todos aqueles que ouviram essas palavras abençoadas ficaram grandemente satisfeitos. Os ensinamentos judeus, a respeito da sobrevivência dos justos, haviam sido confusos e incertos; e foi reanimador e inspirador para os seguidores de Jesus ouvirem essas palavras, bastante precisas e positivas, de promessa sobre a sobrevivência eterna de todos os crentes verdadeiros.
146:3.9 (1642.5) Os apóstolos continuaram a pregar e a batizar os crentes e, ao mesmo tempo, mantiveram a prática de visitar casa por casa, confortando os abatidos e ministrando aos doentes e afligidos. A organização apostólica estava expandida, pois cada um dos apóstolos de Jesus agora tinha um dos apóstolos de João como colaborador; Abner era o colaborador de André; e esse plano prevaleceu até que descessem a Jerusalém para a próxima Páscoa.
146:3.10 (1642.6) A instrução especial, dada por Jesus, durante a permanência deles em Zebulom, tinha a ver principalmente com as novas discussões sobre as obrigações recíprocas no Reino, e abrangia um ensinamento destinado a tornar claras as diferenças entre a experiência religiosa pessoal e as amizades e as obrigações religiosas sociais. Esta foi uma das poucas vezes em que o Mestre falou sobre os aspectos sociais da religião. Durante toda a sua vida terrena, Jesus deu pouquíssimas instruções aos seus seguidores a respeito da socialização da religião.
146:3.11 (1643.1) Em Zebulom, a população era de uma raça mista, meio judia e meio gentia, e poucos deles realmente acreditavam em Jesus, não obstante terem ouvido sobre as curas dos doentes em Cafarnaum.
146:4.1 (1643.2) Em Irom, como em muitas das aldeias menores da Galiléia e da Judéia, havia uma sinagoga e, durante os tempos iniciais das ministrações de Jesus, era costume que ele falasse nessas sinagogas, no dia de sábado. Algumas vezes, ele falara no serviço da manhã, e Pedro, ou um dos outros apóstolos, pregava na reunião da tarde. Jesus e os apóstolos freqüentemente também ensinavam e pregavam em assembléias noturnas, durante a semana, na sinagoga. Embora os líderes religiosos de Jerusalém, cada vez mais se opusessem a Jesus, eles não exerciam nenhum controle direto sobre as sinagogas de fora dessa cidade. Não foi senão mais tarde, durante a ministração pública de Jesus, que foram capazes de criar, de um modo tão abrangente, um tal sentimento contra ele a ponto de provocar o fechamento quase universal das sinagogas aos seus ensinamentos. Nessa época, todas as sinagogas da Galiléia e da Judéia ainda estavam abertas para ele.
146:4.2 (1643.3) Irom era o local de muitas minas importantes para a época e, já que Jesus nunca havia participado da vida dos mineiros, ele passou a maior parte do seu tempo nas minas, durante sua permanência em Irom. Enquanto os apóstolos visitavam as casas e pregavam nas praças públicas, Jesus labutava nas minas com esses trabalhadores subterrâneos. A fama das curas de Jesus havia-se espalhado até essa aldeia remota, e muitos doentes e aflitos buscaram ajuda pelas suas mãos, e vários deles foram grandemente beneficiados pela sua ministração de cura. Mas, em nenhum desses casos, o Mestre efetuou um chamado milagre de cura, exceto no caso da lepra.
146:4.3 (1643.4) No final da tarde do terceiro dia em Irom, quando Jesus retornava das minas e dirigia-se ao seu alojamento, por acaso passou em uma estreita rua lateral. Ao aproximar-se da cabana esquálida de um certo leproso, o homem afligido, tendo ouvido sobre a fama das suas curas, teve a coragem de abordá-lo, quando ele passou pela sua porta, e, ajoelhado diante dele foi dizendo: “Senhor, se apenas quisesses, tu poderias limpar-me. Ouvi a mensagem dos teus instrutores, e gostaria de entrar no Reino, se eu pudesse ser purificado”. E o leproso falou desse modo porque, entre os judeus, os leprosos haviam sido proibidos até mesmo de freqüentar a sinagoga ou aderir à adoração pública. Esse homem realmente acreditava que não poderia ser recebido no Reino vindouro, a menos que pudesse encontrar a cura para a sua lepra. E Jesus viu a aflição dele, ouviu aquelas palavras de fé aferrada e o seu coração humano foi tocado e a mente divina foi movida pela compaixão. E, quando Jesus pousou seus olhos sobre ele, o homem caiu com o rosto no chão em adoração. Então, o Mestre estendeu a sua mão e, tocando-o, disse: “Sim, eu quero — sejas purificado”. E, imediatamente, ele foi curado; a lepra não mais o afligia.
146:4.4 (1643.5) Colocando o homem de pé, Jesus ordenou-lhe: “Toma cuidado para não dizer a nenhum homem sobre a tua cura, vai cuidar em silêncio das tuas coisas, mostra-te ao sacerdote e oferece os sacrifícios como foram mandados por Moisés, como testemunho da tua purificação”. Mas esse homem não fez como Jesus havia instruído que fizesse. Em vez disso, começou a tornar público, para todos na cidade, que Jesus tinha curado a sua lepra e, como ele era conhecido de todos da aldeia, o povo podia ver claramente que ele havia sido curado da sua doença. E ele não foi aos sacerdotes, como Jesus havia aconselhado que fizesse. A conseqüência de ter tornado pública a nova de que Jesus o havia curado, foi o Mestre ser tão atropelado pelos doentes que se viu forçado a levantar-se cedo, no dia seguinte, e deixar a aldeia. Embora Jesus não haja entrado de novo na aldeia, permaneceu dois dias nos seus arredores, perto das minas, continuando a instruir os mineiros crentes a respeito do evangelho do Reino.
146:4.5 (1644.1) Essa cura do leproso foi o primeiro assim chamado milagre feito de modo intencional e deliberado por Jesus, até esse momento. E era esse um caso verdadeiro de lepra.
146:4.6 (1644.2) De Irom, eles foram para Giscala, proclamando o evangelho durante dois dias e então partiram para Corazim, onde passaram quase uma semana pregando as boas-novas. Em Corazim, contudo, eles não puderam conquistar muitos crentes para o Reino. Em nenhum outro lugar onde ensinara, Jesus havia encontrado uma rejeição tão geral à sua mensagem. A permanência em Corazim foi muito deprimente para a maioria dos apóstolos; André e Abner tiveram muita dificuldade em manter a coragem dos seus condiscípulos. E então, passando tranqüilamente por Cafarnaum, eles foram para a aldeia de Madom, onde tiveram um pouco mais de êxito. Nas mentes da maioria dos apóstolos, prevaleceu a idéia de que o pouco êxito obtido nas cidades visitadas mais recentemente era devido à insistência de Jesus para que eles se abstivessem, nos seus ensinamentos e pregações, de referir-se a ele como um curador. Como eles almejavam que Jesus purificasse ainda mais um outro leproso ou que, de algum outro modo, manifestasse o seu poder para atrair a atenção do povo! Mas o Mestre permaneceu impassível ante os seus pedidos fervorosos.
146:5.1 (1644.3) O grupo apostólico ficou bastante contente quando Jesus anunciou: “Amanhã vamos a Caná”. Todos eles sabiam que teriam uma audiência simpática em Caná, pois Jesus era bem conhecido lá. Eles estavam indo bem no trabalho de atrair o povo para o Reino, quando, ao terceiro dia, Tito, um cidadão proeminente de Cafarnaum, chegou em Caná; ele era apenas meio crente, e o seu filho estava seriamente doente. Ao tomar conhecimento de que Jesus estava em Caná, ele apressou-se a ir até lá para vê-lo. Em Cafarnaum, todos os fiéis pensavam que Jesus podia curar qualquer doença.
146:5.2 (1644.4) Quando esse nobre localizou Jesus em Caná, suplicou-lhe que se apressasse a ir até Cafarnaum para curar o seu filho doente. Enquanto os apóstolos aguardavam com a respiração presa na expectativa, Jesus, olhando para o pai do menino doente, disse: “Por quanto tempo serei tolerante convosco? O poder de Deus está no meio de vós, mas, a menos que possais ver os sinais e presenciar prodígios, vos recusais a acreditar”. Todavia, o nobre implorou a Jesus, dizendo: “Meu Senhor, eu creio, mas vem antes que o meu filho faleça, pois quando eu o deixei ele já estava a ponto de morrer”. E depois de ter abaixado a cabeça, por um momento, em uma meditação silenciosa, Jesus subitamente falou: “Retorna à tua casa; o teu filho viverá”. Tito acreditou na palavra de Jesus e apressou-se a voltar para Cafarnaum. Ao retornar, os seus servos saíram para encontrá-lo, dizendo: “Rejubila-te, pois o teu filho melhorou — ele vive”. Então Tito perguntou a eles sobre a hora em que o menino começara a melhorar, e quando os servos responderam: “Ontem por volta das sete horas a febre o deixou”, o pai lembrou-se de que tinha sido por volta dessa hora que Jesus dissera: “O teu filho viverá”. E a partir daí Tito acreditou, de coração, e toda a sua família também acreditou. Esse filho tornou-se um poderoso ministro do Reino e, mais tarde, sacrificou a sua vida junto com aqueles que padeceram em Roma. Embora toda a criadagem de Tito, os seus amigos e, até mesmo, os apóstolos considerassem esse episódio como um milagre, na verdade não o foi. Pelo menos não foi um milagre de cura de doença física. Foi apenas um caso de pré-ciência a respeito do curso da lei natural, exatamente aquele conhecimento ao qual Jesus freqüentemente recorreu, depois do seu batismo.
146:5.3 (1645.1) E novamente Jesus foi obrigado a apressar-se para sair de Caná, por causa da atenção indevidamente atraída pelo segundo episódio. dessa espécie, que acontecia à sua ministração nessa aldeia. Os habitantes da aldeia lembraram-se da água e do vinho e, agora que se supunha que ele havia curado o filho do nobre, a uma distância tão grande, vinham até ele, não apenas trazendo os doentes e aflitos, mas, também, enviando mensageiros com a solicitação de que ele curasse sofredores à distância. E quando Jesus percebeu que toda a região estava mobilizada, ele disse: “Vamos para Naim”.
146:6.1 (1645.2) Nos sinais, essa gente acreditava; eram pessoas de uma geração à espera de prodígios. Nessa altura dos acontecimentos, os habitantes do centro e do sul da Galiléia possuíam a mente voltada sempre para os milagres quando pensavam em Jesus e na ministração pessoal dele. Dezenas, centenas de pessoas sinceras, que sofriam de desordens puramente nervosas, e aflitos, com distúrbios emocionais, vinham à presença de Jesus e então voltavam para as suas casas anunciando aos seus amigos que Jesus as tinha curado. E esse povo ignorante e de mente simples considerava esses casos de cura mental como sendo de curas físicas miraculosas.
146:6.2 (1645.3) Quando Jesus tentou deixar Caná e ir para Naim, uma multidão grande de crentes e curiosos o seguiu. Eles estavam inclinados a ver milagres e prodígios, e não se deixariam decepcionar. Quando Jesus e os seus apóstolos se aproximaram do portão da cidade, depararam-se com o cortejo de um funeral, a caminho de um cemitério vizinho dali, levando o único filho de uma mãe viúva de Naim. Essa mulher era muito respeitada; e metade da aldeia seguia os que carregavam o esquife desse rapaz, que se supunha estar morto. Quando o funeral passou por Jesus e os seus seguidores, a viúva e os seus amigos, reconhecendo o Mestre, suplicaram que ele trouxesse o filho dela de volta à vida. A expectativa que eles tinham de milagres havia sido elevada até um ponto tão alto que imaginaram Jesus como alguém capaz de curar qualquer doença humana. E por que esse curador não poderia até mesmo ressuscitar os mortos? Jesus, assim importunado, deu um passo adiante e, levantando o tampo do esquife, examinou o rapaz. Descobrindo que o moço não estava realmente morto, ele percebeu a tragédia que a sua presença podia evitar; assim, voltando-se para a mãe, Jesus disse: “Não chores. O teu filho não está morto; ele dorme. E te será devolvido”. E então, tomando o jovem pela mão, ele disse: “Acorda e levanta”. E o jovem, que se supunha estar morto, logo se assentou e começou a falar, e Jesus os mandou de volta para as suas casas.
146:6.3 (1645.4) Jesus empenhou-se em acalmar a multidão e tentou, em vão, explicar que o jovem não estava morto realmente, que ele não o havia trazido de volta da morte, mas foi inútil. A multidão que o seguia, e toda a aldeia de Naim, foram levadas ao ponto alto de um frenesi emocional. Muitos foram tomados pelo medo, outros pelo pânico, enquanto outros ainda caíram em prece e nas lamentações dos próprios pecados. E só muito depois do cair da noite é que a multidão clamorosa conseguiu dispersar-se. E, claro está, não obstante a afirmação feita por Jesus de que o rapaz não estava morto, todos insistiam que um milagre tinha acontecido. Que até mesmo um morto tinha sido ressuscitado. Embora Jesus tivesse dito a eles que o rapaz estava meramente em um sono profundo, eles justificaram-se dizendo ser este o seu modo de falar, chamando a atenção para o fato de que Jesus, sempre na sua grande modéstia, tentava esconder os próprios milagres.
146:6.4 (1646.1) E assim, por toda a Galiléia e pela Judéia, espalhou-se a nova de que Jesus havia ressuscitado dos mortos o filho da viúva, e muitos que ouviram esse relato acreditaram nele. Jesus nunca foi capaz de fazer nem mesmo com que os seus apóstolos compreendessem inteiramente que o filho da viúva não estava realmente morto quando ele o havia convocado a acordar e levantar-se. Todavia, ele os convenceu, o suficiente para que o episódio ficasse suprimido de todos os registros subseqüentes, exceto do de Lucas, que o registrou como o episódio lhe havia sido contado. E, de novo, Jesus foi tão assediado como médico que partiu bem cedo no dia seguinte para En-dor.
146:7.1 (1646.2) Em En-dor Jesus escapou, por uns poucos dias, do clamor das multidões em busca de curas físicas. Durante a permanência deles, nesse lugar, o Mestre narrou novamente, para instruir os apóstolos, a história do rei Saul e da bruxa de En-dor. Jesus explicou claramente aos seus apóstolos que os seres intermediários extraviados e rebeldes, que tantas vezes haviam personificado os supostos espíritos dos mortos, seriam em breve colocados sob controle, de tal modo que não mais pudessem fazer essas coisas estranhas. Ele disse aos seus seguidores que, depois que ele voltasse para o Pai, e depois que o Pai e ele tivessem vertido o espírito Deles sobre toda a carne, esses seres semi-espirituais — os considerados espíritos impuros — não mais poderiam possuir os mortais de inteligência mais débil ou de mente perversa.
146:7.2 (1646.3) Jesus explicou ainda, aos seus apóstolos, que os espíritos de seres humanos já mortos não retornam ao mundo da sua origem, para comunicar-se com os seus semelhantes vivos. Apenas depois de haver passado uma era dispensacional é que seria possível ao espírito, em avanço, do homem mortal, retornar à Terra e, ainda assim, só em casos excepcionais e como parte da administração espiritual do planeta.
146:7.3 (1646.4) Após dois dias de repouso, Jesus disse aos seus apóstolos: “Retornemos amanhã a Cafarnaum para ficarmos lá e ensinarmos, enquanto o interior do país se acalma. Nas suas casas, depois de passado esse tempo, todos ficarão recuperados desse tipo de agitação”.
O Livro de Urântia
Documento 147
147:0.1 (1647.1) JESUS e os apóstolos chegaram a Cafarnaum na quarta-feira, 17 de março, e passaram duas semanas na sua sede-alojamento, em Betsaida, antes de partir para Jerusalém. Nessas duas semanas, os apóstolos ensinaram ao povo, perto do mar, enquanto Jesus passou muito tempo a sós, nas colinas, cuidando dos assuntos do seu Pai. Durante esse período, Jesus, acompanhado por Tiago e João Zebedeu, fez duas viagens secretas a Tiberíades, onde se encontraram com os crentes e instruíram-nos sobre o evangelho do Reino.
147:0.2 (1647.2) Muitos daqueles empregados que cuidavam da casa de Herodes acreditavam em Jesus e compareciam a esses encontros. Foi a influência desses crentes, sobre a família oficial de Herodes, que ajudou a diminuir a inimizade do governante para com Jesus. Esses crentes de Tiberíades haviam explicado muito bem a Herodes que o “Reino”, proclamado por Jesus, tinha natureza espiritual não tendo nenhum fundo político. Herodes preferiu acreditar nesses membros da sua própria casa, não se permitindo ficar indevidamente alarmado com a ampla divulgação a respeito das curas e dos ensinamentos de Jesus. Ele não fazia objeções nem ao trabalho de cura de Jesus, nem à sua obra como Mestre religioso. Não obstante a atitude favorável de muitos dos conselheiros de Herodes, e até mesmo a do próprio Herodes, existia um grupo de subordinados seus que era bastante influenciado pelos líderes religiosos de Jerusalém, a ponto de permanecerem inimigos amargos e ameaçadores de Jesus e dos apóstolos; e estes, mais tarde, muito fizeram para obstruir as atividades públicas deles. O maior perigo para Jesus estava nos líderes religiosos de Jerusalém, e não em Herodes. E foi por essa mesma razão que Jesus e os apóstolos passaram tanto tempo na Galiléia e fizeram a maioria das pregações públicas na Galiléia, mais do que em Jerusalém e na Judéia.
147:1.1 (1647.3) No dia anterior aos preparativos da festa de Páscoa em Jerusalém, para onde Jesus iria, Mangus, um centurião, ou capitão da guarda romana aquartelada em Cafarnaum, foi até os dirigentes da sinagoga e disse: “O meu fiel ordenança está doente a ponto de morrer. Poderíeis vós, desse modo, da minha parte, ir até Jesus e implorar a ele que cure o meu servo?” O capitão romano fez isso pensando que os líderes judeus pudessem ter influência junto a Jesus. E então os anciães foram ver Jesus, e o porta-voz deles disse: “Instrutor, nós te pedimos sinceramente que vá até Cafarnaum e salve o servo favorito do centurião romano, que se faz digno da tua atenção, porque ele ama a nossa nação e até nos construiu aquela mesma sinagoga onde tantas vezes tu falaste”.
147:1.2 (1647.4) E, depois de ouvi-los, Jesus disse: “Eu irei convosco”. E foi com eles até a casa do centurião; e este soldado romano havia enviado os amigos para receberem Jesus, antes de entrar na casa, instruindo-os para que lhe dissessem: “Senhor, não te incomodes de entrar na minha casa, pois não sou digno de que estejas sob o meu teto. Nem me julguei digno de ir até a ti; motivo pelo qual eu enviei os anciães do teu próprio povo até a ti. Mas sei que podes dizer uma palavra, de onde estás, e o meu servo será curado. Pois estou eu próprio sob as ordens de outros e, tendo soldados sob as minhas ordens, quando eu digo a este que vá, ele vai, e se a outro digo que venha, ele vem, e aos meus servos digo que façam isso ou aquilo, e eles fazem”.
147:1.3 (1648.1) E quando Jesus ouviu essas palavras, voltou-se e disse aos seus apóstolos e àqueles que estavam com eles: “Estou admirado com a crença do gentio. Em verdade, em verdade, eu vos digo que não encontrei uma fé tão grande assim, não nos de Israel”. E, afastando-se da casa, Jesus disse: “Vamos embora, então”. E os amigos do centurião foram até a casa e contaram a Mangus o que Jesus havia dito. E, a partir daquela hora, o servo começou a melhorar, até voltar à saúde e capacidade normais.
147:1.4 (1648.2) Mas nós nunca soubemos o que aconteceu nessa ocasião. Isso é simplesmente o que está registrado; se os seres invisíveis ministraram a cura ao servo do centurião ou não, isso não foi revelado àqueles que acompanhavam Jesus. Sabemos apenas do fato da recuperação completa do servo.
147:2.1 (1648.3) Cedo, na manhã de terça-feira, 30 de março, Jesus e o grupo dos apóstolos iniciaram a sua viagem a Jerusalém, para a Páscoa, indo pela estrada do vale do Jordão. Chegaram na tarde de sexta-feira, 2 de abril, e estabeleceram o seu centro de operações em Betânia, como de costume. Passando por Jericó, eles pararam para descansar, enquanto Judas fez um depósito de algumas das economias comuns, no banco de um amigo da sua família. Essa foi a primeira vez que Judas havia levado uma quantidade excedente de dinheiro; e esse depósito foi deixado intacto, até que eles passassem por Jericó novamente, quando daquela última viagem, cheia de acontecimentos, até Jerusalém, pouco antes do julgamento e da morte de Jesus.
147:2.2 (1648.4) O grupo fez uma viagem sem incidentes a Jerusalém, mas, mal se haviam instalado em Betânia, quando, vindos de perto e de longe, começaram a reunir- se todos aqueles que procuravam curas para os seus corpos, conforto para as mentes angustiadas e a salvação para as suas almas. E o número destes cresceu tanto que pouco tempo teve Jesus para descansar. E então o grupo armou as barracas no Getsêmani; e o Mestre ia de Betânia ao Getsêmani e voltava, para evitar as multidões, que tão constantemente assediavam-no. O grupo dos apóstolos passou quase três semanas em Jerusalém, mas Jesus conclamou-os a não fazer pregações públicas que ensinassem apenas em particular e por meio do trabalho pessoal.
147:2.3 (1648.5) Em Betânia, eles celebraram a Páscoa sem estardalhaço. E essa foi a primeira vez em que Jesus e todos os doze partilharam de uma festa de Páscoa, sem derramamento de sangue. Os apóstolos de João não cearam com Jesus e os apóstolos, na Páscoa; eles celebraram a festa com Abner e muitos dos antigos crentes das pregações de João. Essa era a segunda Páscoa que Jesus observava, junto com os seus apóstolos, em Jerusalém.
147:2.4 (1648.6) Quando Jesus e os doze partiram para Cafarnaum, os apóstolos de João não foram com eles. Sob a direção de Abner, permaneceram em Jerusalém e nas vizinhanças, trabalhando silenciosamente para a expansão do Reino; enquanto Jesus e os doze retornaram para trabalhar na Galiléia. Nunca mais, os vinte e quatro estiveram juntos, até um pouco antes da escolha e do envio dos setenta evangelistas. Todavia, os dois grupos cooperaram entre si e, não obstante as diferenças de opinião entre eles, prevaleceu o melhor dos sentimentos.
147:3.1 (1649.1) Na tarde do segundo sábado em Jerusalém, pouco antes de os apóstolos e o Mestre iniciarem a sua participação nos serviços do templo, João disse a Jesus: “Vem comigo, quero mostrar-te uma coisa”. João levou Jesus até um dos portões de Jerusalém, onde havia uma piscina de água chamada Betesda. Em volta dessa piscina havia uma estrutura de cinco arcadas, sob as quais um grande grupo de doentes aguardava a cura. Tratava-se de uma fonte cuja água quente avermelhada borbulhava em intervalos irregulares, por causa do acúmulo de gás nas cavernas de rocha, por baixo da piscina. Tal alteração periódica, nas águas quentes, era considerada por muitos como sendo devida a influências sobrenaturais. E era uma crença popular que a primeira pessoa a entrar na água, depois daquele borbulhamento, seria curada de qualquer enfermidade.
147:3.2 (1649.2) Os apóstolos ficaram um tanto desassossegados sob as restrições impostas por Jesus, e João, o mais jovem dos doze, estava especialmente irrequieto em vista dessa restrição. Ele havia levado Jesus até a piscina, pensando que a visão dos doentes reunidos fizesse um tal apelo à compaixão que ele fosse induzido a realizar um milagre de cura e, pois, assim, toda Jerusalém ficaria maravilhada e em breve seria levada a crer no evangelho do Reino. Disse João a Jesus: “Mestre, vê todos esses sofredores; não há nada que possamos fazer por eles?” E Jesus respondeu: “João, por que tu me trazes essa tentação para que eu me desvie do caminho que escolhi? Por que continuar desejando substituir a proclamação do evangelho da verdade eterna, pela realização de prodígios e cura de doentes? Meu filho, posso não chegar a fazer o que desejas, mas reúne esses doentes e afligidos para que eu possa dizer umas palavras de novo ânimo e conforto eterno a eles”.
147:3.3 (1649.3) Diante dos que lá estavam, Jesus disse: “Muitos de vós, doentes e afligidos, estais aqui por causa dos vossos longos anos de vida errônea. Alguns sofrem em vista de acidentes do tempo, outros em conseqüência de erros dos seus ancestrais, enquanto alguns de vós lutais contra as limitações das condições imperfeitas da vossa existência temporal. Mas o meu Pai tudo faz e também eu gostaria de trabalhar para melhorar o vosso estado terreno, mas, mais especialmente para assegurar-vos o vosso estado como seres eternos. Nenhum de nós nada mais pode fazer, para mudar as dificuldades da vida, a menos que descubramos que o Pai no céu quer assim. Afinal, estamos destinados a fazer todos a vontade do Eterno. Se pudésseis, todos, ser curados das vossas aflições físicas, vós todos, de fato, ficaríeis maravilhados, porém, mais importante ainda é que sejais todos purificados de quaisquer doenças espirituais e que vos vejais curados de quaisquer enfermidades morais. Sois todos filhos de Deus; sois filhos do Pai celeste. Os elos do tempo podem parecer afligir-vos, mas o Deus da eternidade vos ama. E, quando a hora do julgamento tiver chegado, não temais, vós todos encontrareis, não apenas a justiça, mas uma abundância em misericórdia. Em verdade, em verdade, eu vos digo: Aquele que ouve o evangelho do Reino e crê nesse ensinamento de filiação a Deus, tem a vida eterna; e os crentes, assim, já estão passando do julgamento e da morte para a luz e a vida. E a hora está chegando em que mesmo aqueles que estão nas sepulturas escutarão a voz da ressurreição”.
147:3.4 (1649.4) E, muitos dos que ouviram, acreditaram na boa-nova do Reino. Alguns dos aflitos sentiram-se tão inspirados e tão revivificados espiritualmente, que saíram proclamando também haver sido curados das suas indisposições físicas.
147:3.5 (1649.5) Um homem que tinha estado deprimido e gravemente afligido, por muitos anos, com as enfermidades da sua mente perturbada, rejubilou-se com as palavras de Jesus e, recolhendo o seu leito, foi para a sua casa, mesmo sendo dia de sábado. Esse homem aflito havia esperado, durante muitos anos, por alguém que o ajudasse; era uma vítima do sentimento de seu próprio desamparo, que nunca sequer havia concebido a idéia de ajudar a si próprio; e ficou demonstrado que a única coisa que tinha a fazer para recuperar-se de fato era pegar o seu leito e andar.
147:3.6 (1650.1) Então disse Jesus a João: “Partamos, antes que os sacerdotes mais importantes e os escribas venham a nós e se ofendam, porque eu disse palavras de vida a esses aflitos”. E voltaram ao templo para unir-se aos seus companheiros; e logo todos partiram com o objetivo de passar a noite em Betânia. Mas João nunca disse aos outros apóstolos sobre essa visita, dele e de Jesus, à piscina de Betesda naquele sábado à tarde.
147:4.1 (1650.2) Na noite desse mesmo sábado, em Betânia, enquanto Jesus, os doze e um grupo de crentes estavam reunidos em volta do fogo, no jardim de Lázaro, Natanael fez esta pergunta a Jesus: “Mestre, embora tenhas ensinado a nós a versão positiva da velha regra de viver, instruindo-nos para que façamos aos outros do modo como gostaríamos que fizessem a nós, eu não sei exatamente como podemos estar sempre obedecendo a essa injunção. Deixa-me ilustrar a minha pergunta, citando o exemplo de um homem cheio de desejo sensual, que vê, assim, em pecado, a sua futura consorte. Como podemos ensinar a esse homem, de más intenções, que ele deveria fazer aos outros o que gostaria que fizessem a si?”
147:4.2 (1650.3) Ao ouvir a pergunta de Natanael, imediatamente Jesus colocou-se de pé e, com o dedo apontado para o apóstolo, disse: “Natanael, Natanael! Que modo de pensar este que acontece no teu coração? Tu recebes os meus ensinamentos como alguém que nasceu do espírito? Tu não ouves a verdade como faz um homem de sabedoria e de compreensão espiritual? Quando te aconselhei a fazer aos outros do mesmo modo como gostarias que fizessem a ti, referia-me a homens de ideais elevados, não àqueles que seriam tentados a distorcer os meus ensinamentos a ponto de transformá-los em uma licença para encorajar más ações”.
147:4.3 (1650.4) Depois que o Mestre falou, Natanael levantou-se e disse: “Mestre, mas tu não devias pensar que eu aprovo uma tal interpretação para o teu ensinamento. Eu fiz essa pergunta porque julguei que muitos homens poderiam julgar assim erradamente o teu conselho, e esperava que tu fosses gostar de dar-nos mais instruções a respeito dessas questões”. E, então, quando Natanael de novo sentou- se, Jesus continuou falando: “Eu bem sei, Natanael, que essa idéia do mal não encontra aprovação na tua mente; mas estou desapontado pelo fato de que todos vós, tão freqüentemente, deixais de dar uma interpretação genuinamente espiritual aos mais comuns dos meus ensinamentos, às instruções que vos dou em linguagem humana e do modo como falam os homens. Então me deixa agora ensinar a respeito dos níveis diferentes de significados ligados à interpretação dessa regra de viver, desse conselho de ‘fazer aos outros o que desejais que seja feito a ti’:
147:4.4 (1650.5) “1. No nível da carne. Essa interpretação puramente egoísta e cheia de desejo sensual seria bem exemplificada com a suposição da tua pergunta.
147:4.5 (1650.6) “2. No nível dos sentimentos. Esse plano é um nível mais elevado do que o da carne e implica que a compaixão e a piedade elevem a nossa interpretação dessa regra de viver.
147:4.6 (1650.7) “3. No nível da mente. Agora, vêm à ação a razão da mente e a inteligência da experiência. O bom julgamento dita que essa regra de viver deveria ser interpretada em consonância com o idealismo mais elevado, incorporado na nobreza do auto-respeito profundo.
147:4.7 (1651.1) “4. No nível do amor fraterno. Ainda mais elevado descobrimos ser o nível da devoção não-egoísta ao bem-estar do nosso semelhante. Nesse plano mais elevado, do serviço social sincero, que nasce da consciência da paternidade de Deus e do reconhecimento conseqüente da irmandade entre os homens, é descoberta uma interpretação nova e muito mais bela dessa regra básica para viver.
147:4.8 (1651.2) “5. No nível moral. E então, quando alcançardes os níveis filosóficos verdadeiros de interpretação, quando tiverdes o verdadeiro discernimento do certo e do errado, quando perceberdes a eterna adequação das relações humanas, começareis a ver tal problema de interpretação como se vos imaginásseis como uma terceira pessoa, de mente elevada, idealista, sábia e imparcial, a ver e interpretar essa injunção, enquanto aplicada aos vossos problemas pessoais de ajustamentos às situações da vossa vida.
147:4.9 (1651.3) “6. No nível espiritual. E então alcançamos finalmente o mais elevado de todos, o nível do discernimento do espírito e das interpretações espirituais que nos impelem a reconhecer, nessa regra de viver, o comando divino para tratar a todos os homens como concebemos que Deus os trataria. Esse é o ideal universal nas relações humanas. E essa será a vossa atitude para com todos esses problemas, quando o vosso desejo supremo chegar a ser sempre o de fazer a vontade do Pai. Eu gostaria, pois, que fizésseis a todos os homens aquilo que vós sabeis que eu faria a eles, nas mesmas circunstâncias”.
147:4.10 (1651.4) Nada que Jesus disse aos apóstolos, até este momento, os havia espantado mais. Eles continuaram a discutir as palavras do Mestre, até muito depois de Jesus haver saído. Embora Natanael tenha sido lento para recuperar-se da sua suposição de que Jesus não havia compreendido bem o espírito da sua pergunta, os outros estavam mais do que agradecidos pelo fato de que o filosófico apóstolo, companheiro deles, tinha tido a coragem de fazer uma pergunta tão estimulante ao pensamento.
147:5.1 (1651.5) Embora Simão não fosse um membro do sinédrio judeu, ele era um fariseu influente em Jerusalém. Era um crente pouco fervoroso e, ainda que pudesse ser criticado severamente por isso, ele ousou convidar Jesus e os seus colaboradores pessoais, Pedro, Tiago e João, para um banquete social na sua casa. Simão vinha já observando o Mestre, há longo tempo, e estava bastante bem impressionado com os seus ensinamentos e mais ainda com a sua personalidade.
147:5.2 (1651.6) Os fariseus ricos eram dados a prestar assistência aos mendigos, e não evitavam a publicidade dada à sua filantropia. Algumas vezes faziam até soar as trombetas, quando estavam para conceder alguma caridade a algum mendigo. Era costume desses fariseus, ao oferecerem banquetes para convidados distintos, deixarem abertas as portas da casa, para que até mesmo os mendigos das ruas pudessem entrar e, permanecendo perto das paredes da sala, atrás dos sofás dos que se banqueteavam, ficavam em posição de receber as porções de comida que lhes eram lançadas pelos convivas.
147:5.3 (1651.7) Nessa ocasião, em particular, na casa de Simão, entre aqueles que vieram das ruas, estava uma mulher de reputação duvidosa, que recentemente havia tornado-se uma crente das boas-novas do evangelho do Reino. Essa mulher era bem conhecida de toda a Jerusalém como sendo a antiga dona de um dos chamados bordéis de alta classe, localizado bem perto da praça dos gentios no templo. Tinha ela, ao aceitar os ensinamentos de Jesus, fechado o seu depravado local de negócios e havia induzido a maioria das mulheres ligadas a ela a aceitarem o evangelho e a mudarem os seus meios de vida; não obstante isso, os fariseus ainda mantinham por ela um grande desdém, e ela era obrigada a usar os seus cabelos soltos para baixo — o que era um estigma da prostituição. Essa mulher, de nome não revelado, havia trazido consigo um grande frasco de ungüento perfumado e, permanecendo por trás de Jesus, enquanto assentado ele tomava a refeição, começou a ungir os seus pés, ao mesmo tempo em que também umedecia os pés dele com as suas lágrimas de gratidão, enxugando-os com o próprio cabelo. E quando acabou essa unção, ela continuou chorando e beijando os seus pés.
147:5.4 (1652.1) Quando Simão viu tudo isso, disse para si próprio: “Se esse homem fosse um profeta, teria percebido que espécie de mulher é essa, que toca nele desse modo, pois é uma pecadora notória”. E Jesus, sabendo o que se passava na mente de Simão, manifestou-se, dizendo: “Simão, tenho algo que gostaria de dizer a ti”. Simão respondeu: “Mestre, dize, pois, o que é”. Jesus então disse: “Um certo homem rico, que emprestava dinheiro, possuía dois devedores. Um devia-lhe quinhentos denários e o outro cinqüenta. Ora, nenhum dos dois possuía com que pagar; e ele perdoou a ambos. Qual dos dois, Simão, supões que o amará mais?” Simão respondeu: “Suponho que seja aquele a quem ele perdoou a maior quantia”. E Jesus disse: “Tu julgaste certo” e, apontando para a mulher, ele continuou: “Simão, dá uma boa olhada nesta mulher. Eu entrei na tua casa como um convidado, mas tu não me deste nenhuma água para os meus pés. Essa mulher agradecida lavou os meus pés com lágrimas e enxugou-os com os próprios cabelos. Tu não me deste nenhum beijo de acolhimento amistoso, mas essa mulher, desde que veio até aqui, não cessou de beijar os meus pés. Tu não ungiste a minha cabeça, mas ela ungiu os meus pés com loções preciosas. E qual o significado de tudo isso? Simplesmente que os seus muitos pecados lhe foram perdoados, e isso levou-a a um grande amor. Mas aqueles que não receberam senão um pouco de perdão, algumas vezes não amam senão muito pouco”. E voltando-se para a mulher, tomou-a pela mão e, levantando-a, disse: “Tu de fato te arrependeste dos teus pecados, e eles te foram perdoados. Não fiques desencorajada com a atitude impensada e pouco gentil dos teus semelhantes, vai no júbilo e na liberdade do Reino do céu”.
147:5.5 (1652.2) Quando ouviram essas palavras, Simão e os seus amigos, assentados à mesa para banquetear-se, ficaram ainda mais atônitos e começaram a sussurrar entre si: “Quem é esse homem, que chega mesmo a ousar perdoar pecados?” Quando os ouviu murmurando assim, Jesus voltou-se para despedir-se da mulher, dizendo: “Mulher, vai em paz; a tua fé te salvou”.
147:5.6 (1652.3) Ao levantar-se com os seus amigos, a fim de imediatamente saírem, Jesus voltou-se para Simão e disse: “Conheço o teu coração, Simão, sei o quanto estás dilacerado entre a fé e as dúvidas, o quanto estás tomado pelo medo e perturbado pelo orgulho; mas eu oro para que possas alcançar a luz e para que experimentes apenas transformações de mente e de espírito, durante o teu período de vida, tão grandiosas que possam ser comparáveis às tremendas mudanças que o evangelho do Reino já fez no coração dos teus convidados intrusos e que não foram bem-vindos. E eu declaro a todos vós que o Pai abriu as portas do Reino celeste para que entrem todos os que têm fé, e nenhum homem, ou grupo de homens, pode fechar essas portas, nem mesmo para a alma mais humilde, nem para aquele que for supostamente o mais flagrante pecador na Terra, se tal pecador buscar entrar com sinceridade”. E Jesus, levando Pedro, Tiago e João consigo, deixaram aquele anfitrião indo juntar-se ao restante dos apóstolos, no acampamento, no jardim do Getsêmani.
147:5.7 (1653.1) Naquela mesma noite Jesus fez, aos apóstolos, o discurso, que ficaria por tanto tempo na memória de todos, a respeito do valor relativo do estado do homem perante Deus e do progresso na sua ascensão eterna ao Paraíso. Jesus disse: “Meus filhos, se existe uma conexão viva e verdadeira entre o filho e o Pai, o filho pode estar seguro de progredir continuamente na direção dos ideais do Pai. É bem verdade que o filho pode inicialmente ser lento no seu progresso, mas nem por isso o progresso deixa de ser seguro. A coisa importante não é a rapidez do vosso progresso mas, antes, a sua segurança. A vossa realização factual não é tão importante quanto o fato de que a direção do vosso progresso seja no sentido de Deus. Aquilo em que vos estais transformando, dia após dia, é de uma importância infinitamente maior do que o que sois hoje.
147:5.8 (1653.2) “Essa mulher transformada, a quem alguns de vós hoje vistes na casa de Simão, encontra-se neste momento vivendo em um nível muito abaixo daquele de Simão e seus companheiros bem-intencionados; mas, enquanto esses fariseus ocupam-se com um progresso falso, na ilusão de atravessar ciclos enganosos de serviços cerimoniais sem significado, essa mulher começou, levando muito a sério, a longa e árdua busca de Deus; e o seu caminho na direção do céu não está bloqueado pelo orgulho espiritual nem pela auto-satisfação moral. Humanamente falando, essa mulher está muito mais distante de Deus do que Simão, mas sua alma encontra-se em um movimento progressivo no caminho da meta eterna. Essa mulher tem presentes em si imensas possibilidades espirituais para o futuro. Alguns de vós podeis não estar em níveis factuais elevados de alma e espírito, mas estais fazendo progressos diários, no caminho vivo e aberto para cima, por intermédio da fé, até Deus. Há possibilidades imensas em cada um de vós, para o futuro. De longe, é melhor ter uma fé pequena, mas viva, e em crescimento, do que estar possuído por um grande intelecto, com os seus estoques mortos de sabedoria temporal e de incredulidade espiritual.”
147:5.9 (1653.3) Jesus, contudo, advertiu sinceramente os seus apóstolos contra a tolice do filho de Deus que passa a vangloriar-se do amor do Pai. Ele declarou que o Pai celeste não é um Pai lasso, frouxo ou tolo, na indulgência; que está sempre pronto a perdoar os pecados e relevar as negligências. Ele preveniu aos seus ouvintes para não aplicarem de modo errado os seus exemplos sobre o pai e o filho, a ponto de fazer parecer que Deus é como alguns pais ultra-indulgentes e pouco sábios, que conspiram, com os tolos da Terra, para aceitar a ruína moral dos seus filhos imprudentes e que, com isso, contribuem, com certeza e diretamente, para a delinqüência e a desmoralização prematura da sua própria progênie. Jesus disse: “O meu Pai não fecha os seus olhos, com indulgência, para os atos dos seus filhos e para as suas práticas autodestrutivas ou suicidas contra o crescimento moral e o progresso espiritual. Essas práticas pecaminosas são uma abominação aos olhos de Deus”.
147:5.10 (1653.4) Jesus compareceu a muitos outros encontros semiprivados, com os poderosos e os humildes, os ricos e os pobres de Jerusalém, antes que ele e os seus apóstolos finalmente partissem para Cafarnaum. E muitos, de fato, tornaram-se crentes no evangelho do Reino e foram posteriormente batizados por Abner e pelos seus condiscípulos, que permaneceram em Jerusalém e nas suas vizinhanças, com o intuito de despertar o interesse para o Reino.
147:6.1 (1653.5) Na última semana de abril, Jesus e os doze partiram do seu centro em Betânia, perto de Jerusalém, e começaram a sua viagem de volta para Cafarnaum, pelo caminho de Jericó e do Jordão.
147:6.2 (1654.1) Os sacerdotes principais e os líderes religiosos dos judeus tiveram muitos encontros secretos com o propósito de decidir o que fazer com Jesus. Eles concordavam que alguma coisa deveria ser feita, para colocar um ponto final nos ensinamentos de Jesus, mas não conseguiam chegar ao consenso quanto ao método. Eles haviam esperado que as autoridades civis dessem a ele um destino, da mesma forma que Herodes havia posto um fim em João, mas descobriram que Jesus estava conduzindo a sua obra de um modo que os oficiais romanos não ficassem muito alarmados com as suas pregações. Dessa maneira, em um encontro que aconteceu no dia antes da partida de Jesus para Cafarnaum, ficou decidido que ele teria de ser apreendido sob uma acusação religiosa e ser julgado pelo sinédrio. Por essa razão, uma comissão de seis espiões secretos ficou encarregada de seguir Jesus e observar as suas palavras e os seus atos; e, quando houvesse reunido evidências suficientes de atos contra a lei e blasfêmias, devia retornar a Jerusalém com um relatório. Esses seis judeus alcançaram o grupo apostólico, em número aproximado de trinta pessoas, em Jericó; e, com o pretexto de desejarem tornar-se discípulos, vincularam-se à família de seguidores de Jesus, permanecendo com o grupo até a época do início da segunda viagem de pregação na Galiléia; depois do que, três deles retornaram a Jerusalém para submeterem o seu relatório ao dirigente dos sacerdotes e ao sinédrio.
147:6.3 (1654.2) Pedro pregou à multidão reunida na travessia do Jordão e, na manhã seguinte, eles seguiram rio acima, até Amatos. Eles queriam prosseguir direto até Cafarnaum, mas, ajuntou-se ali uma tal multidão, que permaneceram lá por três dias, pregando, ensinando e batizando. Eles só se deslocaram na direção de casa no sábado, cedo, o primeiro dia de maio. Os espiões de Jerusalém estavam certos de assegurarem, então, a sua primeira acusação contra Jesus — a de não guardar o dia de sabat — , pois eles presumiram ter ele começado a sua viagem no dia de sábado. Mas estavam fadados ao desapontamento porque, pouco antes da sua partida, Jesus chamou André à sua presença e, diante deles todos, instruiu André a continuar até uma distância de apenas mil metros, a caminhada máxima permitida, segundo a lei judaica, a uma viagem feita no dia do sabat.
147:6.4 (1654.3) Mas os espiões não tiveram que esperar muito por uma oportunidade para acusar Jesus e os seus seguidores de não guardarem o sabat. Quando o grupo passava por uma estrada estreita, na qual o trigo tremulava maduro, em ambos os lados e ao alcance das mãos, alguns dos apóstolos estando famintos, arrancaram o grão maduro e comeram. Era costumeiro entre os viajantes servir-se do grão ao passarem pela estrada; e, portanto, nenhum pensamento de estar fazendo algo errado ligava-se a tal conduta. Contudo, os espiões apegaram-se a isso como um pretexto para injuriar Jesus. Quando viram André esfregando nas mãos os grãos, foram até ele e disseram: “Não sabes que é ilegal colher e triturar o grão no dia de sabat?” Ao que André respondeu: “Mas estamos famintos e trituramos apenas o suficiente para as nossas necessidades. E desde quando se tornou pecado comer grão no sábado?” E os fariseus responderam: “Nada de mal, em comer, mas tu estás contra a lei quando arrancas e trituras o grão entre as mãos; o teu Mestre certamente não aprovaria tais atos”. E então André disse: “Mas se não é errado comer o grão, certo é que o esfregar, entre as nossas mãos, dificilmente é mais trabalho do que mastigar o grão; e isso é permitido. Qual motivo vos leva a preocuparem com tais minúcias de pouca importância?” Quando André sugeriu que estavam apegando-se a picuinhas, eles ficaram indignados e, correndo até onde Jesus caminhava, falando com Mateus, eles protestaram: “Olhai, Instrutor, os teus apóstolos fazem o que está fora da lei, no sábado; eles arrancam, amassam e comem o grão. Estamos seguros de que tu irás mandar que eles parem”. E então Jesus disse aos acusadores: “Vós sois de fato zelosos com a lei, e fazeis bem em lembrar que deveis manter santificado o dia de sabat. Todavia, nunca lestes nas escrituras que, num dia em que Davi estava faminto, ele e aqueles que o acompanhavam entraram na casa de Deus e comeram o pão das oferendas, das quais não seria legal que ninguém comesse, a não ser os sacerdotes? E Davi também deu desse pão àqueles que estavam com ele. E não lestes na vossa lei, que temos o direito de fazer muitas coisas que são imprescindíveis, no sábado? E não vos verei, antes do dia terminar, comendo aquilo que trouxestes para as necessidades desse dia? Meus bons homens fazeis bem em serdes zelosos com o dia de sábado, mas faríeis melhor se guardásseis a saúde e o bem-estar dos vossos semelhantes. Eu declaro que o sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado. E, se estais presentes aqui conosco, para guardar as minhas palavras, então eu proclamarei abertamente que o Filho do Homem é senhor até mesmo do sábado”.
147:6.5 (1655.1) Os fariseus ficaram atônitos e confundidos com aquelas palavras de discernimento e de sabedoria. Pelo restante do dia, mantiveram-se sós e não ousaram fazer mais perguntas.
147:6.6 (1655.2) O antagonismo de Jesus contra as tradições e os cerimoniais judaicos escravizadores era sempre positivo. Consistia no que ele fazia e no que ele afirmava. O Mestre pouco gastou do seu tempo em denúncias negativas. Ele ensinou que aqueles que conhecem a Deus podem gozar da liberdade de viver sem enganarem- se a si próprios sobre as licenças do pecado. Disse Jesus aos seus apóstolos: “Homens, se fordes esclarecidos pela verdade e se realmente souberdes o que estais fazendo, sereis abençoados; mas se não conheceis o caminho divino, vós sereis infelizes e violadores da lei”.
147:7.1 (1655.3) Quando Jesus e os doze chegaram em Betsaida, de barco, passando por Tariquéia, já era o meio-dia da segunda-feira, 3 de maio. Atravessaram de barco para desviar daqueles que iam atrás deles. No dia seguinte, todavia, os outros, incluindo os espiões oficiais de Jerusalém, haviam alcançado Jesus de novo.
147:7.2 (1655.4) Na terça-feira à noite, Jesus estava dando uma das suas palestras costumeiras, na forma de perguntas e respostas, quando o líder dos seis espiões disse a ele: “Hoje, conversei com um dos discípulos de João, que se encontra aqui ouvindo ao teu ensinamento, e nós não conseguimos compreender por que tu nunca mandas aos teus discípulos que jejuem e orem como nós fariseus jejuamos e como João proclamava aos seus seguidores que o fizessem”. E Jesus, referindo- se ao que tinha sido afirmado por João, respondeu ao seu interlocutor: “Acaso os acompanhantes nupciais do noivo jejuam, quando o noivo está com eles? Enquanto o noivo permanece com eles mal eles podem jejuar. Mas é chegado o tempo em que o noivo deve afastar-se e, durante esses tempos, os acompanhantes do noivo, à câmara nupcial, sem dúvida jejuarão e orarão. Orar é natural para os filhos da luz, mas jejuar não é uma parte do evangelho do Reino do céu. Lembrai-vos de que um alfaiate sábio não costura um pedaço de tecido novo e bem passado em uma roupa velha, para, ao ser molhado, o tecido não encolher nem causar um rasgo pior. E os homens também não colocam o vinho novo em odres velhos, para que o vinho novo não rompa a pele do odre, fazendo com que estraguem tanto o vinho quanto o odre. O homem sábio põe o vinho novo em odres de peles novas. E, portanto, os meus discípulos demonstram a sabedoria de não trazer muito da velha ordem para o ensinamento novo do evangelho do Reino. Para vós, que perdestes o vosso instrutor, pode justificar-se que jejuem por um determinado tempo. O jejum pode ser uma parte apropriada da Lei de Moisés, mas no Reino vindouro os filhos de Deus terão a experiência de serem livres do medo e de rejubilarem-se no espírito divino”. Ao ouvirem essas palavras os discípulos de João ficaram confortados, ao passo que os próprios fariseus tornaram-se ainda mais confusos.
147:7.3 (1656.1) Então o Mestre prosseguiu, advertindo os seus discípulos para que não nutrissem a noção de que todos os velhos ensinamentos devem ser inteiramente substituídos por novas doutrinas. Disse Jesus: “Aquilo que é velho, mas que é também verdade deve permanecer. Do mesmo modo, aquilo que é novo, mas que é falso, deve ser rejeitado. Contudo, deveis ter a fé e a coragem para aceitar aquilo que é novo e que também é verdadeiro. Lembrai-vos do que está escrito: ‘Não abandoneis um velho amigo, pois o novo não é comparável a ele. Um novo amigo é como um vinho novo; se envelhecer, vós bebereis dele com mais contentamento’”.
147:8.1 (1656.2) Naquela noite, até bem após os ouvintes habituais haverem-se retirado, Jesus continuou a ensinar aos seus apóstolos. E começou essa instrução especial citando do profeta Isaías:
147:8.2 (1656.3) “‘Por que jejuastes? Qual o motivo então para afligirdes vossas almas, se continuais a ter prazer na opressão e a deliciar-vos na injustiça? Vede, jejuais para poderdes contestar e discutir e para vos inflamar com os punhos da maldade. Contudo, não deveis jejuar desse modo, se tendes o intuito de fazer vossas vozes serem ouvidas no alto.
147:8.3 (1656.4) “‘Teria sido esse o jejum que eu escolhi — um dia, para um homem afligir a sua alma? É necessário que ele incline a sua cabeça como o junco, vestindo-se de sacos e cobrindo-se de cinzas? Ousareis chamar a isso de jejum e de um dia aceitável, perante os olhos do Senhor? Não é esse o jejum que eu deveria escolher: o de romper as correntes da maldade, desfazer os nós das cargas pesadas, libertar o oprimido e arrebentar com todo o jugo? Não é para eu partilhar o meu pão com os famintos e levar à minha casa aqueles que são pobres, e que não têm teto? E, quando eu vir aqueles que estão despidos, colocarei roupa neles.
147:8.4 (1656.5) “‘Então a vossa luz irromperá, como a manhã, e a vossa saúde aflorará rapidamente. A vossa retidão chegará antes de vós, enquanto a glória do Senhor manterá a vossa retaguarda. Então apelareis ao Senhor e Ele responderá; gritareis, e Ele dirá: Aqui estou Eu. E tudo isso Ele fará se vos abstiverdes da opressão, da condenação e da vaidade. O Pai deseja, mais, que sejais pródigos de coração para com os famintos, e que ministreis às almas afligidas; então a vossa luz brilhará na escuridão, e as vossas trevas serão mesmo como a luz do meio-dia. Então o Senhor guiar-vos-á continuamente, satisfazendo a vossa alma e renovando a vossa força. Vos transformareis em um jardim bem irrigado, como uma fonte cujas águas não faltam. E, aqueles que fazem essas coisas, restaurarão as glórias enfraquecidas; eles erigirão as fundações para muitas gerações; serão chamados os reconstrutores das paredes derrubadas, os restauradores dos caminhos seguros nos quais residir’”.
147:8.5 (1656.6) E então, até tarde da noite, Jesus expôs aos seus apóstolos a verdade de que a própria fé, mantida por eles, era o que os deixava seguros quanto ao reino do presente e o Reino do futuro, e não a sua aflição de alma, nem o jejum para o corpo. Ele exortou os apóstolos a viver ao menos à altura das idéias do antigo profeta e expressou a esperança de que eles iriam progredir muito, à frente até mesmo dos ideais de Isaías e dos profetas mais antigos. As últimas palavras dele, naquela noite, foram: “Crescei em graça, por meio da fé viva que leva à compreensão do fato de que sois filhos de Deus e que, ao mesmo tempo, vos faz reconhecer em cada homem um irmão”.
147:8.6 (1656.7) Quando Jesus terminou de falar já eram mais de duas horas da manhã e todos se recolheram para dormir.
O Livro de Urântia
Documento 148
148:0.1 (1657.1) DESDE o dia 3 de maio até o dia 3 de outubro do ano 28 d.C., Jesus e o grupo apostólico permaneceram na residência de Zebedeu em Betsaida. Durante esse período de cinco meses na estação da seca, um acampamento enorme foi mantido à beira-mar, perto da residência de Zebedeu, a qual havia sido bastante ampliada para acomodar a sempre crescente família de Jesus. Esse acampamento à beira-mar, ocupado por uma população de buscadores da verdade, de candidatos à cura e de fervorosos da curiosidade, os quais se alternavam sempre, abrigava de quinhentas a mil e quinhentas pessoas. Essa cidade de tendas estava sob a supervisão geral de Davi Zebedeu, ajudado pelos gêmeos Alfeus. O acampamento era um modelo de higiene, de ordem e administração geral. Doentes de tipos variados ficavam separados e sob a supervisão de um crente médico, um homem sírio chamado Elman.
148:0.2 (1657.2) Durante esse período, os apóstolos iam pescar pelo menos uma vez por semana, vendendo a Davi o que pegavam, para o consumo do acampamento à beira-mar. Os fundos recebidos iam para as economias do grupo. Aos doze era permitido passar uma semana por mês com as suas famílias ou amigos.
148:0.3 (1657.3) Enquanto André continuava como encarregado geral das atividades apostólicas, Pedro ficava encarregado inteiramente da escola dos evangelistas. Cada um dos apóstolos tinha a sua parte no ensino aos grupos de evangelistas, todas as manhãs e, tanto os instrutores quanto os alunos ensinavam ao povo durante as tardes. Depois da refeição da noite, cinco noites por semana, os apóstolos dirigiam horas de perguntas e respostas para aprimorar os evangelistas. Uma vez por semana Jesus presidia essa hora de perguntas, respondendo às questões não respondidas nas sessões anteriores.
148:0.4 (1657.4) Durante cinco meses, milhares de pessoas vieram a esse acampamento e partiram. Pessoas interessadas, de todas as partes do império romano e das terras no leste do Eufrates, formavam a audiência freqüente. Esse foi o período estabelecido e bem organizado mais longo de ensinamento do Mestre. A família pessoal de Jesus passou a maior parte desse período em Nazaré ou em Caná.
148:0.5 (1657.5) O acampamento não era dirigido como uma comunidade de interesses comuns, como o era a família apostólica. Davi Zebedeu administrava essa grande cidade feita de tendas, de um modo tal que ela se tornou uma empresa auto-sustentada, mas nem por isso ninguém jamais foi rejeitado lá. Esse acampamento, cujos residentes estavam sempre mudando, representava um aspecto indispensável da escola de aperfeiçoamento evangélico de Pedro.
148:1.1 (1657.6) Pedro, Tiago e André formavam o comitê indicado por Jesus para admitir os candidatos à escola dos evangelistas. Todas as raças e nacionalidades do mundo romano, do leste e do oeste, mesmo de um lugar tão distante quanto a Índia, estavam representadas entre os estudantes nessa nova escola de profetas. Era uma escola dirigida à atividade do aprender e do fazer. O que os estudantes aprendiam durante a manhã, eles ensinavam aos que se reuniam à tarde, à beira-mar. Depois do almoço eles discutiam informalmente tanto o aprendizado da parte da manhã quanto o que haviam ensinado à tarde.
148:1.2 (1658.1) Cada um dos professores apostólicos ensinava segundo a própria visão do evangelho do Reino. Nenhum esforço era feito para ensinarem de um modo uniforme; não havia uma formulação padronizada, nem dogmatizada das doutrinas teológicas. Embora todos eles ensinassem a mesma verdade, cada apóstolo apresentava a sua própria interpretação pessoal do ensinamento do Mestre. E Jesus aprovava tais apresentações diversas, de experiências pessoais com as coisas do Reino, e coordenando infalivelmente e harmonizando tais visões múltiplas e divergentes do evangelho, durante as horas semanais nas quais dava as respostas. Não obstante esse alto grau de liberdade pessoal em relação às questões a serem ensinadas, Simão Pedro tinha a tendência de dominar a teologia da escola dos evangelistas. Depois de Pedro, Tiago Zebedeu exercia a maior influência pessoal.
148:1.3 (1658.2) Os mais de cem evangelistas treinados durante esses cinco meses à beira-mar representavam o corpo do qual (exceto Abner e os apóstolos de João) foram retirados os futuros setenta educadores e pregadores do evangelho. A escola de evangelistas não teve tudo em comum e no mesmo grau que os doze tiveram.
148:1.4 (1658.3) Esses evangelistas, embora ensinassem e pregassem o evangelho, não batizavam os crentes antes que fossem designados e ordenados por Jesus como os setenta mensageiros do Reino. Apenas sete, do grande número daqueles que haviam sido curados ao entardecer naquele local, encontravam-se entre esses estudantes evangélicos. O filho do nobre de Cafarnaum era um dos treinados para o serviço do evangelho na escola de Pedro.
148:2.1 (1658.4) Ligado ao acampamento à beira-mar e com a assistência de um corpo de vinte e cinco jovens mulheres e de vinte homens, Elman, o médico sírio, organizou e conduziu durante quatro meses o que deveria ser considerado como o primeiro hospital do Reino. Nessa enfermaria, localizada a uma curta distância ao sul da principal cidade das tendas, eles tratavam os doentes de acordo com os métodos materiais conhecidos e também segundo as práticas espirituais de encorajamento pela oração e pela fé. Jesus visitava os doentes desse acampamento nada menos do que três vezes por semana e fazia contato pessoal com cada um dos sofredores. Até onde sabemos, nenhum chamado milagre de cura supranatural ocorreu entre as mil pessoas afligidas e doentes que saíram bem melhores ou mesmo curadas, dessa enfermaria. Contudo, a grande maioria desses indivíduos beneficiados não parou de proclamar que Jesus os havia curado.
148:2.2 (1658.5) Muitas das curas efetuadas por Jesus, ligadas à sua ministração aos pacientes de Elman, de fato, assemelhavam-se a milagres, contudo foi indicado a nós que se tratava apenas de transformações da mente e do espírito, tais como as que podem ocorrer na vivência de pessoas em expectativa, e dominadas pela fé, quando estão sob a influência imediata e inspiradora de uma personalidade forte, positiva e benéfica, cuja ministração expulsa o medo e põe fim à ansiedade.
148:2.3 (1658.6) Elman e os seus companheiros esforçaram-se para ensinar a esses doentes a verdade sobre a “possessão pelos maus espíritos”, mas tiveram pouco êxito. A crença de que a doença física e o desarranjo mental poderiam ser causados pela presença de espíritos chamados impuros, na mente ou no corpo da pessoa afligida, era quase universal.
148:2.4 (1659.1) Em todo esse contato com os doentes e afligidos, quando se tratava da técnica de tratamento ou da revelação de causas desconhecidas para a doença, Jesus não desconsiderou as instruções de Emanuel, o seu irmão do Paraíso, dadas antes de ter embarcado na aventura da encarnação de Urântia. Não obstante isso, aqueles que ministravam aos doentes aprenderam muitas lições úteis, observando o modo pelo qual Jesus inspirava fé e confiança nos doentes e nos sofredores.
148:2.5 (1659.2) O acampamento dispersou-se pouco antes que se aproximasse a estação na qual ocorrem as epidemias de resfriados e febres.
148:3.1 (1659.3) Durante esse período, Jesus conduziu por doze vezes ao menos os serviços públicos no acampamento e falou apenas uma vez na sinagoga de Cafarnaum, no segundo sábado antes da partida deles junto com os evangelistas recém-treinados para a segunda viagem de pregação pública na Galiléia.
148:3.2 (1659.4) Desde o seu batismo, o Mestre não passara tanto tempo na solidão quanto neste período do acampamento de aperfeiçoamento dos evangelistas, em Betsaida. Quando um dos apóstolos aventurava-se a perguntar a Jesus por que ele havia-se afastado de todos por tanto tempo, ele responderia invariavelmente que estava “cuidando dos negócios do Pai”.
148:3.3 (1659.5) Durante esses períodos de ausência, Jesus estivera acompanhado apenas por dois dos apóstolos. Ele havia liberado Pedro, Tiago e João temporariamente do compromisso de acompanhantes pessoais para que eles pudessem participar também do trabalho de aperfeiçoamento dos novos candidatos evangelistas, cujo número era acima de cem. Quando o Mestre desejava ir para as colinas cuidar dos assuntos do Pai, ele chamava para acompanhá-lo qualquer um dos apóstolos que estivesse livre. Desse modo todos os doze desfrutaram de uma oportunidade de ligação reservada e de contato direto íntimo com Jesus.
148:3.4 (1659.6) Não foi revelado, aos propósitos deste registro, mas nós fomos levados a inferir que, durante muitas dessas permanências solitárias nas colinas, o Mestre tenha estado em contato direto e em ligação, para fins organizadores, com os seus principais diretores de assuntos do universo. Desde o tempo do seu batismo, aproximadamente, o Soberano encarnado do nosso universo tornava-se cada vez mais ativo e consciente na direção de determinados assuntos da administração do universo. E nós temos sempre sustentado a opinião de que, de algum modo não revelado aos seus colaboradores imediatos, durante essas semanas de menor participação nos assuntos da Terra, ele pudesse estar empenhado na direção daquelas altas inteligências espirituais, encarregadas de dirigir um vasto universo. E o Jesus humano escolheu então denominar essas suas atividades como sendo “os assuntos do meu Pai”.
148:3.5 (1659.7) Muitas vezes, quando Jesus estava sozinho durante horas e acontecia que dois dos seus apóstolos se encontravam por perto, eles observavam as suas feições passarem por alterações rápidas e numerosas, embora eles não o escutassem dizendo nenhuma palavra. E também eles não observavam nenhuma manifestação visível de seres celestes que poderiam ter estado em comunicação com o seu Mestre, como aquelas que alguns deles testemunharam em ocasião posterior.
148:4.1 (1659.8) Era hábito de Jesus manter uma conversa especial, por duas noites a cada semana, com indivíduos que desejavam falar com ele, em um certo canto isolado e abrigado do jardim de Zebedeu. Numa dessas conversas noturnas em particular, Tomé fez ao Mestre esta pergunta: “Por que é necessário para os homens nascerem do espírito para entrar no Reino? O renascimento é necessário para escapar do controle do maligno? Mestre, o que é o mal?” Quando ouviu essas perguntas, Jesus disse a Tomé:
148:4.2 (1660.1) “Não cometas o erro de confundir o mal com o maligno, a quem, mais corretamente, chamaremos de iníquo. Aquele a quem tu chamas de maligno é filho do amor-próprio, é o alto administrador que deliberadamente entrou em rebelião consciente contra o governo do meu Pai e seus Filhos leais. Mas eu já triunfei sobre esses rebeldes pecadores. Que fique claro, na tua mente, como são diferentes a atitudes para com o Pai e o seu universo. Nunca te esqueças dessas leis de relação com a vontade do Pai:
148:4.3 (1660.2) “O mal é a transgressão inconsciente ou não intencional da lei divina, a vontade do Pai. O mal é, do mesmo modo, a medida da imperfeição da obediência à vontade do Pai.
148:4.4 (1660.3) “O pecado é a transgressão consciente, consabida e deliberada da lei divina, a vontade do Pai. O pecado é a medida da falta de vontade de ser conduzido divinamente e dirigido espiritualmente.
148:4.5 (1660.4) “A iniqüidade é a transgressão voluntária, determinada e persistente da lei divina, a vontade do Pai. A iniqüidade é a medida da rejeição continuada do plano de amor do Pai para a sobrevivência da personalidade e da ministração misericordiosa de salvação do Filho.
148:4.6 (1660.5) “Por natureza, antes do renascimento do espírito, o homem mortal fica sujeito a tendências inerentes para o mal, mas tais imperfeições naturais de comportamento não são pecado, nem iniqüidade. O homem mortal está apenas começando a sua longa ascensão até a perfeição do Pai no Paraíso. Ser imperfeito ou parcial, por limitação dos dons naturais, não é pecaminoso. O homem está de fato sujeito ao mal, mas ele não é, em nenhum sentido, um filho do maligno, a menos que ele tenha consciente e deliberadamente escolhido os caminhos do pecado e da vida da iniqüidade. O mal é inerente à ordem natural deste mundo, mas o pecado é uma atitude de rebelião consciente que foi trazida a este mundo por aqueles que caíram da luz espiritual entrando em trevas espessas.
148:4.7 (1660.6) “Tomé, estás confuso por causa das doutrinas dos gregos e dos erros dos persas. Não compreendes as relações entre o mal e o pecado porque visualizas a humanidade como tendo começado na Terra, com um Adão perfeito que se degenerou rapidamente, por pecado, até o estado deplorável atual do homem. Mas por que te recusas a compreender o significado do registro que revela que Caim, filho de Adão, foi para a terra de Nod e lá tomou uma mulher como esposa? E por que te recusas a interpretar o significado do registro que retrata os filhos de Deus encontrando esposas para si próprios entre as filhas dos homens?
148:4.8 (1660.7) “Os homens, de fato, são maus por natureza; mas não necessariamente pecadores. O novo nascimento — o batismo do espírito — é essencial para a libertação do mal e necessário para a entrada no Reino do céu; mas nada disso contradiz o fato de o homem ser filho de Deus. E a inerente presença, em potencial, do mal, não significa que o homem esteja, de um modo misterioso, apartado do Pai do céu, de uma maneira tal que, como se fora um estranho e um forasteiro, ou um filho adotado, deva buscar a adoção legal do Pai, de algum modo. Todas essas noções nascem, em primeiro lugar, do teu entendimento errado do Pai e, em segundo lugar, da tua ignorância da origem, natureza e destino do homem.
148:4.9 (1660.8) “Os gregos e outros povos ensinaram a ti que o homem descende da melhor perfeição, tendo caído diretamente no olvido ou destruição; eu vim para mostrar-te que, com a entrada no Reino, o homem está ascendendo segura e certamente até Deus e a perfeição divina. Qualquer ser que, de alguma maneira, não alcança os ideais divinos e espirituais da vontade do Pai eterno é potencialmente mau, mas tais seres não são, em nenhum sentido, pecadores e menos ainda iníquos.
148:4.10 (1661.1) “Tomé, já não leste sobre isso nas escrituras? Onde está escrito: ‘Vós sois filhos do Senhor o vosso Deus’. ‘Eu serei o seu Pai e ele será o meu filho.’ ‘Eu o escolhi para ser o meu filho — eu serei o seu Pai.’ ‘Trazei os meus filhos e as minhas filhas de longe, dos confins da Terra; e até mesmo a todos os que são chamados pelo meu nome, pois eu os criei para a minha glória.’‘Vós sois os filhos do Deus vivo.’‘Aqueles que têm o espírito de Deus de fato são os filhos de Deus.’ Conquanto haja uma parte material do pai humano no filho natural, há uma parte espiritual do Pai celeste em todos os filhos, pela fé, do Reino”.
148:4.11 (1661.2) Tudo isso e muito mais Jesus disse a Tomé, e os apóstolos compreenderam grande parte de tudo; no entanto, Jesus lhe advertiu para “não falar aos outros desses assuntos antes que eu tenha retornado para o Pai”. E Tomé só mencionou essa entrevista depois que o Mestre havia já partido deste mundo.
148:5.1 (1661.3) Numa outra dessas entrevistas particulares no jardim, Natanael perguntou a Jesus: “Mestre, embora eu esteja começando a entender por que tu te recusas a praticar indiscriminadamente a cura, eu ainda não consigo compreender por que o Pai celeste, cheio de amor, permite que tantos dos seus filhos na Terra sofram de tamanhas aflições”. O Mestre respondeu a Natanael, dizendo:
148:5.2 (1661.4) “Natanael, tu e muitos outros estão perplexos assim porque tu não compreendes como a ordem natural deste mundo tem, por tantas vezes, sido desorganizada pelas aventuras pecaminosas de alguns traidores rebeldes para com a vontade do Pai. E eu vim para começar a colocar essas coisas em ordem. Mas muitas idades serão necessárias para reorientar e devolver esta parte do universo ao caminho anterior e, assim, libertar os filhos dos homens das cargas adicionais vindas do pecado e da rebelião. A presença do mal por si só é um teste suficiente para a ascensão do homem — o pecado não é essencial à sobrevivência.
148:5.3 (1661.5) “No entanto meu filho, deverias saber que o Pai não aflige aos seus filhos propositalmente. O homem traz aflições desnecessárias a si próprio, em vista da sua recusa persistente de conduzir-se dentro dos melhores caminhos da vontade divina. A aflição existe potencialmente no mal, mas grande parte dela foi produzida pelo pecado e pela iniqüidade. Muitos eventos incomuns tiveram lugar neste mundo; não é estranho que todos os homens que pensam acabem perplexos com as cenas de sofrimento e de aflição que testemunham. Mas de uma coisa tu podes estar certo: O Pai não envia a aflição como uma punição arbitrária para o erro. As imperfeições e as limitações do mal são inerentes ao mesmo; as punições para o mal são inevitáveis; as conseqüências destrutivas da iniqüidade são inexoráveis. O homem não deveria culpar a Deus por essas aflições, que são o resultado natural da vida que ele escolhe viver; nem deveria o homem reclamar das experiências que são parte da vida como é vivida neste mundo. A vontade do Pai é que o homem mortal devesse trabalhar com persistência, e coerentemente, no sentido da melhora do seu estado na Terra. O empenho inteligente capacitaria o homem a superar grande parte da sua miséria terrena.
148:5.4 (1662.1) “Natanael, parte da nossa missão é ajudar os homens a resolverem os seus problemas espirituais e, desse modo, vivificar as suas mentes de um modo tal que eles possam estar mais bem preparados e inspirados para resolver os seus múltiplos problemas materiais. Eu sei da tua confusão quando leste as escrituras. Muito freqüentemente tem prevalecido a tendência de atribuir a Deus a responsabilidade por tudo o que a ignorância do homem não o deixa compreender. O Pai não é pessoalmente responsável por tudo aquilo que não podes compreender. Não duvides do amor do Pai apenas por acontecer que alguma lei justa e sábia, ordenada por Ele, acabe afligindo-te talvez por teres, inocente ou deliberadamente, transgredido a essa ordem divina.
148:5.5 (1662.2) “No entanto, Natanael, há muitas coisas nas escrituras que te teriam servido de instrução, se as tivesses lido com discernimento. Não te lembras de que está escrito: ‘Meu filho, não desprezes o castigo do Senhor, nem te aborreças com a Sua correção, pois o Senhor corrige àquele a quem ama, do mesmo modo que o Pai corrige o filho em quem Se compraz’. ‘O Senhor não tem intenção de afligir.’ ‘Antes de ser afligido, eu me desviei, mas agora observo a lei. A aflição foi benéfica, para que eu pudesse aprender os estatutos divinos’.‘Conheço os vossos sofrimentos. O Deus eterno é vosso refúgio, enquanto embaixo mantém os Seus braços eternos’. ‘O Senhor é também um refúgio para os oprimidos, um ancoradouro de descanso nos tempos de complicações’. ‘O Senhor fortalecerá quem que cai no leito da aflição; o Senhor não esquecerá os doentes’. ‘Como um pai demonstra compaixão pelos seus filhos, também o Senhor é compassivo para com aqueles que O temem. Ele conhece vosso corpo; lembra-Se de que sois pó’. ‘Ele cura os corações partidos, e fecha as feridas’. ‘Ele é a esperança do pobre, a força do necessitado, na sua angústia, um Refúgio na tempestade e uma Sombra em um calor devastador’. ‘Ele dá poder aos fracos; daqueles que não têm nenhum poder, Ele aumenta as forças’. ‘Ele não quebrará uma cana já lascada, e a fibra em chama Ele não apagará’. ‘Quando passares pelas águas da aflição, Eu estarei contigo e, quando os rios da adversidade te submergirem, Eu não te abandonarei’. ‘Ele enviou-me para fechar as feridas no teu coração alquebrado, para proclamar a liberdade aos cativos, e para confortar a todos os que pranteiam’. ‘A correção acompanha o sofrimento; a aflição não brota do pó’”.
148:6.1 (1662.3) Nessa mesma noite em Betsaida, João também perguntou a Jesus por que tantas pessoas aparentemente inocentes sofriam de tantas doenças e passavam por tantas aflições. Ao responder às perguntas de João, entre muitas outras coisas, o Mestre disse:
148:6.2 (1662.4) “Meu filho, tu não compreendes o significado da adversidade nem a missão do sofrimento. Tu não leste aquela obra-prima da literatura semita — a história das aflições de Jó nas escrituras? Tu não te lembras que essa parábola maravilhosa começa com o recital da prosperidade material do servo do Senhor? Tu te lembras bem de que Jó era abençoado com filhos, saúde, dignidade, posição, riqueza e tudo o mais que os homens valorizam nesta vida temporal. De acordo com os ensinamentos, há tanto tempo respeitados, dos filhos de Abraão, a prosperidade material seria uma evidência, suficiente por si mesma, do favorecimento divino. No entanto as posses materiais e a prosperidade temporal não indicam nenhum favorecimento de Deus. Meu Pai do céu ama os pobres tanto quanto os ricos; Ele não faz acepção de pessoas, não tem preferências por ninguém.
148:6.3 (1663.1) “Embora a transgressão da lei divina seja, mais cedo ou mais tarde, seguida da colheita da punição e, conquanto os homens certamente colham o que semeiam, tu ainda devias saber que o sofrimento humano nem sempre é uma punição por um pecado anterior. Tanto Jó, quanto os seus amigos, não conseguiram encontrar a verdadeira resposta para o motivo das próprias perplexidades. E, com a luz de que agora tu desfrutas, dificilmente poderias atribuir, seja a Satã, seja a Deus, os papéis que eles têm nessa parábola singular. Embora Jó não tenha encontrado, por meio do sofrimento, a solução dos seus problemas intelectuais, nem a resolução para as suas dificuldades filosóficas, ele conseguiu grandes vitórias; e, mesmo diante do desmoronamento das suas defesas teológicas, ele ascendeu até aquelas alturas espirituais, de onde ele podia dizer sinceramente: ‘eu abomino a mim próprio’; então foi concedida a ele a salvação de ter uma visão de Deus. E assim, por meio de um sofrimento incompreendido, Jó ascendeu a um plano supra-humano de compreensão moral e de discernimento espiritual interno. Quando o servidor que sofre consegue ter uma visão de Deus, segue-se uma paz de alma que ultrapassa toda a compreensão humana.
148:6.4 (1663.2) “O primeiro dos amigos de Jó, Elifas, exortou-o como sofredor a demonstrar, durante suas aflições, a mesma fortaleza que ele havia indicado aos outros durante os dias de sua prosperidade. Esse falso confortador disse: ‘Confia na tua religião, Jó; lembra-te de que é o perverso e não o justo que sofre. Tu deves merecer esse castigo, ou então não estarias afligido. Tu bem sabes que nenhum homem pode ser reto aos olhos de Deus. Tu sabes que o perverso nunca realmente prospera. De qualquer modo, o homem parece estar predestinado a ter problemas e talvez o Senhor esteja apenas castigando-te para teu próprio bem’. Não é de espantar que o pobre Jó não tivesse conseguido nenhum conforto com essa interpretação para o problema do sofrimento humano.
148:6.5 (1663.3) “Mas o conselho de seu segundo amigo, Bildad, foi mais deprimente ainda, não obstante sua integridade, do ponto de vista da então aceita teologia. Disse Bildad: ‘Deus não pode ser injusto. Os teus filhos devem ter sido pecadores já que faleceram; e tu deves estar cometendo algum erro, pois de outro modo não estarias tão afligido. E, se de fato és reto, Deus certamente irá libertar-te das aflições. Deverias aprender, da história das relações de Deus com o homem, que o Todo-Poderoso apenas destrói os malvados’.
148:6.6 (1663.4) “E, então, tu te lembras como Jó respondeu aos amigos, dizendo: ‘Eu bem sei que Deus não me ouve clamando por ajuda. Como pode Deus ser justo e, ao mesmo tempo, desconsiderar completamente minha inocência? Estou aprendendo que não posso ter nenhuma satisfação apelando para o Todo-Poderoso. Acaso não podeis discernir que Deus tolera a perseguição que os malvados fazem aos bons? E, já que o homem é tão fraco, com que possibilidade ele conta para ter consideração nas mãos de um Deus onipotente? Deus me fez como eu sou e, quando Ele volta-se assim contra mim, fico indefeso. E por que Deus me teria criado, apenas para sofrer desse jeito miserável?’
148:6.7 (1663.5) “E quem pode objetar-se à atitude de Jó, em face do conselho dos seus amigos e das idéias errôneas sobre Deus, as quais ocuparam a sua mente? Não vês que Jó aspirava por um Deus humano, que tinha fome de comungar com um Ser divino que conhece o estado mortal do homem e entende que o justo deve sempre sofrer na inocência, como uma parte dessa primeira vida da longa ascensão ao Paraíso? E a razão que fez o Filho do Homem vir do Pai, para viver esta vida na carne, é para que ele se torne capaz de confortar e de socorrer a todos aqueles que devem, doravante, ser chamados para suportar as aflições de Jó.
148:6.8 (1663.6) “Então o terceiro amigo de Jó, Zofar, pronunciou palavras menos confortantes ainda, quando disse: ‘É tolice tua pretender que estás na retidão, estando assim tão aflito. Mas eu admito que é impossível compreender os caminhos de Deus. Talvez haja algum propósito oculto em todas essas misérias’. E, depois de haver escutado todos os três amigos, Jó apelou diretamente a Deus pedindo ajuda, advogando que ‘o homem, nascido de mulher, é pobre de dias e rico de complicações’.
148:6.9 (1664.1) “E então começou a segunda sessão com seus amigos. Elifas tornou-se mais austero, acusador e sarcástico. Bildad ficou indignado com o desprezo de Jó por seus amigos. Zofar reiterou seu conselho melancólico. Jó a essa altura havia ficado enojado com tais amigos e apelou de novo para Deus; agora suplicava a um Deus justo, em oposição ao Deus da injustiça, incorporado na filosofia de seus amigos e mantido mesmo, em um relicário, por sua própria atitude religiosa. Em seguida, Jó buscou refúgio na consolação de uma vida futura, na qual as injustiças da existência mortal pudessem ser compensadas com mais equanimidade. O fracasso de receber a ajuda do homem leva Jó a Deus. E então acontece, no seu coração, a grande batalha entre a fé e a dúvida. Finalmente, o sofredor humano começa a ver a luz da vida; e sua alma torturada ascende a novos níveis em esperança e coragem; ele pode continuar sofrendo e mesmo morrer, mas a sua alma agora esclarecida profere aquele grito de triunfo: ‘O meu Reivindicador vive!’
148:6.10 (1664.2) “Jó estava totalmente certo quando colocou em dúvida a doutrina de que Deus aflige os filhos no fito de punir os pais. Jó esteve sempre pronto a admitir que Deus é reto e justo, mas Jó almejava uma revelação do caráter pessoal do Eterno, que satisfizesse a alma. E essa é a nossa missão na Terra. Não mais será negado, aos mortais sofredores, o conforto de conhecerem o amor de Deus e de compreenderem a misericórdia do Pai que está no céu. Conquanto o discurso de Deus, falando de dentro de uma tempestade, tivesse sido um conceito majestoso, para a época em que foi proferido, vós já aprendestes que o Pai não Se revela desse modo. Ele fala, sim, dentro do coração humano e com uma voz calma e suave, que diz: ‘Este é o caminho; caminhe por ele’. E tu não compreendes que Deus reside dentro de ti, que Ele transformou-Se no que tu és, para que Ele possa fazer de ti o que Ele é”.
148:6.11 (1664.3) Então Jesus fez a sua afirmação final: “O Pai no céu não aflige os filhos dos homens por seu próprio desejo. O homem sofre, em primeiro lugar, por causa dos acidentes do tempo e das imperfeições do mal numa existência física imatura. Em seguida, ele sofre as conseqüências inexoráveis do pecado — a transgressão das leis da vida e da luz. E finalmente o homem faz a colheita da sua própria e iníqua persistência na rebelião contra o governo justo do céu sobre a Terra. Mas as misérias do homem não são uma visitação pessoal de julgamento divino. O homem pode fazer, e irá fazer, muito, para minimizar os seus sofrimentos temporais. Mas, de uma vez por todas, libertai-vos da superstição de que Deus aflige o homem a comando daquele que é o maligno. Estudai o Livro de Jó, para simplesmente descobrirdes quantas idéias errôneas de Deus podem nutrir até mesmo os homens bons e sinceros. E, então, observai como, até mesmo aquele Jó, dolorosamente afligido, encontrou o Deus confortador e salvador, a despeito dos ensinamentos errôneos. Afinal a sua fé perfurou as nuvens do sofrimento e discerniu a luz da vida sendo vertida do Pai, como misericórdia de cura e equanimidade eterna”.
148:6.12 (1664.4) João ponderou sobre essas palavras no seu coração, durante muitos dias. Toda a sua vida, depois disso, foi modificada de um modo marcante por causa dessa conversa com o Mestre no jardim; e, posteriormente, ele fez muito para levar os outros apóstolos a mudarem os seus pontos de vista a respeito da fonte, da natureza e do propósito das aflições humanas comuns. Mas João nunca falou dessa conversa, até que o Mestre tivesse partido.
148:7.1 (1664.5) No segundo sábado, antes da partida dos apóstolos e do novo corpo de evangelistas para a segunda viagem de pregações na Galiléia, Jesus falou na sinagoga de Cafarnaum sobre as “Alegrias de uma vida de retidão”. Quando Jesus terminou o seu discurso, um grupo grande de mutilados, coxos, doentes e afligidos amontoou-se em volta dele, em busca de cura. Nesse grupo também estavam os apóstolos, muitos dos novos evangelistas e os espiões fariseus de Jerusalém. Para todos os lados que Jesus ia (exceto quando estava nas colinas, cuidando dos assuntos do Pai), por certo os seis espiões de Jerusalém o seguiriam.
148:7.2 (1665.1) O líder dos espiões fariseus, enquanto Jesus estava falando ao povo, induziu um homem com uma mão murcha a aproximar-se Jesus e perguntar-lhe se estaria dentro da lei se ele fosse curado no dia de sábado ou se deveria buscar ajuda em um outro dia. Quando viu o homem e ouviu as suas palavras, Jesus percebeu que havia sido enviado pelos fariseus, e disse: “Avança um pouco enquanto eu te faço uma pergunta. Se tu tivesses uma ovelha e se ela caísse em um fosso, no dia de sábado, tu estenderias a mão até ela, pegá-la-ia e a traria para fora? É da lei fazer tais coisas no dia de sábado?” E o homem respondeu: “Sim, Mestre, seria da lei fazer tal bem no dia de sábado”. Então Jesus falou, dirigindo-se a todos eles: “Eu sei o motivo pelo qual enviastes este homem à minha presença. Vós gostaríeis de ter uma causa para inculpar-me, se pudésseis tentar-me a demonstrar misericórdia no dia de sábado. Pelo silêncio, todos vós concordastes que é da lei tirar a infeliz ovelha para fora do fosso, mesmo no sábado; e eu vos conclamo a testemunhar que é legal exibir amor e bondade no dia de sábado, não apenas aos animais, mas também aos homens. Bastante mais valioso do que uma ovelha é o homem! Eu proclamo que é legítimo fazer o bem aos homens, no dia de sábado”. E como eles permaneciam diante de Jesus em silêncio, Jesus, dirigindo-se ao homem com a mão inválida, disse: “Fica aqui ao meu lado para que todos possam ver-te. E agora, para que todos possais ficar sabendo que é da vontade do meu Pai que vós façais o bem no dia de sábado, se tu tiveres a fé para seres curado, eu convoco-te a esticar a tua mão”.
148:7.3 (1665.2) E, quando esse homem esticou a sua mão atrofiada, ela tornou-se sã. O povo havia decidido voltar-se contra os fariseus, mas Jesus ordenou-lhes que ficassem calmos, dizendo: “Eu vos disse apenas que é lícito fazer o bem no dia de sábado, salvar a vida, mas eu não vos instruí a fazer o mal, nem a dar vazão ao desejo de matar”. Os fariseus enfurecidos foram-se dali e, não obstante aquele dia fosse um sábado, eles apressaram-se a ir até Tiberíades para conversar com Herodes, fazendo tudo o que estava ao alcance deles para despertar a prevenção dele, com o fito de assegurar os herodianos como aliados contra Jesus. Mas Herodes recusou- se a tomar medidas contra Jesus; e aconselhou-lhes que levassem as suas queixas a Jerusalém.
148:7.4 (1665.3) Esse é o primeiro caso de um milagre realizado por Jesus, como resposta ao desafio dos seus inimigos. E o Mestre realizou esse chamado milagre, não como uma demonstração do seu poder de curar, mas como um protesto efetivo contra transformar o descanso religioso do sábado em uma verdadeira escravidão a restrições sem sentido para toda a humanidade. Esse homem retornou para o seu trabalho de pedreiro, dando provas de ser um daqueles cuja cura foi seguida de uma vida de agradecimento e de retidão.
148:8.1 (1665.4) Na sua última semana de permanência em Betsaida, os espiões de Jerusalém estavam divididos quanto à sua atitude para com Jesus e seus ensinamentos. Três desses fariseus estavam altamente bem impressionados com o que eles tinham visto e ouvido. Nesse meio tempo, em Jerusalém, Abraão, um membro jovem e influente do sinédrio, esposou publicamente os ensinamentos de Jesus e foi batizado por Abner na piscina de Siloé. Toda Jerusalém ficou interessada por esse acontecimento; e mensageiros foram enviados imediatamente para Betsaida chamando de volta os seis espiões fariseus.
148:8.2 (1666.1) O filósofo grego que havia sido conquistado para o Reino, na viagem anterior pela Galiléia, retornou com uns certos judeus abastados de Alexandria; e uma vez mais eles convidaram Jesus para ir à cidade deles com o propósito de implantar uma escola de estudos conjuntos de filosofia e de religião, bem como uma enfermaria para os doentes. Mas Jesus declinou o convite de um modo cortês.
148:8.3 (1666.2) Por volta dessa época, chegou ao acampamento de Betsaida um profeta, em estado de transe, vindo de Bagdá, um certo Kirmet. Esse suposto profeta tinha visões estranhas quando ficava em transe e sonhava coisas fantásticas quando o seu sono era incomodado. Ele gerou uma perturbação considerável no acampamento; e Simão zelote era mais a favor de negociar do que de tratar rudemente o simulador, que se auto-enganava, mas Jesus interveio e permitiu a ele toda a liberdade de ação durante alguns dias. Todos aqueles que ouviram a sua pregação logo reconheceram que o seu ensinamento não era sadio, se visto segundo o evangelho do Reino. Em breve ele retornou para Bagdá, levando consigo apenas meia dúzia de almas instáveis e erráticas. Mas antes de Jesus ter intercedido pelo profeta de Bagdá, Davi Zebedeu, com a assistência de um comitê autoconvocado, havia levado Kirmet até o lago e, depois de mergulhá-lo repetidamente na água, havia aconselhado a ele partir logo dali — para organizar e construir o seu próprio acampamento.
148:8.4 (1666.3) Nesse mesmo dia, Bete-Marion, uma mulher fenícia, tornou-se tão fanática que ficou fora de si; depois de quase se afogar, tentando andar sobre as águas, foi mandada embora pelos seus amigos.
148:8.5 (1666.4) O novo convertido de Jerusalém, Abraão, o fariseu, deu todos os seus bens terrenos para os fundos apostólicos; e essa contribuição colaborou muito para possibilitar o envio imediato dos cem evangelistas recém-treinados. André havia já anunciado o final do acampamento, e todos já estavam preparados para retornar à casa ou seguir os evangelistas até a Galiléia.
148:9.1 (1666.5) Na sexta-feira à tarde, 1o de outubro, Jesus participava do seu último encontro com os apóstolos, evangelistas e outros líderes do acampamento, que estava sendo desmontado, além dos seis fariseus de Jerusalém assentados na primeira fila nessa reunião na espaçosa e ampliada sala da frente da casa de Zebedeu, quando aconteceu um dos episódios mais estranhos e únicos de toda a vida terrena de Jesus. O Mestre estava, nesse momento, falando, na sala grande que havia sido construída para acomodar essas reuniões durante a estação das chuvas. A casa estava inteiramente cercada de uma grande multidão que forçava os seus próprios ouvidos para captar alguma parte das palavras de Jesus.
148:9.2 (1666.6) Enquanto, desse modo, a casa estava sendo atropelada pela gente e totalmente cercada por ouvintes ávidos, um homem, há muito afligido pela paralisia, veio, de Cafarnaum, em uma cadeirinha carregada pelos seus amigos. Esse paralítico soubera que Jesus estava para sair de Betsaida e, como conversara com Aaron, o pedreiro, que havia pouco tempo tinha sido curado, pediu que o carregassem até a presença de Jesus para buscar a cura. Os seus amigos tentaram entrar na casa de Zebedeu, não só pela porta da frente, mas também pela dos fundos, mas havia muita gente acotovelando-se ali. No entanto o paralítico recusou-se a aceitar esse malogro; pediu então aos seus amigos que buscassem escadas, e que subissem por elas ao telhado da sala onde Jesus estava falando. E assim, depois de retirar as telhas, ousadamente eles abaixaram o homem doente no seu assento, suspenso por cordas, até que o homem afligido estivesse no chão, exatamente na frente do Mestre. Quando Jesus viu o que eles haviam feito, parou de falar, enquanto aqueles que estavam ali na sala ficaram maravilhados com a perseverança do doente e dos seus amigos. E o paralítico disse: “Mestre, não gostaria de interromper o seu ensinamento, mas estou determinado a ser curado. Não sou como aqueles que receberam a cura e esqueceram-se imediatamente dos seus ensinamentos. Gostaria de ser curado para que possa servir ao Reino do céu”. Ora, não obstante a aflição desse homem ter sido causada pela sua vida desregrada, Jesus, vendo a sua fé, disse ao paralítico: “Filho, não temas; os teus pecados estão perdoados. A tua fé salvar-te-á”.
148:9.3 (1667.1) Quando os fariseus de Jerusalém, junto com outros escribas e advogados, que estavam assentados com eles, ouviram esse pronunciamento de Jesus, começaram a dizer a si próprios: “Como este homem ousa falar assim? Será que ele não entende que tais palavras são uma blasfêmia? Quem pode perdoar o pecado senão Deus?” Jesus percebeu, no seu espírito, que eles pensavam assim nas suas próprias mentes e falavam uns com os outros, então se dirigiu a eles, dizendo: “Por que pensam assim nos vossos corações? Quem sois para julgar-me? Qual a diferença entre eu dizer a este paralítico, os teus pecados estão perdoados; ou levanta, pega o seu leito e anda? Mas, após testemunharem tudo isso, para que possais finalmente saber que o Filho do Homem tem autoridade e poder na Terra para perdoar os pecados, eu direi a este homem afligido: Levanta, toma o teu assento e vá para a tua própria casa”. E, depois de Jesus ter falado assim, o paralítico levantou-se e, à medida que lhe davam passagem, ele caminhava para fora perante todos. E aqueles que viram essas coisas ficaram assombrados. Pedro dispersou a assembléia, enquanto muitos oravam e glorificavam a Deus, confessando que nunca antes tinham visto acontecimentos tão estranhos.
148:9.4 (1667.2) E foi nesse momento que os mensageiros do sinédrio chegaram com o intuito de chamar os seis espiões para voltar a Jerusalém. Quando ouviram essa mensagem, eles entraram em um debate sério; e, depois de terem terminado as discussões, o líder e dois dos seus colaboradores retornaram com os mensageiros para Jerusalém; enquanto três dos fariseus espiões confessaram a sua fé em Jesus e, indo imediatamente ao lago, foram batizados por Pedro e recebidos na comunidade pelos apóstolos como filhos do Reino.
O Livro de Urântia
Documento 149
149:0.1 (1668.1) A SEGUNDA viagem de pregação pública pela Galiléia começou no domingo, 3 de outubro, do ano 28 d.C., e continuou por quase três meses, terminando no dia 30 de dezembro. Participando desse esforço estiveram Jesus e os doze apóstolos, assistidos pelo corpo de cento e dezessete evangelistas recém-recrutados; e por numerosas outras pessoas interessadas. Nessa viagem, eles visitaram Gadara, Ptolemais, Jafia, Dabarita, Megido, Jezrel, Citópolis, Tariquéia, Hipos, Gamala, Betsaida-Júlias e muitas outras cidades e aldeias.
149:0.2 (1668.2) Nesse domingo pela manhã, antes da partida, André e Pedro pediram a Jesus para dar as atribuições definitivas aos novos evangelistas, mas o Mestre eximiu- se de fazer isso dizendo que não era atribuição sua fazer as coisas que os outros podiam executar aceitavelmente. Depois da devida deliberação ficou decidido que Tiago Zebedeu administraria essas atribuições. Quando Tiago terminou as suas observações, Jesus disse aos evangelistas: “Ide fazer o trabalho segundo vos foi atribuído e, mais tarde, quando tiverdes mostrado que sois competentes e fiéis, eu vos darei a ordenação para pregardes o evangelho do Reino”.
149:0.3 (1668.3) Nessa viagem, apenas Tiago e João foram junto com Jesus; Pedro e todos os outros apóstolos levaram consigo doze evangelistas e mantiveram um contato estreito com eles, enquanto faziam o trabalho de pregação e de ensinamento. Tão logo os crentes ficavam prontos para entrar no Reino, os apóstolos ministravam- lhes o batismo. Jesus e os seus dois companheiros viajaram bastante durante esses três meses, visitando freqüentemente duas cidades, a cada dia, com o fito de observar o trabalho dos evangelistas e estimulá-los nos seus esforços de estabelecimento do Reino. Essa segunda viagem de pregação foi principalmente um esforço para que esse corpo, de cento e dezessete evangelistas recém-preparados, pudesse adquirir experiência prática.
149:0.4 (1668.4) Durante esse período e, posteriormente, até o momento da partida final de Jesus e dos doze, para Jerusalém, Davi Zebedeu manteve, na casa do seu pai, em Betsaida, um centro permanente de apoio ao trabalho do Reino. Foi lá a sede- central da obra de Jesus na Terra e o centro de revezamento para o serviço de mensageiros mantidos por Davi, composto daqueles que faziam o trabalho em várias partes da Palestina e regiões adjacentes. Ele fez tudo isso por iniciativa própria, mas com a aprovação de André. Davi usou entre quarenta e cinqüenta mensageiros nesse serviço de informação da obra do Reino, que rapidamente se expandia. Empregando bem o seu tempo, ele ganhava a vida parcialmente, passando uma parte do tempo no antigo trabalho de pesca.
149:1.1 (1668.5) Na época em que foi desarmado o acampamento de Betsaida, o renome de Jesus, especialmente como curador, encontrava-se difundido em todas as partes da Palestina e por toda a Síria e países vizinhos. Durante semanas, depois de Jesus haver saído de Betsaida, os doentes ainda chegavam e, não encontrando o Mestre, ao saberem por meio de Davi onde ele estava, saiam atrás dele. Nessa viagem, deliberadamente, Jesus não fez nenhum chamado milagre de cura. Contudo, às dezenas, os afligidos encontraram a restauração da sua saúde e da felicidade, mediante o poder reconstrutivo da fé intensa que os impelia a buscar a cura.
149:1.2 (1669.1) Começou a surgir, por volta da época dessa missão — continuando durante o restante da vida de Jesus na Terra — , uma série especial e inexplicada de fenômenos de cura. No decorrer dessa viagem de três meses, mais de cem homens, mulheres e crianças da Judéia, Iduméia, Galiléia, Síria, Tiro e Sidom e vindos até de além do Jordão, foram beneficiados por essa cura inconsciente de Jesus e, ao retornarem para as suas casas, aumentaram a celebridade de Jesus. E faziam isso não obstante a recomendação, feita diretamente por Jesus ao beneficiário, de “não contar a ninguém”, sempre que ele observava um desses casos de cura espontânea.
149:1.3 (1669.2) Nunca nos foi revelado com exatidão o que ocorreu nesses casos de cura espontânea e inconsciente. O Mestre nunca explicou, aos seus apóstolos, como essas curas foram efetuadas, a não ser dizendo meramente em várias ocasiões: “Eu percebo que uma força saiu de mim”. Numa ocasião ele observou, quando tocado por uma criança que se curava: “Percebo que um pouco de vida exalou de mim”.
149:1.4 (1669.3) Na ausência da palavra direta do Mestre, sobre a natureza desses casos de cura espontânea, seria presunçoso da nossa parte tentar explicar como foram realizadas; no entanto, nos será permitido registrar a nossa opinião sobre tais fenômenos de cura. Acreditamos que muitos desses milagres aparentes de cura, acontecidos ao longo da ministração terrena de Jesus, resultaram da coexistência das três seguintes influências, poderosas e fortes, em conjunto:
149:1.5 (1669.4) 1. A presença de uma forte fé, dominante e viva, no coração do ser humano que buscava persistentemente a cura; e, junto, o fato de que essa cura estava sendo desejada pelos seus benefícios espirituais, mais do que pela simples restauração física.
149:1.6 (1669.5) 2. A existência, concomitante com essa fé humana, da grande simpatia e da grande compaixão do Filho Criador de Deus, encarnado e dominado por uma misericórdia que na verdade possuía, por meio da sua pessoa, poderes e prerrogativas criativas de cura ilimitados, quase, e fora do tempo.
149:1.7 (1669.6) 3. Junto com a fé da criatura e a vida do Criador, deveria ser também notado que esse Deus-homem era a expressão personificada da vontade do Pai. Quando, durante o contato entre a necessidade humana e o poder divino que vai ao encontro dessa necessidade, se a vontade do Pai não tiver sido diferente, esses dois tornam-se um, e a cura ocorre de modo inconsciente para o Jesus de natureza humana; mas a mesma é imediatamente reconhecida pela sua natureza divina. A explicação, então, para muitos desses casos de cura deve ser encontrada em uma grande lei há muito conhecida nossa; a saber: Aquilo que o Filho Criador deseja e que é da vontade do Pai eterno, É.
149:1.8 (1669.7) A nossa opinião, pois, é de que, na presença pessoal de Jesus, algumas formas de profunda fé humana compelem, literal e verdadeiramente, a manifestação da cura, em certas forças e personalidades criativas do universo, as quais estavam, na época, muito intimamente associadas ao Filho do Homem. Torna-se, portanto, um fato notório que Jesus proporcionava aos homens, freqüentemente, curarem a si próprios na presença dele, por meio da poderosa fé pessoal.
149:1.9 (1670.1) Muitos outros buscaram a cura com propósitos puramente egoístas. Uma viúva rica de Tiro, com a sua comitiva, chegou buscando ser curada das suas enfermidades, que eram muitas; e, enquanto seguia Jesus por toda a Galiléia, ela ia oferecendo mais e mais dinheiro, como se o poder de Deus fosse alguma coisa a ser comprada pela oferta mais elevada. Mas nunca tornou-se interessada no evangelho do Reino; apenas buscava a cura dos seus males físicos.
149:2.1 (1670.2) Jesus compreendia as mentes dos homens. Ele sabia o que estava no coração do homem e, caso os seus ensinamentos tivessem sido mantidos como ele os apresentou, tendo como único comentário a interpretação inspirada oferecida pela sua vida terrena, todas as nações e religiões do mundo teriam mais do que depressa abraçado o evangelho do Reino. Os esforços bem-intencionados dos primeiros seguidores de Jesus, de restabelecer os seus ensinamentos, de modo a torná-los mais aceitáveis para certas nações, raças e religiões, apenas resultou em tornar tais ensinamentos menos aceitáveis para todas as outras nações, raças e religiões.
149:2.2 (1670.3) Num esforço para fazer com que os ensinamentos de Jesus fossem notados, mais favoravelmente, por certos grupos da sua época, o apóstolo Paulo escreveu muitas cartas de instrução e de admoestação. Outros instrutores do evangelho de Jesus fizeram também assim, mas nenhum deles imaginou que alguns desses escritos fossem ser reunidos, subseqüentemente, por aqueles que iriam apresentá-los como incorporados aos ensinamentos de Jesus. E assim, ao mesmo tempo em que o chamado cristianismo contém mais do evangelho do Mestre do que qualquer outra religião, ele também contém muita coisa que Jesus não ensinou. À parte a incorporação de diversos ensinamentos vindos dos mistérios persas e de muitos vindos da filosofia grega, ao cristianismo primitivo, dois grandes erros foram cometidos:
149:2.3 (1670.4) 1. O esforço para ligar o evangelho diretamente à teologia judaica, como ilustrado pelas doutrinas cristãs da expiação — o ensinamento de que Jesus foi o Filho cujo sacrifício satisfaria a justiça severa do Pai e apaziguaria a ira divina. Esses ensinamentos originaram-se em um esforço louvável de tornar o evangelho do Reino mais aceitável aos judeus descrentes. Embora esses esforços tenham falhado em conquistar os judeus, eles não fracassaram em confundir e alienar muitas almas honestas das gerações futuras.
149:2.4 (1670.5) 2. O segundo grande engano dos primeiros seguidores do Mestre, e que todas as gerações posteriores persistiram em perpetuar, foi organizar os ensinamentos cristãos tão completamente sobre a pessoa de Jesus. Essa ênfase exagerada da personalidade de Jesus, na teologia do cristianismo, colaborou para obscurecer os seus ensinamentos, e tudo isso tornou cada vez mais difícil para os judeus, os maometanos, os hindus e outros religiosos orientais aceitarem os ensinamentos de Jesus. Não é da nossa intenção diminuir o lugar da pessoa de Jesus, em uma religião que poderia levar o seu nome, mas não gostaríamos de possibilitar que essa consideração eclipsasse a sua vida inspirada nem que suplantasse a sua mensagem salvadora: A paternidade de Deus e a fraternidade entre os homens.
149:2.5 (1670.6) Os instrutores da religião de Jesus deveriam tentar uma aproximação de outras religiões, mais por meio de um reconhecimento das verdades comuns (muitas das quais vieram direta ou indiretamente da mensagem de Jesus) e abstendo- se de colocar tanta ênfase nas diferenças.
149:2.6 (1671.1) Naquela época em especial, conquanto o renome de Jesus repousasse principalmente na sua celebridade como curador, isso não quer dizer que devesse continuar assim. Com o passar do tempo, mais e mais ele era procurado para prestar uma ajuda espiritual. Mas foram as curas físicas que exerceram o apelo mais direto e imediato para a gente comum. Jesus ia sendo cada vez mais procurado pelas vítimas da escravização moral e problemas mentais e, invariavelmente, ele ensinava-lhes o caminho da libertação. Os pais buscavam o seu conselho sobre como administrar a educação dos filhos; e as mães buscavam ajuda para conduzir as filhas. Aqueles que estavam na escuridão vinham a Jesus, e ele revelava-lhes a luz da vida. O seu ouvido estava sempre aberto aos sofrimentos da humanidade, e ele sempre ajudou aqueles que buscaram a sua ministração.
149:2.7 (1671.2) Quando o próprio Criador estava encarnado na Terra, à semelhança da carne mortal, era inevitável que algumas coisas extraordinárias acontecessem. No entanto, nunca deveis abordar Jesus através dessas ocorrências, chamadas milagrosas. Aprendei a abordar e a entender o milagre através de Jesus, mas não cometais o erro de tentar compreender Jesus através do milagre. E essa advertência é justificada, não obstante Jesus de Nazaré ser o único fundador, de uma religião, a realizar atos supramateriais na Terra.
149:2.8 (1671.3) O mais surpreendente e mais revolucionário aspecto da missão de Michael na Terra foi a sua atitude para com as mulheres. Numa época e geração em que um homem não devia cumprimentar em local público nem mesmo a sua própria esposa, Jesus ousou levar mulheres como instrutoras do evangelho, na sua terceira viagem de ensinamentos na Galiléia. E teve a coragem consumada de fazer isso, a despeito do ensinamento dos rabinos que dizia: “Melhor que as palavras da lei sejam queimadas, do que entregues a mulheres”.
149:2.9 (1671.4) Numa geração apenas, Jesus retirou as mulheres do esquecimento desrespeitoso e liberou-as da lida escravizadora dos tempos. E uma coisa vergonhosa na religião, a qual presumiu levar o nome de Jesus, é que a ela faltou a coragem moral para seguir esse nobre exemplo, posteriormente, nas suas atitudes para com a mulher.
149:2.10 (1671.5) Como Jesus misturava-se ao povo, todos o achavam inteiramente livre das superstições daquela época. Ele era livre de preconceitos religiosos e jamais demonstrava intolerância. Nada havia no seu coração que se pudesse assemelhar ao antagonismo social. Conquanto ele se pusesse de acordo com o que era bom na religião dos seus pais, ele não hesitou em desconsiderar as tradições, criadas pelos homens, da superstição e da servidão. Ele ousou ensinar que as catástrofes da natureza, os acidentes do tempo e outros acontecimentos calamitosos não são visitações do julgamento divino, nem misteriosas dispensações da Providência. Ele denunciou a devoção escravizadora a cerimoniais sem significado e denunciou a falácia do culto materialista. Proclamou arrojadamente a liberdade espiritual do homem e ousou ensinar que os mortais da carne são factual e verdadeiramente filhos do Deus vivo.
149:2.11 (1671.6) Jesus transcendeu a todos os ensinamentos dos seus antepassados quando, corajosamente, substituiu a exigência de lavar as mãos, concebendo como marca da verdadeira religião a limpeza do coração. Ele colocou a realidade no lugar da tradição e varreu todas as pretensões de vaidade e hipocrisia. E, ainda, este destemido homem de Deus não deu abertura para a crítica destrutiva, nem manifestou desconsideração para com os usos religiosos, sociais, econômicos e políticos da sua época. Não foi um militante revolucionário; foi um evolucionista progressivo. Jesus só se lançava à destruição daquilo que já é quando, simultaneamente, oferecia aos seus semelhantes a coisa superior que deve ser.
149:2.12 (1672.1) Jesus conseguia a obediência dos seus seguidores sem exigi-la. Apenas três dos homens que receberam o seu chamamento pessoal recusaram a aceitar o convite para o discipulado. Ele exercia uma força de atração especial sobre os homens, sem ser ditatorial. Merecia essa confiança, e nenhum homem jamais se ressentiu de receber um comando seu. Assumia a autoridade absoluta sobre os seus discípulos, sem que ninguém jamais opusesse objeção a isso. Permitia que os seus seguidores o chamassem de Mestre.
149:2.13 (1672.2) O Mestre era admirado por todos que o conheciam, exceto aqueles que alimentavam os preconceitos religiosos arraigados ou aqueles que julgavam enxergar perigos políticos nos seus ensinamentos. Os homens ficavam assombrados com a originalidade e a autoridade da sua instrução. Todos ficavam maravilhados com a sua paciência ao responder aos retrógrados e inoportunos. Jesus inspirava a esperança e a confiança nos corações de todos aqueles que estavam sob a sua ministração. Apenas aqueles que não o conheciam, temiam-no; e era odiado apenas por aqueles que o encaravam como o campeão, o possuidor da verdade que chegaria a derrotar o mal e o erro, os quais eles tinham escolhido manter nos seus corações, a qualquer custo.
149:2.14 (1672.3) Jesus exerceu uma influência forte e especialmente fascinante, tanto sobre os amigos como sobre os adversários. Multidões seguiriam-no durante semanas, apenas para ouvir as suas palavras plenas de graça e contemplar a sua vida simples. Homens e mulheres devotados amavam Jesus com um afeto quase supra-humano. E quanto mais o conheciam, tanto mais o amavam. E tudo isso é ainda pura verdade; ainda hoje, e em todas as idades futuras; quanto mais o homem conhece esse Deus-homem, mais o amará e quererá segui-lo.
149:3.1 (1672.4) Não obstante a gente comum haver recebido Jesus e o seu ensinamento, favoravelmente, os líderes religiosos em Jerusalém iam ficando sempre mais alarmados e hostis. Os fariseus obedeciam a uma teologia sistemática e dogmática, já formulada. Jesus era um mestre que ensinou segundo a necessidade da ocasião; ele não era um instrutor sistemático. Jesus ensinou mais da vida do que da lei, por parábolas. (E quando ele empregava uma parábola, para ilustrar a sua mensagem, ele se dispunha a utilizar apenas um aspecto da história, com aquele propósito. Muitas idéias erradas envolvendo os ensinamentos de Jesus podem resultar de tentativas de tecer alegorias envolvendo as suas parábolas.)
149:3.2 (1672.5) Os líderes religiosos de Jerusalém estavam ficando desvairados quase por causa da conversão recente do jovem Abraão e com a deserção dos três espiões que haviam sido batizados por Pedro, e que agora estavam, junto com os evangelistas, nessa segunda viagem de pregações pela Galiléia. Os líderes judeus cada vez mais se cegavam, pelo medo e o preconceito; e os seus corações encontravam- se endurecidos pela sua rejeição continuada das verdades atraentes do evangelho do Reino. Quando os homens se fecham ao apelo feito ao espírito que reside neles, pouco há que se possa fazer para modificar a sua atitude.
149:3.3 (1672.6) Quando, pela primeira vez, Jesus encontrou-se com os evangelistas, no acampamento de Betsaida, ele disse, ao concluir a sua palestra: “Vós deveis lembrar-vos de que, no corpo e na mente — pela emoção — , os homens reagem individualmente. A única coisa em comum, ou uniforme, que eles possuem é o espírito residente. Embora os espíritos divinos possam variar em determinadas coisas, pela natureza e extensão da experiência que têm, eles reagem de um modo uniforme a todos os apelos espirituais. Por intermédio desse espírito e por um apelo a ele, apenas, poderá a humanidade alcançar a unidade e a irmandade”. E muitos dos líderes dos judeus haviam fechado as portas dos seus corações ao apelo espiritual do evangelho. E não cessaram de planejar e de conspirar para a destruição do Mestre. Eles estavam convencidos de que Jesus deveria ser detido, condenado e executado, como um transgressor religioso, um violador dos ensinamentos fundamentais da lei sagrada judaica.
149:4.1 (1673.1) Pouco trabalho público Jesus fez, nessa viagem de pregações, mas dirigiu muitas classes noturnas de instrução, com os crentes, na maior parte das cidades e aldeias onde teve a oportunidade de estar acompanhado de Tiago e João. Numa dessas sessões noturnas, um dos evangelistas mais jovens fez a Jesus uma pergunta sobre a ira, e o Mestre, respondendo, disse, entre outras coisas:
149:4.2 (1673.2) “A ira é uma manifestação material que, de um modo geral, representa a medida do fracasso da natureza espiritual de conquistar, a um tempo, o controle das naturezas intelectual e física. A ira indica a vossa falta de amor fraterno tolerante, somada à vossa falta de auto-respeito e autocontrole. A ira exaure a saúde, degrada a mente e limita a atuação do espírito que instrui a alma do homem. Não lestes nas escrituras que ‘a raiva mata o homem tolo’; e que o homem ‘dilacera-se na própria cólera’? Que ‘aquele que tem a raiva lenta é de grande compreensão’, ao passo que ‘aquele que se irrita rapidamente, exalta a loucura’? Vós todos sabeis como ‘uma resposta suave afasta a cólera’; e como ‘palavras pesadas estimulam a raiva’. ‘A prudência protela a cólera’, enquanto ‘aquele que não tem controle algum sobre o seu próprio ego é como uma cidade sem defesa e sem muros’. ‘A ira é cruel e a raiva é ultrajante’. ‘Os homens irados põem fogo na discussão, enquanto os furiosos multiplicam as suas transgressões’. ‘Não sejais apressados em espírito, pois a ira repousa no seio dos tolos’”. Antes de terminar, Jesus ainda disse: “Deixa o teu coração ser dominado pelo amor, para que o teu espírito-guia tenha pouco trabalho em libertar-te da tendência de dar vazão àquelas explosões de fúria animal, que são incompatíveis com a posição de filiação divina”.
149:4.3 (1673.3) Nessa mesma ocasião, o Mestre falou ao grupo sobre quão desejável é ter um caráter bem equilibrado. Reconheceu que é necessário, à maioria dos homens, devotar-se à maestria de alguma vocação, mas deplorava toda a tendência à superespecialização, que torna a mente pouco aberta e circunscrita às atividades do ganhar a vida. Chamou a atenção para o fato de que qualquer virtude, se levada ao extremo, pode transformar-se em um vício. Jesus sempre aconselhava a temperança e ensinava uma coerência — o ajustamento equilibrado aos problemas da vida. Destacou que um excesso de compaixão e de piedade pode degenerar-se em uma instabilidade emocional séria; que o entusiasmo pode conduzir ao fanatismo. Discorreu sobre um dos antigos colaboradores deles, a quem a própria imaginação tinha levado a empreendimentos visionários e impraticáveis. Ao mesmo tempo preveniu a todos contra os perigos do embotamento na mediocridade superconservadora.
149:4.4 (1673.4) E então Jesus discursou sobre os perigos da coragem e da fé, e como estas, algumas vezes, levam almas pouco prudentes até a temeridade e à presunção. E também mostrou como a prudência e a discrição, quando levadas até longe demais, chegam até a covardia e ao fracasso. Exortou os seus ouvintes a um esforço pela originalidade, evitando ao mesmo tempo toda a tendência à excentricidade. Ele defendeu a compaixão sem sentimentalismo, a piedade sem santimônia. E ensinou uma reverência liberta de temores e de superstição.
149:4.5 (1674.1) Não era tanto o que Jesus ensinava, sobre o caráter equilibrado, que impressionava àqueles que se ligaram a ele, era mais o fato de a sua própria vida ser um exemplo bastante eloqüente do seu ensinamento. Ele viveu em meio a uma tensão extenuante e em meio ao tumulto, mas nunca se deixou inquietar. Os seus inimigos armavam ciladas contínuas para ele, mas nunca se deixou apanhar. Os sábios e os instruídos tentaram fazê-lo tropeçar, mas ele não caiu. Buscaram confundi-lo com o debate; mas as suas respostas eram sempre esclarecedoras, condignas e definitivas. Quando era interrompido, nas suas palestras, com um excesso de perguntas, as suas respostas eram sempre relevantes e conclusivas. Nunca recorreu a táticas ignóbeis, ao enfrentar a pressão contínua dos seus adversários, que não hesitavam em empregar toda a sorte de modos falsos, injustos e iníquos para atacá-lo.
149:4.6 (1674.2) Ainda que seja verdade que muitos homens e mulheres devam aplicar- se assiduamente em alguma busca definida de uma vocação, para o sustento próprio, contudo é inteiramente desejável que os seres humanos cultivem uma gama ampla de conhecimentos culturais, sobre a vida como é vivida na Terra. As pessoas verdadeiramente instruídas não se satisfazem se permanecerem na ignorância sobre as vidas e sobre os feitos dos seus semelhantes.
149:5.1 (1674.3) Certo dia, quando Jesus estava dando palestra ao grupo de evangelistas, trabalhando sob a supervisão de Simão zelote, durante a conferência da tarde, Simão perguntou ao Mestre: “Por que algumas pessoas são muito mais contentes e felizes do que as outras? O contentamento é uma questão ligada à experiência religiosa?” Entre outras coisas, em resposta à pergunta dele, Jesus disse:
149:5.2 (1674.4) “Simão, algumas pessoas são naturalmente mais felizes do que outras. E tudo depende muito, bastante mesmo, da disposição do homem de ser conduzido e dirigido pelo espírito do Pai, residente dentro dele. Acaso não lestes nas escrituras as palavras do homem sábio: ‘O espírito do homem é a luz da vela do Senhor, perscrutando todas partes internas’? E, também, o que esses mortais guiados pelo espírito dizem: ‘Os desígnios caíram dentro de mim em lugares convenientes; sim, eu herdei uma boa coisa’. ‘O pouco que um homem reto tenha é melhor do que as riquezas de muitos homens maus’, pois ‘um bom homem tirará a satisfação de dentro de si’. ‘Um coração feliz faz uma fisionomia alegre e é uma festa contínua. Melhor é ter só um pouco, fazendo reverência ao Senhor, do que ter um grande tesouro e complicações junto a Deus. Mais vale uma refeição de legumes e amor, do que um boi gordo e com ele o ódio. Melhor é o pouco, com justiça, do que grandes rendimentos, sem retidão’. ‘Um coração contente causa o bem, tanto quanto um medicamento.’ ‘Melhor é o pouco cheio de serenidade do que a superabundância repleta de tristeza e vexação de espírito.’
149:5.3 (1674.5) “Grande parte da tristeza do homem advém do desapontamento com suas ambições e orgulho ferido. Embora os homens tenham, em relação a si mesmos, o dever de fazer o melhor nas suas vidas na Terra, eles deveriam, assim, havendo-se empenhado sinceramente e com contentamento, aceitar o que lhes cabe e voltar à pureza de tirar o melhor daquilo que lhes caiu nas mãos. São excessivos os problemas dos homens cuja origem é solo do temor natural dentro dos seus próprios corações. ‘O homem do mal foge, mesmo quando ninguém o persegue’.‘O perverso é como o mar revolto: não pode descansar, mas suas águas lançam lama e sujeira; não há paz, declara Deus, para os malvados.’
149:5.4 (1674.6) “Não busqueis, então, a paz falsa e a alegria transitória, mas, antes, buscai a certeza da fé e as seguranças da filiação divina, que trazem serenidade, contentamento e júbilo supremo para o espírito.”
149:5.5 (1675.1) Jesus dificilmente considerava este mundo um “vale de lágrimas”. Ele o via mais como “o vale da edificação das almas”, a esfera do nascimento dos espíritos eternos e imortais de ascensão ao Paraíso.
149:6.1 (1675.2) Foi em Gamala, durante uma palestra noturna, que Filipe disse a Jesus: “Mestre, por que as escrituras nos instruem a ‘temer o Senhor’, enquanto tu gostarias que nós olhássemos para o Pai do céu sem medo? Como harmonizar esses ensinamentos?” E Jesus respondeu a Filipe, dizendo:
149:6.2 (1675.3) “Meus filhos, não me surpreendo ao me fazerdes tais perguntas. No começo foi apenas por meio do medo que o homem pôde aprender a reverenciar, mas eu vim para revelar o amor do Pai e de um modo tal que possais sentir-vos voltados para a adoração do Eterno, em vista da atração exercida pelo reconhecimento afetuoso de um filho e da reciprocidade do amor profundo e perfeito do Pai. Eu gostaria de libertar-vos da servidão que compele, num medo escravizador, ao serviço enfadonho de um Deus-Rei ciumento e irado. E gostaria de instruir-vos para um relacionamento Pai-filho, entre Deus e o homem, de modo a poderdes ser conduzidos, com júbilo, à adoração livremente sublime e superna de um Deus-Pai de amor, justiça e misericórdia.
149:6.3 (1675.4) “O ‘temor ao Senhor’ tem tido diferentes significados nas sucessivas eras; vindo do medo, passando pela angústia e o pavor, até a admiração e a reverência. E, atualmente, da reverência eu vos conduziria, por intermédio do reconhecimento, na compreensão e apreciação grata, ao amor. Quando o homem apenas reconhece as obras de Deus, ele é levado a temer o Supremo; mas, se o homem começa a compreender e experimentar a personalidade e o caráter do Deus vivo, ele é induzido a amar cada vez mais ao Pai bom e perfeito, universal e eterno. E é exatamente tal mudança, na relação do homem com Deus, que constitui a missão do Filho do Homem sobre a Terra.
149:6.4 (1675.5) “O filho inteligente livra-se do medo de não receber as boas dádivas da mão desse pai; mas, havendo já recebido em abundância as boas coisas conferidas pelos ditames do afeto do pai pelos filhos e filhas, esses filhos muito amados são levados a amar seu pai, em reconhecimento, gratidão e correspondência ao benefício generoso. A bondade de Deus conduz ao arrependimento; a beneficência de Deus conduz ao serviço; a misericórdia de Deus conduz à salvação; enquanto o amor de Deus conduz à adoração espontânea e inteligente e de todo o coração.
149:6.5 (1675.6) “Os vossos antepassados temiam a Deus por ele ser poderoso e misterioso. Vós ireis adorá-lo porque ele é grandioso em amor, abundante em misericórdia e glorioso na verdade. O poder de Deus engendra o medo no coração do homem, mas a nobreza e a retidão da Sua personalidade leva à reverência, ao amor e à adoração voluntária. Um filho afetuoso e respeitoso não teme, nem receia, mesmo a um pai poderoso e nobre. Eu vim ao mundo para colocar o amor no lugar do medo, o júbilo no lugar da tristeza, a confiança no lugar do receio, o serviço amoroso e a adoração agradecida no lugar da servidão escrava e das cerimônias sem sentido. Todavia, para aqueles que estão nas trevas, é ainda verdade que ‘o temor do Senhor é o começo da sabedoria’. Mas, quando a luz tiver chegado mais claramente, os filhos de Deus serão levados a louvar o Infinito pelo que Ele é, mais do que a temê-Lo pelo que Ele faz.
149:6.6 (1675.7) “Quando os filhos são jovens e despreocupados, eles devem necessariamente ser advertidos a honrar os pais; mas quando eles ficam mais velhos e tornam-se um tanto mais agradecidos, pelos benefícios da ministração e da proteção paterna, por meio de respeito, compreensão e afeição crescente, são levados até aquele nível de experiência em que de fato amam os seus pais, pelo que são, mais do que pelo que eles fizeram. O pai ama o seu filho naturalmente, mas o filho deve desenvolver o seu amor pelo pai, a partir do medo daquilo que o pai possa fazer, a partir do receio, da dependência e da reverência, até a consideração grata e afetuosa do amor.
149:6.7 (1676.1) “Já vos foi ensinado que devíeis ‘temer a Deus e guardar os Seus mandamentos, pois todo o dever do homem é esse’. Mas eu vim para dar-vos um mandamento ainda mais elevado. Gostaria de ensinar-vos a ‘amar a Deus e aprender a fazer a vontade Dele, pois é esse o mais alto privilégio dos filhos libertados de Deus’. Aos vossos pais foi ensinado ‘temer a Deus — o Rei Todo- Poderoso’. Eu vos ensino a ‘Amar a Deus — o Pai todo-misericordioso’.
149:6.8 (1676.2) “No Reino do céu, que eu vim proclamar, não há um rei poderoso no alto; este Reino é uma família divina. O centro e a cabeça, universalmente reconhecidos e adorados, incondicionalmente, dessa vasta irmandade de seres inteligentes é o meu Pai e o vosso Pai. Eu sou o seu Filho, e vós também sois filhos Dele. E, portanto, é eternamente verdadeiro que todos somos irmãos, no domínio celeste, e isso é ainda mais verdadeiro, já que nós nos tornamos irmãos na carne, nesta vida terrena. Cessai, pois, de temer a Deus como a um rei ou de servir a Ele como a um senhor; aprendei a reverenciá-Lo como o Criador; honrai-O por ser o Pai do vosso jovem espírito; amai-O como um defensor misericordioso; e enfim adorai-O como o Pai infinitamente sábio da vossa realização espiritual mais amadurecida e grata.
149:6.9 (1676.3) “Dos vossos conceitos errados sobre o Pai no céu vêm as idéias falsas sobre a humildade; e grande parte da vossa hipocrisia brota disso. O homem pode ser um verme da terra, por natureza e origem, mas, quando passa a ser residido pelo espírito do meu Pai, esse homem torna-se divino pelo seu destino. O espírito outorgado do meu Pai certamente retornará para a sua fonte divina e para o seu nível de origem no universo, e a alma humana do homem mortal que se tornou o filho renascido desse espírito residente certamente ascenderá com o espírito divino à própria presença do Pai eterno.
149:6.10 (1676.4) “A humildade, de fato, toma o homem mortal quando ele recebe todas essas dádivas do Pai no céu, se bem que haja uma dignidade divina ligada a todos os candidatos, pela fé, à ascensão eterna do Reino celeste. As práticas servis e desprovidas de sentido, com uma humildade falsa e ostentosa, são incompatíveis com a apreciação da fonte da vossa salvação e o reconhecimento do destino das vossas almas nascidas do espírito. No fundo dos vossos corações é que a humildade diante de Deus é totalmente apropriada; a modéstia da mansidão diante dos homens é elogiável; mas a hipocrisia da humildade falsa ou auto-consciente, e que clama por atenção, é infantil e indigna dos filhos esclarecidos do Reino.
149:6.11 (1676.5) “Fazei bem em serdes brandos perante Deus e autocontrolados diante dos homens, mas deixai a vossa humildade ter origem espiritual e não que seja uma exibição ilusória do sentimento autoconsciente de superioridade. O profeta falou de modo ponderado quando disse: ‘Anda humildemente com Deus’, pois, conquanto o Pai do céu seja Infinito e Eterno, Ele também reside ‘com aquele que tem a mente contrita e o espírito humilde’. O meu Pai desdenha o orgulho, repugna a hipocrisia e abomina a iniqüidade. E é para enfatizar o valor da sinceridade e da confiança perfeita no amparo amoroso e no guiamento fiel do Pai celeste, que, freqüentemente, me refiro à criança pequenina, para ilustrar a atitude da mente e a resposta do espírito, que tão essenciais se fazem para o ingresso do homem mortal nas realidades espirituais do Reino do céu.
149:6.12 (1677.1) “O profeta Jeremias descreveu bem, a muitos mortais, quando ele disse: ‘Estais perto de Deus na vossa boca, mas estais longe dele no coração’. E também não lestes aquele aviso medonho do profeta que disse: ‘Os sacerdotes daqui ensinam por um salário, e os profetas daqui predizem por dinheiro. Ao mesmo tempo, eles professam piedade e proclamam que o Senhor está com eles’. Não fostes bem prevenidos contra aqueles que ‘pregam a paz aos seus semelhantes, com injúria nos corações’, aqueles que ‘elogiam com os lábios, enquanto o coração é dado ao jogo-duplo’? De todas as tristezas de um homem que confia, nenhuma é tão terrível quanto ser ‘ofendido na casa de um amigo de confiança’ “.
149:7.1 (1677.2) André, em consulta com Simão Pedro e com a aprovação de Jesus, instruiu a Davi, em Betsaida, para despachar mensageiros até os vários grupos de pregação, com instruções para que terminem a viagem e retornem para Betsaida, em algum momento da quinta-feira, 30 de dezembro. Na hora do almoço, naquele dia chuvoso, todo o grupo apostólico e os evangelistas, que estiveram pregando, haviam chegado à casa de Zebedeu.
149:7.2 (1677.3) O grupo permaneceu junto durante o dia de sábado, ficando acomodado nas casas de Betsaida e nas redondezas de Cafarnaum, depois do que, a todos foi concedido um recesso de duas semanas, para que fossem às suas casas ver as famílias, visitar os amigos ou ir pescar. Os dois ou três dias em que estiveram juntos em Betsaida, foram, verdadeiramente, divertidos e inspiradores; mesmo os instrutores mais velhos ficaram edificados ao ver os jovens pregadores narrando as suas experiências.
149:7.3 (1677.4) Dos cento e dezessete evangelistas que participaram dessa segunda viagem de pregação na Galiléia, apenas cerca de setenta e cinco sobreviveram ao teste da realidade da experiência, e ficaram disponíveis para ser designados ao serviço, no final das duas semanas de recesso. Jesus, junto com André, Pedro, Tiago e João permaneceram na casa de Zebedeu e passaram bastante tempo em conversas a sobre a prosperidade e a expansão do Reino.
O Livro de Urântia
Documento 150
150:0.1 (1678.1) À NOITE no domingo, 16 de janeiro do ano 29 d.C., Abner e os apóstolos de João chegaram a Betsaida e, no dia seguinte, tiveram uma conversa conjunta com André e os apóstolos de Jesus. Abner e os seus condiscípulos fizeram de Hebrom o seu ponto central, e mantiveram o hábito de vir a Betsaida periodicamente para as reuniões.
150:0.2 (1678.2) Entre as muitas questões consideradas nessa conferência conjunta, estava a prática de ungir os doentes com alguns tipos de óleo, junto com orações para a cura. De novo Jesus declinou de participar das discussões deles e expressar-se a respeito das conclusões tiradas. Os apóstolos de João haviam sempre usado o óleo para unção nas suas ministrações aos doentes e afligidos, e, assim, buscavam estabelecer uma prática uniforme para ambos os grupos, mas os apóstolos de Jesus recusaram a ater-se a essas regras.
150:0.3 (1678.3) Na terça-feira, 18 de janeiro, os vinte e quatro, junto com os setenta e cinco evangelistas aprovados, reuniram-se na casa de Zebedeu, em Betsaida, em uma preparação para serem enviados na sua terceira viagem de pregação na Galiléia. Essa terceira missão durou um período de sete semanas.
150:0.4 (1678.4) Os evangelistas foram enviados em grupos de cinco, enquanto Jesus e os doze viajaram juntos, a maior parte do tempo; os apóstolos indo, dois a dois, para batizar os crentes como era solicitado pela ocasião. Por um período de quase três semanas, Abner e os seus condiscípulos também trabalharam com os grupos evangélicos, aconselhando-os e batizando os crentes. Eles visitaram Magdala, Tiberíades, Nazaré e todas as principais cidades e aldeias das partes central e sul da Galiléia, foram a todos os locais anteriormente visitados e a muitos outros. Essa foi a sua última mensagem à Galiléia, exceto às suas regiões do norte.
150:1.1 (1678.5) De todas as coisas ousadas que Jesus fez, na sua carreira terrena, a mais surpreendente foi o seu anúncio súbito, na tarde de 16 de janeiro: “Amanhã pela manhã nós selecionaremos dez mulheres para o trabalho de ministração do Reino”. No começo do período de duas semanas, durante o qual os apóstolos e os evangelistas deviam estar ausentes de Betsaida na sua licença, Jesus solicitou a Davi que chamasse os seus pais de volta para a casa deles e que despachasse mensageiros, chamando a Betsaida dez mulheres devotas que haviam servido na administração do acampamento anterior e na enfermaria nas tendas. Essas mulheres, todas, tinham ouvido a instrução dada aos jovens evangelistas, mas nunca havia ocorreu aos instrutores delas, nem a elas próprias, que Jesus ousaria colocar mulheres na missão de ensinar o evangelho do Reino e ministrar aos doentes. Essas dez mulheres, escolhidas e incluídas na missão por Jesus, eram: Susana, filha do antigo chazam da sinagoga de Nazaré; Joana, mulher de Cuza, camareiro de Herodes Antipas; Isabel, filha de um rico judeu de Tiberíades e Séforis; Marta, irmã mais velha de André e Pedro; Raquel, cunhada de Judá, irmão na carne do Mestre; Nasanta, filha de Elman, médico sírio; Milcha, uma prima do apóstolo Tomé; Rute, a filha mais velha de Mateus Levi; Celta, filha de um centurião romano; e Agaman, uma viúva de Damasco. Subseqüentemente, Jesus acrescentou mais duas outras mulheres a este grupo — Maria Madalena e Rebeca, filha de José de Arimatéia.
150:1.2 (1679.1) Jesus autorizou essas mulheres a formarem a sua própria organização e instruiu a Judas que provesse fundos para os seus equipamentos e para animais de carga. As dez elegeram Susana como dirigente e Joana como a tesoureira. Desse momento em diante, elas proveram os próprios fundos de caixa; e nunca mais recorreram a Judas para sustentá-las.
150:1.3 (1679.2) Muito espantoso foi, naquela época, quando às mulheres nem era permitido que permanecessem no andar principal da sinagoga (ficando confinadas à galeria das mulheres), vê-las sendo reconhecidas como instrutoras autorizadas do novo evangelho do Reino. O encargo que Jesus deu a essas dez mulheres, quando as escolheu para ensinar o evangelho e para ministrar, foi o da proclamação da emancipação que libertava todas as mulheres, para todos os tempos; não mais era para que o homem visse a mulher como inferior espiritualmente. Isso foi decididamente um choque, até mesmo para os doze apóstolos. Não obstante elas terem muitas vezes ouvido o Mestre dizer que “no Reino do céu não há rico ou pobre, livre ou escravo, masculino ou feminino, todos são igualmente filhos e filhas de Deus”; elas ficaram literalmente atordoadas, quando ele propôs formalmente dar missões a essas mulheres como instrutoras religiosas e mesmo permitir que viajassem com eles. Todo o país ficou agitado com esse procedimento, os inimigos de Jesus tiraram um grande partido dessa decisão, mas, em todos os lugares, as mulheres crentes nas boas-novas, ficaram firmes em apoio às suas irmãs escolhidas e exprimiram uma aprovação sem hesitação a esse reconhecimento tardio do lugar da mulher no trabalho religioso. E essa liberação das mulheres, de dar a elas o devido reconhecimento, foi praticada pelos apóstolos imediatamente após a partida do Mestre, embora acabassem voltando aos velhos costumes, nas gerações posteriores. Durante os primeiros tempos da igreja cristã, as mulheres instrutoras e ministras eram chamadas diáconas e eram dignas do reconhecimento geral. Mas Paulo, a despeito do fato de admitir tudo isso em teoria, nunca realmente incorporou nada disso à sua própria atitude, pois pessoalmente achava difícil de ser colocado em prática.
150:2.1 (1679.3) Quando o grupo apostólico saiu de Betsaida, as mulheres viajaram na retaguarda. Durante as conferências sempre se assentavam agrupadas na frente e à direita do palestrante. E às mulheres, que cada vez mais se tornavam crentes no evangelho do Reino, sempre que haviam desejado manter uma conversa pessoal com Jesus ou com um dos apóstolos, acontecera uma porção de dificuldades e embaraços sem fim. Agora tudo isso estava mudado. Quando qualquer das mulheres crentes desejava ver o Mestre ou conversar com os apóstolos, ia até Susana e, em companhia de uma das doze mulheres evangelistas, iria imediatamente à presença do Mestre ou de um dos seus apóstolos.
150:2.2 (1680.1) Foi em Magdala que, pela primeira vez, as mulheres demonstraram a sua utilidade e justificaram a sabedoria da sua escolha. André havia imposto regras bastante estritas aos seus condiscípulos sobre fazer trabalhos pessoais com as mulheres, especialmente com aquelas de caráter questionável. Quando o grupo entrou em Magdala, essas dez mulheres evangelistas foram liberadas para ir aos locais de pecado e pregarem as boas-novas diretamente às residentes dali. E quando visitavam os doentes, essas mulheres podiam chegar até muito mais perto, na sua ministração às suas irmãs afligidas. Em resultado da ministração dessas dez mulheres (mais tarde conhecidas como as doze mulheres) nesse local, Maria Madalena foi conquistada para o Reino. Por meio de uma série de infortúnios e em conseqüência da atitude da sociedade bem reputada para com as mulheres que cometem tais erros de julgamento, essa mulher havia ido parar em um desses locais nefandos de Magdala. Foram Marta e Raquel que deixaram claro, para Maria, que as portas do Reino estavam abertas mesmo para as que tinham sido como ela. Maria acreditou nas boas-novas e foi batizada por Pedro no dia seguinte.
150:2.3 (1680.2) Maria Madalena tornou-se a instrutora mais eficiente do evangelho, desse grupo de doze mulheres evangelistas. Ela foi escolhida para esse serviço, junto com Rebeca, em Jotapata, cerca de quatro semanas depois da sua conversão. Maria e Rebeca, com outras desse grupo, continuaram trabalhando, até o fim da vida de Jesus na Terra, fiel e eficientemente, para o esclarecimento e a elevação das suas irmãs oprimidas; e, quando o último e trágico episódio no drama da vida de Jesus estava sendo desempenhado, não obstante haverem todos os apóstolos fugido, exceto um, essas mulheres todas permaneceram presentes, nem uma delas sequer o negou ou traiu.
150:3.1 (1680.3) Os serviços do grupo apostólico, para o sábado, haviam sido colocados, por André, na mão das mulheres, por instrução de Jesus. Isso significava, claro está, que não poderiam ter lugar na nova sinagoga. As mulheres escolheram Joana para encarregar-se dessa ocasião, e o encontro foi feito no novo palácio de Herodes, na sala de banquetes, Herodes estando ausente da residência em Júlias, na Peréia. Joana leu, das escrituras, a respeito do trabalho das mulheres na vida religiosa de Israel, fazendo referência a Míriam, Débora, Ester e outras.
150:3.2 (1680.4) Mais tarde, naquela noite, Jesus fez, com o grupo reunido, uma palestra memorável sobre “Magia e Superstição”. Naqueles dias o aparecimento de uma estrela brilhante e supostamente nova foi encarado como um sinal indicando que um grande homem havia nascido na Terra. Essa estrela tinha recentemente sido descoberta e André perguntou a Jesus se essas crenças eram bem fundadas. Na longa resposta à pergunta de André, o Mestre entrou em um exame profundo sobre toda a questão da superstição humana. A exposição que Jesus fez nessa ocasião pode ser resumida, em uma linguagem moderna, como é feito a seguir:
150:3.3 (1680.5) 1. Os trajetos das estrelas no céu nada têm, absolutamente, a ver com os acontecimentos da vida humana na Terra. A astronomia é uma busca própria da ciência, mas a astrologia é uma massa de erros supersticiosos, que não tem nenhum lugar no evangelho do Reino.
150:3.4 (1680.6) 2. O exame dos órgãos internos de um animal morto há pouco, nada pode revelar sobre o tempo, sobre os acontecimentos futuros, nem sobre os resultados vindouros das questões humanas.
150:3.5 (1680.7) 3. Os espíritos dos mortos não voltam para comunicar-se com as suas famílias, nem com os antigos amigos, de entre os vivos.
150:3.6 (1681.1) 4. Os encantos e as relíquias são impotentes para curar a doença, para proteger contra os desastres ou a influência de maus espíritos; a crença de que todo esse material influencie o mundo espiritual, nada é senão uma superstição grosseira.
150:3.7 (1681.2) 5. Tirar a sorte, embora possa ser uma forma conveniente de decidir sobre dificuldades menores, não é um método indicado para desvelar a vontade divina. As conseqüências resultam sendo uma questão de acaso material. O único meio de comunhão com o mundo espiritual está contido na dotação do espírito à humanidade, o espírito residente do Pai, junto com o espírito efusionado do Filho e a influência onipresente do Espírito Infinito.
150:3.8 (1681.3) 6. A adivinhação, a bruxaria e a feitiçaria são superstições de mentes ignorantes, como o são também as ilusões da magia. A crença em números mágicos, em presságios de boa sorte e nos arautos da má sorte, é tudo uma pura e infundada superstição.
150:3.9 (1681.4) 7. A interpretação dos sonhos é um sistema ignorante de especulação fantástica, amplamente supersticioso e sem base. O evangelho do Reino nada deve ter em comum com os sacerdotes-adivinhos da religião primitiva.
150:3.10 (1681.5) 8. Os espíritos do bem ou do mal não podem residir em símbolos materiais de argila, madeira ou metal; os ídolos nada mais são do que o material de que são feitos.
150:3.11 (1681.6) 9. As práticas dos magos, dos bruxos e dos feiticeiros derivaram-se das superstições dos egípcios, dos assírios, dos babilônios e dos antigos cananeus. Os amuletos e todas as espécies de encantamentos são inúteis tanto para ganhar a proteção dos bons espíritos, quanto para proteger dos supostos espíritos maus.
150:3.12 (1681.7) 10. Jesus colocou a nu e denunciou as crenças em feitiços, ordálios, despachos, pragas, sinais, mandrágoras, nós em cordas e todas as outras formas de superstições ignorantes e escravizadoras.
150:4.1 (1681.8) Na noite seguinte, havendo reunido os seus doze apóstolos, os apóstolos de João e o grupo recém-formado das mulheres, Jesus disse: “Podeis ver, por vós próprios, que a colheita é abundante, mas os trabalhadores são poucos. Que todos nós, portanto, oremos ao Senhor das colheitas para que Ele nos envie mais trabalhadores ainda, para os Seus campos. Enquanto permaneço confortando e instruindo os mais jovens, eu gostaria de enviar os mais antigos, dois a dois, para que possam ir rapidamente a toda a Galiléia pregando o evangelho do Reino, enquanto ainda é conveniente e tudo ainda está pacífico”. Então, ele designou os pares de apóstolos como desejava que fossem enviados, e que eram: André e Pedro, Tiago e João Zebedeu, Filipe e Natanael, Tomé e Mateus, Tiago e Judas Alfeus, Simão zelote e Judas Iscariotes.
150:4.2 (1681.9) Jesus acertou uma data para encontrar os doze em Nazaré e, ao partirem, ele disse: “Nessa missão não ide a nenhuma cidade dos gentios, nem a Samaria, em vez disso, ide buscar a ovelha perdida da casa de Israel. Pregai o evangelho do Reino e proclamai a verdade salvadora de que o homem é um filho de Deus. Lembrai de que o discípulo dificilmente está acima do seu mestre e de que um servo raramente é maior do que o seu senhor. É suficiente ao discípulo ser igual ao seu mestre e ao servo tornar-se semelhante ao seu senhor. Se alguma gente tiver ousado chamar de mestre da casa a um parceiro de Belzebu, tanto mais assim eles considerarão aqueles que tomam conta da sua casa! Mas vós não deveis temer esses inimigos descrentes. Eu vos declaro que nada daquilo que está encoberto deixará de ser revelado; nada há escondido, que não será conhecido. O que eu vos ensinei em particular, pregai-o abertamente com sabedoria. O que eu revelei a vós no interior da vossa morada, ireis proclamá-lo na hora certa, de cima dos telhados. E vos digo, meus amigos e discípulos, não temais aqueles que podem matar o corpo e que, entretanto, não são capazes de destruir a alma; colocai a vossa confiança Nele que pode sustentar o corpo e salvar a alma.
150:4.3 (1682.1) “Dois pardais não são vendidos por um tostão? E ainda eu vos declaro que nenhum deles foi esquecido aos olhos de Deus. Não sabeis que os próprios cabelos da vossa cabeça estão todos contados? Não temais, portanto; vós sois de mais valor que uma grande quantidade de pardais. Não fiqueis envergonhados com o meu ensinamento; ide proclamar a paz e a boa vontade, mas não vos enganeis — a paz nem sempre acompanhará essa pregação. Eu vim para trazer a paz à Terra, mas quando os homens rejeitam a minha dádiva, o tumulto e a divisão advêm. Quando toda a família recebe o evangelho do Reino, a paz verdadeira reside naquela casa; mas quando alguns da família entram no Reino e outros rejeitam o evangelho, essa divisão só pode produzir tristezas e mágoas. Trabalhai seriamente para salvar a família inteira, para que os inimigos do homem não sejam os da sua própria casa. Mas, quando houverdes feito o vosso máximo possível, por todos de cada família, eu declaro que aquele que ama o pai ou a mãe mais do que ama esse evangelho, não é digno do Reino”.
150:4.4 (1682.2) Depois que os doze ouviram essas palavras, estavam prontos para partir. E não se viram mais, até o momento da sua reunião em Nazaré, para encontrarem- se com Jesus e os outros discípulos, como o Mestre havia marcado.
150:5.1 (1682.3) Numa noite em Shunem, depois que os apóstolos de João haviam retornado a Hebrom e depois que os apóstolos de Jesus haviam sido enviados, dois a dois, e quando o Mestre estava empenhado em ensinar a um grupo de doze dos evangelistas mais jovens, que trabalhavam juntos com as doze mulheres, sob a direção de Jacó, Raquel fez a seguinte pergunta a Jesus: “Mestre, o que devemos responder quando as mulheres perguntarem a nós, o que devo eu fazer para me salvar?” Jesus ouviu essa pergunta e respondeu:
150:5.2 (1682.4) “Quando homens e mulheres perguntarem sobre o que devem fazer para salvar- se, vós deveis responder-lhes: Acreditar neste evangelho do Reino e aceitar o perdão divino. Reconhecer pela fé o espírito de Deus, que está dentro de si e cuja aceitação faz de vós um filho de Deus. Não lestes nas escrituras onde diz: ‘No Senhor tenho a retidão e a força’? E também onde o Pai diz: ‘A Minha retidão está próxima; a Minha salvação já se manifestou, e os Meus braços envolverão Meu povo’. ‘A minha alma ficará em júbilo no amor do meu Deus, pois Ele me agasalhou com as vestes da salvação e cobriu-me com o manto de Sua retidão’. Acaso não lestes também sobre o Pai, que o Seu nome ‘será conhecido como o Senhor da nossa retidão’? ‘Retirai as vestes sujas daquele que só a si se considera virtuoso; e vesti esse filho com o manto da retidão divina e da eterna salvação’. Para sempre é verdade que ‘o justo viverá na fé’. A entrada no Reino do Pai é totalmente livre, mas o progresso — crescimento na graça — torna-se essencial para se continuar no Reino.
150:5.3 (1682.5) “A salvação é dádiva do Pai e é revelada pelos seus Filhos. A aceitação pela fé, da vossa parte, faz com que compartilheis da natureza divina, como um filho ou uma filha de Deus. Pela fé sois justificados; pela fé sois salvos; e por essa mesma fé avançais eternamente no caminho da perfeição progressiva e divina. Pela fé Abraão foi justificado; e tornou-se sabedor da salvação por meio dos ensinamentos de Melquisedeque. Em todas as épocas, essa mesma fé salvou os filhos dos homens, mas agora um filho veio do Pai para fazer com que a salvação fique mais real e aceitável”.
150:5.4 (1683.1) Quando Jesus terminou de falar, havia um grande júbilo entre aqueles que haviam ouvido essas palavras cheias de graça e, nos dias que se seguiram, todos foram proclamar o evangelho do Reino com força nova e com energia e entusiasmo renovados. E as mulheres encheram-se de júbilo ainda mais ao saberem que estavam incluídas nesses planos para o estabelecimento do Reino na Terra.
150:5.5 (1683.2) Resumindo essa afirmação final, Jesus disse: “Não podeis comprar a salvação; não podeis adquirir a retidão. A salvação é uma dádiva de Deus, e a retidão é o fruto natural da vida que nasce da filiação ao Reino. Não sereis salvos porque viveis uma vida na retidão; antes deveis viver uma vida na retidão porque já fostes salvos, porque reconhecestes a filiação como uma dádiva de Deus e o serviço no Reino como a suprema delícia da vida na Terra. Quando os homens acreditam neste evangelho, que é uma revelação da bondade de Deus, eles se conduzirão voluntariamente ao arrependimento, de todos os pecados conhecidos. A compreensão da filiação é incompatível com o desejo de pecar. Os crentes do Reino têm fome de retidão e sede da perfeição divina”.
150:6.1 (1683.3) Nas argumentações noturnas, Jesus falou sobre muitas questões. Durante o restante dessa viagem — antes de reunirem-se todos em Nazaré — ele examinou “O Amor de Deus”, “Sonhos e Visões”, “Malícia”, “Humildade e Brandura”, “Coragem e Lealdade”, “Música e Adoração”, “Serviço e Obediência”, “Orgulho e Presunção”, “Perdão em Relação ao Arrependimento”, “Paz e Perfeição”, “Maledicência e Inveja”, “Mal, Pecado e Tentação”, “Dúvidas e Descrença”, “Sabedoria e Adoração”. Os apóstolos mais antigos estando longe, os grupos mais recentes de homens e de mulheres entraram mais livremente nas conversas com o Mestre.
150:6.2 (1683.4) Depois de passar dois ou três dias com um grupo de doze evangelistas, Jesus ia juntar-se a outro grupo, sendo informado sobre os locais de permanência e sobre os movimentos de todos esses trabalhadores por intermédio dos mensageiros de Davi. Sendo essa a sua primeira viagem, as mulheres permaneceram grande parte do tempo com Jesus. Por intermédio do serviço dos mensageiros, cada um desses grupos era mantido totalmente informado a respeito do progresso da viagem; e receber novas sobre os outros grupos era sempre uma fonte de encorajamento para esses trabalhadores espalhados e isolados.
150:6.3 (1683.5) Antes da sua separação ficou marcado e arranjado para os doze apóstolos, junto com os evangelistas e o grupo das mulheres, encontrarem-se em Nazaré para reunir-se com o Mestre, na sexta-feira, 4 de março. E assim, por volta do momento certo, de todas as partes do centro e do sul da Galiléia, esses vários grupos de apóstolos e de evangelistas começaram a viajar para Nazaré. Por volta do meio da tarde, André e Pedro, os últimos a chegar, estavam alcançando o acampamento preparado por aqueles que chegaram cedo, situado nas colinas ao norte da cidade. E esta era a primeira vez que Jesus visitava Nazaré, desde o começo da sua ministração pública.
150:7.1 (1683.6) Nessa sexta-feira à tarde, Jesus caminhou pela cidade de Nazaré sem ser observado nem reconhecido. Passou pela casa da sua infância e pela oficina de carpinteiro e permaneceu cerca de meia hora na colina em que tanto gostava de estar quando era menino. Desde o dia do seu batismo, feito por João no Jordão, o Filho do Homem não tinha um tal fluxo de emoção humana mexendo com a sua alma. Enquanto descia a montanha, ele ouviu os sons familiares da trombeta anunciando o pôr-do-sol, exatamente como havia tantas e tantas vezes ouvido quando era um menino crescendo em Nazaré. Antes de retornar ao acampamento, Jesus caminhou até a sinagoga em cuja escola havia estudado; e então permitiu à sua mente muitas reminiscências dos dias da sua infância. Naquele dia, bem cedo, Jesus havia enviado Tomé para acertar, com o dirigente da sinagoga, a pregação para Jesus no serviço do sábado, pela manhã.
150:7.2 (1684.1) O povo de Nazaré nunca teve a reputação de ser pio, nem de ser reto no seu modo de viver. Com o passar dos anos, essa aldeia tornou-se cada vez mais contaminada pelos padrões morais baixos da vizinha Séforis. Durante a adolescência e a juventude de Jesus, muita divisão nas opiniões sobre ele acontecera em Nazaré; houve muito ressentimento quando ele mudou-se para Cafarnaum. Os habitantes de Nazaré tanto ouviram sobre as obras do seu antigo carpinteiro, que ficaram ofendidos porque ele nunca havia incluído a sua própria aldeia de nascimento em qualquer das viagens anteriores de pregação. Haviam de fato ouvido sobre a celebridade de Jesus, mas a maioria dos cidadãos estava zangada porque ele não tinha feito nenhum dos seus grandes trabalhos na cidade da sua juventude. Durante meses o povo de Nazaré discutiu muito sobre Jesus, mas as suas opiniões, em geral, eram desfavoráveis para com ele.
150:7.3 (1684.2) Assim, o Mestre encontrou-se em meio, não a uma recepção de boas-vindas à casa paterna, mas decididamente em meio a uma atmosfera hostil e de muita crítica. Mas isso não era tudo. Os seus inimigos, sabendo que devia passar esse dia de sábado em Nazaré e supondo que ele iria falar na sinagoga, haviam contratado um bom número de homens grosseiros e rudes para fustigá-lo e para criarem complicações de todos os modos possíveis.
150:7.4 (1684.3) Os amigos mais idosos de Jesus, na maior parte, incluindo o chazam já caduco, que havia sido o professor da sua infância, eram falecidos ou já haviam deixado Nazaré, e a geração mais jovem estava predisposta a se ressentir da sua celebridade, com muito ciúme. Eles não se lembravam da sua devoção à família do seu pai, e eram amargos nas suas críticas por causa da negligência dele em visitar o seu irmão e irmãs casadas que viviam em Nazaré. A atitude da família de Jesus para com ele gerava também uma tendência de fazer aumentar esse sentimento indelicado dos habitantes da cidade. Os ortodoxos, entre os judeus, tinham a presunção de até mesmo criticar Jesus por ele haver caminhado muito depressa na direção da sinagoga, nessa manhã de sábado.
150:8.1 (1684.4) Esse sábado foi um lindo dia, e toda a Nazaré, amiga e inimiga, apareceu para ouvir esse antigo cidadão da aldeia falando na sinagoga. Muitos, da comitiva apostólica, tiveram de permanecer do lado de fora da sinagoga; não havia lugar para todos que haviam vindo para ouvi-lo. Quando ainda jovem, muitas vezes, Jesus havia tido a palavra nesse lugar de adoração; e, nessa manhã, quando o dirigente da sinagoga passou a ele o rolo das escrituras sagradas, de onde leria a lição da escritura, nenhum dos presentes parecia lembrar- se de ser esse o mesmo manuscrito com o qual ele havia presenteado a essa sinagoga.
150:8.2 (1684.5) Os serviços nesse dia foram conduzidos exatamente como, quando ainda menino, Jesus assistira a eles. Ele subiu no estrado dos oradores, com o dirigente da sinagoga, e o serviço teve início com a recitação de duas orações: “Abençoado é o Senhor, Rei do mundo, que forma a luz e que cria as trevas, O qual faz a paz e cria tudo; que, na misericórdia, dá luz à Terra e àqueles que residem nela e que, na Sua bondade, dia após dia, e todos os dias, renova as obras da criação. Abençoado é o Senhor nosso Deus, para a glória das obras da Sua mão e pela luz que ilumina e que Ele criou para o Seu louvor. Selá. Abençoado é o Senhor nosso Deus, que criou as luzes”.
150:8.3 (1685.1) Depois de um momento de pausa eles oraram novamente: “Com um grande amor, o Senhor nosso Deus nos amou e, com uma piedade transbordante, Ele teve piedade de nós, nosso Pai e nosso Rei, em nome dos nossos pais que confiaram Nele. Vós ensinastes a eles os estatutos da vida; tende misericórdia de nós e ensinai-nos. Esclarecei os nossos olhos para a lei; levai os nossos corações a aderir aos Vossos mandamentos; uni os nossos corações para amar e temer o Vosso nome, e nós não seremos expostos à vergonha neste mundo sem fim. Pois sois o Deus que prepara a salvação, e a nós escolhestes, entre todas as nações e línguas, e na verdade Vós nos trouxestes para perto do Vosso grande nome — selá — , para que possamos louvar a Vossa unidade com amor. Abençoado é o Senhor, que no amor escolheu o seu povo em Israel”.
150:8.4 (1685.2) A congregação recitou então o Shema, o credo da fé judaica. Esse ritual consistia em repetir inúmeras passagens da lei e indicava que os adoradores tomavam a si o jugo do Reino do céu, e também o jugo dos mandamentos, como aplicados ao dia e à noite.
150:8.5 (1685.3) E então se seguiu a terceira oração: “Verdade é que tu és Yavé, o nosso Deus e o Deus dos nossos pais; o nosso Rei e o Rei dos nossos pais; o nosso Salvador e o Salvador dos nossos pais; o nosso Criador e o rochedo da nossa salvação; a nossa Ajuda e o nosso Libertador. O Vosso nome é o do eterno, e não há Deus além de Vós. Uma nova canção os libertados fizeram em Vosso nome, à beira do mar; e, juntos, todos Vos louvaram e reconheceram-Vos como Rei e dizem: Yavé reinará nesse mundo sem fim. Abençoado é o Senhor que salva Israel”.
150:8.6 (1685.4) O dirigente da sinagoga então ocupou o seu lugar diante da arca, ou cofre, contendo as escrituras sagradas e começou a recitar as dezenove orações do eucológio, ou as bendições. Mas, nessa ocasião, era desejável encurtar o serviço para que o ilustre convidado pudesse ter mais tempo para pregar; desse modo, apenas a primeira e a última das bendições foram recitadas. A primeira foi: “Abençoado é o Senhor nosso Deus, e o Deus dos nossos pais, o Deus de Abraão, e o Deus de Isaac, e o Deus de Jacó; o grande, o poderoso e o terrível Deus, que demonstra misericórdia e bondade, que cria todas as coisas, que lembra as promessas graciosas dos pais e que traz um salvador para os filhos dos seus filhos e, na causa do próprio nome, no amor. Ó Rei, nossa ajuda, salvação e proteção! Abençoado sois Vós, ó Yavé, escudo protetor de Abraão”.
150:8.7 (1685.5) Então se seguiu a última bendição: “Ó, concedei ao Vosso povo de Israel uma grande paz para sempre, pois Vós sois o Rei e o Senhor de toda a paz. E é bom aos Vossos olhos abençoar Israel em todos os tempos e a toda hora com a paz. Abençoado sois Vós, Yavé, que abençoais o povo de Israel com a paz”. A assembléia não olhava para o dirigente quando ele recitava as bendições. Em seguida às bendições ele ofereceu uma prece informal adequada para a ocasião e, quando esta foi concluída, todos juntos disseram amém.
150:8.8 (1685.6) Nesse momento o chazam foi até a arca e trouxe o rolo, que passou a Jesus, para que ele pudesse ler a lição da escritura. Era costume chamar sete pessoas para ler nunca menos do que três versos da lei, mas essa prática foi posta de lado, nessa ocasião em que o visitante poderia ler a lição da sua própria escolha. Jesus, tomando o rolo, levantou-o e começou a ler no Deuteronômio: “Pois este mandamento que eu vos dou neste dia não está oculto para vós, nem distante de vós. Não está no céu, de modo que vós possais dizer quem irá até o céu lá em cima, em nosso nome, para trazê-lo até aqui até nós, de modo que possamos ouvi-lo e cumpri-lo? Nem está mais longe do que o mar, para que possais dizer quem irá até o mar trazer o mandamento até nós, para que possamos ouvi-lo e cumpri-lo? Não, a palavra da vida está muito perto de vós, está mesmo na vossa presença e no vosso coração, para que possais conhecê-la e obedecê-la”.
150:8.9 (1686.1) E, depois de parar de ler a palavra da lei, ele procurou Isaías e começou a ler: “O espírito do Senhor está em mim porque Ele ungiu-me para pregar as boas- novas aos pobres. Ele enviou-me, para proclamar a liberdade aos cativos e a recuperação da vista aos cegos, para colocar em liberdade os que estão feridos e proclamar o ano das boas-vindas ao Senhor”.
150:8.10 (1686.2) Jesus fechou o livro e, depois de entregá-lo de volta ao dirigente da sinagoga, sentou-se e começou a pregação ao povo. Começou por dizer: “Hoje estas escrituras estão cumpridas”. E então Jesus falou durante quase quinze minutos sobre “Os Filhos e Filhas de Deus”. Muitas, dentre aquelas pessoas, ficaram contentes com o que ouviram, e maravilharam-se com a graça e a sabedoria de Jesus.
150:8.11 (1686.3) Era hábito, na sinagoga, depois da conclusão do serviço formal, que o orador permanecesse lá, de modo que aqueles que estivessem interessados pudessem fazer-lhe perguntas. E, desse modo, nessa manhã de sábado, Jesus desceu até a multidão que se comprimia na frente para fazer perguntas. E entre eles estavam muitos indivíduos agitadores cujas mentes estavam voltadas para a injúria e, em meio a essa multidão, circulavam aqueles homens de baixo calão, que tinham sido contratados para criar problemas para Jesus. Muitos dos discípulos e dos evangelistas, que haviam permanecido fora, estavam agora sendo comprimidos para dentro da sinagoga e logo se aperceberam de que aconteceriam complicações. Eles procuraram tirar o Mestre dali, mas Jesus não quis ir com eles.
150:9.1 (1686.4) Jesus viu-se cercado, na sinagoga, por uma grande multidão de inimigos seus misturados a uns poucos dentre os seus próprios seguidores e, em resposta às perguntas grosseiras e, aos escárnios sinistros, ele replicou, não sem uma leve ponta de humor: “Sim, sou o filho de José; sou o carpinteiro, e não estou surpreso de que me fazeis lembrar do provérbio ‘médico, cura a ti mesmo’, e que vós me desafiais a fazer em Nazaré o que ouvistes que fiz em Cafarnaum; mas eu vos convoco a testemunhar que até mesmo as escrituras declaram que ‘um profeta pode ter honrarias, mas não na sua própria terra, nem entre os do seu próprio povo’”.
150:9.2 (1686.5) Mas eles o acotovelaram e, apontando-lhe dedos acusadores, disseram: “Achas que és melhor que o povo de Nazaré; tu te afastaste de nós, mas o teu irmão é um trabalhador comum, e as tuas irmãs ainda vivem entre nós. Conhecemos a tua mãe, Maria. Onde estão eles hoje? Ouvimos coisas importantes sobre ti, mas percebemos que não fazes nenhum prodígio quando voltas aqui”. Jesus respondeu a eles: “Eu amo o povo que reside na cidade onde eu cresci; e eu me rejubilaria de ver todos vós entrando no Reino do céu, mas não sou eu quem determina as obras de Deus. As transformações feitas pela graça vêm em resposta à fé viva daqueles que são os seus beneficiários”.
150:9.3 (1686.6) Jesus teria controlado, com benevolência, a multidão e teria efetivamente desarmado até aos inimigos violentos, não fosse por um erro tático de um dos seus próprios apóstolos, Simão zelote, que, com a ajuda de Nahor, um dos evangelistas mais jovens, nesse meio tempo, havia reunido um grupo de amigos de Jesus no meio da multidão e, assumindo uma atitude beligerante, havia notificado aos inimigos do Mestre para irem-se dali. Jesus havia, muitas vezes, ensinado aos apóstolos que uma resposta suave afasta a ira, mas os seus seguidores não estavam acostumados a ver o seu amado instrutor, a quem com tão boa vontade chamavam de Mestre, ser tratado com tanta descortesia e desdém. Era demais para eles; e, então, se viram dando vazão a ressentimentos apaixonados e veementes, todos os quais apenas serviam para alevantar os ânimos da multidão, nesse ajuntamento malsão e rude. E assim, sob a liderança dos mercenários, esses rufiões apoderaram-se de Jesus e empurraram-no para fora da sinagoga, até a beira de um precipício, em uma colina próxima, onde eles tinham a intenção de empurrá-lo da borda, para que morresse na queda. Mas no momento em que estavam para dar-lhe o empurrão para beirada íngreme abaixo, Jesus voltou-se subitamente para os seus captores e, encarando-os, calmamente dobrou os braços. Ele nada disse, mas os seus amigos ficaram mais do que atônitos quando, à medida que ele andava para a frente, a multidão abria-se e permitia que ele passasse sem ser molestado.
150:9.4 (1687.1) Jesus, seguido dos seus discípulos, rumou para o acampamento, onde tudo isso foi contado a todos. E eles aprontaram-se, naquela noite, para voltar para Cafarnaum, bem cedo na manhã seguinte, como mandado por Jesus. Esse final turbulento da terceira viagem pública de pregação teve um efeito de moderação sobre todos os seguidores de Jesus. Eles começavam a compreender o significado de alguns dos ensinamentos do Mestre; e despertavam-se para o fato de que o Reino viria somente após muita tristeza e desapontamentos amargos.
150:9.5 (1687.2) Deixaram Nazaré nesse domingo pela manhã e, viajando por estradas diferentes, todos finalmente se reuniram em Betsaida, ao meio-dia, na quinta-feira, 10 de março. Reuniram-se mais como um grupo moderado, sério e sem ilusões, de pregadores do evangelho da verdade e não como um bando de cruzados entusiasmados e triunfantes, que a tudo quisesse conquistar.
O Livro de Urântia
Documento 151
151:0.1 (1688.1) POR VOLTA de 10 de março todos os grupos de pregação e ensinamento estavam congregados em Betsaida. Na quinta-feira à noite e na sexta- feira, muitos deles saíram para pescar; já no dia de sábado eles foram à sinagoga para ouvir um judeu idoso de Damasco discursar sobre a glória do pai Abraão. Jesus passou a maior parte desse sábado a sós nas colinas; e à noite, desse dia, o Mestre falou aos grupos reunidos, por mais de uma hora, sobre “A missão da adversidade e o valor espiritual do desapontamento”. Essa foi uma ocasião memorável, e os seus ouvintes nunca esqueceram a lição que ele lhes ministrou.
151:0.2 (1688.2) Jesus ainda não se havia recuperado totalmente da mágoa da recente rejeição que tivera em Nazaré; os apóstolos sabiam que uma tristeza evidente misturava-se ao seu comportamento geralmente alegre. Tiago e João acompanhavam- no a maior parte do tempo; Pedro estava mais do que ocupado com as muitas responsabilidades que tinham a ver com a direção e o bem-estar do novo corpo de evangelistas. As mulheres passaram esse tempo de espera, antes de partirem para a Páscoa em Jerusalém, indo de casa em casa, ensinando o evangelho, visitando e ministrando aos doentes em Cafarnaum e nas cidades e aldeias vizinhas.
151:1.1 (1688.3) Naquela época, e pela primeira vez, Jesus começara a utilizar o método da parábola, para ensinar às multidões que tão freqüentemente se ajuntavam em volta dele. Posto que Jesus havia conversado com os apóstolos, e com outros, até tarde da noite, nesse domingo pela manhã pouquíssimos do grupo estavam de pé para o desjejum; assim, ele foi para a beira-mar e assentou-se a sós no barco, o velho barco de pesca de André e Pedro, que permanecia sempre à disposição dele; e então Jesus pôde meditar sobre o próximo passo a ser dado na obra de expandir o Reino. Todavia, o Mestre não ficou só por muito tempo. Logo, o povo de Cafarnaum e das aldeias próximas começou a chegar e, às dez horas, naquela manhã, quase mil pessoas se viram reunidas, na praia, perto do barco de Jesus, e clamavam pela atenção dele. Pedro, que agora já estava de pé, chegando ao barco, disse a Jesus: “Mestre, devo falar a eles?” E Jesus respondeu: “Não, Pedro, eu vou contar-lhes uma história”. E Jesus então começou a contar a parábola do semeador, uma das primeiras de uma longa série de parábolas com as quais ele ensinou às multidões que o seguiam. Esse barco tinha um assento elevado, no qual ele assentou-se (pois era costume ficar assentado, enquanto se ensinava) para falar às pessoas reunidas ao longo da praia. Pedro falou umas poucas palavras e em seguida Jesus disse:
151:1.2 (1688.4) “Um semeador saiu para semear, e aconteceu que, ao semear, algumas sementes caíram à beira do caminho, onde seriam pisadas ou devoradas pelos pássaros do céu. Outras sementes caíram em locais rochosos, onde havia pouca terra, e brotaram imediatamente, dada a pouca profundidade no solo; todavia o sol veio logo e elas murcharam, pois não possuíam raízes com as quais absorver a umidade. Outras sementes caíram entre os espinhos e, quando os espinhos cresceram, ficaram estranguladas, de modo a nada produzirem. Outras sementes, ainda, caíram em solo bom e, crescendo, produziram trinta grãos, algumas outras, sessenta, e outras, cem grãos”. E, quando Jesus terminou de contar essa parábola, disse à multidão: “Aquele que tem ouvidos para ouvir, que ouça”.
151:1.3 (1689.1) Os apóstolos e aqueles que estavam junto, quando ouviram Jesus ensinando ao povo daquele modo, ficaram bastante perplexos; e, depois de muito conversarem, entre si, naquela noite, no jardim de Zebedeu, Mateus disse a Jesus: “Mestre, qual é o significado das palavras obscuras que tu apresentaste à multidão? Por que falas por meio de parábolas àqueles que buscam a verdade?” E Jesus respondeu:
151:1.4 (1689.2) “Eu vos tenho instruído com paciência durante todo esse tempo. A vós vos é dado conhecer os mistérios do Reino do céu, mas, para a multidão, que não sabe discernir, e, para aqueles que buscam a nossa destruição, de agora em diante, os mistérios do Reino serão apresentados em parábolas. Assim nós faremos para que aqueles que realmente desejem entrar no Reino possam discernir o significado do ensinamento e dessa forma encontrar a salvação; ao passo que aqueles que nos estiverem escutando, apenas para nos pegar de surpresa, acabarão ficando mais confundidos, pois verão sem nada ver e ouvirão sem nada ouvir. Meus filhos, não conheceis a lei do espírito a qual decreta que, àquele que tem, será dado, de um tal modo que ele terá em abundância; mas, àquele que não tem, será tomado até mesmo o que ele tem Por isso, de agora em diante, eu falarei muita coisa ao povo, por meio de parábolas, para que os nossos amigos e aqueles que desejarem saber a verdade possam encontrar o que procuram, enquanto os nossos inimigos e aqueles que não amam a verdade possam ouvir sem entender. Muitos, dessa gente, não estão no caminho da verdade. O profeta de fato descreveu todas essas almas sem discernimento, quando ele disse: ‘Pois o coração desse povo tornou-se fechado e duro, e os seus ouvidos, embotados, e não escutam, e os seus olhos, eles os fecharam para não ver a verdade e para não a compreender nos seus corações”.
151:1.5 (1689.3) Os apóstolos não entenderam totalmente o significado das palavras do Mestre. Enquanto André e Tomé conversavam mais com Jesus, Pedro e os outros apóstolos retiraram-se para uma outra parte do jardim, onde iniciaram uma discussão verdadeira e prolongada.
151:2.1 (1689.4) Pedro e o grupo à sua volta chegaram à conclusão de que a parábola do semeador era uma alegoria, e que cada aspecto possuía um sentido oculto e, sendo assim, decidiram ir a Jesus e pedir uma explicação. E, desse modo, Pedro aproximou-se do Mestre, dizendo: “Nós não somos capazes de penetrar no significado dessa parábola, e, estamos desejando que tu a expliques para nós, já que disseste que a nós nos é dado conhecer os mistérios do Reino”. E, depois de ter ouvido isso, Jesus disse a Pedro: “Meu filho, não desejo esconder nada de ti, mas, primeiro, que tal se disseres a mim sobre o que acabastes de conversar; qual a tua interpretação da parábola?”
151:2.2 (1689.5) Após um momento de silêncio, Pedro disse: “Mestre, nós falamos muito a respeito da parábola, e a interpretação pela qual eu optei é a seguinte: O semeador é o pregador do evangelho; a semente é a palavra de Deus. A semente, que cai à beira do caminho, representa aqueles que não compreendem o ensinamento do evangelho. Os pássaros, apanhando as sementes que caem no chão endurecido, representam Satã, ou o maligno, que rouba aquilo que foi semeado nos corações dos ignorantes. A semente que caiu nos locais rochosos e que brotam muito subitamente representam aquelas pessoas superficiais e irreflexivas que, ao ouvirem as boas-novas, recebem a mensagem com júbilo mas, como a verdade não tem nenhuma raiz real no seu entendimento mais profundo, a sua devoção tem vida curta diante da atribulação e da perseguição. Quando chegam as dificuldades, esses crentes tropeçam, e sucumbem quando tentados. A semente que caiu entre os espinhos representa todos aqueles que ouvem a palavra com boa vontade, mas permitem que as preocupações do mundo e a natureza enganadora das riquezas asfixiem o mundo da verdade, de tal modo que as verdades se tornam infrutíferas. Agora, as sementes que caíram no bom solo, e que cresceram, até darem, algumas trinta, outras sessenta e outras até cem grãos, representam aqueles que, após haverem ouvido a verdade, recebem-na em vários níveis de entendimento — devido aos seus dons intelectuais diferentes — e, por isso, manifestam esses vários graus de experiência religiosa”.
151:2.3 (1690.1) Após haver ouvido a interpretação de Pedro, para a parábola, Jesus perguntou aos outros apóstolos se eles também possuíam sugestões a oferecer. A esse convite apenas Natanael respondeu. Disse ele: “Mestre, ainda que eu reconheça muitas coisas boas na interpretação que Simão Pedro dá à parábola, não concordo totalmente com ele. A minha idéia sobre essa parábola seria: A semente representando o evangelho do Reino, enquanto o semeador significando os mensageiros do Reino. A semente que caiu à margem do caminho, na parte endurecida do solo, representa aqueles que não ouviram senão pouco do evangelho e, também, aqueles que são indiferentes à mensagem e endureceram os seus corações. Os pássaros do céu, que levam as sementes caídas. à beira do caminho, representam os hábitos da nossa vida, a tentação do mal e os desejos da carne. A semente caída na rocha representa aquelas almas emocionais que são rápidas para receber os ensinamentos novos, mas também são igualmente rápidas para desistir da verdade, quando enfrentam as dificuldades e realidades para viver de acordo com essa verdade, a elas faltando a percepção espiritual. A semente, que caiu entre os espinhos, representa os que são atraídos para as verdades do evangelho; eles têm a intenção de seguir os ensinamentos, mas são impedidos pelo orgulho da vida, o ciúme, a inveja e as ansiedades da existência humana. A semente que caiu em bom solo, e cresceu até dar, algumas trinta, algumas sessenta e outras até cem grãos, representa os graus de capacidade natural e variável para compreender a verdade e responder aos seus ensinamentos espirituais, que têm os homens e as mulheres, pois possuem dons diferentes de iluminação de espírito”.
151:2.4 (1690.2) Quando Natanael terminou de falar, os apóstolos e os seus companheiros entraram em uma discussão séria e mesmo em um debate profundo, alguns sustentando a correção da interpretação de Pedro; e um número quase igual deles tentava defender a explicação de Natanael para a parábola. Nesse ínterim, Pedro e Natanael haviam-se retirado para a casa, onde se envolveram em um esforço vigoroso e determinado para convencer e mudar a idéia, um ao outro.
151:2.5 (1690.3) O Mestre permitiu que essa confusão ultrapassasse o limite da sua expressão mais intensa; após o que ele bateu com as palmas das mãos a fim de chamá- los para perto de si. Quando eles estavam todos reunidos à sua volta, uma vez mais, disse: “Antes de falar-vos sobre essa parábola, algum de vós tem qualquer coisa a dizer?” Depois de um momento de silêncio, Tomé falou: “Sim, Mestre, gostaria de dizer umas poucas palavras. Lembro-me de que tu nos aconselhaste, certa vez, para tomarmos cuidado exatamente com isso. Ensinaste-nos que, quando usássemos exemplos nas nossas pregações, deveríamos empregar histórias verdadeiras, não fábulas, e que deveríamos escolher a história que melhor se adequasse como exemplo da verdade central e vital, a qual gostaríamos de ensinar ao povo; e que, havendo usado a história, não deveríamos tentar dar um emprego espiritual a todos os detalhes menores envolvidos na narrativa da história. Eu sustento que Pedro e Natanael estão ambos errados nas suas tentativas de interpretar essa parábola. Admiro a capacidade deles para essas coisas, mas estou igualmente seguro de que todas as tentativas, como essas, de fazer uma parábola natural produzir analogias espirituais, em todos os seus aspectos, pode apenas resultar em confusão e em erros sérios de concepção, sobre o verdadeiro propósito da parábola. E, plenamente provado que eu devo estar certo, está, pelo fato de que, se há uma hora atrás comungávamos de um só pensamento, agora estamos divididos em dois grupos separados que sustentam opiniões diferentes a respeito dessa parábola e que mantêm tais opiniões tão sinceramente a ponto de até interferir, na minha opinião, com a capacidade de compreender plenamente a grande verdade que tu tinhas em mente, quando apresentaste essa parábola à multidão e quando posteriormente nos pediste para tecer comentários sobre ela”.
151:2.6 (1691.1) As palavras ditas por Tomé tiveram o efeito de acalmar a todos. Ele levou-os a lembrarem-se do que Jesus lhes tinha ensinado em ocasiões anteriores e, antes que Jesus continuasse a falar, André ergueu-se e disse: “Estou persuadido de que Tomé está certo; e gostaria que ele nos contasse qual significado ele atribui à parábola do semeador”. Depois que Jesus acenou para Tomé falar, ele disse: “Meus irmãos, eu não gostaria de prolongar essa discussão, mas, se assim o desejardes, direi que penso que essa parábola foi contada para ensinar-nos uma grande verdade. E esta é a de que nossos ensinamentos sobre o evangelho do Reino, não importa quão fiel e eficientemente executemos as nossas missões divinas, serão acompanhados por vários níveis de êxito; e que todas essas diferenças, nos resultados, são devidas diretamente às condições inerentes às circunstâncias da nossa ministração, condições sobre as quais temos pouco ou nenhum controle”.
151:2.7 (1691.2) Quando Tomé acabou de falar, a maioria dos seus companheiros pregadores estava pronta para concordar com ele e, Pedro e Natanael estavam mesmo, por sua vez, prontos a dirigir-se a ele, quando Jesus levantou-se e disse: “Muito bem, Tomé; tu discerniste bem o verdadeiro significado das parábolas; mas Pedro e Natanael, ambos, fizeram a vós todos um bem igual, pois eles mostraram plenamente o perigo de se tentar fazer uma alegoria das minhas parábolas. Nos vossos próprios corações, podeis muitas vezes, com proveito, fazer tais vôos de conjectura imaginativa, mas vós cometereis um erro sempre que buscardes oferecer conclusões como uma parte do vosso ensinamento público”.
151:2.8 (1691.3) Agora, uma vez passada a tensão, Pedro e Natanael congratulavam-se um com o outro pelas suas interpretações e, à exceção dos gêmeos Alfeus, cada um dos apóstolos aventurava-se a fazer uma interpretação da parábola do semeador antes de retirar-se para dormir. Até mesmo Judas Iscariotes ofereceu uma interpretação bastante plausível. Freqüentemente, entre si próprios, os doze iriam tentar imaginar as parábolas do Mestre, como haviam feito, por meio de uma alegoria, mas, nunca mais, eles levariam essas especulações a sério. Essa foi uma sessão bastante proveitosa para os apóstolos e para seus colaboradores, especialmente porque, desde então, e cada vez mais, Jesus empregou parábolas no seu ensinamento público.
151:3.1 (1691.4) A mente dos apóstolos adaptava-se bem às parábolas; tanto assim, que toda a noite seguinte foi dedicada a mais uma discussão sobre as parábolas. Jesus iniciou a conferência da noite dizendo: “Meus amados, vós deveis sempre amoldar os vossos modos de ensinar, adequando assim a vossa apresentação da verdade às mentes e aos corações que estão diante de vós. Quando estiverdes diante de uma multidão de intelectos e de temperamentos vários, vós não podereis falar palavras diferentes para cada tipo de ouvinte, mas podeis contar uma história que passe o vosso ensinamento; e cada grupo, cada indivíduo mesmo, será capaz de dar a sua própria interpretação à vossa parábola, de acordo com os próprios dons intelectuais e espirituais. Deveis deixar a vossa luz brilhar, mas o façais com sabedoria e discrição. Nenhum homem, quando acende uma lâmpada, cobre-a com um vaso ou põe-na debaixo da cama; ele põe a sua lâmpada sobre um pedestal, onde todos possam ver a luz. No Reino do céu, permiti que eu vos diga, nada que, estando escondido, deixará de tornar-se manifestado; nem há segredo algum que não se fará afinal conhecido. Finalmente, todas as coisas virão à luz. Não penseis apenas nas multidões, e em como elas ouvem a verdade; prestai atenção também em vós próprios, em como escutais. Lembrai-vos do que eu vos disse muitas vezes: Para aquele que tem, será dado mais; enquanto daquele que não tem, será tomado até mesmo aquilo que ele pensa que tem”.
151:3.2 (1692.1) A discussão contínua sobre as parábolas; e as outras instruções para a sua interpretação podem ser resumidas e expressas, em forma moderna, do modo seguinte:
151:3.3 (1692.2) 1. Jesus preveniu contra o uso, fosse de fábulas, fosse de alegorias, para o ensino das verdades do evangelho. Ele recomendava o uso livre de parábolas, especialmente parábolas naturalistas. Ele enfatizava o valor de utilizar-se das analogias existentes entre o mundo natural e o mundo espiritual, como um meio para ensinar-se a verdade. Freqüentemente fazia alusão ao natural, como sendo “a sombra irreal e fugaz das realidades do espírito”.
151:3.4 (1692.3) 2. Jesus narrou três ou quatro parábolas das escrituras dos hebreus, chamando a atenção para o fato de que esse método de ensinar não era totalmente novo. Contudo, tornou-se quase um método novo de ensinar, do modo como ele o empregou, desse momento em diante.
151:3.5 (1692.4) 3. Ao ensinar aos apóstolos o valor das parábolas, Jesus chamou a atenção para os pontos seguintes:
151:3.6 (1692.5) A parábola tem apelo para vários níveis diferentes, simultaneamente, da mente e do espírito. A parábola estimula a imaginação, desafia o senso do discernimento e provoca o pensamento crítico; ela promove a simpatia, sem despertar antagonismos.
151:3.7 (1692.6) A parábola parte das coisas conhecidas e chega ao discernimento do desconhecido. A parábola utiliza o material e o natural, como um meio de apresentar o espiritual e o supramaterial.
151:3.8 (1692.7) As parábolas favorecem a tomada de decisões morais imparciais. A parábola escapa de muitos preconceitos e joga na mente uma nova verdade, de um modo encantador; e a tudo isso ela faz despertando um mínimo de autodefesa, de ressentimento pessoal.
151:3.9 (1692.8) Rejeitar a verdade contida na analogia parabólica requer uma ação intelectual consciente, que despreza diretamente o vosso próprio julgamento honesto e a vossa decisão equânime. A parábola conduz ao esforço do pensamento por meio do sentido da audição.
151:3.10 (1692.9) O ensino, sob a forma de parábola, capacita aquele que ensina a apresentar verdades novas e até surpreendentes, e ao mesmo tempo evita amplamente qualquer controvérsia e choque externo com a tradição e com a autoridade estabelecida.
151:3.11 (1693.1) A parábola também possui a vantagem de estimular a lembrança da verdade ensinada, quando as mesmas cenas conhecidas forem encontradas posteriormente.
151:3.12 (1693.2) Desse modo, Jesus buscava deixar os seus seguidores inteirados das muitas razões que motivavam a sua prática de usar cada vez mais as parábolas nos seus ensinamentos públicos.
151:3.13 (1693.3) Mais para o fim da lição da noite, Jesus fez o seu primeiro comentário sobre a parábola do semeador. Disse que a parábola referia-se a duas coisas: em primeiro lugar, era um exame da sua própria ministração, até aquele momento, e uma previsão do que ele teria diante de si, durante o restante da sua vida na Terra. E, em segundo lugar, era também uma alusão ao que os apóstolos e os outros mensageiros do Reino poderiam esperar na sua ministração, de geração para geração, com o passar do tempo.
151:3.14 (1693.4) Jesus recorreu também ao uso de parábolas, como a melhor refutação possível do esforço estudado dos líderes religiosos em Jerusalém, para ensinar que todo o seu trabalho era feito com a assistência de demônios e do príncipe dos diabos. O apelo à natureza contradizia esse ensinamento, já que o povo daquele tempo encarava todos os fenômenos naturais como o produto da ação direta de seres espirituais e de forças sobrenaturais. Ele também optou por esse método de ensinar porque o capacitava a proclamar verdades vitais àqueles que desejavam conhecer o melhor caminho, ao mesmo tempo, permitindo aos seus inimigos menos oportunidade de terem motivo de ofensa e de acusações contra ele.
151:3.15 (1693.5) Antes de dispensar o grupo naquela noite, Jesus disse: “Agora eu vou contar- lhes o final da parábola do semeador. Eu gostaria de testá-los para saber como receberão isto: O Reino do céu é também como um homem que joga a boa semente na terra; e, enquanto ele dormiu à noite, e foi cuidar dos seus afazeres do dia, a semente brotou e cresceu e, embora ele não soubesse como aquilo aconteceu, a planta veio a frutificar. Primeiro surgiu a folha, depois a espiga e, então, surgiu o grão inteiro na espiga. E, finalmente, quando o grão estava amadurecido, ele passou a foice; e a colheita terminou. Aquele que tem ouvidos para ouvir, que ouça”.
151:3.16 (1693.6) Os apóstolos repassaram essa parte muitas vezes nas suas mentes, mas o Mestre nunca mais fez outra menção ao trecho adicional da parábola do semeador.
151:4.1 (1693.7) No dia seguinte, Jesus novamente ensinou ao povo, de dentro do barco, dizendo: “O Reino do céu é como um homem que lançou a boa semente no campo; mas, enquanto dormia, veio o seu inimigo e plantou ervas daninhas em meio ao trigo e foi-se embora rapidamente. Assim, as folhinhas surgiram e estavam para dar fruto quando, mais tarde, apareceram também as ervas daninhas. Então, vieram os servos do dono da casa e lhe disseram: ‘Senhor, não plantaste uma boa semente no teu campo? Ou, então, de onde então vieram essas ervas daninhas?’ E, assim, respondeu ele aos seus servos: ‘Um inimigo fez isso’. Nisso, os servos perguntaram ao senhor: ‘Gostarias que fôssemos lá e arrancássemos essas ervas daninhas?’ Mas ele respondeu-lhes, dizendo: ‘Não, para que enquanto as estiverdes ajuntando, não arranques o trigo também. Melhor será deixar que as duas cresçam juntas, até a hora da colheita, quando então eu direi aos ceifadores: ajuntai primeiro as ervas daninhas, amarrando-as em feixes para serem queimadas e, depois, ajuntai o trigo que será estocado no meu celeiro’”.
151:4.2 (1693.8) Após algumas perguntas, feitas pelo povo, Jesus contou uma outra parábola: “O Reino do céu é como um grão de semente de mostarda, que um homem semeia no seu campo. Ora, uma semente de mostarda é o menor dos grãos, todavia, quando chega à plenitude do crescimento, torna-se a maior de todas as ervas e é como uma árvore, de tal modo que os pássaros do céu são capazes de vir e descansar nos seus galhos”.
151:4.3 (1694.1) “O Reino do céu é também como o fermento, que uma mulher escondeu em três medidas de farinha e, desse modo, aconteceu que toda a farinha ficou fermentada”.
151:4.4 (1694.2) “O Reino do céu é também como um tesouro escondido em um campo, e que um homem descobriu. No seu júbilo ele foi vender tudo o que possuía, para que pudesse ter o dinheiro e comprar o campo”.
151:4.5 (1694.3) “O Reino do céu é também como um mercador buscando belas pérolas; e, havendo encontrado uma pérola de grande preço, ele saiu e vendeu tudo o que possuía para poder ser capaz de comprar a pérola extraordinária”.
151:4.6 (1694.4) “E mais: o Reino do céu é como uma rede de arrastão que foi lançada ao mar; e pegou toda espécie de peixes. Ora, quando a rede estava cheia, os pescadores puxaram-na até a praia, e ali se sentaram e separaram os peixes, ajuntando os bons em vasos, enquanto, os ruins, eles jogaram fora”.
151:4.7 (1694.5) Muitas outras parábolas Jesus contou à multidão. De fato, dessa época em diante, raramente ele ensinava às massas a não ser por esse meio. Depois de falar a uma audiência pública por meio de parábolas, durante as instruções da noite, ele gostava de expor mais plenamente e explicitamente os seus ensinamentos aos apóstolos e aos evangelistas.
151:5.1 (1694.6) A multidão continuou a crescer durante a semana. No sábado, Jesus apressou- se a sair para as colinas, mas, quando chegou o domingo de manhã, as multidões retornaram. Jesus falou a elas, na primeira parte da tarde, depois da pregação de Pedro, e, quando acabou, disse aos seus apóstolos: “Estou cansado das multidões; atravessemos o lago para que possamos descansar do outro lado, por um dia”.
151:5.2 (1694.7) No meio da travessia do lago eles depararam-se com uma daquelas tempestades de vento súbitas e violentas, que são características do mar da Galiléia, especialmente naquela estação do ano. Essa massa de água está a mais de duzentos metros abaixo do nível dos oceanos e é cercada por margens altas, especialmente a oeste. Há gargantas escarpadas que vão do lago às montanhas e, quando o ar aquecido forma uma bolsa sobre o lago, durante o dia, há uma tendência, depois do pôr-do-sol, de que o ar resfriado das gargantas corra sobre o lago. Esses golpes de vento vêm rapidamente e algumas vezes vão embora subitamente também.
151:5.3 (1694.8) Era exatamente uma dessas ventanias noturnas que surpreendeu o barco que levava Jesus ao outro lado, nessa noite de domingo. Três outros barcos, levando alguns dos evangelistas mais jovens, estavam atrás na mesma trilha. Essa tempestade foi severa, não obstante estivesse confinada a essa região do lago, não tendo havido nenhuma evidência de tempestade na margem do lado oeste. O vento foi tão forte que as ondas começaram a bater acima do barco. O vento rápido havia rasgado a vela, antes que os apóstolos a tivessem podido enrolar, e agora eles dependiam totalmente dos seus remos, os quais manejavam vigorosamente para alcançar a margem a uns três quilômetros de distância.
151:5.4 (1694.9) Enquanto tudo isso acontecia, Jesus encontrava-se adormecido na popa do barco, sob um pequeno abrigo. O Mestre estava cansado quando eles deixaram Betsaida, e foi para garantir o descanso que tinha pedido aos apóstolos para velejar com ele até o outro lado. Esses ex-pescadores eram remadores fortes e experientes; mas essa foi uma das piores tempestades que jamais eles haviam encontrado. Embora o vento e as ondas fizessem o barco sacudir tal um brinquedo, Jesus não teve o seu sono perturbado. Pedro estava no remo do lado direito, perto da popa. Quando o barco começou a encher-se de água, ele soltou seu remo e, precipitando-se até Jesus, sacudiu-o vigorosamente para despertá-lo e, quando ele despertou, Pedro disse: “Mestre, não vês que estamos no meio de uma tempestade violenta? Se não nos salvares, pereceremos todos”.
151:5.5 (1695.1) Quando Jesus saiu na chuva, primeiro olhou para Pedro e, depois, mirando na escuridão para os remadores na luta, ele voltou com o seu olhar de volta em Simão Pedro, que, na sua agitação, não tinha ainda voltado para o seu remo, e disse: “Por que estais tão cheios de medo? Onde está a vossa fé? Paz, acalmai-vos”. Mal Jesus havia dado essa resposta a Pedro e aos outros apóstolos, e mal havia pedido a Pedro que buscasse a paz com a qual aquietar a sua alma agoniada, quando a atmosfera perturbada restabeleceu o seu equilíbrio; e veio a calmaria e o tempo ficou estabilizado. As ondas revoltas abaixaram quase que imediatamente, enquanto as nuvens escuras, tendo despejado-se naquela chuva curta, desapareceram; e as estrelas do céu brilharam acima. Tudo isso era uma pura coincidência, pelo que podemos julgar; mas os apóstolos, e Simão Pedro em particular, nunca deixaram de considerar o episódio como um milagre da natureza. Era especialmente fácil para os homens daquela época crerem em milagres da natureza, porquanto eles acreditavam firmemente que toda a natureza era um fenômeno diretamente sob o controle de forças espirituais e de seres sobrenaturais.
151:5.6 (1695.2) Jesus explicou claramente aos doze que ele havia falado aos seus espíritos perturbados, e dirigiu-se às suas mentes dominadas pelo medo, e que não havia comandado os elementos a obedecerem a sua palavra, mas de nada valeu dizer isso. Os seguidores do Mestre persistiram sempre em dar a sua própria interpretação a todos esses acontecimentos coincidentes. Desse dia em diante eles insistiram em considerar o Mestre como tendo poder absoluto sobre os elementos naturais. Pedro nunca se cansou de contar como “mesmo os ventos e as ondas obedecem a ele”.
151:5.7 (1695.3) Quando Jesus e os seus companheiros chegaram à margem já era tarde da noite e, posto que fosse uma noite calma e bela, todos descansaram nos barcos, indo à praia somente pouco depois do amanhecer, na manhã seguinte. Quando estavam todos reunidos, cerca de quarenta pessoas ao todo, Jesus disse: “Permaneçamos lá, nas colinas, por uns dias, enquanto ponderamos sobre os problemas do Reino do Pai”.
151:6.1 (1695.4) A maior parte das margens vizinhas do lado leste do lago dava acesso às colinas por meio de rampas suaves, mas nesse ponto do desembarque, em particular, havia um declive íngreme; a margem em alguns lugares caía de modo brusco até o lago. Apontando para o lado da colina próxima, Jesus disse: “Vamos até aquela colina para tomarmos o desjejum, descansarmos e conversarmos bem abrigados”.
151:6.2 (1695.5) Todo esse lado da colina era repleto de cavernas que haviam sido lavradas na rocha. Muitos desses nichos eram antigos sepulcros. Na metade da subida da colina, em um local relativamente nivelado, localizava-se o cemitério da pequena aldeia de Queresa. Quando Jesus e os seus seguidores passaram perto desse local de sepulturas um lunático que vivia em uma caverna, desse lado da colina, correu até eles. Esse homem demente era bem conhecido nessas paragens, tendo uma vez sido aprisionado com algemas e correntes e confinado a uma das grotas. Havia já algum tempo, ele rompera os grilhões e agora errava à vontade pelas tumbas e sepulcros abandonados.
151:6.3 (1696.1) Esse homem, de nome Amós, era afligido de forma periódica por uma insanidade. Havia longos períodos em que ele vestia alguma roupa e comportava-se bastante bem entre os companheiros. Durante um desses intervalos de lucidez, ele havia ido a Betsaida, onde pôde ouvir a pregação de Jesus e dos apóstolos e, naquele momento, tornou-se meio-crente do evangelho do Reino. Mas logo adveio uma fase tempestuosa do seu problema, e ele fugiu para as tumbas, onde se lamentava, gritava alto e se conduzia de modo a aterrorizar todos aqueles que acaso o encontrassem.
151:6.4 (1696.2) Ao reconhecer Jesus, Amós caiu a seus pés e exclamou: “Eu te conheço, Jesus, mas estou possuído por muitos diabos; e suplico-te que não me atormentes”. Esse homem realmente acreditava que a sua aflição mental periódica era devido ao fato de que, nesses momentos, os espíritos maus ou impuros entravam nele e dominavam sua mente e seu corpo. Os seus problemas eram mais emocionais — o seu cérebro não estava gravemente doente.
151:6.5 (1696.3) Jesus, vendo abaixo de si o homem humilhando-se como um animal a seus pés, tomou-o pela mão, levantou-o e disse a ele: “Amós, tu não estás possuído por nenhum demônio; tu já ouviste a boa-nova de que tu és um filho de Deus. Eu ordeno que saias desse transe”. E, quando Amós ouviu Jesus dizendo essas palavras, ocorreu uma tal transformação no seu intelecto que ele imediatamente voltou a ter a mente sadia e o controle normal das suas emoções. Nesse momento uma multidão considerável de uma aldeia próxima estava reunida, e, essa gente, acrescida dos pastores de porcos das terras de cima, ficou atônita de ver o lunático assentado com Jesus e os seus seguidores, na posse de uma mente sã e conversando livremente com eles.
151:6.6 (1696.4) Enquanto os pastores correram à aldeia para contar as novidades do lunático domado, os cães atacaram uma pequena vara de cerca de trinta porcos, levando a maioria deles a um precipício, caindo no mar. E foi essa ocorrência acidental, ligada à presença de Jesus e à suposta cura miraculosa do lunático, que deu origem à lenda de que Jesus tinha curado Amós, retirando dele uma legião de demônios, fazendo com que esses demônios entrassem na vara de suínos, levando-os, em seguida, a precipitarem-se para a destruição, no mar abaixo. Antes de terminar o dia, esse episódio havia tornado-se público entre os criadores de porcos e toda a aldeia acreditou nele. Com toda certeza Amós acreditou nessa história, pois viu os porcos pulando do cimo da colina pouco depois de a sua mente perturbada ficar calma, e sempre acreditou que eles levaram consigo os maus espíritos, os quais, durante tanto tempo, o haviam atormentado e afligido. E isso tinha muito a ver com a confirmação da sua cura. É igualmente verdade que todos os apóstolos de Jesus (exceto Tomé) acreditaram que o episódio dos porcos estava diretamente ligado à cura de Amós.
151:6.7 (1696.5) Jesus não teve o descanso que buscava. Durante a maior parte daquele dia foi atropelado por aqueles que vieram estimulados pela notícia de que Amós havia sido curado, e atraídos pela história de que os demônios haviam saído do lunático indo para dentro da vara de porcos. E, assim, depois de só uma noite de descanso, cedo na manhã de terça-feira, Jesus e os seus amigos foram acordados por uma delegação de gentios, criadores de porcos, que se aproximara para pedir que Jesus fosse embora dali. O porta-voz deles disse a Pedro e a André: “Pescadores da Galiléia, ide para longe de nós e levai o vosso profeta convosco. Nós sabemos que ele é um homem santo, mas os deuses da nossa terra não o conhecem, e nós ficamos ameaçados de perder muitos porcos. O medo de vós desceu sobre nós, de modo que oramos para irdes daqui”. E, quando os ouviu, Jesus disse a André: “Retornemos à nossa casa”.
151:6.8 (1697.1) Quando eles estavam para partir, Amós implorou a Jesus que permitisse que ele fosse junto, o Mestre não o permitiu, contudo. Disse Jesus a Amós: “Não esqueças de que és um filho de Deus. Volta para o teu próprio povo e mostra a eles as grandes coisas que Deus fez para ti”. E Amós foi a todos os lugares para tornar público que Jesus havia expulsado da sua perturbada alma uma legião de demônios, e que esses espíritos maus tinham entrado em uma vara de porcos, levando-os à destruição imediata. E ele não parou, enquanto não foi a todas as cidades da Decápolis, declarando as grandes coisas que Jesus tinha feito por ele.
O Livro de Urântia
Documento 152
152:0.1 (1698.1) A HISTÓRIA da cura de Amós, o lunático de Queresa, havia já alcançado Betsaida e Cafarnaum, de modo que uma grande multidão estava esperando por Jesus, quando o seu barco aportou naquela terça-feira pela manhã. Em meio a essa multidão estavam os novos observadores do sinédrio de Jerusalém, que haviam vindo a Cafarnaum para buscar motivo para a apreensão e a condenação do Mestre. Enquanto Jesus falava com aqueles que estavam reunidos para cumprimentá-lo, Jairo, um dos chefes da sinagoga, abriu caminho no meio da gente e, caindo a seus pés, tomou-o pela mão e implorou que Jesus se apressasse dali com ele, dizendo: “Mestre, a minha filha pequena, única filha, está na minha casa a ponto de morrer. Eu suplico-te que venha e que a cure”. Ao ouvir o pedido desse pai, Jesus disse: “Irei contigo”.
152:0.2 (1698.2) Jesus foi junto com Jairo; e a grande multidão, que havia ouvido o pedido do pai, seguiu-os para ver o que aconteceria. Pouco antes de chegar à casa de Jairo, apressando-se por um beco estreito, enquanto a multidão o abalroava, Jesus parou de súbito, exclamando: “Alguém tocou em mim”. E quando aqueles que estavam mais por perto negaram que tivessem tocado nele, Pedro falou: “Mestre, podes ver que toda essa gente te aperta, ameaçando comprimir-nos, e tu ainda dizes: ‘alguém tocou em mim’. O que queres dizer?” Então Jesus disse: “Perguntei quem tocou em mim, pois percebi que uma energia de vida emanou de mim”. Quando Jesus olhou em volta de si, os seus olhos caíram sobre uma mulher que estava perto e que, adiantando-se, se ajoelhou aos seus pés para dizer: “Durante anos eu tenho sido afligida por uma forte hemorragia. Tenho sofrido bastante nas mãos de muitos médicos; gastei todas as minhas posses, mas ninguém pôde curar-me. Então eu ouvi falar de ti e pensei que se eu pudesse apenas tocar a bainha da tua veste, eu seria certamente curada. E, assim, eu me comprimi entre as pessoas enquanto elas se moviam, até que, estando perto de ti, Mestre, eu toquei na borda da tua veste e me tornei curada; sei que fui curada da minha aflição”.
152:0.3 (1698.3) Quando Jesus ouviu isso, tomou a mulher pela mão e, levantando-a, disse: “Filha, a tua fé te curou; vai em paz”. Foi a fé e não o tocar na veste que curou a mulher. E esse caso é uma boa ilustração de muitas curas aparentemente miraculosas que aconteceram na carreira terrena de Jesus, mas que, em nenhum sentido, resultaram de um desejo consciente dele. O passar do tempo demonstrou que essa mulher realmente ficou curada da sua doença. A sua fé era daquela natureza que dispunha diretamente do poder criativo que residia na pessoa do Mestre. Com a fé que tinha, era necessário apenas aproximar-se da pessoa do Mestre. Não seria de todo necessário que tocasse a sua veste; aquilo era apenas a parte supersticiosa da crença dela. Jesus fez vir essa mulher, originária de Cesaréia-Filipe, chamada Verônica, à sua presença, para corrigir dois erros que poderiam ter ficado na mente dela, ou que poderiam ter persistido nas mentes daqueles que testemunharam essa cura: Ele não queria que Verônica fosse embora pensando que o seu medo, de tentar apossar-se da própria cura, tivesse tido alguma justificação, nem que a sua superstição de associar o toque na roupa dele à sua cura tivesse tido algum efeito. Jesus desejava que todos soubessem que a fé, pura e viva, daquela mulher, tinha sido o que havia operado a sua cura.
152:1.1 (1699.1) Claro está que Jairo ficou terrivelmente impaciente com a demora para chegar à sua casa e, por isso, agora eles apressavam-se a passos mais largos. Antes mesmo de entrarem no jardim do dirigente da sinagoga, um dos seus servos veio para fora, dizendo: “Não incomodeis o Mestre; a vossa filha está morta”. Mas Jesus pareceu não dar atenção às palavras do servo, pois havia voltado a sua atenção para Pedro, Tiago e João; e então ele voltou-se para o pai agoniado: “Não temas; apenas crê”. Quando entrou na casa, ele já encontrou lá os tocadores de flauta com as pranteadoras, que estavam fazendo um tumulto inconveniente; os parentes ali choravam e se lamuriavam. Jesus, então, depois de colocar para fora do quarto todos os lamentadores, entrou com o pai e a mãe e os seus três apóstolos. Ao dizer aos lamentadores que a menina não estava morta, eles riram dele, com escárnio. Jesus, agora, voltava-se para a mãe, dizendo: “A tua filha não está morta; está adormecida apenas”. E, quando a casa voltou à calma, Jesus foi até onde estava a criança e, tomando-a pela mão, disse: “Filha, eu te digo, desperta e levanta-te!” E, ao ouvir essas palavras, a menina imediatamente levantou-se e caminhou atravessando o quarto. E, em breve, após haver-se recuperado do seu torpor, Jesus aconselhou-os a darem a ela algo para comer, pois a criança estivera muito tempo sem alimento.
152:1.2 (1699.2) Posto que houvesse bastante agitação em Cafarnaum, contra Jesus, ele reuniu a família e explicou que a criança havia passado por um estado de coma após uma longa febre, que ele meramente a havia despertado e que, portanto, não a havia ressuscitado dos mortos. A mesma coisa foi explicada aos seus apóstolos, porém inutilmente; todos acreditaram que ele havia trazido a menina de entre os mortos. O que Jesus dizia, para explicar muitos desses milagres aparentes, pouco efeito causava sobre os seus seguidores. Todos mantinham nas mentes a expectativa de milagres e não perdiam nenhuma oportunidade de atribuir a Jesus qualquer prodígio. Jesus e os apóstolos voltaram para Betsaida, não sem que antes ele houvesse recomendado, especificamente, a todos eles, que nada dissessem a ninguém sobre isso.
152:1.3 (1699.3) Quando saiu da casa de Jairo, dois homens cegos, conduzidos por um menino mudo, seguiram-no e gritaram pedindo a cura. Nessa altura, o renome de Jesus como curador encontrava-se no apogeu. Por todos os locais aonde ia, os doentes e os aflitos esperavam por ele. O Mestre agora parecia muito desgastado, e todos os seus amigos estavam ficando preocupados, temendo que o seu trabalho de ensinar e de curar fosse levado até um verdadeiro colapso.
152:1.4 (1699.4) Os apóstolos de Jesus, e a gente comum ainda mais, não podiam entender a natureza e os atributos desse Deus-homem. Nem qualquer geração posterior teria sido capaz de avaliar o que acontecera na Terra, com a pessoa de Jesus de Nazaré. E nunca pôde haver uma oportunidade para a ciência, nem para a religião, de averiguar esses acontecimentos notáveis, pela simples razão de que uma situação tão extraordinária não poderá jamais acontecer novamente, seja neste mundo, seja em qualquer outro mundo de Nébadon. Nunca, de novo, em qualquer mundo, em todo este universo, aparecerá um ser à semelhança da carne mortal, que incorpore ao mesmo tempo todos os atributos de energia criativa combinados aos dons espirituais que transcendem o tempo e a maior parte de outras limitações materiais.
152:1.5 (1700.1) Nunca antes, desde que Jesus esteve na Terra, nem depois, foi possível, tão direta e vividamente, assegurar os resultados que acompanhavam a fé viva e forte dos homens e mulheres mortais. Para repetir esses fenômenos, teríamos de ir à presença direta de Michael, o Criador, e encontrá-lo como ele era naqueles dias — o Filho do Homem. Do mesmo modo, hoje, quando a ausência de Cristo- Michael não permite essas manifestações materiais, vós deveríeis abster-vos de colocar qualquer espécie de limitação à demonstração possível do seu poder espiritual. Embora o Mestre esteja ausente, como ser material, está presente como uma influência espiritual nos corações dos homens. Ao ir embora deste mundo, Jesus tornou possível ao seu espírito viver ao lado do espírito do seu Pai, que reside nas mentes de toda a humanidade.
152:2.1 (1700.2) Jesus continuou a ensinar ao povo durante o dia, enquanto à noite ele instruía os apóstolos e os evangelistas. Na sexta-feira ele concedeu uma licença de uma semana, para que todos os seus seguidores pudessem passar uns poucos dias em suas casas ou junto dos seus amigos, antes de se prepararem para ir até Jerusalém presenciar a Páscoa. Todavia, mais da metade dos seus discípulos recusou-se a deixá-lo, e a multidão crescia diariamente, e, tanto assim que Davi Zebedeu quis montar um novo acampamento, mas Jesus não consentiu. O Mestre teve tão pouco tempo para descansar no sábado que, na manhã de domingo, 27 de março, ele tentou escapar do povo. Alguns dos evangelistas foram deixados para falar à multidão, enquanto Jesus e os doze planejavam escapar, sem serem notados, para a margem oposta do lago, onde eles se propunham conseguir o descanso tão necessário, em um belo parque ao sul de Betsaida-Júlias. Essa região era um recanto favorito de passeio para a gente de Cafarnaum; eles todos conheciam bem esses parques da margem leste.
152:2.2 (1700.3) Mas o povo não quis entender isso. Eles viram a direção tomada pelo barco de Jesus e, alugando todas as embarcações disponíveis, saíram atrás. Aqueles que não puderam conseguir barcos foram caminhando a pé em torno do lago até a extremidade.
152:2.3 (1700.4) No final da tarde, mais de mil pessoas haviam localizado o Mestre em um dos parques, e ele falou a eles muito brevemente, sendo secundado por Pedro. Muitos, nessa multidão, haviam trazido alimentos consigo e, depois de tomarem a refeição da noite, reuniram-se em grupos pequenos, enquanto os apóstolos e os discípulos de Jesus ensinavam a eles.
152:2.4 (1700.5) Na segunda-feira à tarde, a multidão havia aumentado, chegando a mais de três mil pessoas. E ainda — noite adentro — o povo continuava a afluir, trazendo consigo todas as espécies de doentes. Centenas de pessoas interessadas haviam feito os seus planos de parar em Cafarnaum, ver e ouvir Jesus, a caminho da Páscoa; e eles simplesmente se negavam a decepcionar-se. Na quarta-feira, por volta do meio-dia, cerca de cinco mil homens, mulheres e crianças estavam reunidos ali, naquele parque ao sul de Betsaida-Júlias. O tempo permanecia agradável, estando perto do final da temporada das chuvas, naquela localidade.
152:2.5 (1700.6) Filipe tinha uma provisão de alimento para três dias, para Jesus e os doze, a qual estava sob a custódia do jovem Marcos, o garoto faz-tudo. À tarde, desse que era o terceiro dia para quase a metade da multidão, os alimentos que o povo havia trazido consigo tinham praticamente acabado. Davi Zebedeu não contava ali com nenhuma cidade de tendas para acomodar e alimentar as multidões. E Filipe também não tinha feito uma provisão de alimentos para um número tal de pessoas. Mas o povo, mesmo estando com fome, não ia embora. Estava sendo difundido, reservadamente, que Jesus, desejando evitar complicações, tanto com Herodes, quanto com os líderes de Jerusalém, havia escolhido esse local sossegado, fora da jurisdição de todos os seus inimigos, como sendo o lugar adequado para ser coroado rei. O entusiasmo do povo aumentava a cada momento. Nem uma palavra foi dita a Jesus, embora, está claro, ele soubesse de tudo que estava acontecendo. Mesmo os doze apóstolos ainda achavam-se confusos sobre essas questões, especialmente os evangelistas mais jovens. Os apóstolos que estavam a favor dessa tentativa de proclamar Jesus como rei eram: Pedro, João, Simão zelote e Judas Iscariotes. Aqueles que se opunham ao plano eram: André, Tiago, Natanael, e Tomé. Mateus, Filipe e os gêmeos Alfeus não tomaram posição. Quem liderava essa trama para fazer, de Jesus, um rei, era Joab, um dos jovens evangelistas.
152:2.6 (1701.1) Essa era a situação por volta das cinco horas, na quarta-feira à tarde, quando Jesus pediu a Tiago Alfeus para convocar André e Filipe. Disse Jesus: “O que faremos com a multidão? Eles estão conosco já há três dias, e muitos deles estão famintos. E não têm alimentos”. Filipe e André trocaram olhares, e então Filipe respondeu: “Mestre, tu deverias mandar essa gente embora, para que todos possam ir às aldeias próximas comprar alimentos”. E André, temendo que aquela trama da coroação do rei se tornasse real, aderiu prontamente a Filipe e disse: “Sim, Mestre, acho que é melhor que tu despeças a multidão, para que cada um possa seguir o seu caminho e comprar alimentos, enquanto tu te assegurarás um descanso por um período”. Nessa altura, outros dos doze haviam aderido à conversa. Então, disse Jesus: “Mas não desejo mandá-los embora, estão famintos; não podeis alimentá-los?” Isso era demais para Filipe, e ele logo respondeu: “Mestre, neste local do interior, onde poderemos comprar pão para toda essa gente? O equivalente a duzentos denários em pão ainda não daria nem para o almoço”.
152:2.7 (1701.2) Antes que os apóstolos tivessem a oportunidade de expressar-se, Jesus voltou- se para André e Filipe, dizendo: “Eu não quero mandar essa gente embora. Aqui estão eles, como ovelhas sem um pastor. Eu gostaria de alimentá-los. Que alimentos temos conosco?” Enquanto Filipe estava conversando com Mateus e Judas, André procurou o menino Marcos para certificar-se de quanto ainda tinham de provisões. Ele voltou a Jesus, dizendo: “O garoto só tem mais cinco pães de cevada e dois peixes secos” — e Pedro prontamente acrescentou: “E nós ainda temos de comer esta noite”.
152:2.8 (1701.3) Por um momento Jesus permaneceu em silêncio. Os seus olhos mostravam que estava distante. Os apóstolos nada disseram. Jesus subitamente voltou-se para André e disse: “Traze-me os pães e os peixes”. E, depois que André havia trazido a cesta a Jesus, o Mestre disse: “Instrui ao povo para que se assente na relva, divididos em grupos de cem, e que apontem um líder para cada grupo, enquanto irás trazer todos os evangelistas até aqui, para junto de nós”.
152:2.9 (1701.4) Jesus tomou os pães nas suas mãos e, depois de ter agradecido, ele partiu o pão e o deu aos seus apóstolos, que o passaram aos seus condiscípulos, que por sua vez o levaram à multidão. Do mesmo modo, Jesus partiu e distribuiu os peixes. E essa multidão comeu e ficou satisfeita. E, quando terminaram de comer, Jesus disse aos discípulos: “Ajuntai os pedaços remanescentes, para que nada se perca”. E, quando eles tinham acabado de reunir os fragmentos, contavam com doze cestas cheias. Os que comeram desse banquete extraordinário foram cerca de cinco mil homens, mulheres e crianças.
152:2.10 (1702.1) E esse foi o primeiro e o único milagre, com a natureza, que Jesus fez depois de um planejamento prévio consciente. É bem verdade que os seus discípulos estavam dispostos a chamar muitas coisas de milagres, coisas que não o eram; essa, porém, foi uma ministração sobrenatural genuína. Nesse caso, e assim nos foi ensinado, Michael multiplicou os elementos da comida, como ele sempre faz, exceto pela eliminação do fator tempo e do processo vital visivelmente observável.
152:3.1 (1702.2) A alimentação das cinco mil pessoas, por meio de energia sobrenatural, foi um outro desses casos em que a piedade humana somada ao poder criativo haviam levado ao que aconteceu. E, agora, que a multidão estava alimentada plenamente e, desde que a fama de Jesus estava, ali e agora, aumentada por um milagre tão estupendo, o projeto de proclamar o Mestre coroando-o como rei não mais requeria o comando pessoal de ninguém. A idéia parecia espalhar-se na multidão, como uma doença contagiosa. Era profunda e irresistível a reação da multidão a esse suprimento súbito e espetacular das suas necessidades físicas. Por um longo tempo, havia sido ensinado aos judeus que o Messias, o filho de Davi, quando viesse, faria fluir de novo da terra o leite e o mel, e que o pão da vida seria concedido a eles como o maná do céu, o mesmo que supostamente teria vindo para os seus ancestrais no deserto. E toda essa expectativa agora não havia sido cumprida bem diante dos olhos de todos? Quando essa multidão faminta e subnutrida havia terminado de fartar-se com o alimento milagroso, não houve senão uma reação unânime: “Aqui está o nosso rei”. O ser milagroso, o libertador de Israel havia chegado. Aos olhos desse povo de mente simples, o poder de alimentar trazia consigo o direito de governar. Não é de se estranhar, então, que a multidão, depois de haver terminado o banquete, se levantasse como um só homem e gritasse: “Façamos dele um rei!”
152:3.2 (1702.3) Esse grito poderoso entusiasmou a Pedro e aos apóstolos mantendo mais ainda a esperança de ver Jesus reivindicar o seu direito de governar. Mas essas esperanças falsas não durariam muito. Tal grito poderoso da multidão mal havia acabado de reverberar nas rochas próximas, quando Jesus subiu em uma pedra imensa e, levantando a sua mão direita para chamar a atenção, disse: “Meus filhos, a vossa intenção é boa, mas tendes uma visão curta e uma mente material”. Houve uma breve pausa; e esse galileu inflexível estava colocado majestosamente ali, sob o brilho encantador daquele crepúsculo oriental. Cada detalhe da sua figura era o de um rei, enquanto ele continuava a falar à sua multidão estupefata: “Gostaríeis de fazer de mim um rei, mas não porque as vossas almas foram iluminadas por uma grande verdade; e sim porque os vossos estômagos foram enchidos de pão. Quantas vezes eu não vos disse que o meu Reino não é deste mundo? Este Reino do céu, que eu proclamo, é uma fraternidade espiritual, e nenhum homem governa nele assentado em um trono material. O meu Pai no céu é o Soberano infinitamente sábio e Todo-Poderoso dessa fraternidade espiritual dos filhos de Deus na Terra. Será que eu falhei tanto assim, ao revelar o Pai dos espíritos a vós, a ponto de quererdes fazer um rei deste Filho na carne? Agora todos deveis ir daqui para as vossas casas. Se deveis ter um rei, que o Pai das luzes seja entronizado nos corações de cada um de vós, como o Soberano espiritual de todas as coisas”.
152:3.3 (1702.4) Essas palavras vindas de Jesus dispersaram a multidão, deixando-a atordoada e desalentada. Muitos que haviam acreditado nele deram-lhe as costas e não mais o seguiram a partir daquele dia. Os apóstolos ficaram sem palavras e, reunidos, permaneceram em silêncio, ao lado das doze cestas com os restos de alimento; apenas o menino Marcos falou: “E ele negou-se a ser o nosso rei”. Jesus, antes de retirar-se para ficar a sós nas colinas, voltou-se para André e disse: “Leva os teus irmãos de volta para a casa de Zebedeu e ora com eles, especialmente pelo vosso irmão Simão Pedro”.
152:4.1 (1703.1) Os apóstolos — por conta própria — , e sem o seu Mestre, entraram no barco e em silêncio começaram a remar para Betsaida, na margem ocidental do lago. Nenhum dos doze achava-se tão oprimido e abatido quanto Simão Pedro. Quase nada foi dito; todos pensavam no Mestre, sozinho nas colinas. Teria ele os abandonado? Nunca antes ele os tinha mandado a todos embora e negado-se a ir com eles. O que significaria tudo aquilo?
152:4.2 (1703.2) A escuridão desceu sobre eles e, pois, tinha surgido um vento forte e contrário, que tornava quase impossível seguir para a frente. Depois que passaram as horas de escuridão e de dificuldade de remar, Pedro ficou cansado e caiu em um sono profundo de exaustão. André e Tiago colocaram-no para descansar no assento de almofada na popa do barco. Enquanto os outros apóstolos lutavam contra o vento e as ondas, Pedro teve um sonho, teve a visão de Jesus vindo a eles, caminhando sobre o mar. E quando o Mestre parecia alcançar o barco, Pedro gritou: “Salva-nos, Mestre, salva-nos”. Aqueles que estavam na parte traseira do barco ouviram-no dizendo algumas dessas palavras. E essa aparição na noite prosseguiu na mente de Pedro; e ele chegou até a sonhar com Jesus dizendo: “Tem ânimo; sou eu; não tenha medo”. Isso foi como o bálsamo de Gilead para a alma perturbada de Pedro; acalmou o seu espírito conturbado, e, no seu sonho Pedro gritou para o Mestre: “Senhor, se realmente és tu, dize-me para que eu vá e caminhe contigo sobre as águas”. E, quando Pedro começou a caminhar sobre as águas, as ondas impetuosas amedrontaram-no, e ele estava já quase afogando, quando gritou: “Senhor, salva-me!” E muitos dos doze ouviram- no soltar esse grito. Então Pedro sonhou que Jesus o socorria, estendia-lhe a mão, tomava-a levantando-o e dizendo: “Ó, tu, que tens pouca fé, por que duvidaste?”
152:4.3 (1703.3) Durante a última parte do seu sonho, Pedro levantou-se do assento onde dormia e de fato caminhou para fora do barco até cair na água. E despertou do seu sonho quando André, Tiago e João alcançaram-no e tiraram-no do mar.
152:4.4 (1703.4) Para Pedro, essa experiência foi sempre real. Ele acreditava sinceramente que Jesus veio até eles naquela noite. E convenceu João Marcos apenas parcialmente, o que explica por que Marcos deixou uma parte dessa história de fora da sua narrativa. Lucas, o médico, que fez uma busca cuidadosa sobre essas questões, concluiu que o episódio fora uma visão de Pedro e, portanto, recusou-se a dar lugar a essa história, quando preparou a sua narrativa.
152:5.1 (1703.5) Na quinta-feira pela manhã, antes do dia nascer, eles ancoraram o seu barco quase na margem, perto da casa de Zebedeu, e procuraram dormir até por volta do meio-dia. André foi o primeiro a levantar-se e, indo para uma caminhada à beira do mar, encontrou Jesus, em companhia do menino Marcos, assentado em uma pedra na borda do mar. Não obstante os evangelistas jovens e muitos da multidão haverem procurado por Jesus toda a noite e grande parte do dia seguinte, nas colinas do lado oriental, pouco depois da meia-noite, ele e o menino Marcos haviam começado a caminhar em torno do lago e, atravessando o rio, chegaram de volta em Betsaida.
152:5.2 (1704.1) Dos cinco mil que foram miraculosamente alimentados e que, quando os seus estômagos estavam cheios e os seus corações vazios, queriam fazer de Jesus um rei, apenas quinhentos continuaram seguindo-o. Mas, antes que esses últimos recebessem a notícia de que ele estava de volta a Betsaida, Jesus pediu a André para reunir os doze apóstolos e a todos os outros, incluindo as mulheres, dizendo: “Eu desejo falar com eles”. E, quando todos estavam prontos, Jesus disse-lhes:
152:5.3 (1704.2) “Por quanto tempo devo suportar-vos? Será que todos vós sois lentos de compreensão espiritual e deficientes de fé viva? Todos esses meses eu vos ensinei as verdades do Reino e vós ainda estais dominados por motivos materiais, em vez de fazerdes considerações espirituais. Não lestes nas escrituras que Moisés exortou os filhos descrentes de Israel, dizendo: ‘Não temais, permanecei tranqüilos e vede a salvação do Senhor’? E o salmista: ‘Colocai a vossa confiança no Senhor’. ‘Sede pacientes, aguardai o Senhor e tende boa coragem. Ele irá fortalecer os vossos corações’. ‘Deixai a vossa carga nos ombros do Senhor, e Ele vos sustentará. Confiai Nele em todos os momentos, e desabafai os vossos corações com Ele, pois Deus é o vosso refúgio’. ‘Aquele que reside no local secreto do Altíssimo, morará sob a sombra do Todo-Poderoso’. ‘É melhor confiar no Senhor do que colocar a vossa confiança em príncipes humanos’.
152:5.4 (1704.3) “E ainda não conseguistes ver que operar milagres e efetuar prodígios materiais não é o que conquistará almas para o Reino espiritual? Nós alimentamos a multidão, mas isso não levou as pessoas a ficarem famintas pelo pão da vida, nem terem sede das águas da retidão espiritual. Quando a fome ficou satisfeita, não buscaram a entrada no Reino do céu, mas quiseram, antes, proclamar rei ao Filho do Homem, à maneira dos reis deste mundo, apenas para que continuassem a comer o pão sem ter de trabalhar para tanto. E tudo isso, de que muitos de vós participastes mais ou menos, nada faz no sentido de revelar o Pai do céu ou que progrida o Seu Reino na Terra. Não temos inimigos suficientes entre os líderes religiosos da Terra, mesmo sem fazer coisas que nos levem a estar alienados também para as próprias leis civis? Eu oro ao Pai, com o intuito de que Ele possa ungir vossos olhos, para que possais ver, e abrir vossos ouvidos para poderdes ouvir e ganhar finalmente uma fé plena no evangelho que vos ensinei”.
152:5.5 (1704.4) Então, Jesus anunciou que gostaria de retirar-se por uns poucos dias e descansar com os seus apóstolos, antes que eles se aprontassem para ir a Jerusalém para a Páscoa; e proibiu qualquer dos discípulos e a multidão de segui-lo. E, desse modo, foram de barco para a região de Genesaré a fim de ter dois ou três dias de descanso e de sono. Jesus estava preparando-se para a grande crise da sua vida na Terra e, por isso, passou muito tempo em comunhão com o Pai no céu.
152:5.6 (1704.5) As novidades da alimentação das cinco mil pessoas e da tentativa de fazer de Jesus um rei despertaram uma curiosidade que se espalhou acirrando o medo dos líderes religiosos e dos governantes civis, em toda a Galiléia e na Judéia. Conquanto esse grande milagre nada mais tenha feito para promover o evangelho do Reino, junto às almas de crentes pouco entusiastas e de mentes materiais, contudo, ele serviu ao propósito de levar à crise final toda aquela propensão para os milagres e ânsia por um rei, alimentadas pela família direta dos apóstolos e discípulos próximos de Jesus. Esse episódio espetacular colocou um fim ao período inicial de ensinamentos, aperfeiçoamento e cura, preparando desse modo o caminho para a inauguração desse último ano e para a proclamação das fases mais elevadas e mais espirituais do novo evangelho do Reino — a filiação divina, a liberdade espiritual e a salvação eterna.
152:6.1 (1705.1) Enquanto descansava na casa de um rico crente na região de Genesaré, Jesus manteve conversas informais diárias com os doze, todas as tardes. Os embaixadores do Reino formavam, então, um grupo sério, sóbrio e moderado de homens desiludidos. Mesmo depois de tudo o que havia acontecido e, como os eventos posteriores revelaram, esses doze homens não estavam ainda plenamente libertos das noções inatas e há muito acalentadas sobre a vinda de um messias judeu. Os eventos das semanas precedentes passaram muito rapidamente para que esses pescadores atônitos pudessem compreender toda a sua significação. O tempo se faz necessário para que os homens e as mulheres efetuem mudanças radicais e extensas nos seus conceitos básicos e fundamentais de conduta social, de atitudes filosóficas e de convicções religiosas.
152:6.2 (1705.2) Enquanto Jesus e os doze estiveram descansando em Genesaré, as multidões dispersaram-se, indo alguns para as suas casas, e outros a Jerusalém para a Páscoa. Em menos de um mês, os seguidores de Jesus, entusiastas e abertos, em um número maior do que cinqüenta mil pessoas, apenas na Galiléia, minguaram para menos até do que quinhentos. Jesus desejava dar aos seus apóstolos uma experiência da volubilidade da aclamação popular, para que não ficassem tentados a contar com essas manifestações de histeria religiosa transitória, depois que ele os deixasse a sós no trabalho do Reino; nesse esforço, todavia, Jesus obteve um êxito apenas parcial.
152:6.3 (1705.3) Na segunda noite da permanência em Genesaré, o Mestre novamente contou aos apóstolos a parábola do semeador e acrescentou estas palavras: “Vós podeis ver, meus filhos, que o apelo aos sentimentos humanos é transitório e totalmente desapontador; o apelo exclusivo ao intelecto do homem é, do mesmo modo, vazio e estéril; apenas fazendo o vosso apelo ao espírito que vive dentro da mente humana é que podereis esperar alcançar um êxito duradouro e realizar aquelas transformações maravilhosas, no caráter humano, que são logo mostradas pela colheita abundante de frutos genuínos do espírito, nas vidas diárias de todos aqueles que estão, assim, libertos da escuridão da dúvida, pelo nascimento do espírito à luz da fé — no Reino do céu”.
152:6.4 (1705.4) Jesus ensinou o apelo às emoções, como técnica de prender e de focalizar a atenção intelectual. Ele chamou a mente, assim despertada e vivificada, de “o portal da alma”, no qual reside aquela natureza espiritual do homem que deve reconhecer a verdade, e responder ao apelo espiritual do evangelho, de modo a proporcionar os resultados permanentes das transformações verdadeiras de caráter.
152:6.5 (1705.5) Jesus, assim, empenhou-se no preparo dos apóstolos para o choque iminente — a crise da atitude pública para com ele, que estava para acontecer dentro de uns poucos dias, apenas. Ele explicou, aos doze, que os chefes religiosos de Jerusalém conspiravam junto com Herodes Antipas para efetivar a destruição deles. Os doze começaram a entender melhor (embora não totalmente) que Jesus não iria assentar-se no trono de Davi. Eles enxergaram mais plenamente que a verdade espiritual não se faria avançar por meio de milagres materiais. E começaram a compreender que a alimentação das cinco mil pessoas e o movimento popular para fazer de Jesus um rei haviam sido o ápice da expectativa que o povo tinha de milagres e de prodígios, e o auge da aclamação popular feita a Jesus. Eles discerniam vagamente e previam difusamente a aproximação de tempos de pesados crivos espirituais e de adversidades cruéis. Esses doze homens estavam despertando, vagarosamente, para a compreensão da natureza real da sua tarefa como embaixadores do Reino, e começavam a preparar-se para as provas duras e severas do último ano da ministração do Mestre na Terra.
152:6.6 (1706.1) Antes de deixarem Genesaré, Jesus instruiu a todos a respeito da alimentação miraculosa das cinco mil pessoas, dizendo a eles exatamente por que ele se engajara nessa manifestação extraordinária de poder criativo, assegurando a eles, também, que ele não consentira nessa compaixão pela multidão sem antes se certificar de que estava de “acordo com a vontade do Pai”.
152:7.1 (1706.2) No domingo, 3 de abril, acompanhado apenas pelos doze apóstolos, Jesus saiu de Betsaida, em caminhada até Jerusalém. Para evitar as multidões e para atrair tão pouca atenção quanto possível, eles tomaram o caminho de Gerasa e da Filadélfia. Ele os proibiu de fazer qualquer trabalho de pregação pública nessa viagem; nem permitiu a eles ensinar ou pregar enquanto permanecessem em Jerusalém. Chegaram a Betânia, perto de Jerusalém, tarde na noite de quarta- feira, 6 de abril. Nessa noite alojaram-se na casa de Lázaro, Marta e Maria, mas, no dia seguinte, separaram-se. Jesus, junto com João, permaneceu na casa de um crente chamado Simão, perto da casa de Lázaro, em Betânia. Judas Iscariotes e Simão zelote ficaram com amigos, em Jerusalém; enquanto o restante dos apóstolos permaneceu, dois a dois, em casas diferentes.
152:7.2 (1706.3) Jesus entrou em Jerusalém apenas uma vez, durante essa Páscoa, e esta se deu durante o grande dia da festa. Muitos dos crentes de Jerusalém foram trazidos por Abner para conhecer Jesus, em Betânia. Durante essa permanência em Jerusalém os doze souberam quão amargo estava sendo o sentimento, que crescia, contra o seu Mestre. Eles partiram de Jerusalém acreditando, todos, que a crise era iminente.
152:7.3 (1706.4) No domingo, 24 de abril, Jesus e os apóstolos deixaram Jerusalém indo para Betsaida pelo caminho das cidades costeiras de Jopa, Cesaréia e Ptolemais. Dali foram por Ramá e Corazim até Betsaida, chegando ali na sexta-feira, 29 de abril. Imediatamente ao chegar em casa, Jesus enviou André a fim de que fosse pedir permissão junto ao dirigente da sinagoga, para a sua fala no dia seguinte, um sábado, no serviço da tarde. E Jesus bem sabia que aquela seria a última vez que lhe seria permitido pregar na sinagoga de Cafarnaum.
O Livro de Urântia
Documento 153
153:0.1 (1707.1) NO DIA em que chegaram em Betsaida, sexta-feira à noite, e no sábado pela manhã, os apóstolos notaram que Jesus estava seriamente preocupado com algum problema grave; eles perceberam que o Mestre estava dedicando, de um modo pouco habitual, o seu pensamento a alguma questão importante. Ele não tomou o desjejum e comeu pouquíssimo ao meio-dia. Todo o sábado, pela manhã, e na noite anterior, os doze e os condiscípulos estiveram reunidos em pequenos grupos pela casa, no jardim e na praia. Uma tensão de incerteza e uma dúvida cheia de apreensão pairavam sobre eles. E quase nada Jesus lhes havia dito desde que deixaram Jerusalém.
153:0.2 (1707.2) Havia meses que não viam o Mestre tão preocupado e tão pouco comunicativo. Até Simão Pedro estava deprimido, e abatido mesmo. André não sabia o que fazer pelos seus companheiros desanimados. Natanael disse que estavam em meio à “calmaria antes da tormenta”. Tomé expressou a opinião de que “algo fora do extraordinário estava para acontecer”. Filipe aconselhou a Davi Zebedeu que “esquecesse os planos de alimentar e alojar a multidão, até que soubessem sobre o que o Mestre anda pensando”. Mateus fazia esforços renovados para repor as economias do fundo de caixa. Tiago e João falavam sobre o sermão vindouro, na sinagoga, e especulavam muito quanto à sua natureza provável e o seu alcance. Simão zelote expressou a crença, uma esperança na verdade, de que “o Pai no céu pudesse vir a intervir de alguma maneira inesperada, para defender e dar apoio ao seu Filho”, enquanto Judas Iscariotes ousava entregar- se ao pensamento de que possivelmente Jesus estivesse oprimido pelo pesar por “não ter tido coragem e arrojo de permitir aos cinco mil que o proclamassem rei dos judeus”.
153:0.3 (1707.3) Do meio desse grupo de seguidores deprimidos e desconsolados, foi que Jesus saiu, na bela tarde de sábado, para pregar o seu sermão memorável na sinagoga de Cafarnaum. A única palavra de encorajamento ou de votos de êxito, de todos os seus seguidores diretos, veio de um dos insuspeitos gêmeos Alfeus, o qual, no momento em que Jesus deixou a casa a caminho da sinagoga, o saudou jovialmente dizendo: “Oramos para que o Pai te ajude, e para que possamos ter multidões maiores do que nunca”.
153:1.1 (1707.4) Uma audiência distinta cumprimentou Jesus às três horas dessa tarde linda de sábado, na nova sinagoga de Cafarnaum. Jairo presidia e passou a Jesus as escrituras para que as lesse. No dia anterior, cinqüenta e três fariseus e saduceus haviam chegado de Jerusalém; mais de trinta dos líderes e chefes das sinagogas vizinhas também estavam presentes. Esses líderes religiosos judeus atuavam diretamente sob as ordens do sinédrio de Jerusalém; e constituíam a frente ortodoxa que havia vindo para inaugurar uma guerra aberta a Jesus e seus discípulos. Sentados ao lado desses líderes judeus, nos assentos de honra da sinagoga, estavam os observadores oficiais de Herodes Antipas, que haviam sido enviados para certificar-se da verdade a respeito dos relatórios perturbadores de que uma tentativa havia sido feita, pela população, de proclamar Jesus como o rei dos judeus nos domínios de Filipe, irmão de Herodes.
153:1.2 (1708.1) Jesus compreendeu que estava enfrentando uma declaração direta de guerra irrestrita e aberta da parte dos seus inimigos crescentes e, ousadamente, ele escolheu assumir a ofensiva. Durante a alimentação das cinco mil pessoas, Jesus havia desafiado as idéias a respeito de um messias material; agora ele escolhia de novo contestar abertamente o conceito que tinham de um libertador judeu. Essa crise, que começou com a alimentação dos cinco mil, e que terminou com esse sermão na tarde de sábado, era o refluxo da maré do renome e da aclamação popular. Daqui por diante, o trabalho do Reino deveria ficar cada vez mais voltado à tarefa, cuja importância era progressiva, de conquistar convertidos firmes para a verdadeira fraternidade religiosa de toda a humanidade. Esse sermão marca uma crise de transição, do período de discussão, controvérsia e decisão, até aquele período de guerra aberta, para a aceitação final ou a rejeição definitiva.
153:1.3 (1708.2) O Mestre bem sabia que muitos dos seus seguidores estavam preparando as próprias mentes, vagarosa mas firmemente, para rejeitá-lo de modo definitivo. E, da mesma forma, sabia que, lenta mas seguramente, muitos dos seus discípulos estavam passando por aquele aperfeiçoamento da mente e por aquela disciplina de alma que os capacitaria a triunfar sobre a dúvida e afirmar, corajosamente, a sua fé amadurecida no evangelho do Reino. Jesus entendia plenamente como os homens se preparavam para as decisões, numa crise, e como era o efeito dos atos súbitos da escolha corajosa, pelo processo lento da escolha reiterada entre as situações recorrentes do bem e do mal. Ele submeteu os seus mensageiros escolhidos a repetidas provas de desapontamentos, e proporcionou-lhes oportunidades freqüentes e testadoras, para que escolhessem entre o modo certo e o errado de fazer frente às dificuldades espirituais. Ele soube que podia contar com os seus seguidores, quando estivessem no teste final, para tomar as suas decisões vitais de acordo com as atitudes mentais habituais e as reações espirituais, já observadas anteriormente.
153:1.4 (1708.3) Essa crise na vida terrena de Jesus começou com a alimentação dos cinco mil e terminou com esse sermão na sinagoga; a crise nas vidas dos apóstolos começou com o sermão na sinagoga e continuou por todo um ano, terminando apenas com o julgamento e a crucificação do Mestre.
153:1.5 (1708.4) Naquela tarde, quando se sentaram na sinagoga, antes de Jesus começar a falar, havia apenas um grande mistério e só uma pergunta suprema, nas mentes de todos. Tanto os seus amigos, quanto os inimigos ponderavam em torno de só um pensamento, e que era: “Por que ele próprio, de um modo tão deliberado e efetivo, deu as costas à maré de entusiasmo popular?” E foi, imediatamente antes e imediatamente depois desse sermão, que as dúvidas e o desapontamento dos seus adeptos descontentes cresceram até a oposição inconsciente e, finalmente, se transformaram em ódio de fato. Foi depois desse sermão na sinagoga que Judas Iscariotes alimentou o seu primeiro pensamento consciente de desertar. Mas, efetivamente, naqueles momentos ele controlou todas essas inclinações.
153:1.6 (1708.5) Todos estavam em estado de perplexidade. Jesus os havia deixado emudecidos e confundidos. Recentemente, ele havia executado a maior demonstração de poder sobrenatural, que caracterizaria toda a sua carreira. A alimentação dos cinco mil era o acontecimento de maior apelo da sua carreira, segundo o conceito de um Messias judeu aguardado. Mas essa extraordinária vantagem foi imediata e inexplicadamente posta de lado pela sua recusa, pronta e inequívoca, de ser feito rei.
153:1.7 (1709.1) Na sexta-feira à noite, e novamente no sábado pela manhã, os líderes de Jerusalém haviam trabalhado longa e empenhadamente, junto a Jairo, para impedir que Jesus falasse na sinagoga, mas de nada valeu. A única resposta de Jairo a todo esse pleito foi: “Eu já atendi esse pedido, e não violarei a minha palavra”.
153:2.1 (1709.2) Jesus abriu esse sermão lendo da lei como consta no Deuteronômio: “Mas acontecerá que, se esse povo não escutar a voz de Deus, as maldições da transgressão por certo o alcançarão. O Senhor vos fará esmagados pelos vossos inimigos; sereis removidos de todos os reinos da Terra. E o Senhor vos levará e levará o rei a quem entronizastes às mãos de uma nação estranha. Tornar-vos-eis um espanto, sereis como um provérbio, um exemplo entre todas as nações. Os vossos filhos e filhas irão para o cativeiro. Os estrangeiros subirão alto em autoridade no vosso meio, enquanto estareis muito abaixo. E essas coisas cairão sobre vós e sobre a vossa semente, para sempre, porque não tereis ouvido a palavra do Senhor. E, portanto, servireis aos vossos inimigos, que virão contra vós. Passareis fome e sede e vestireis o jugo estrangeiro de ferro. O Senhor, trará de longe uma nação contra vós, dos confins da Terra, uma nação cuja língua não entendereis, uma nação de rosto duro, de pouca consideração por vós. E eles vos cercarão, em todas as vossas cidades, até que caiam os muros altos fortificados, em que confiastes; e toda a terra cairá nas mãos deles. E acontecerá que sereis levados a comer os frutos dos vossos próprios corpos, a carne dos vossos filhos e filhas, durante esse tempo de cerco, por causa da penúria com a qual os vossos inimigos vos oprimirão”.
153:2.2 (1709.3) E, quando Jesus acabou essa leitura, voltou-se para os profetas e leu, de Jeremias: “‘Se não ouvirdes as palavras dos meus servidores, os profetas que eu vos enviei, então farei desta casa como em Shiló, e farei desta cidade uma maldição para todas as nações da Terra’. Os sacerdotes e instrutores ouviram Jeremias dizer essas palavras na casa do Senhor. E aconteceu que, quando Jeremias havia acabado de falar tudo aquilo que o Senhor o havia mandado dizer ao povo, os sacerdotes e os instrutores seguraram-no dizendo: ‘Tu certamente irás morrer’. Assim, todo o povo fez uma multidão em torno de Jeremias na casa do Senhor. E, quando ouviram essas coisas, os príncipes de Judá julgaram Jeremias. Então os sacerdotes e os instrutores falaram aos príncipes e a todo o povo: ‘Esse homem é digno de morrer, pois profetizou contra a nossa cidade, e vós o ouvistes com os próprios ouvidos’. Então, Jeremias falou a todos os príncipes e a todo o povo: ‘O Senhor enviou-me para profetizar contra esta casa e contra esta cidade, com todas as palavras que ouvistes. Agora, portanto, corrigi os vossos hábitos e reformai as vossas ações e obedecei a voz do Senhor, vosso Deus, para que possais escapar do mal que foi pronunciado contra vós. Quanto a mim, vede que estou nas vossas mãos. Fazei comigo como houverdes por bem e por direito aos vossos olhos. Mas sabeis, por certo, que, se me enviardes para a morte, vós derramareis sangue inocente sobre vós próprios e sobre esse povo, pois o Senhor me mandou para a verdade e para dizer todas essas palavras aos vossos ouvidos’.
153:2.3 (1710.1) “Os sacerdotes e instrutores daqueles tempos tentaram matar Jeremias, mas os juízes não consentiram; embora, pelas suas palavras de aviso, o tivessem obrigado a descer por meio de cordas até uma masmorra imunda para que afundasse na lama até às axilas. Foi isso o que esse povo fez ao profeta Jeremias, por ele haver obedecido à ordem do Senhor, de prevenir seus irmãos sobre a iminente queda política deles. Hoje desejo perguntar-vos: O que irão os sacerdotes, os chefes e os líderes religiosos desse povo, fazer com o homem que ousa avisar sobre o dia da vossa condenação espiritual? Vós também buscareis levar à morte o instrutor que ousa proclamar a palavra do Senhor e não teme mostrar como estais recusando caminhar no caminho da luz que leva à entrada do Reino do céu?
153:2.4 (1710.2) “O que buscais como evidência da minha missão na Terra? Nós vos deixamos tranqüilamente nas vossas posições de influência e poder, enquanto pregamos as boas-novas aos pobres e aos desterrados. Não fizemos nenhum ataque hostil àquilo a que mantendes reverência, mas antes proclamamos uma nova liberdade para a alma do homem, oprimida pelo medo. Eu vim ao mundo para revelar o meu Pai e para estabelecer na Terra a fraternidade espiritual dos filhos de Deus, o Reino do céu. E, não obstante, por tantas vezes, eu haver-vos relembrado de que o meu Reino não é deste mundo, ainda meu Pai concedeu- vos muitas manifestações de milagres materiais, além de transformações e regenerações espirituais evidentes.
153:2.5 (1710.3) “Que novo sinal buscai de minhas mãos? Eu declaro que já tendes evidências suficientes para poderdes formular a vossa decisão. Em verdade, em verdade, eu digo, a todos que se sentam diante de mim neste dia, que estais frente à necessidade de escolher qual caminho tomareis; e vos digo, como Joshua disse aos vossos ancestrais: ‘Escolhei, neste dia, a quem servireis’. Hoje, muitos de vós estais na encruzilhada dos caminhos.
153:2.6 (1710.4) “Quando não pudestes encontrar-me, depois do banquete da multidão, no outro lado do lago, alguns de vós alugastes barcos de pesca em Tiberíades os quais, uma semana antes, estavam sob um abrigo por perto durante uma tempestade, para saírem à minha procura, e para quê? Não para buscar a verdade e a retidão nem para que pudésseis melhor saber como servir e ministrar aos vossos semelhantes! Não, mas antes, para que tivésseis mais do pão pelo qual não trabalhastes. Não foi para preencher vossas almas com a palavra da vida, mas apenas para que pudésseis encher o ventre com o pão da facilidade. E, há muito, vos foi ensinado que, quando o Messias viesse, faria aqueles prodígios que tornariam a vida agradável e fácil para todo o povo escolhido. Não é, pois, de se estranhar que vós, que fostes educados assim, almejásseis os pães e os peixes. Mas eu vos declaro que essa não é a missão do Filho do Homem. Eu vim para proclamar a liberdade espiritual, para ensinar a verdade eterna e dar alento à fé viva.
153:2.7 (1710.5) “Meus irmãos, não ansieis pelo alimento que perece, mas buscai o alimento espiritual que nutre até à vida eterna; e esse é o pão da vida, que o Filho dá a todos que o tomarem e o comerem, pois o Pai deu, sem medidas, essa vida ao Filho. E quando me perguntastes: ‘O que devemos fazer, para executar a obra de Deus?’ Eu simplesmente vos disse: ‘Esta é a obra de Deus: que acrediteis naquele que Ele enviou’”.
153:2.8 (1710.6) E então disse Jesus, apontando o desenho de um vaso de maná que decorava o lintel dessa nova sinagoga, e que era decorado com cachos de uva: “Vós pensastes que os vossos antepassados no deserto comeram maná — o pão do céu — , mas eu vos digo que esse pão era da terra. Embora Moisés não tenha dado aos vossos pais o pão do céu, o meu Pai agora está pronto para dar-vos o verdadeiro pão da vida. O pão do céu é aquele que vem de Deus e que dá a vida eterna aos homens do mundo. E quando me disserdes: Da-nos este pão vivo; eu responderei: eu sou este pão da vida. Aquele que vem a mim não terá fome, e aquele que acredita nunca terá sede. Vós me vistes, vivestes comigo e contemplastes as minhas obras; e ainda não acreditais que tenha eu vindo do Pai. Mas aqueles que acreditam — que não temam. Todos aqueles que são conduzidos pelo Pai virão a mim e aquele que vem a mim de nenhum modo será rejeitado.
153:2.9 (1711.1) “E deixai-me agora declarar, de uma vez por todas, que eu desci à Terra, não para fazer a minha própria vontade, mas a vontade Dele que me enviou. E a vontade final Daquele que me enviou é a de que eu não perca um só dentre aqueles que a mim foram dados. E esta é a vontade do Pai: Que todo aquele que vê o Filho, e que acredita nele, terá a vida eterna. Ainda ontem eu vos alimentei com pão para os vossos corpos; hoje eu vos ofereço o pão da vida para as vossas almas famintas. E, agora, recebereis o pão do espírito com a mesma vontade com que comestes o pão deste mundo?”
153:2.10 (1711.2) E, quando Jesus parou por um momento para olhar a assistência, um dos instrutores de Jerusalém (um membro do sinédrio) levantou e perguntou: “Devo entender que dizes que tu és o pão que vem do céu, e que o maná que Moisés deu aos nossos pais no deserto não o era?” E Jesus respondeu ao fariseu: “Compreendeste certo”. Então disse o fariseu: “Mas não és Jesus de Nazaré, o filho de José, o carpinteiro? O teu pai e a tua mãe, tanto quanto os teus irmãos e irmãs, não são bem conhecidos de muitos de nós? Como é que tu apareces aqui na casa de Deus e declaras haver vindo do céu?”
153:2.11 (1711.3) Nesse momento havia muito murmúrio na sinagoga, e ocorria uma tal ameaça de tumulto que Jesus levantou-se e disse: “Sejamos pacientes, o que é verdade nunca sofre com um exame honesto. Eu sou tudo o que dizes, e sou mais. O Pai e eu somos um; o Filho apenas faz aquilo que lhe ensina o Pai, e todos aqueles que forem dados ao Filho pelo Pai, o Filho os receberá consigo. Já lestes onde está escrito, nos profetas: ‘Todos sereis ensinados por Deus’. E que: ‘Aqueles a quem o Pai ensina ouvirão também seu Filho’. Todo aquele que consente nos ensinamentos do espírito residente do Pai, finalmente virá para mim. Não que algum homem tenha visto o Pai, mas que o espírito do Pai vive dentro do homem. E o Filho que desceu do céu certamente viu o Pai. E aqueles que de fato acreditam nesse Filho já estão na vida eterna.
153:2.12 (1711.4) “Eu sou este pão da vida. Os vossos pais comeram o maná no deserto e estão mortos. Mas esse pão que desce de Deus, se um homem come dele, nunca morrerá em espírito. Eu repito, sou eu esse pão vivo; e toda alma que alcança a compreensão dessa natureza unificada, de Deus e de homem, viverá para sempre. E esse pão da vida, que eu dou a todos que o receberem, é a minha própria vida e natureza combinadas. O Pai, no Filho, e o Filho uno com o Pai — essa é a revelação que a minha vida dá ao mundo e a minha dádiva de salvação a todas as nações”.
153:2.13 (1711.5) Quando Jesus terminou de falar, o dirigente da sinagoga deu a reunião por terminada, mas ninguém queria ir embora. Alguns se amontoaram em torno de Jesus para fazer mais perguntas, enquanto outros murmuravam e discutiam entre si. E esse estado de coisas continuou por mais de três horas. Era já mais de sete horas quando a audiência finalmente dispersou- se.
153:3.1 (1712.1) Muitas foram as perguntas feitas a Jesus, após a reunião. Algumas provinham dos seus discípulos perplexos, mas a maior parte delas vinha de descrentes capciosos, que apenas queriam embaraçá-lo e tecer-lhe armadilhas.
153:3.2 (1712.2) Um dos fariseus visitantes, subindo em um pedestal, fez esta pergunta aos berros: “Tu nos dizes que és o pão da vida. Como podes dar-nos a tua carne para comermos ou o teu sangue para bebermos? De que serve o teu ensinamento se ele não pode ser colocado em prática?” E Jesus respondeu a essa pergunta, dizendo: “Eu não vos ensinei que a minha carne é o pão da vida nem que o meu sangue seja a água da vida. Mas eu disse que a minha vida na carne é uma outorga do pão do céu. O fato da Palavra de Deus outorgada à carne e o fenômeno do Filho do Homem submetido à vontade de Deus constituem uma realidade, da experiência, que é equivalente ao sustento divino. Vós não podeis comer minha carne nem podeis beber do meu sangue, mas podeis tornar-vos um em espírito comigo, do mesmo modo que eu sou uno em espírito com o Pai. Podeis ser nutridos pela palavra eterna de Deus, que é de fato o pão da vida, e que foi outorgado à semelhança da carne mortal; e podeis ter a vossa alma regada pelo espírito divino, que é verdadeiramente a água da vida. O Pai enviou-me ao mundo para mostrar como ele deseja residir nos homens e conduzi-los; e, assim, eu tenho vivido esta vida na carne para inspirar todos os homens a buscar conhecer também a vontade do Pai celeste residente e fazer a Sua vontade”.
153:3.3 (1712.3) Então, um dos espiões de Jerusalém, havendo observado Jesus e os seus apóstolos, disse: “Notamos que nem tu, nem os teus apóstolos lavais as vossas mãos apropriadamente, antes de comer o pão. Deveis saber muito bem que essa prática de comer com as mãos sujas, e sem lavá-las, é uma transgressão da lei dos mais velhos. E as vossas xícaras e os vasilhames, também não os lavais apropriadamente. Por que demonstrais tal desrespeito pelas tradições dos pais e pelas leis dos nossos anciães?” Quando Jesus o ouviu dizendo isso, respondeu: “Por que é que vós transgredis os mandamentos de Deus, segundo as leis da vossa tradição? Os mandamentos dizem: ‘Honrai o vosso pai e a vossa mãe’. E mandam que compartilheis com eles os vossos recursos, se necessário; mas vós aprovastes uma lei de tradição que permite que os filhos desobedientes digam que o dinheiro com o qual os pais poderiam ser assistidos foi ‘dado a Deus’. A lei dos anciães desobriga assim esses filhos astuciosos da sua responsabilidade, não obstante os filhos usarem, posteriormente, todo esse dinheiro para o seu próprio conforto. Por que esvaziais assim o mandamento da vossa própria tradição? Bem fez a profecia de Isaías sobre todos vós, hipócritas, dizendo: ‘Esse povo me honra com os seus lábios, mas o seu coração está longe de mim. Em vão eles me adoram, ensinando os preceitos humanos como se fossem doutrinas’.
153:3.4 (1712.4) “Podeis ver como vós estais desertando os mandamentos quando vos apegais às tradições dos homens. Estais totalmente dispostos a rejeitar a palavra de Deus ao manterdes as vossas tradições. E, de muitos outros modos, ousais estabelecer os vossos próprios ensinamentos acima da lei e dos profetas”.
153:3.5 (1712.5) Jesus então dirigiu as suas observações a todos os presentes. Ele disse: “Mas ouvi a mim, todos vós. Não é aquilo que entra na boca o que suja espiritualmente o homem, mas mais aquilo que procede da boca e do coração”. Mas mesmo os apóstolos não compreenderam o significado das suas palavras, pois Simão Pedro também lhe perguntou: “Para que alguns dos teus ouvintes não sejam desnecessariamente ofendidos, gostaríeis de explicar-nos o significado dessas palavras?” E então disse Jesus a Pedro: “Também para ti é difícil compreender? Não sabes que toda planta que o meu Pai celeste não tiver plantado será arrancada? Volta a tua atenção para aqueles que querem conhecer a verdade. Tu não podes obrigar os homens a amarem a verdade. Muitos desses instrutores são guias cegos. E tu sabes que, se um cego guia outro cego, ambos caem no fosso. Mas ouve enquanto eu te digo a verdade a respeito dessas coisas que sujam moralmente e que contaminam espiritualmente os homens. Eu declaro que não é o que entra no corpo pela boca, ou o que tem acesso à mente por meio dos olhos e ouvidos, que suja o homem. O homem só se suja por aquele mal que se origina dentro do coração, e que tem expressão nas palavras e feitos de tais pessoas ímpias. Não sabes que é do coração que saem os maus pensamentos, os projetos perversos de assassinato, de roubo, e os adultérios, junto com o ciúme, o orgulho, a ira, a vingança, as injúrias e o testemunho falso? E são essas as coisas que sujam os homens, e não que eles comam o pão com mãos que não foram lavadas segundo o cerimonial”.
153:3.6 (1713.1) Os comissários fariseus do sinédrio de Jerusalém estavam agora quase convencidos de que Jesus deveria ser apreendido sob a acusação de blasfêmia ou de insultar a lei sagrada dos judeus; e daí os esforços deles para envolvê-lo na discussão e levá-lo a um possível ataque às tradições dos anciães e às chamadas leis orais da nação. Não importa quão escassa a água pudesse estar, esses judeus tradicionalmente escravizados nunca deixariam de ir adiante com a lavação das mãos que era requerida pela cerimônia, antes de todas as refeições. Era a sua crença de que “é melhor morrer do que transgredir os mandamentos dos anciães”. Os espiões fizeram essa pergunta porque havia sido descrito que Jesus dissera que: “A salvação é uma questão mais de corações limpos do que de mãos limpas”. Mas essas crenças, quando se tornam uma parte da religião, passa a ser difícil escapar delas. Muitos anos, mesmo, depois desse dia o apóstolo Pedro ainda estava preso pelas algemas do medo, de muitas dessas tradições, sobre as coisas limpas e sobre as impuras, sendo finalmente libertado apenas quando experienciou um sonho extraordinário e vívido. Tudo isso pode ser mais bem compreendido quando é lembrado que esses judeus viam com a mesma gravidade o comer com as mãos não lavadas e o intercâmbio com uma prostituta, e que ambos os atos eram igualmente puníveis com a excomunhão.
153:3.7 (1713.2) Assim o Mestre escolheu discutir e expor a tolice de todo o sistema rabínico de regras e regulamentações, que era representado pela lei oral — as tradições dos anciães, toda ela considerada como sendo mais sagrada e mais obrigatória para os judeus, até mesmo mais do que os ensinamentos das escrituras. E Jesus falou com menos reserva porque ele sabia que a hora havia chegado em que nada mais ele podia fazer para impedir uma ruptura aberta de relações com esses líderes religiosos.
153:4.1 (1713.3) Em meio às discussões após essa reunião, um dos fariseus de Jerusalém trouxe a Jesus um jovem demente que estava possuído por um espírito indisciplinado e rebelde. Conduzindo esse menino demente até Jesus, ele disse: “O que podes fazer em uma aflição como esta? Tu podes expulsar os demônios?” E, quando olhou para o jovem, o Mestre ficou comovido de compaixão e, fazendo um sinal para que o jovem viesse até ele, tomou-o pela mão e disse: “Tu sabes quem eu sou; sai dele; e eu encarrego um dos teus companheiros leais de providenciar para que tu não voltes”. E imediatamente o jovem ficou normal e com a sua mente curada. E esse é o primeiro caso em que Jesus realmente expulsa um “espírito mau” de um ser humano. Todos os casos anteriores eram apenas de supostas possessões do demônio; mas esse era um caso genuíno de possessão demoníaca, como os que algumas vezes ocorreram naqueles dias e antes do Dia de Pentecostes, quando o espírito do Mestre foi efusionado sobre toda a carne, tornando para sempre impossível que esses poucos rebeldes celestes tirassem essa vantagem de certos tipos instáveis de seres humanos.
153:4.2 (1714.1) Quando viu o povo maravilhado, um dos fariseus levantou-se e acusou Jesus de poder fazer essas coisas porque estava em aliança com os demônios; pois ele admitia que, na sua linguagem para expulsar esse demônio, eram conhecidos um do outro; e esse fariseu continuou, afirmando que os líderes e instrutores religiosos em Jerusalém haviam decidido que Jesus fazia todos esses chamados milagres pelo poder de Belzebu, o príncipe dos demônios. Disse ainda: “Não tenhais nada a ver com esse homem; ele está de parceria com Satã”.
153:4.3 (1714.2) E então Jesus disse: “Como pode Satã expulsar Satã? Um reino dividido contra si próprio não sobrevive; se uma casa for dividida contra ela própria, ela será logo levada à ruína. Pode uma cidade suportar o cerco se não estiver unida? Se Satã expulsa Satã, ele está dividido contra si próprio; como então o seu reinado se mantém? E devias saber que ninguém pode entrar na casa de um homem forte e despojá-lo dos seus bens, a menos que, antes, se haja dominado e acorrentado aquele forte homem. E assim, se eu, pelo poder de Belzebu, expulso demônios, por quem os vossos filhos os expulsam? E é por isso que eles serão os vossos juízes. Mas se eu, pelo espírito de Deus, expulso os demônios, então o Reino de Deus realmente veio até vós. Se não estivésseis cegos pelo preconceito e corrompidos pelo medo e o orgulho, teríeis facilmente percebido que um que é maior do que os demônios está no vosso meio. Vós me obrigais a declarar que aquele que não está comigo está contra mim, e aquele que não se congrega a mim dispersa-se. Deixai-me fazer um aviso solene a vós, que, com os vossos olhos abertos, e com malícia premeditada, tendes a presunção de ousar atribuir a obra de Deus aos demônios! Em verdade, em verdade, eu vos digo, todos os vossos pecados serão perdoados, e mesmo as vossas blasfêmias, mas aquele que blasfemar contra Deus com deliberação e com má intenção nunca terá o perdão. Já que esses trabalhadores das iniqüidades não buscarão nem receberão jamais o perdão, eles são culpados do pecado de rejeitar eternamente o perdão divino.
153:4.4 (1714.3) “Muitos de vós, neste dia, chegastes à encruzilhada dos caminhos; vós começastes a fazer a escolha inevitável entre a vontade do Pai e o caminho das trevas escolhido por vós próprios. E o que escolherdes agora, assim finalmente vós sereis. Deveis fazer com que a árvore seja boa e que os frutos da árvore sejam bons, ou então a árvore se corromperá, assim como os seus frutos. Eu declaro que, no Reino eterno do meu Pai, uma árvore é conhecida pelos seus frutos. Mas alguns de vós sois como víboras; e como podeis, tendo já escolhido o mal, gerar bons frutos? Afinal, as vossas bocas falam pela abundância do mal nos vossos corações”.
153:4.5 (1714.4) Então se levantou um outro fariseu que disse: “Instrutor, gostaríamos que nos desses um sinal predeterminado, que, concordaríamos, fosse o estabelecedor da tua autoridade e do teu direito de instruir. Tu concordarás com esse arranjo?” E quando Jesus ouviu isso, ele disse: “Essa geração sem fé, e à procura de um sinal, busca uma prova, mas nenhum sinal vos será dado a não ser aqueles que vós já tendes, e aqueles que vereis quando o Filho do Homem partir de entre vós”.
153:4.6 (1714.5) E, quando acabou de falar, os seus apóstolos cercaram-no e conduziram-no para fora da sinagoga. Em silêncio foram com ele para a casa em Betsaida. Estavam todos pasmos e tomados pelo terror, de um certo modo, por causa da súbita mudança na tática de ensinamento do Mestre. Eles estavam totalmente desacostumados a vê-lo atuar de um modo tão combativo.
153:5.1 (1715.1) Jesus, a todo momento, quebrava em pedacinhos as esperanças dos seus apóstolos; repetidamente ele destruía as expectativas mais bem acalentadas deles, mas nenhum momento de desapontamento, nem tristeza, igualara-se aos que agora os surpreendiam. E, também, havia, agora, misturado à depressão deles, um medo real pela própria segurança. E estavam todos surpreendentemente assustados com a súbita e completa deserção da população. Eles estavam também um tanto amedrontados e desconcertados com a ousadia inesperada e com a determinação agressiva demonstrada pelos fariseus, que haviam vindo de Jerusalém. Mas, mais que tudo, estavam desnorteados com a súbita mudança de tática de Jesus. Sob circunstâncias normais eles teriam dado boas-vindas ao aparecimento dessa atitude mais militante; contudo, vinda como veio, junto com tanta coisa inesperada, ela assustava-os.
153:5.2 (1715.2) E agora, além de todas essas preocupações, quando eles chegaram em casa, Jesus negava-se a comer. Durante horas ele isolou-se em um dos quartos do andar de cima. Era quase meia-noite quando Joab, o líder dos evangelistas, retornou com a notícia de que cerca de um terço dos condiscípulos havia desertado a causa. Durante toda a tarde, os discípulos leais tinham vindo e ido, para informar que o recuo de sentimentos para com o Mestre era geral em Cafarnaum. Os líderes de Jerusalém não tinham sido lentos em alimentar esse sentimento de desafeto e, em todos os sentidos possíveis, em buscar promover o movimento de afastamento de Jesus e seus ensinamentos. Durante essas horas de provação, as doze mulheres encontravam-se em uma reunião na casa de Pedro. Elas estavam fortemente transtornadas, mas nenhuma delas desertou.
153:5.3 (1715.3) Era pouco mais de meia-noite quando Jesus desceu do quarto de cima e ficou entre os doze e os seus companheiros, que eram trinta pessoas ao todo. Ele disse: “Eu reconheço que essa separação no Reino vos angustia, mas é inevitável. E ainda, após toda a preparação e aperfeiçoamento que tivestes, houve alguma boa razão para tropeçardes nas minhas palavras? Por que ficais cheios de medo e de consternação ao verdes o Reino sendo despojado dessas multidões desinteressadas e desses discípulos com tão pouca disposição? Por que lamentais, quando nascendo está o novo dia do resplandecer de uma nova glória de ensinamentos espirituais do Reino do céu? Se julgastes difícil resistir a esse teste, o que fareis, então, quando o Filho do Homem retornar ao Pai? Quando e como ireis preparar-vos para quando eu ascender ao local de onde eu vim para este mundo?
153:5.4 (1715.4) “Meus amados, deveis lembrar-vos de que é o espírito que vivifica; a carne, e tudo o que a ela é pertinente, é de pouco proveito. As palavras que eu vos falei são espírito e vida. Tende ânimo! Eu não os desertei. Muitos ofender-se-ão com as afirmações francas desses dias. Vós já soubestes que muitos dos meus discípulos já recuaram; e já não caminham mais comigo. Desde o princípio eu sabia que esses crentes de coração frouxo cairiam pelo caminho. Eu não vos escolhi, e vos separei como doze homens para serem embaixadores do Reino? E agora, em um momento como este, vós também desertaríeis? Que cada um de vós examine a própria fé, pois um de vós corre um grave perigo.” E, quando Jesus acabou de falar, Simão Pedro disse: “Sim, Senhor, estamos tristes e perplexos, mas nunca te abandonaremos. Tu nos ensinaste as palavras da vida eterna. Nós acreditamos em ti e seguiremos junto contigo todo o tempo. Não recuaremos, pois sabemos que foste enviado por Deus”. E, quando Pedro parou de falar, todos eles, em um só acorde, acenaram em aprovação a essa promessa de lealdade.
153:5.5 (1716.1) Então disse Jesus: “Ide descansar, pois tempos pesados estão para vir; temos dias de muita ação pela frente”.
O Livro de Urântia
Documento 154
154:0.1 (1717.1) NA AGITADA noite de sábado, 30 de abril, enquanto Jesus proferia suas palavras de conforto e de encorajamento aos seus tristes e desnorteados discípulos, reunia-se, em Tiberíades, com Herodes Antipas, o conselho de um grupo de comissários especiais, representando o sinédrio de Jerusalém. Esses escribas e fariseus solicitavam insistentemente que Herodes prendesse Jesus; e deram o melhor de si para convencê-lo de que Jesus estava incitando a população à discórdia e mesmo à rebelião. Mas Herodes negou-se a tomar posição contra Jesus, como transgressor político. Os conselheiros de Herodes haviam informado com exatidão sobre o episódio ocorrido no lago; que o povo havia tentado proclamar Jesus como rei, e que essa proposta foi recusada por ele.
154:0.2 (1717.2) Um dos membros da família dos oficiais de Herodes, Cuza, cuja mulher pertencia ao corpo ministrante de mulheres, havia assegurado junto a Herodes que Jesus não se propunha imiscuir-se nos assuntos do governo terreno; que estava ocupado apenas com o estabelecimento da fraternidade espiritual dos seus crentes; e a essa fraternidade ele denominava o Reino do céu. Herodes confiava nos relatos de Cuza, e tanto assim que não quis interferir nas atividades de Jesus. Nessa época, Herodes se deixava também influenciar, nas suas resoluções sobre Jesus, pelo medo supersticioso de João Batista. Herodes era um daqueles judeus apóstatas que, ao mesmo tempo em que em nada acreditava, a tudo temia. Tendo a consciência pesada por haver mandado executar João, não queria envolver- se nessas intrigas contra Jesus. Sabia de muitos casos de doença que, aparentemente, haviam sido curados por Jesus e o considerava mais como um profeta ou um fanático religioso relativamente inofensivo.
154:0.3 (1717.3) Quando os judeus ameaçaram relatar a César que ele estava dando cobertura a um súdito traidor, Herodes expulsou-os da câmara de conselho. Assim, as questões acalmaram-se por uma semana e, durante esse tempo, Jesus preparou os seus seguidores para a dispersão iminente.
154:1.1 (1717.4) De primeiro a 7 de maio, Jesus manteve reuniões de aconselhamentos íntimos aos seus seguidores, na casa de Zebedeu. Apenas os discípulos fiéis e de confiança foram admitidos nessas conferências. Nessa época, havia apenas cerca de cem discípulos que tinham coragem moral para afrontar a oposição dos fariseus e para declarar abertamente a sua lealdade a Jesus. Com esse grupo ele mantinha reuniões pela manhã, à tarde e à noite. Pequenos grupos reuniam-se todas as tardes, à beira-mar; faziam perguntas, e um dos evangelistas ou apóstolos falava a eles. Esses grupos raramente contavam com mais de cinqüenta pessoas.
154:1.2 (1717.5) Na sexta-feira dessa semana foi tomada a medida oficial, pelos chefes da sinagoga de Cafarnaum, de fechar a casa de Deus, para Jesus e todos os seus seguidores. Tal medida foi tomada sob instigação dos fariseus de Jerusalém. Jairo renunciou da sua posição de direção e abertamente alinhou-se com Jesus.
154:1.3 (1718.1) O último dos encontros à beira-mar foi realizado no sábado à tarde, 7 de maio. Jesus falou para menos de cento e cinqüenta pessoas que se haviam reunido naquela ocasião. A noite desse sábado assinalou o momento de maior baixa da maré de consideração popular para com Jesus e os seus ensinamentos. Daí em diante, houve um progresso dos sentimentos favoráveis a Jesus, mas de um modo lento, se bem que contínuo, e mais saudável e confiável; um novo grupo de seguidores formou-se, e este estava mais bem ancorado na fé espiritual e na verdadeira experiência religiosa. Chegava definitivamente ao fim o estágio de transição, composto e comprometido, mais ou menos, entre os conceitos materialistas do reino, mantidos pelos seguidores do Mestre, e aqueles conceitos mais idealistas e espirituais, ensinados por Jesus. De agora em diante havia uma proclamação mais aberta do evangelho do Reino, em seu alcance mais amplo e com implicações espirituais mais vastas.
154:2.1 (1718.2) No domingo, 8 de maio, do ano 29 d.C., em Jerusalém, o sinédrio aprovou um decreto fechando todas as sinagogas, na Palestina, para Jesus e os seus seguidores. Esta foi uma nova usurpação da autoridade, e sem precedentes, da parte do sinédrio de Jerusalém. Até então cada sinagoga havia existido, e funcionado, como uma congregação independente de adoradores, ficando sob a direção e chefia da sua própria junta de governantes. Apenas as sinagogas de Jerusalém tinham estado sujeitas à autoridade do sinédrio. Essa ação sumária do sinédrio foi seguida pela renúncia de cinco dos seus membros. Cem mensageiros foram imediatamente despachados para transmitir e para impor esse decreto. Dentro do curto prazo de duas semanas todas as sinagogas na Palestina haviam-se dobrado a essa manifestação do sinédrio, exceto a sinagoga de Hebrom. Os chefes da sinagoga de Hebrom recusaram-se a reconhecer o direito do sinédrio de exercer tal jurisdição sobre a sua assembléia. Essa rejeição, de aceitar o decreto de Jerusalém, baseou-se na argumentação da autonomia da congregação, mais do que na simpatia à causa de Jesus. Pouco depois, a sinagoga de Hebrom foi destruída pelo fogo.
154:2.2 (1718.3) Nesse mesmo domingo, pela manhã, Jesus declarou uma semana de folga, solicitando a todos os seus discípulos que retornassem aos seus lares ou aos seus amigos, para descansar as suas almas perturbadas e para que dissessem palavras de encorajamento aos seres amados. Ele disse: “Ide aos seus vários locais queridos, para folgar ou pescar, ao mesmo tempo em que deveis orar para a expansão do Reino”.
154:2.3 (1718.4) Essa semana de repouso capacitou Jesus a visitar muitas famílias e grupos à beira-mar. Ele também foi pescar com Davi Zebedeu, em várias ocasiões, e, conquanto tenha ido a sós muitas das vezes, havia sempre, espreitando por perto, dois ou três dos mensageiros mais confiáveis de Davi, que haviam recebido ordens muito claras do seu dirigente sobre a salvaguarda de Jesus. Não houve nenhum ensinamento público de qualquer espécie durante essa semana de descanso.
154:2.4 (1718.5) Essa foi a semana em que Natanael e Tiago Zebedeu sofreram de uma doença um pouco mais séria. Por três dias e noites foram afligidos agudamente por uma perturbação digestiva dolorosa. Na terceira noite Jesus disse a Salomé, a mãe de Tiago, que descansasse e ficou ele próprio ministrando aos seus apóstolos que sofriam. Evidentemente que Jesus poderia ter, instantaneamente, curado esses dois homens, todavia, esse não é nem o método do Filho, nem o do Pai, de lidar com tais dificuldades e aflições comuns dos filhos dos homens nos mundos evolucionários do tempo e do espaço. Nem por uma vez, durante toda a sua movimentada vida na carne, Jesus fez qualquer espécie de ministração sobrenatural, em benefício de qualquer membro da sua família terrena ou de qualquer dos seus seguidores diretos.
154:2.5 (1719.1) As dificuldades no universo devem ser enfrentadas, como também devem ser defrontados os obstáculos planetários, tal como uma parte da experiência de aperfeiçoamento proporcionada para o crescimento e o desenvolvimento, em perfeição progressiva, das almas em evolução das criaturas mortais. A espiritualização da alma humana requer experiência íntima com uma solução educacional para uma gama ampla de problemas reais do universo. A natureza animal e as formas inferiores de criaturas volitivas não progridem favoravelmente em meio a facilidades ambientais. As situações problemáticas, combinadas com estímulos à ação, conspiram para produzir as atividades da mente, da alma e do espírito, que contribuem poderosamente para a realização de metas valiosas para o progresso mortal e para que se atinjam níveis mais elevados no destino espiritual.
154:3.1 (1719.2) Aos 16 de maio, foi realizada a segunda conferência em Tiberíades, entre as autoridades de Jerusalém e Herodes Antipas. Presentes estiveram os líderes religiosos e políticos de Jerusalém. Os líderes judeus puderam reportar a Herodes que praticamente todas as sinagogas, da Galiléia e igualmente da Judéia, estavam fechadas para os ensinamentos de Jesus. E um novo esforço foi feito para que Herodes colocasse Jesus na prisão, mas ele negou-se a atender esse pedido. Aos 18 de maio, contudo, Herodes concordou com o plano de permitir às autoridades do sinédrio que capturassem Jesus e que o levassem a Jerusalém, para ser julgado sob acusações religiosas, desde que o governador romano da Judéia estivesse de acordo com esse arranjo. Nesse meio tempo, os inimigos de Jesus espalhavam, industriosamente, por toda a Galiléia, o rumor de que Herodes havia-se tornado hostil a Jesus, e que iria exterminar todos aqueles que acreditassem nos ensinamentos dele.
154:3.2 (1719.3) No sábado à noite, 21 de maio, chegou a Tiberíades a notícia de que as autoridades civis em Jerusalém não opunham objeção ao acordo entre Herodes e os fariseus, de que Jesus fosse apreendido e levado a Jerusalém, para julgamento diante do sinédrio, sob acusações de escarnecer das leis sagradas da nação judaica. E assim, pouco antes da meia-noite desse dia, Herodes assinou o decreto que autorizava os oficiais do sinédrio a prender Jesus, nos domínios de Herodes, e a levá-lo à força a Jerusalém, para julgamento. Uma forte pressão de muitos lados foi exercida sobre Herodes, antes que ele desse a permissão; e bem sabia ele que Jesus não podia esperar um julgamento justo, diante dos seus inimigos implacáveis em Jerusalém.
154:4.1 (1719.4) Nesse mesmo sábado à noite, em Cafarnaum, um grupo de cinqüenta cidadãos importantes reuniram-se na sinagoga para discutir sobre a questão momentosa: “O que faremos com Jesus?” Eles falaram e debateram até depois da meia-noite, mas não conseguiram nenhum ponto comum para um acordo. À parte umas poucas pessoas, inclinadas à crença de que Jesus poderia ser o Messias, ou ao menos um homem santo, ou talvez um profeta, a reunião ficou dividida em quatro grupos quase iguais que sustentavam, respectivamente, os seguintes pontos de vista sobre Jesus:
154:4.2 (1719.5) 1. Que ele era um fanático religioso, iludido e inofensivo.
154:4.3 (1719.6) 2. Que ele era um agitador perigoso e astuto, que poderia incitar a rebelião.
154:4.4 (1720.1) 3. Que ele estava aliado a demônios, que poderia mesmo ser um príncipe dos demônios.
154:4.5 (1720.2) 4. Que ele estava fora de si, que estava louco, mentalmente desequilibrado.
154:4.6 (1720.3) Muito se disse, sobre as doutrinas pregadas por Jesus, que eram inquietadoras para a gente comum; os seus inimigos sustentavam que os ensinamentos dele eram impraticáveis, que tudo ruiria se todos fizessem um esforço honesto para viver de acordo com as suas idéias. E homens de muitas gerações subseqüentes disseram as mesmas coisas. Muitos homens inteligentes e bem-intencionados, mesmo na época mais esclarecida dessas revelações, sustentavam que a civilização moderna não poderia ter sido edificada sob os ensinamentos de Jesus — e, parcialmente, eles estão certos. No entanto, todos esses céticos esquecem-se de que uma civilização muito melhor poderia ter sido edificada com os mesmos ensinamentos, e o será, em alguma época. Esse mundo nunca tentou seriamente colocar em prática os ensinamentos de Jesus, em ampla escala, não obstante terem ocorrido tentativas acanhadas, de seguir as doutrinas do chamado cristianismo.
154:5.1 (1720.4) Foi um dia movimentado na vida de Jesus, o 22 de maio. Nessa manhã de domingo, antes da aurora, um dos mensageiros de Davi chegou, muito apressado, de Tiberíades, trazendo a notícia de que Herodes havia autorizado, ou estava para autorizar, que Jesus fosse preso pelos oficiais do sinédrio. O recebimento da notícia sobre esse perigo iminente levou Davi Zebedeu a despertar os seus mensageiros e a enviá-los a todos os grupos locais de discípulos, convocando-os para um conselho de emergência, às sete horas naquela manhã. Quando a cunhada de Judá (o irmão de Jesus) ouviu essa informação alarmante, ela apressou-se a passá-la a todos da família de Jesus, que residiam por perto, chamando-os para reunirem-se, sem demora, na casa de Zebedeu. E, respondendo a essa chamada apressada, em breve estavam lá reunidos Maria, Tiago, José, Judá e Rute.
154:5.2 (1720.5) Na reunião, feita de manhã cedo, Jesus deu as suas instruções de despedida aos discípulos presentes; isto é, ele despediu-se circunstancialmente, sabendo muito bem que eles logo seriam dispersados de Cafarnaum. E instruiu-os, a todos, que procurassem a orientação de Deus e que continuassem o trabalho do Reino, independentemente das conseqüências. Os evangelistas deveriam trabalhar como melhor lhes parecesse, até o momento em que fossem chamados. Ele selecionou doze dos evangelistas para acompanhá-lo; instruiu os doze apóstolos para que permanecessem com ele, não importando o que acontecesse. Às doze mulheres, ele as instruiu para que permanecessem na casa de Zebedeu e na casa de Pedro, até que ele mandasse buscá-las.
154:5.3 (1720.6) Jesus consentiu que Davi Zebedeu continuasse o seu serviço de mensageiros por todo o país e, ao dar ao Mestre a sua despedida, Davi disse: “Vai em frente com a tua obra, Mestre. Não deixes os fanáticos te pegarem, e nunca duvides de que os mensageiros te seguirão. Os meus homens nunca perderão o contato contigo e, por intermédio deles, tu saberás do Reino em outros lugares, assim como nós todos saberemos de ti. Nada que me possa acontecer interferirá nesse serviço, pois eu já apontei o primeiro líder e o segundo, e mesmo um terceiro. Não sou nem um instrutor, nem um pregador, mas está no meu coração fazer isso, e ninguém pode parar-me”.
154:5.4 (1720.7) Por volta das sete horas e trinta minutos dessa manhã, Jesus começou a sua alocução para os quase cem crentes, que tinham entrado na casa para ouvi-lo. Essa foi uma ocasião solene, para todos os presentes, e Jesus parecia estar especialmente alegre; novamente ele estava como sempre fora. Aquela seriedade, das últimas semanas, havia desaparecido e ele inspirava a todos, com as suas palavras de fé, esperança e coragem.
154:6.1 (1721.1) Aproximadamente às oito horas, nesse domingo de manhã, cinco membros da família terrena de Jesus ali chegaram, respondendo à chamada urgente da cunhada de Judá. Apenas um membro de toda a sua família na carne, Rute, acreditava de coração e continuamente na divindade da missão de Jesus na Terra. Judá e Tiago e, mesmo, José ainda mantinham grande parte da sua fé em Jesus, mas haviam permitido que o orgulho interferisse sobre o melhor do seu julgamento e sobre as suas inclinações espirituais reais. Maria estava, do mesmo modo, dividida entre o amor e o medo, entre o amor de mãe e o orgulho de família. Embora ela estivesse atormentada pelas dúvidas, nunca pôde esquecer inteiramente a visita de Gabriel, antes de Jesus nascer. Os fariseus haviam envidado esforços para persuadir Maria de que Jesus estava demente, fora de si. Eles incitaram-na a ir com os seus filhos tentar dissuadi-lo de fazer esforços maiores no ensinamento público. Eles asseguraram a Maria que logo a saúde de Jesus não resistiria e que apenas a desonra e a desgraça viriam, sobre toda a família, em conseqüência de permitir que ele continuasse. E, assim, quando chegou a notícia da cunhada de Judá, todos os cinco partiram imediatamente para a casa de Zebedeu, tendo estado juntos na casa de Maria, onde encontraram-se com os fariseus, na noite anterior. Eles haviam conversado com os líderes de Jerusalém, até alta noite, e todos estavam mais ou menos convencidos de que Jesus estava agindo estranhamente, que ele vinha agindo assim desde algum tempo. Embora Rute não pudesse explicar toda a conduta dele, ela insistia em afirmar que ele havia sempre tratado a sua família com equanimidade e se recusava a concordar com o plano de tentar dissuadi-lo de continuar com a sua obra.
154:6.2 (1721.2) A caminho da casa de Zebedeu eles conversaram sobre essas coisas e concordaram entre si que iriam tentar persuadir Jesus a vir para casa com eles; e, assim sendo, Maria falou: “Eu sei que poderia influenciar o meu filho se apenas ele pudesse vir para casa e me escutar”. Tiago e Judá haviam ouvido rumores a respeito dos planos de prender Jesus e levá-lo a Jerusalém para julgamento. Eles também temiam pela própria segurança. Enquanto Jesus tinha sido uma figura querida aos olhos do público, a sua família permitiu que as coisas continuassem, mas agora que o povo de Cafarnaum e os líderes de Jerusalém haviam subitamente se voltado contra ele, começaram todos a sentir fortemente a pressão da suposta desgraça de uma situação embaraçosa.
154:6.3 (1721.3) Eles esperavam encontrar Jesus, chamá-lo de lado e pressioná-lo a ir para casa com eles. Eles haviam pensado em assegurar-lhe de que esqueceriam que ele os havia negligenciado — eles perdoariam e esqueceriam — se apenas Jesus desistisse da tolice de tentar pregar uma nova religião, que apenas traria complicações para ele próprio e a desonra para a sua família. A tudo isso Rute apenas diria: “Vou dizer ao meu irmão que acho que ele é um homem de Deus, e que eu espero que ele esteja disposto a morrer antes de permitir que esses fariseus perniciosos ponham um fim à sua pregação”. José prometeu manter Rute em silêncio, enquanto os outros estivessem insistindo com Jesus.
154:6.4 (1721.4) Quando chegaram à casa de Zebedeu, Jesus estava exatamente no meio das suas palavras de despedida aos discípulos. Eles tentaram entrar na casa, mas estava transbordando de gente. Finalmente eles se estabeleceram na porta dos fundos e mandaram o recado a Jesus, de pessoa a pessoa, de modo que finalmente foi sussurrado a ele, por Simão Pedro, que interrompeu a sua palestra com esse propósito, e disse: “Lá fora, Mestre, estão a tua mãe e os teus irmãos, ansiosos para falar contigo”. Ora, não ocorreu à sua mãe o quão importante era a mensagem de despedida aos seus seguidores, nem sabia ela que essa despedida estava para ser interrompida a qualquer momento com a chegada dos seus captores. Após uma desavença aparente tão longa, e por causa do fato de que ela e os irmãos dele houvessem recebido a graça de vir de fato até ele, ela realmente chegou a pensar que Jesus pararia de falar e viria a eles, no momento mesmo em que soubesse que eles o estavam esperando.
154:6.5 (1722.1) E foi só mais uma dessas instâncias em que a sua família terrena não pôde compreender que ele devia cuidar dos assuntos do seu Pai. E, assim, Maria e os irmãos de Jesus ficaram profundamente magoados quando, não obstante ter ele parado a sua fala para receber a mensagem, em vez de acorrer até lá para saudá-los, ele falou com a sua voz musical em volume mais elevado: “Dize a minha mãe e aos meus irmãos que eles não deveriam temer por mim. O Pai, que me enviou ao mundo, não me abandonará; nem mal nenhum virá sobre a minha família. Pede-lhes para que tenham muita coragem e que ponham a sua confiança no Pai do Reino. Mas, afinal, quem é minha mãe e quem são meus irmãos?” E estendendo as próprias mãos para todos os seus discípulos reunidos na sala, ele disse: “Eu não tenho mãe; não tenho irmãos. Eis a minha mãe e eis os meus irmãos! Pois todo aquele que cumpre a vontade do meu Pai, que está no céu, este é a minha mãe, o meu irmão e a minha irmã”.
154:6.6 (1722.2) E, quando Maria ouviu essas palavras, ela desmaiou nos braços de Judá. Eles carregaram-na até o jardim, para reavivá-la, enquanto Jesus dizia as palavras de conclusão da sua mensagem de partida. E então, ele teria ido ter com a sua mãe e com os seus irmãos, não fosse um mensageiro haver chegado, às pressas, de Tiberíades, trazendo a notícia de que os oficiais do sinédrio estavam a caminho, com autoridade para prender Jesus e levá-lo a Jerusalém. André recebeu essa mensagem e, interrompendo Jesus, transmitiu-a a ele.
154:6.7 (1722.3) André não se lembrou que Davi havia colocado umas vinte e cinco sentinelas em volta da casa de Zebedeu, e que ninguém os tomaria de surpresa; e assim ele perguntou a Jesus o que deveria ser feito. O Mestre permanecia lá, em silêncio; enquanto a sua mãe acabara de ouvir: “Eu não tenho mãe”. E ela ficou no jardim, recuperando-se do choque causado por essas palavras, quando, exatamente nesse momento, uma mulher na sala levantou-se e exclamou: “Abençoado seja o ventre que te concebeu, e abençoados sejam os seios que te amamentaram”. Jesus voltou-se de lado e, por um momento, saiu da sua conversa com André para responder a essa mulher, dizendo: “Não, mais abençoado é aquele que ouve a palavra de Deus e que ousa obedecê-la”.
154:6.8 (1722.4) Maria e os irmãos de Jesus pensaram que Jesus não os entendera, que ele havia perdido o interesse por eles, mal entendendo que haviam sido eles que não compreenderam Jesus. Jesus compreendeu plenamente quão difícil é, para os homens, romper com o próprio passado. E sabia como os seres humanos ficam diante da eloqüência do pregador, a consciência respondendo ao apelo emocional, tanto quanto a mente responde à lógica e à razão; todavia, ele também sabia quão mais difícil é persuadir os homens a renunciar ao passado.
154:6.9 (1722.5) É para sempre certo que todos os que se julgam incompreendidos, ou não apreciados, têm em Jesus um amigo compassivo e um conselheiro compreensivo. Ele havia advertido aos seus apóstolos que os inimigos de um homem podem estar na sua própria casa, mas não havia imaginado quão próxima tal predição estaria de ser aplicada à sua própria experiência. Jesus não abandonou sua família terrena para fazer a obra do seu Pai — sua família o abandonou. Mais tarde, depois da morte e da ressurreição do Mestre, quando Tiago tornou-se ligado aos primórdios do movimento cristão, ele sofreu imensamente em conseqüência de ter deixado de fazer proveito do convívio inicial com Jesus e os seus discípulos.
154:6.10 (1723.1) Ao passar por esses acontecimentos, Jesus escolheu ser guiado pelo conhecimento limitado da sua mente humana. Ele desejava submeter-se à experiência com os seus colaboradores, como um mero ser humano. E estava na mente humana de Jesus ver a sua família antes de partir. Ele não queria parar no meio do seu discurso e assim transformar o primeiro encontro deles, depois de tanto tempo de separação, em um assunto tão público. A sua intenção era acabar a sua fala e, então, ter uma conversa com eles antes de partir dali; mas esse plano foi frustrado por uma conspiração dos acontecimentos que se seguiram imediatamente.
154:6.11 (1723.2) A pressa da fuga deles foi aumentada pela chegada de um grupo de mensageiros de Davi, pela porta dos fundos da casa de Zebedeu. O tumulto produzido por esses homens amedrontou os apóstolos, levando-os a pensar que poderiam ser aqueles que vieram prendê-los e, de medo de serem imediatamente presos, eles se precipitaram, pela entrada da frente, para o barco que esperava. E tudo isso explica por que Jesus não viu a sua família que o esperava na entrada dos fundos.
154:6.12 (1723.3) Contudo, na pressa da fuga, Jesus disse, a Davi Zebedeu, quando entrou no barco: “Dize à minha mãe e aos meus irmãos que agradeço por terem vindo, e que eu tinha a intenção de vê-los. Recomenda-lhes que não se ofendam comigo, mas que busquem conhecer a vontade de Deus e que tenham a graça e a coragem de fazer essa vontade”.
154:7.1 (1723.4) E, assim, foi nessa manhã de domingo, 22 de maio, do ano 29 d.C., que Jesus, com os seus doze apóstolos e os doze evangelistas, empreendeu essa fuga apressada, dos oficiais do sinédrio que estavam a caminho de Betsaida, com a autorização de Herodes Antipas para prendê-lo e levá-lo até Jerusalém, a julgamento, sob as acusações de blasfêmia e outras violações das leis sagradas dos judeus. Era quase oito horas e meia de uma bela manhã, quando esse grupo de vinte e cinco homens manejou os remos na direção da margem oriental do mar da Galiléia.
154:7.2 (1723.5) Uma outra embarcação menor seguia o barco do Mestre, levando seis dos mensageiros de Davi, os quais traziam instruções para manter contato com Jesus e os seus seguidores e cuidar de que a informação sobre o seu paradeiro e segurança fosse transmitida com regularidade para a casa de Zebedeu, em Betsaida; esta mesma casa serviu de centro de operações para o trabalho do Reino durante algum tempo. Mas nunca mais, novamente, Jesus faria, da casa de Zebedeu a sua casa. De agora em diante, pelo restante da sua vida na Terra, o Mestre verdadeiramente “não tinha onde recostar a sua cabeça”. Nunca mais ele teve uma morada fixa, nem mesmo algo semelhante a isso.
154:7.3 (1723.6) Eles remaram até perto da aldeia de Queresa, colocaram o barco sob a custódia de amigos, e começaram as peregrinações desse movimentado último ano da vida do Mestre na Terra. Durante um certo período eles permaneceram nos domínios de Filipe, indo de Queresa a Cesaréia-Filipe e, de lá, tomando o caminho da costa da Fenícia.
154:7.4 (1723.7) A multidão demorou-se ainda, na casa de Zebedeu, olhando os dois barcos atravessarem o lago até a margem oriental; e eles já estavam bem longe quando os oficiais de Jerusalém chegaram e iniciaram a sua busca indo atrás de Jesus. Eles se recusavam a acreditar que Jesus lhes tinha escapado e, enquanto Jesus e os seus estavam viajando na direção norte, já passando por Batanea, os fariseus e os seus assistentes passaram quase toda uma semana procurando em vão por ele, nas cercanias de Cafarnaum.
154:7.5 (1724.1) A família de Jesus voltou para a sua casa em Cafarnaum e passou quase uma semana falando, debatendo e orando. Eles estavam cheios de confusão e de consternação. Eles não tiveram paz mental até quinta-feira à tarde, quando Rute retornou de uma visita à casa de Zebedeu, onde ela soube, por Davi, que o seu pai-irmão estava a salvo e com boa saúde e a caminho da costa fenícia.
O Livro de Urântia
Documento 155
155:0.1 (1725.1) LOGO depois de aportar perto de Queresa, nesse domingo agitado, Jesus e os vinte e quatro rumaram um pouco para o norte, onde passaram a noite em um belo parque ao sul de Betsaida-Júlias. Estavam ambientados com esse local de acampamento, tendo estado lá em dias passados. Antes de se retirar para dormir, o Mestre reuniu os seus seguidores em torno de si e discutiu com eles sobre os planos para o projeto da campanha que fariam em Batanea, pelo norte da Galiléia e pela costa fenícia.
155:1.1 (1725.2) Disse Jesus: “Deveríeis todos lembrar de como o salmista falou dessas épocas, dizendo: ‘Por que se enfurecem os pagãos e os povos conspiram em vão? Os reis da Terra coroam-se a si próprios; e os governantes do povo fazem conselhos, entre si, contra o Senhor e seus consagrados, dizendo: Façamos as correntes da misericórdia em pedaços e livremo-nos dos laços do amor’.
155:1.2 (1725.3) “Hoje vedes que isso se cumpre, diante dos vossos olhos. Mas não vereis cumprido o restante da profecia do salmista, pois ele manteve idéias errôneas sobre o Filho do Homem e sua missão na Terra. O meu Reino funda-se no amor, é proclamado na misericórdia e é estabelecido por meio do serviço não-egoísta. Meu Pai não se assenta no céu, rindo em menosprezo dos pagãos. Ele não fica irado, no seu grande desprazer. Verdadeira é a promessa de que o Filho terá por herança todos os chamados pagãos (na realidade os seus irmãos ignorantes e sem instrução). E eu receberei esses gentios com os braços abertos, cheios de misericórdia e afeto. Toda a bondade amorosa será mostrada aos chamados pagãos, não obstante a infeliz declaração registrada que insinua que o Filho triunfante ‘quebrá-los-á com um cilindro de ferro e os deixará em pedaços como a um vaso de argila’. O salmista exortou-vos a ‘servir ao Senhor com temor’ — e eu vos conclamo a aceitar os privilégios elevados da filiação divina por meio da fé; ele vos comanda que rejubileis com tremores; eu vos conclamo a rejubilar-vos na certeza. Ele diz: ‘Beijai o Filho, para que ele não fique com raiva, e para que não pereçais quando a sua ira for inflamada’. E vós que vivestes comigo, bem sabeis que a raiva e a ira não são uma parte do estabelecimento do Reino do céu, nos corações dos homens. Mas o salmista apercebeu-se da verdadeira luz quando, ao terminar a sua exortação, disse: ‘Abençoados aqueles que põem a sua confiança neste Filho’”.
155:1.3 (1725.4) Jesus continuou a ensinar aos vinte e quatro, dizendo: “Os pagãos não ficam sem uma desculpa, quando se enfurecem conosco. Sendo pequeno e estreito, o seu ponto de vista leva-os a serem capazes de concentrar as suas energias entusiasticamente. A sua meta está bem próxima deles e é mais ou menos visível, razão pela qual os seus esforços são valentes e a sua execução é eficiente. Vós, que tendes professado a entrada no Reino do céu, sois de todo vacilantes demais, e indefinidos, ao conduzirdes os vossos ensinamentos. Os pagãos dão golpes diretos para conseguir os seus objetivos; vós sois culpados por possuírem demasiadas aspirações crônicas. Se desejardes entrar no Reino, por que não o tomar em um assalto espiritual, tal como os pagãos tomam uma cidade à qual eles sitiam? Dificilmente sereis dignos do Reino se o vosso serviço consistir tão primariamente em uma atitude de lamentar o passado, em queixumes quanto ao presente e em esperanças vãs para o futuro. Por que os pagãos se enfurecem? Porque não conhecem a verdade. E vós, por que enlaguescei-vos em desejos fúteis? Porque não sabeis obedecer à verdade. Cessai com os vossos anseios inúteis e ide em frente, com braveza, fazendo aquilo que diz respeito ao estabelecimento do Reino.
155:1.4 (1726.1) “Em tudo que fizerdes, não vos torneis nunca unilaterais nem excessivamente especializados. Os fariseus buscam verdadeiramente a nossa destruição, com isso pensam estar fazendo o serviço de Deus. E tornaram-se estreitos, por tradição, tanto que estão cegos pelo preconceito e endurecidos pelo medo. Considerai os gregos, eles têm uma ciência sem religião, enquanto os judeus ficam com uma religião desprovida de ciência. E, se os homens agem assim, aceitando erroneamente uma desintegração estreita e confusa da verdade, a sua única esperança de salvação é tornarem-se coordenados face à verdade — convertendo-se.
155:1.5 (1726.2) “Deixai que eu afirme enfaticamente a verdade eterna seguinte: Se vós, por uma coordenação com a verdade, aprenderdes a dar o exemplo, nas vossas vidas, dessa magnífica integridade de retidão, os vossos semelhantes humanos, então, vos seguirão para poder obter o que vós adquiristes desse modo. A medida pela qual os buscadores da verdade são atraídos para vós representa a medida do vosso dom de verdade, a vossa retidão. A escala, na qual vós tendes de vos delongar na vossa mensagem ao povo, de um certo modo, é a medida da vossa incapacidade de viver a vida reta e íntegra, a vida coordenada em relação à verdade”.
155:1.6 (1726.3) E muitas outras coisas o Mestre ensinou aos seus apóstolos e evangelistas, antes que eles lhe dessem boa-noite e fossem descansar nos seus travesseiros.
155:2.1 (1726.4) Na segunda-feira, 23 de maio pela manhã, Jesus ordenou a Pedro que fosse a Corazim com os doze evangelistas; nisso, junto com os outros onze, partiram todos para Cesaréia-Filipe, pelo caminho do Jordão, pela via Damasco-Cafarnaum, e dali para o nordeste, até a junção com a estrada de Cesaréia-Filipe, e então, entrando naquela cidade, lá permaneceram ensinando por duas semanas. Ali chegaram durante a tarde de terça-feira, 24 de maio.
155:2.2 (1726.5) Pedro e os evangelistas permaneceram em Corazim por duas semanas, pregando o evangelho do Reino a um pequeno, mas fervoroso, grupo de crentes. Porém, eles não se viram capazes de conquistar muitos novos convertidos. Nenhuma cidade em toda a Galiléia rendeu tão poucas almas para o Reino, quanto Corazim. De acordo com as instruções de Pedro, os doze evangelistas pouco mencionaram sobre as curas — e as coisas físicas — pois pregavam e ensinavam mais vigorosamente as verdades espirituais do Reino do céu. Nessas duas semanas Corazim constituiu-se em um verdadeiro batismo na adversidade para os doze evangelistas, pois foi o período mais difícil e improdutivo das suas carreiras até esse momento. Estando assim privados da satisfação de conquistar almas para o Reino, cada um deles, mais sincera e honestamente, avaliou-se dentro da própria alma confiando no seu progresso no caminho espiritual da nova vida.
155:2.3 (1726.6) Quando parecia que ninguém mais estava disposto a procurar entrar no Reino, na terça-feira, 7 de junho, Pedro reuniu os condiscípulos e partiu para Cesaréia-Filipe no intuito de juntar-se a Jesus e aos apóstolos. Eles chegaram por volta do meio-dia, na quarta-feira, e passaram toda a noite contando sobre as experiências com os incrédulos de Corazim. Durante as conversas dessa noite Jesus fez outra referência à parábola do semeador e ensinando a eles, com isso, bastante sobre o significado dos aparentes fracassos nos empreendimentos da vida.
155:3.1 (1727.1) Embora Jesus não haja feito nenhum trabalho público durante essas duas semanas de permanência perto de Cesaréia-Filipe, os apóstolos tiveram numerosos encontros calmos, à noite, na cidade, e muitos dos crentes vieram até o acampamento, para falar com o Mestre. Pouquíssimas almas foram acrescentadas ao grupo de crentes em conseqüência dessa visita. Jesus falava com os apóstolos todos os dias, e eles discerniram com mais clareza que uma nova fase do trabalho de pregação do Reino do céu agora estava tendo início. Eles estavam começando a compreender que o “Reino do céu não é comer e beber, mas, sim, realizar a alegria espiritual da aceitação da divina filiação”.
155:3.2 (1727.2) A permanência em Cesaréia-Filipe foi um teste real para os onze apóstolos; foi um período difícil, de duas semanas, que viveram. Eles estavam ainda deprimidos, sentindo falta do estímulo periódico da personalidade entusiástica de Pedro. Nesses momentos, era verdadeiramente uma grande aventura de provações acreditar em Jesus e continuar seguindo-o. Embora tenham convertido poucas pessoas durante essas duas semanas, eles aprenderam muitas coisas que seriam de bastante proveito, das conferências diárias com o Mestre.
155:3.3 (1727.3) Os apóstolos aprenderam que os judeus estavam espiritualmente estagnados e moribundos, porque eles haviam cristalizado a verdade em um credo; pois, quando a verdade é formulada como sendo uma linha limite de exclusividade, útil para que uns se considerem mais virtuosos do que os outros, em vez de servir como uma indicadora de norteamento para o progresso espiritual, esses ensinamentos perdem seu poder criativo e provedor da vida e passam a ser meramente conservadores da fossilização.
155:3.4 (1727.4) Cada vez mais, de Jesus, eles aprendiam a olhar as personalidades humanas em termos das suas possibilidades no tempo e na eternidade. Eles aprendiam que muitas almas poderão ser levadas a melhor amar a um Deus não visível se lhes for ensinado primeiro a amar os seus irmãos, os quais eles podem ver. E foi em relação a isso que um novo significado tornou-se ligado ao pronunciamento do Mestre a respeito do serviço não-egoísta para o semelhante: “Na mesma medida, o que fizerdes ao menor dos meus irmãos, a mim é que o fareis”.
155:3.5 (1727.5) Uma das grandes lições dessa estada em Cesaréia teve a ver com a origem das tradições religiosas, com o grave perigo de permitir o senso do sagrado de tornar- se vinculado a coisas não sagradas, às idéias comuns, ou aos acontecimentos cotidianos. Convictos ficaram todos, depois de uma certa conferência, com o ensinamento sobre a verdadeira religião, de que esta é, para o homem, a lealdade sincera às suas convicções mais elevadas e verdadeiras.
155:3.6 (1727.6) Jesus advertiu aos seus crentes de que, se as suas aspirações religiosas fossem apenas materiais, um conhecimento crescente da natureza iria, por um deslocamento progressivo da origem sobrenatural das coisas, em última instância, privá-los da sua fé em Deus. Mas que, se a sua religião fosse espiritual, nunca, o progresso da ciência física perturbaria a sua fé colocada nas realidades eternas e nos valores divinos.
155:3.7 (1727.7) Eles aprenderam que, quando a religião tem motivos totalmente espirituais, ela faz toda a vida melhor e mais digna de ser vivida, preenchendo-a com propósitos elevados, dignificando-a com valores transcendentes, inspirando-a com motivos magníficos e, ao mesmo tempo, confortando a alma humana com uma esperança sublime e sustentadora. A verdadeira religião destina-se a diminuir as forças extenuantes da existência; ela libera a fé e a coragem para a vida cotidiana e para o serviço não-egoísta. A fé fomenta a vitalidade espiritual e a fecundidade da retidão.
155:3.8 (1727.8) Jesus ensinou repetidamente aos seus apóstolos que nenhuma civilização poderia sobreviver por muito tempo à perda do melhor na sua religião. E ele nunca se cansou de apontar aos doze o grande perigo de se aceitar símbolos e cerimônias religiosas em lugar da experiência religiosa. Toda a sua vida terrena foi devotada consistentemente à missão de reaquecer as formas congeladas de religião, emprestando-lhes as liberdades líquidas da filiação esclarecida.
155:4.1 (1728.1) Na quinta-feira, 9 de junho pela manhã, após receber a notícia a respeito dos progressos do Reino, trazida pelos mensageiros de Davi vindos de Betsaida, esse grupo, de vinte e cinco instrutores da verdade, deixou Cesaréia-Filipe para iniciar a sua viagem à costa fenícia. Eles contornaram a parte pantanosa pelo caminho de Luz, até o ponto de junção com a trilha de Magdala-monte Líbano, e daí seguiram para o cruzamento com a estrada que leva a Sidom, chegando lá na sexta-feira à tarde.
155:4.2 (1728.2) Enquanto paravam para o almoço, à sombra de uma saliência de rocha, perto de Luz, Jesus fez um dos pronunciamentos mais notáveis que os seus apóstolos jamais haviam ouvido durante todos os anos da sua ligação com ele. Tão logo se sentaram para partir o pão, Simão Pedro perguntou a Jesus: “Mestre, já que o Pai no céu sabe de todas as coisas, e já que o espírito Dele é a nossa sustentação, no estabelecimento do Reino do céu na Terra, por que é que estamos fugindo das ameaças dos nossos inimigos? Por que nos negamos a confrontarmo-nos com os inimigos da verdade?” Mas antes de Jesus iniciar a sua resposta à pergunta de Pedro, Tomé irrompeu, perguntando: “Mestre, eu realmente gostaria de saber o que há exatamente de errado com a religião dos nossos inimigos em Jerusalém. Qual é a diferença real entre a religião deles e a nossa? Por que é que temos essa divergência de crença quando todos nós professamos servir ao mesmo Deus?” E quando Tomé terminou, Jesus disse: “Conquanto não queira eu ignorar a pergunta de Pedro, sabendo muito bem quão fácil seria interpretar mal as minhas razões para evitar um conflito aberto com os chefes dos judeus, neste momento, ainda assim, revelar-se-ia de maior ajuda para todos se eu escolhesse responder à pergunta de Tomé. E é isso que farei assim que tiverdes terminado o vosso almoço”.
155:5.1 (1728.3) Esse discurso memorável sobre a religião, resumido e reformulado em linguagem moderna, deu expressão às verdades seguintes:
155:5.2 (1728.4) As religiões do mundo têm duas origens — a natural e a da revelação — em qualquer época e em meio a qualquer povo podem ser encontradas três formas distintas de devoção religiosa. E estas três manifestações do impulso religioso são:
155:5.3 (1728.5) 1. A religião primitiva. O impulso seminatural e instintivo de temer as energias misteriosas e de adorar as forças superiores; principalmente em uma religião da natureza física; é a religião do medo.
155:5.4 (1728.6) 2. A religião da civilização. Os conceitos e as práticas religiosas, em avanço, das raças civilizadas — a religião da mente — , a teologia intelectual cuja autoridade é a tradição religiosa já preestabelecida.
155:5.5 (1728.7) 3. A verdadeira religião — a religião da revelação. A revelação dos valores supranaturais, uma visão com um discernimento parcial das realidades eternas, um vislumbre da bondade e da beleza do caráter infinito do Pai no céu — a religião do espírito, tal como fica demonstrada na experiência humana.
155:5.6 (1729.1) O Mestre recusou-se a depreciar a religião dos sentidos físicos e dos medos supersticiosos do homem natural, embora deplorasse o fato de que tanto dessa forma primitiva de adoração perdurasse nas formas de religiões das raças mais inteligentes da humanidade. Jesus deixou claro que a grande diferença entre a religião da mente e a religião do espírito é que, enquanto a primeira é sustentada pela autoridade eclesiástica, a última é totalmente baseada na experiência humana.
155:5.7 (1729.2) E, então, o Mestre, no seu momento de ensinar, continuou deixando claras as seguintes verdades:
155:5.8 (1729.3) Até que as raças se tornem altamente inteligentes e mais amplamente civilizadas, persistirão muitas dessas cerimônias infantis e supersticiosas, que são tão características das práticas da religião evolucionária dos povos primitivos e retrógrados. Enquanto a raça humana progride até o nível de um reconhecimento mais elevado e mais geral das realidades da experiência espiritual, uma grande quantidade de homens e mulheres continuará a demonstrar uma preferência pessoal por aquelas religiões autoritárias, que exigem apenas um consentimento intelectual. A religião do espírito, ao contrário, requer uma participação ativa da mente e da alma na aventura da fé, no corpo a corpo com as realidades rigorosas da experiência humana progressiva.
155:5.9 (1729.4) A aceitação das religiões tradicionais, de autoridade, apresenta uma saída fácil para a urgência que o homem tem de buscar satisfação para os anseios da sua natureza espiritual. As religiões estabelecidas, cristalizadas e bem assentadas na autoridade, proporcionam um refúgio pronto, para dentro do qual a alma desatenta e perturbada do homem pode escapar, quando fustigada pelo medo e atormentada pela incerteza. Uma tal religião solicita dos seus devotos, como preço a ser pago pelas satisfações e seguranças oferecidas, apenas um consentimento passivo e puramente mental ou intelectual.
155:5.10 (1729.5) E por muito tempo ainda viverão na Terra, esses indivíduos temerosos, hesitantes e acomodados que preferirão assegurar assim as suas consolações religiosas, ainda que, arriscando a sorte com as religiões de autoridade, comprometam a soberania da personalidade, degradem a dignidade do respeito próprio e renunciem totalmente ao direito de participar da mais emocionante e inspiradora de todas as experiências humanas possíveis: A busca pessoal da verdade, a alegria de encarar os perigos da descoberta mental, a determinação para explorar as realidades da experiência religiosa pessoal, a satisfação suprema de experienciar o triunfo pessoal da realização factual no triunfo da fé espiritual sobre a dúvida intelectual, do modo como honestamente são conquistados na aventura suprema de toda a existência humana — o homem buscando a Deus, para si próprio e por si próprio, e encontrando-O.
155:5.11 (1729.6) A religião do espírito significa esforço, luta, conflito, fé, determinação, amor, lealdade e progresso. A religião da mente — a teologia baseada na autoridade — requer pouco ou nenhum desses exercícios dos seus crentes formais. A tradição é um refúgio seguro e um caminho fácil para as almas temerosas e acanhadas, que instintivamente evitam as lutas espirituais e as incertezas mentais associadas às viagens da fé, às aventuras ousadas no alto-mar da verdade inexplorada e em busca das margens distantes de realidades espirituais. Essas realidades espirituais podem ser descobertas pela mente humana em progresso, e experimentadas pela alma humana em evolução.
155:5.12 (1729.7) E Jesus continuou dizendo: “Em Jerusalém os líderes religiosos formularam as várias doutrinas dos seus instrutores tradicionais e dos profetas de outras épocas, dentro de um sistema estabelecido de crenças intelectuais, em uma religião autoritária. O apelo de todas essas religiões dirige-se, sobretudo, à mente. E, agora, estamos para entrar em um conflito mortal com tal religião, pois iremos muito em breve começar a proclamação ousada de uma nova religião — uma religião que não é uma religião no sentido atualmente dado a essa palavra, uma religião que faz o seu apelo principal ao espírito divino do meu Pai, residente na mente do homem; uma religião que tirará a sua autoridade dos frutos da sua aceitação; e esses frutos irão certamente aparecer na experiência pessoal de todos aqueles que, real e verdadeiramente, tornarem-se os apoiadores e crentes das verdades dessa comunhão espiritual mais elevada”.
155:5.13 (1730.1) E, apontando para cada um dos vinte e quatro, e chamando-os pelo nome, Jesus disse: “E, agora, qual de vós preferiria tomar esse caminho fácil, conformando- se com uma religião estabelecida e fossilizada, como a que é defendida pelos fariseus em Jerusalém, a sofrer as dificuldades e perseguições que virão juntas com a missão de proclamar um caminho melhor de salvação para os homens, podendo, nesse caminho, experimentar a satisfação de descobrir por vós mesmos as belezas das realidades de uma experiência viva e pessoal, as verdades eternas e a grandiosidade suprema do Reino do céu? Será que sois amedrontados e moles; será que buscais coisas fáceis? Estais com medo de confiar o vosso futuro nas mãos do Deus da verdade do qual sois filhos? Estais desconfiados do Pai, cujos filhos sois vós? Será que ireis voltar ao caminho fácil da certeza e da acomodação intelectual, na religião da autoridade tradicional, ou ireis preparar-vos para ir à frente comigo, até aquele futuro incerto e turbulento, da proclamação das novas verdades da religião do espírito, o Reino do céu nos corações dos homens?”
155:5.14 (1730.2) Todos os vinte e quatro ouvintes puseram-se de pé, com a intenção de querer dar uma resposta unânime de lealdade, a esse apelo emocional de Jesus, como jamais o fizera a eles. E Jesus levantou a sua mão e impediu-os, dizendo: “Ide agora, cada um por si, cada homem a sós com o Pai; e encontrai uma resposta não emocional para a minha pergunta e, pois, havendo encontrado uma atitude verdadeira e sincera de alma, dizei a vossa resposta livre e ousadamente ao meu Pai e vosso Pai, cuja vida infinita de amor é o espírito mesmo da religião que proclamamos”.
155:5.15 (1730.3) Os evangelistas e os apóstolos separaram-se, por um curto espaço de tempo. Os seus espíritos ficaram elevados, as suas mentes inspiradas e as suas emoções tornaram-se poderosamente agitadas, por tudo o que Jesus havia dito. Mas quando André os chamou para reunirem-se, o Mestre apenas disse: “Vamos retomar a nossa viagem. Iremos para a Fenícia, onde permaneceremos um pouco, e todos vós deveríeis orar para que o Pai transforme as vossas emoções do corpo e da mente, nas lealdades mais elevadas da mente e nas experiências mais satisfatórias do espírito”.
155:5.16 (1730.4) Quando viajavam estrada abaixo, os vinte e quatro permaneceram em silêncio, mas em breve começaram a falar uns com os outros, e, às três horas daquela tarde, não conseguindo ir adiante, então pararam; e Pedro, indo até Jesus, disse: “Mestre, tu nos disseste as palavras da vida e da verdade. Nós gostaríamos de ouvir mais; nós te suplicamos que nos fales mais a respeito dessas questões”.
155:6.1 (1730.5) E, assim, enquanto estavam parados à sombra da encosta, Jesus continuou a ensinar-lhes a respeito da religião do espírito, dizendo em essência:
155:6.2 (1730.6) Vós viestes de entre os vossos companheiros que escolheram permanecer satisfeitos com uma religião da mente; eles almejam a segurança e preferem o conformismo. Vós escolhestes trocar os sentimentos, da certeza autoritária, pela segurança do espírito, que vem da fé cheia de audácia e progressão. Ousastes protestar contra a pegajosa prisão da religião institucionalizada e rejeitar a autoridade das tradições escritas, que estão agora sendo consideradas como a palavra de Deus. O nosso Pai, de fato, falou por intermédio de Moisés, Elias, Isaías, Amós e Oséias, mas Ele não cessou de ministrar palavras de verdade ao mundo, quando esses profetas antigos colocaram um ponto final nas suas afirmações. Meu Pai não tem preferências por raças, nem por gerações, no sentido de que a palavra da verdade seja condescendida a uma idade e contida em uma outra. Não cometais a loucura de chamar de divino àquilo que é totalmente humano, e não deixeis de perceber as palavras da verdade, ainda que não provindas dos oráculos tradicionais de suposta inspiração.
155:6.3 (1731.1) Eu vos convoquei a nascer de novo, a nascer do espírito. Eu vos tirei das trevas do autoritarismo, da letargia da tradição, para a luz transcendente da realização da possibilidade de fazerdes, para vós próprios, a maior descoberta que é possível à alma humana realizar — a experiência superna de encontrar Deus para vós próprios, dentro de vós próprios e por vós próprios; e de fazerdes a tudo isso, como um acontecimento na vossa própria experiência pessoal. E, assim, podereis passar da morte para a vida, do autoritarismo da tradição para a experiência de conhecer a Deus; assim vós passareis das trevas à luz, de uma fé racial herdada a uma fé pessoal conquistada pela experiência real. E, por meio disso, ireis progredir, de uma teologia da mente, passada a vós pelos vossos ancestrais, a uma verdadeira religião do espírito, que será edificada nas vossas almas como um dom eterno.
155:6.4 (1731.2) A vossa religião passará da mera crença intelectual na autoridade tradicional, para a experiência factual da fé viva, capaz de captar a realidade de Deus e tudo o que está relacionado ao espírito divino do Pai. A religião da mente vos vincula irremediavelmente ao passado; a religião do espírito consiste na revelação progressiva e vos conclama a realizações mais elevadas e mais santificadas, de ideais espirituais e de realidades eternas.
155:6.5 (1731.3) Conquanto a religião da autoridade possa comunicar um sentimento presente de segurança estabelecida; por essa satisfação transitória, vós pagais o preço da perda da vossa liberdade espiritual e da liberdade religiosa. Meu Pai não exige de vós, como preço de entrada no Reino do céu, que devêsseis forçar- vos a aceitar uma crença em coisas que são espiritualmente repugnantes, profanas e não verdadeiras. Não é exigido de vós que o vosso próprio senso de misericórdia, justiça e verdade devesse ser ultrajado pela submissão a um sistema de formas religiosas e de cerimoniais passadiços. A religião do espírito vos deixa sempre livres para seguir a verdade até onde quer que o vosso espírito vos possa conduzir. E quem pode julgar isso — talvez esse espírito tenha alguma coisa a comunicar a essa geração, que outras gerações tenham recusado-se a escutar?
155:6.6 (1731.4) Que vergonha que aqueles falsos instrutores religiosos arrastem as almas famintas de volta ao passado, distante e obscuro, e que lá as deixem! E assim essas pessoas desafortunadas ficam condenadas a tornar-se amedrontadas frente a todas as novas descobertas, a desconcertar-se com toda a nova revelação da verdade. O profeta que disse: “Aquele cuja mente permanece com Deus será mantido em perfeita paz”, não era um mero crente intelectual da teologia autoritária. Esse ser humano, conhecedor da verdade, havia descoberto a Deus; ele não estava meramente falando de Deus.
155:6.7 (1731.5) Eu aconselho-vos a desistir da prática de sempre citar os profetas de outrora e de louvar os heróis de Israel; em vez disso, aconselho que aspireis a tornar-vos os profetas vivos do Altíssimo e heróis espirituais do Reino que virá. Honrar os líderes conhecedores de Deus, do passado, pode de fato valer a pena, mas por que, ao fazer isso, deveis sacrificar a experiência suprema da existência humana: encontrar Deus por vós próprios e conhecê-Lo dentro das vossas próprias almas?
155:6.8 (1732.1) Cada raça da humanidade tem a sua própria abordagem mental da existência humana; e, pois, a religião da mente deve sempre ser fiel a esses vários pontos de vista raciais. As religiões autoritárias nunca podem chegar à unificação. A unidade humana e a fraternidade entre os mortais somente podem ser alcançadas por meio da supradotação dada pela religião do espírito. As mentes podem diferir racialmente, mas toda a humanidade é residida pelo mesmo espírito divino e eterno. A esperança da irmandade humana só pode ser realizada quando, e à medida que, as religiões mentais autoritárias divergentes tornarem-se impregnadas e ofuscadas pela religião unificadora e enobrecedora do espírito — a religião da experiência espiritual pessoal.
155:6.9 (1732.2) As religiões da autoridade só podem dividir os homens e arregimentá-los em frentes conscientes uns contra os outros; a religião do espírito, progressivamente, congregará os homens e os levará a tornar-se compreensivos e compassivos uns para com os outros. As religiões autoritárias exigem dos homens uniformidade na crença, mas isso é impossível de ser alcançado no estado presente de coisas no mundo. A religião do espírito requer apenas unidade de experiência — uniformidade de destino — , permitindo a plena diversidade de crenças. A religião do espírito requer uniformidade apenas de visão interior, não uniformidade de ponto de vista nem de enfoque. A religião do espírito não requer uniformidade de ponto de vista intelectual, requer apenas a unidade dos sentimentos espirituais. As religiões da autoridade cristalizam-se em credos sem vida; a religião do espírito cresce em alegria e na liberdade dos feitos enobrecedores, no serviço do amor e na ministração da misericórdia.
155:6.10 (1732.3) Contudo, atenção, que nenhum dentre vós olheis com desdém aos filhos de Abraão, só porque eles caíram nesses maus tempos de esterilidade tradicional. Os nossos ancestrais entregaram-se à busca persistente e apaixonada de Deus, e eles encontraram-No, como nenhuma outra raça de homens jamais O conheceu desde os tempos de Adão, que sabia muito a esse respeito, pois era ele próprio um Filho de Deus. O meu Pai não deixou de observar a luta longa e incansável de Israel, desde os dias de Moisés, para encontrar e conhecer a Deus. Durante muitas gerações os judeus não cessaram de trabalhar, de suar, sofrer, penar, suportar os sofrimentos e experimentar as tristezas de um povo incompreendido e desprezado, tudo para que pudessem chegar um pouco mais perto da descoberta da verdade sobre Deus. E, não obstante todos os fracassos e fraquezas de Israel, os nossos pais, progressivamente, desde Moisés aos tempos de Amós e Oséias, revelaram cada vez mais, a todo o mundo, uma imagem sempre mais clara e mais verdadeira do Deus eterno. E, assim, o caminho foi preparado para a revelação ainda maior do Pai, da qual vós fostes chamados a compartilhar.
155:6.11 (1732.4) Jamais esqueçais de que só há uma aventura que pode ser mais satisfatória e emocionante do que tentar descobrir a vontade do Deus vivo, e essa é a experiência suprema de tentar honestamente fazer a vontade divina. E não deixeis de lembrar-vos de que a vontade de Deus pode ser feita, em qualquer ocupação terrena. Não há vocações que sejam santas e vocações que sejam seculares. Todas as coisas são sagradas, nas vidas daqueles que são guiados pelo espírito; isto é, subordinados à verdade, enobrecidos pelo amor, dominados pela misericórdia, e controlados pela equanimidade — a justiça. O espírito que o meu Pai e eu enviaremos ao mundo não é apenas o Espírito da Verdade, mas é também o espírito da beleza idealista.
155:6.12 (1732.5) Deveis cessar de buscar a palavra de Deus apenas nas páginas dos registros antigos de autoridade teológica. Aqueles, dentre vós, que nasceram do espírito de Deus irão, doravante, discernir a palavra de Deus, independentemente de onde ela pareça ter origem. Não há que se depreciar a verdade divina pelo fato de ser aparentemente humano o canal usado para a sua apresentação. Muitos dos vossos irmãos têm mentes que aceitam a teoria de Deus, enquanto espiritualmente deixam de compreender a presença de Deus. E essa é exatamente a razão pela qual eu vos tenho tão freqüentemente ensinado que o Reino do céu pode ser mais bem compreendido, se adquirirdes a atitude espiritual sincera de uma criança. Não é a imaturidade mental da criança o que eu vos recomendo, é mais a simplicidade espiritual desse pequeno ser, a sua facilidade de crer e a confiança plena dele. Não é tão importante que devêsseis considerar o fato da existência de Deus; mais importante é que cresçais na capacidade de sentir a presença de Deus.
155:6.13 (1733.1) Quando principiardes a encontrar Deus na vossa alma, em breve vós começareis a descobri-Lo nas almas dos outros homens e, finalmente, em todas as criaturas e criações de um poderoso universo. Mas que chance tem o Pai de aparecer como um Deus de lealdades supremas, e de ideais divinos, nas almas de homens que pouco ou nenhum tempo dedicam à contemplação reflexiva de tais realidades eternas? Se bem que a mente não seja o assento da natureza espiritual, a mente é de fato o portal para essa natureza espiritual.
155:6.14 (1733.2) Não cometais, contudo, o erro de tentar provar a outros homens que vós encontrastes Deus; vós não podeis conscientemente gerar uma prova válida para tal, se bem que existam duas demonstrações positivas e poderosas do fato de que vós sois conhecedores de Deus, e elas são:
155:6.15 (1733.3) 1. Os frutos do espírito de Deus, que se mostram na rotina diária da vossa vida.
155:6.16 (1733.4) 2. O fato de todo o plano da vossa vida fornecer uma prova positiva de que vós tendes, sem reservas, arriscado tudo o que sois e que possuís, na aventura da sobrevivência após a morte, na busca da esperança de encontrar o Deus da eternidade, cuja presença vós provastes antecipadamente no tempo.
155:6.17 (1733.5) Agora, não vos equivoqueis, o meu Pai responderá sempre à mais débil chama de fé. Ele toma nota das emoções físicas e supersticiosas do homem primitivo. E com essas almas honestas, mas temerosas, cuja fé é tão fraca que não é senão um pouco mais do que a conformidade intelectual de uma atitude passiva de consentimento às religiões autoritárias, o Pai está sempre alerta para honrar e fomentar até mesmo todas essas fracas tentativas de alcançá-Lo. Mas de vós, que fostes chamados, da escuridão para a luz, é esperado que creiais de todo o coração; a vossa fé irá dominar as atitudes combinadas do corpo, da mente e do espírito.
155:6.18 (1733.6) Sois os meus apóstolos e, para vós, a religião não se transformará em um abrigo teológico, até o qual podeis fugir com medo de enfrentar as duras realidades do progresso espiritual e da aventura idealista; mas a vossa religião irá transformar-se, mais, no fato da experiência real a testificar que Deus vos encontrou, vos idealizou, vos enobreceu e vos espiritualizou, e que vos alistastes já na aventura eterna de encontrar esse mesmo Deus, que já vos encontrou e vos filiou.
155:6.19 (1733.7) E quando Jesus terminou de falar, fez um sinal a André e, apontando para o oeste, para a Fenícia, disse: “Sigamos, pois, o nosso caminho”.
O Livro de Urântia
Documento 156
156:0.1 (1734.1) NA SEXTA-FEIRA, 10 de junho à tarde, Jesus e os seus colaboradores chegaram aos arredores de Sidom, e lá se hospedaram em casa de uma próspera senhora, que havia sido paciente do hospital de Betsaida durante a época em que Jesus estava no auge da predileção popular. Os evangelistas e os apóstolos ficaram alojados com os amigos dela, na vizinhança próxima, e descansaram durante o sábado nesse ambiente repousante. Passaram quase duas semanas e meia em Sidom e nas redondezas, antes de prepararem-se para visitar as cidades da costa, ao norte.
156:0.2 (1734.2) Esse sábado, em junho, foi um dia de muita calmaria. Os evangelistas e os apóstolos todos ficaram absorvidos, nas suas meditações sobre os discursos do Mestre a respeito da religião, que eles haviam escutado a caminho de Sidom. Todos eles haviam sido capazes de apreciar um pouco daquilo que lhes havia sido dito, mas nenhum deles captara totalmente a importância desse ensinamento.
156:1.1 (1734.3) Perto da casa de Karuska, onde o Mestre estava hospedado, vivia uma mulher síria que muito havia ouvido falar de Jesus, das suas grandes curas e ensinamentos e, nesse sábado à tarde, ela veio até ele trazendo a sua filha pequena. A criança, de cerca de doze anos de idade, estava afligida por uma desordem nervosa grave, caracterizada por convulsões e outras manifestações extenuantes.
156:1.2 (1734.4) Jesus havia recomendado aos seus seguidores para que não dissessem a ninguém sobre a sua presença na casa de Karuska, explicando que desejava descansar. Eles obedeceram às instruções do Mestre, mas o serviçal de Karuska foi até a casa dessa mulher síria, Norana, e informou-lhe que Jesus estava hospedado na casa da sua patroa e estimulou essa mãe ansiosa a trazer a sua filha afligida para a cura. A mãe, evidentemente, acreditava que a sua filha estava possuída por um demônio, um espírito impuro.
156:1.3 (1734.5) Quando Norana chegou com a sua filha, os gêmeos Alfeus explicaram-lhe, por meio de um intérprete, que o Mestre estava descansando e que não devia ser incomodado; e a isso Norana replicou que ela e a sua filha permaneceriam ali até que o Mestre terminasse o seu descanso. Pedro também tentou argumentar com ela e persuadi-la a voltar para a sua casa. Explicou que Jesus estava cansado de tantos ensinamentos e curas, e que ele tinha vindo à Fenícia para um período de calma e de descanso. Mas foi inútil; Norana não iria embora. À solicitação de Pedro ela apenas respondeu: “Eu não irei embora, não antes de ver o teu Mestre. Eu sei que ele pode expulsar o demônio da minha filha, e eu não irei antes desse curador cuidar da minha filha”.
156:1.4 (1734.6) Então Tomé procurou mandar a mulher embora, mas não obteve êxito. A ele, ela redargüiu: “Eu tenho fé na capacidade que possui o vosso Mestre de poder expulsar esse demônio que atormenta a minha filha. Ouvi falar do poder dos seus trabalhos na Galiléia, e acredito nele. O que aconteceu a vós, discípulos dele, que mandais embora àqueles que vêm procurar a ajuda do vosso Mestre?” E, quando Tomé ouviu-a dizer isso, ele retirou-se.
156:1.5 (1735.1) E então Simão zelote adiantou-se para argumentar com Norana. Disse Simão: “Mulher, tu és uma gentia de fala grega. Não seria justo que esperasses que o Mestre tomasse do pão destinado aos filhos da casa favorecida, e que o atirasse aos cães”. Norana, contudo, se negou a sentir-se ofendida com a arremetida de Simão. Ela apenas disse: “Sim, professor, eu compreendi as tuas palavras. Eu sou apenas um cão, aos olhos dos judeus, mas, no que diz respeito ao teu Mestre, eu sou um cão que crê. Estou determinada a esperar que ele veja a minha filha, pois estou convencida de que, se apenas olhar para ela, ele irá curá-la. E nem mesmo tu, meu bom homem, ousarias privar os cães do privilégio de obter as migalhas que por acaso caem da mesa das crianças”.
156:1.6 (1735.2) E exatamente nesse momento a pequenina foi tomada de uma convulsão violenta, diante de todos, e a mãe gritou: “Aí está, podeis ver que a minha criança está possuída por um espírito impuro. A nossa necessidade não vos impressiona, mas certamente impressionará ao vosso Mestre, pois fui informada que ele ama a todos os homens e que ousa curar até mesmo aos gentios, quando eles crêem. Não sois dignos de ser discípulos dele. Eu só irei quando a minha filha estiver curada”.
156:1.7 (1735.3) Jesus, que havia ouvido toda essa conversa por meio de uma janela aberta, agora saía, para a surpresa de todos, e dizia: “Ó mulher, grande é a tua fé, tão grande que não consigo impedir o que desejas; toma o teu caminho em paz. A tua filha já está curada”. E a menina ficou boa a partir daquele momento. Quando Norana e a criança estavam saindo, Jesus solicitou a todos que nada dissessem a ninguém, sobre esse acontecimento; e, conquanto os seus seguidores viessem a atender esse pedido, a mãe e a criança não cessariam de proclamar o fato da cura da menina por toda a região e até mesmo em Sidom, tanto assim que Jesus julgou aconselhável mudar de alojamento, dentro de poucos dias.
156:1.8 (1735.4) No dia seguinte, ao ensinar aos seus apóstolos, comentando sobre a cura da filha da mulher síria, Jesus disse: “E tem sido assim, por todo o caminho; podeis ver por vós mesmos como os gentios podem exercer a fé salvadora nos ensinamentos do evangelho do Reino do céu. Em verdade, em verdade, eu vos digo que o Reino do Pai será tomado pelos gentios, se os filhos de Abraão não estiverem dispostos a demonstrar fé suficiente para entrarem nele”.
156:2.1 (1735.5) Ao entrar em Sidom, Jesus e os seus colaboradores passaram por uma ponte, a primeira que muitos deles viam. Quando passavam sobre essa ponte, Jesus, entre outras coisas, disse: “Este mundo é apenas uma ponte; passai por ele, mas não deveis pensar em construir nele um local de residência”.
156:2.2 (1735.6) Quando os vinte e quatro começaram os seus trabalhos, em Sidom, Jesus foi instalar-se numa casa ao norte da cidade, a casa de Justa e da sua mãe, Berenice. A cada manhã Jesus dava ensinamentos aos vinte e quatro, na casa de Justa, e eles espalhavam-se por toda a Sidom para ensinar e pregar durante as tardes e noites.
156:2.3 (1735.7) Os apóstolos e os evangelistas ficaram bastante animados pelo modo como os gentios de Sidom recebiam a mensagem deles; e, durante a sua curta estada ali, muitos foram acrescidos ao Reino. Esse período de cerca de seis semanas na Fenícia foi um tempo muito frutífero para o trabalho de conquistar almas. No entanto os escritores judeus, que mais tarde redigiram os evangelhos, habituaram- se a passar por cima e desconsiderar o registro dessa calorosa recepção aos ensinamentos de Jesus da parte desses gentios, no exato momento em que uma grande parcela dos do seu próprio povo encontrava-se mobilizada contra ele.
156:2.4 (1736.1) De muitos modos esses crentes gentios apreciaram os ensinamentos de Jesus mais integralmente do que os judeus. Muitos desses siro-fenícios de fala grega vieram saber não apenas que Jesus era como Deus, mas também que Deus era como Jesus. Esses chamados pagãos alcançaram um bom entendimento dos ensinamentos do Mestre, sobre a uniformidade das leis deste mundo e de todo o universo. Eles captaram o ensinamento de que Deus não tem preferência por pessoas, raças, nações; que não há favoritismo com o Pai Universal; que o universo obedece às leis, para sempre e integralmente, e que é também confiável. Esses gentios não tinham temor de Jesus; eles ousaram aceitar a sua mensagem. Em todas as idades, os homens não têm sido incapazes de compreender Jesus; eles têm tido medo de fazê-lo.
156:2.5 (1736.2) Jesus deixou claro para os vinte e quatro que ele não havia fugido da Galiléia porque lhe faltara coragem para enfrentar os seus inimigos. E eles compreenderam que não estava pronto para um choque aberto com a religião estabelecida, que ele não buscava tornar-se um mártir. Durante uma dessas conferências na casa de Justa, o Mestre, pela primeira vez, disse aos seus discípulos: “Ainda que passem o céu e a Terra, as minhas palavras sobre a verdade não passarão”.
156:2.6 (1736.3) O tema das instruções de Jesus durante a estada em Sidom foi a progressão espiritual. Ele disse-lhes que não podiam permanecer estagnados; que deviam ir em frente, na retidão, ou retrocederiam até o mal e o pecado. Ele advertiu-os a “esquecer aquelas coisas que estão no passado, enquanto vos adiantais para abraçar as realidades maiores do Reino”. Ele rogava-lhes que não se contentassem com a sua infância no evangelho, mas que lutassem para a realização da maturidade plena da filiação divina, na comunhão do espírito e na fraternidade dos crentes.
156:2.7 (1736.4) Disse Jesus: “Os meus discípulos não devem apenas cessar de fazer o mal, mas devem aprender a fazer o bem; vós não deveis apenas ser purificados de todos os pecados conscientes, mas deveis recusar-vos a dar abrigo até mesmo aos sentimentos de culpa. Se confessardes os vossos pecados, eles estarão perdoados; e, assim, deveis ter a consciência vazia de ofensas”.
156:2.8 (1736.5) Jesus tinha um grande prazer com o apurado senso de humor que os gentios demonstravam. O senso de humor apresentado por Norana, a mulher síria, bem como a sua grande e persistente fé tanto tocaram o coração do Mestre e como funcionaram como um grande apelo à sua misericórdia. Jesus lamentava grandemente que o seu povo — o judeu — fosse tão desprovido de humor. Certa vez disse a Tomé: “O meu povo se leva por demais a sério; eles são inteiramente desprovidos de qualquer apreciação do senso de humor. A religião pesadona dos fariseus nunca poderia ter tido origem junto a um povo com algum senso de humor. A eles também falta coerência; ficam atentos aos mosquitos, mas engolem camelos”.
156:3.1 (1736.6) Na terça-feira, 28 de junho, o Mestre e os seus companheiros deixaram Sidom, indo para a costa, até Porfírio e Heldua. Tendo sido bem recebidos pelos gentios, muitos foram acrescentados ao Reino, durante essa semana de ensinamento e pregação. Os apóstolos pregaram em Porfírio e os evangelistas ensinaram em Heldua. Enquanto os vinte e quatro estavam empenhados assim no seu trabalho, Jesus deixou-os por um período de três ou quatro dias, fazendo uma visita à cidade costeira de Beirute, onde ele esteve conversando com um sírio, de nome Malaque, que era um crente e que tinha estado em Betsaida no ano anterior.
156:3.2 (1737.1) Na quarta-feira, 6 de julho, todos retornaram a Sidom e ficaram na casa de Justa, até o domingo pela manhã, quando partiram para Tiro ao sul, ao longo da costa, passando por Sarepta, chegando a Tiro na segunda-feira, 11 de julho. A essa altura, os apóstolos e os evangelistas estavam acostumando- se a trabalhar entre esses chamados gentios que, na realidade, descendiam principalmente das primeiras tribos dos cananeus, de uma origem semítica ainda mais primitiva. Todos esses povos falavam a língua grega. Foi uma grande surpresa para os apóstolos e os evangelistas observar a avidez desses gentios ao ouvir o evangelho, e perceber a prontidão com a qual muitos deles acreditavam.
156:4.1 (1737.2) De 11 a 24 de julho, eles ensinaram em Tiro. Cada um dos apóstolos fez-se acompanhar de um evangelista e, assim, dois a dois, ensinaram e pregaram em todas as partes de Tiro e nos arredores. A população poliglota desse movimentado porto de mar ouviu-os com contentamento, e muitos foram batizados na fraternidade exterior do Reino. Jesus manteve o seu centro de apoio na casa de um judeu chamado José, um crente que vivia a uns cinco ou seis quilômetros ao sul de Tiro, não muito longe da tumba de Hiram, o qual havia sido o rei da cidade-estado de Tiro, durante os tempos de Davi e Salomão.
156:4.2 (1737.3) Diariamente, nesse período de duas semanas, os apóstolos e os evangelistas entravam em Tiro, pelo dique de Alexandre, para conduzir pequenas reuniões; e todas as noites a maioria deles voltava para o acampamento na casa de José, ao sul da cidade. Todos os dias vinham crentes da cidade para conversar com Jesus, no seu local de descanso. O Mestre falou em Tiro apenas uma vez; foi na tarde de 20 de julho, quando ensinou aos crentes a respeito do amor do Pai por toda a humanidade e sobre a missão do Filho de revelar o Pai a todas as raças de homens. Houve um tal interesse pelo evangelho do Reino, entre esses gentios nessa ocasião, que as portas do templo de Melquart foram abertas para ele; e é interessante relembrar que em anos posteriores uma igreja cristã foi edificada no mesmo local desse antigo templo.
156:4.3 (1737.4) Muitos dos líderes na manufatura da púrpura tireana, a tinta que emprestou a Tiro e a Sidom uma fama em todo o mundo, e que contribuiu tanto para que o seu comércio fosse mundial e para o seu conseqüente enriquecimento, acreditaram no Reino. Quando, pouco depois disso, o suprimento dos animais marinhos, que eram a fonte dessa tinta, começou a diminuir, esses fabricantes de tinta foram em busca do novo habitat desses moluscos. E, assim, migrando para os confins da Terra, levaram consigo a mensagem da paternidade de Deus e da irmandade dos homens — a boa-nova do evangelho do Reino.
156:5.1 (1737.5) Nessa quarta-feira à tarde, durante o seu sermão, Jesus antes contou aos seus seguidores a história do lírio branco que levanta a sua cabeça, pura como a neve, à luz do sol, enquanto as suas raízes estão enterradas no lodo e no esterco do solo escuro. Disse ele: “Conquanto o homem mortal tenha as suas raízes de origem e de ser no solo animal da natureza humana, ele pode, ainda assim, pela fé, elevar a sua natureza espiritual até a luz do sol da verdade celeste e conceber, mesmo, os frutos nobres do espírito”.
156:5.2 (1738.1) Foi durante esse mesmo sermão que Jesus fez uso da sua primeira e única parábola, que tinha a ver com o seu próprio trabalho — a carpintaria. Ao dar o seu conselho para “construir bem as fundações para o crescimento de um caráter nobre em dons espirituais”, ele disse: “Para dar os frutos do espírito, vós deveis nascer do espírito. Deveis deixar-vos ensinar pelo espírito e ser conduzidos pelo espírito, se quiserdes viver a vida plena do espírito entre os vossos semelhantes. Mas não cometais o erro do carpinteiro tolo que passa o seu precioso tempo esquadrinhando, medindo e aplainando a madeira comida pelos cupins e apodrecida por dentro, sendo que, depois de todo o seu trabalho em um barrote podre, terá de rejeitá-lo como inadequado para fazer parte das fundações da construção que seria levantada, devendo suportar os ataques do tempo e das tempestades. Que cada homem certifique-se de que as fundações intelectuais e morais do caráter sejam tais que suportem adequadamente a superestrutura da natureza espiritual, que se amplia e que enobrece, e, assim, deve transformar a mente mortal para, então, em conjunção com essa mente recriada, realizar a evolução da alma até o destino imortal. A vossa natureza espiritual — a alma, conjuntamente criada — é um desenvolvimento vivo, mas a mente e a moral do indivíduo são o solo a partir do qual essas manifestações mais elevadas, do desenvolvimento humano e do destino divino, devem florescer. O solo da alma em evolução é humano e material, mas o destino dessa criatura combinada, de mente e de espírito, é espiritual e divino”.
156:5.3 (1738.2) Na tarde desse mesmo dia, Natanael perguntou a Jesus: “Mestre, por que oramos para que Deus não nos induza à tentação, quando nós bem sabemos, pela tua revelação do Pai, que Ele nunca faz tais coisas?” Jesus respondeu a Natanael:
156:5.4 (1738.3) “Não me parece estranho que me façais tais perguntas, vendo que todos vós já começais a conhecer o Pai, como eu O conheço e não como os profetas hebreus primitivos tão vagamente O viam. Bem sabeis que vossos antepassados estavam dispostos a ver Deus em quase tudo o que acontecia. Eles procuravam o toque da mão de Deus em todos acontecimentos naturais e em cada episódio inusitado da experiência humana. Eles associavam Deus tanto ao bem quanto ao mal. Eles julgavam que Ele abrandava o coração de Moisés e endurecia o coração do Faraó. Quando o homem estava com um impulso forte de fazer alguma coisa, boa ou má, tinha o hábito de justificar essas emoções inusitadas dizendo: ‘O Senhor falou comigo assim: faze isso e faze aquilo, ou vai por aqui e por ali’. E, desse modo, já que os homens caem tão freqüente e violentamente em tentação, tornou-se um hábito dos nossos ancestrais, acreditar que Deus os induzia à tentação para testá-los, puni-los ou fortalecê-los. Mas, na verdade, sabeis melhor agora. Sabeis que os homens, muito freqüentemente, são levados à tentação pelos desejos do seu próprio egoísmo e os impulsos da sua natureza animal. Quando sois tentados desse modo, eu vos recomendo que, ao mesmo tempo em que reconheçais a tentação, honesta e sinceramente, exatamente pelo que ela é, que redirijais inteligentemente as energias do espírito, da mente e do corpo, que estão buscando expressão, para canais mais elevados e para metas mais idealistas. Desse modo vós podeis transformar as vossas tentações nos tipos mais elevados de ministração mortal edificante, ao mesmo tempo em que evitais quase inteiramente esses conflitos desgastantes e enfraquecedores entre a natureza animal e a natureza espiritual.
156:5.5 (1738.4) “Quero prevenir-vos, todavia, contra a loucura que é o afã de superar a tentação por meio do esforço de suplantar um desejo, adotando um outro desejo supostamente superior, e fazendo uso da mera força da vontade humana. Se quiserdes ser verdadeiramente triunfantes sobre as tentações da natureza inferior, deveis alcançar aquela posição de vantagem espiritual por meio da qual, real e verdadeiramente, desenvolvestes um interesse e um amor real pelas formas mais elevadas e idealistas, na conduta que a vossa mente deseja colocar no lugar daqueles hábitos inferiores e menos idealistas de comportamento e que reconheceis como sendo tentações. Desse modo, sereis libertados por meio da transformação espiritual, mais do que sobrecarregados cada vez mais com a supressão enganosa dos desejos mortais. O que é velho e inferior será esquecido no amor do novo e superior. A beleza sempre triunfa sobre a fealdade, nos corações de todos aqueles que são iluminados pelo amor da verdade. Há um forte poder de eliminação na energia de uma afeição espiritual nova e sincera. E de novo eu vos digo, não vos deixeis vencer pelo mal, mas antes triunfai junto com o bem, sobre o mal”.
156:5.6 (1739.1) Os apóstolos e os evangelistas continuaram, noite adentro, a fazer perguntas, e, das muitas respostas, gostaríamos de apresentar os pensamentos seguintes, colocados em uma linguagem moderna:
156:5.7 (1739.2) A ambição impetuosa, o julgamento inteligente e a sabedoria temperada são essenciais ao sucesso material. A liderança depende da habilidade natural, da discrição, da força de vontade e da determinação. O destino espiritual depende da fé, do amor e da devoção à verdade — a fome e sede de retidão — , do desejo de todo o coração de encontrar Deus e de ser como Ele.
156:5.8 (1739.3) Não vos desencorajeis com a descoberta de que sois humanos. A natureza humana pode ter a tendência para o mal, mas não é inerentemente pecadora. Não vos deixeis abater, caso não consigais esquecer inteiramente algumas das vossas experiências lamentáveis. Os erros que não conseguirdes esquecer no tempo serão esquecidos na eternidade. Deveis aliviar os fardos da vossa alma adquirindo rapidamente uma visão de longa distância do vosso destino, uma expansão da vossa carreira no universo.
156:5.9 (1739.4) Não cometais o erro de estimar o valor da alma pelas imperfeições da mente, nem pelos apetites do corpo. Não deveis julgar a alma, nem avaliar o seu destino pelo padrão de um único episódio humano infeliz. O vosso destino espiritual é condicionado apenas pelas vossas aspirações e propósitos espirituais.
156:5.10 (1739.5) A religião é a experiência exclusivamente espiritual da alma imortal, em evolução, do homem sabedor de Deus; e o poder moral e a energia espiritual são forças poderosas, que podem ser utilizadas para lidar com as situações sociais difíceis e resolver problemas econômicos intrincados. Esses dons morais e espirituais enriquecem todos os níveis do viver humano, tornando-os mais significativos.
156:5.11 (1739.6) Vós estais destinados a viver uma vida pequena e medíocre, se apenas amardes àqueles que vos amam. O amor humano pode de fato ser recíproco, mas o amor divino expande-se em toda a sua busca de satisfação. Quanto menos amor existir na natureza de qualquer criatura, maior é a necessidade de amor, e tanto mais o amor divino busca satisfazer a essa necessidade. O amor nunca é egoísta, e não pode ser dado a si próprio. O amor divino não pode ser autocontido; deve ser dado sem egoísmo.
156:5.12 (1739.7) Os crentes do Reino deveriam possuir uma fé implícita, deveriam acreditar, com toda a alma, no triunfo certo da retidão. Os edificadores do Reino não devem duvidar da verdade do evangelho da salvação eterna. Os crentes devem aprender cada vez mais a se colocar à parte da afobação da vida — escapando dos embaraços da existência material — , refrescando a alma, inspirando a mente e renovando o espírito por meio da comunhão na adoração.
156:5.13 (1739.8) Os indivíduos sabedores de Deus não se deixam desencorajar pelos infortúnios, nem ser abatidos pelo desapontamento. Aqueles que crêem são imunes à depressão conseqüente de perturbações puramente materiais; aqueles que levam uma vida espiritual não se deixam perturbar pelos episódios do mundo material. Os candidatos à vida eterna são praticantes de uma técnica vivificante e construtiva para enfrentar todas as vicissitudes e embaraços da vida mortal. A cada dia que um verdadeiro crente vive, ele acha mais fácil fazer a coisa certa.
156:5.14 (1740.1) A vida espiritual faz o auto-respeito aumentar vigorosamente. Mas o auto- respeito não é auto-admiração. O auto-respeito está sempre coordenado com o amor e o serviço ao semelhante. Não é possível respeitar a si próprio mais do que amar ao semelhante, um é a medida da capacidade para o outro.
156:5.15 (1740.2) Com o passar dos dias, todo verdadeiro crente torna-se mais hábil em convencer os seus semelhantes do amor pela verdade eterna. Vós não tendes hoje mais recursos para revelar a bondade à humanidade do que tínheis ontem? Neste ano, não estais mais aptos para recomendar a retidão do que estivestes no ano passado? A vossa técnica para conduzir as almas famintas ao Reino espiritual não está tornando-se cada vez mais uma arte?
156:5.16 (1740.3) Os vossos ideais estão elevados o suficiente para assegurar a vossa salvação eterna e, ao mesmo tempo, as vossas idéias estão tão práticas a ponto de fazerem de vós cidadãos úteis para funcionar bem na Terra na vossa associação com os semelhantes mortais? Em espírito, a vossa cidadania está no céu; na carne, sois ainda cidadãos dos reinos da Terra. Dai a César as coisas materiais e a Deus as coisas que são espirituais.
156:5.17 (1740.4) A medida da capacidade espiritual da alma em evolução é a vossa fé na verdade e o vosso amor pelo homem, mas a medida da vossa força humana de caráter é a vossa capacidade de resistir à ação dos rancores e a vossa capacidade de suportar o acabrunhamento em face de uma profunda mágoa. A derrota é o verdadeiro espelho no qual deveis ver, honestamente, o vosso eu real.
156:5.18 (1740.5) À medida que envelhecerdes no tempo e ficardes mais experientes nos assuntos do Reino, estareis adquirindo mais tato para lidar com os mortais importunos, e mais tolerância para conviver com os condiscípulos teimosos? O tato é o ponto de apoio da alavanca social, e a tolerância é a identificação de uma grande alma. Se vós possuirdes esses dons raros e encantadores, com o passar dos dias tornar- vos-eis mais alertas e experientes nos vossos valiosos esforços de evitar todos os mal-entendidos sociais desnecessários. As almas assim sábias são capazes de evitar muitas das complicações que certamente são o quinhão de todos aqueles que sofrem da falta de ajustamento emocional, daqueles que se recusam a crescer, e daqueles que se recusam a envelhecer com galhardia.
156:5.19 (1740.6) Evitai a desonestidade e a injustiça, em todos os vossos esforços de pregar a verdade e para proclamar o evangelho. Não busqueis um reconhecimento que não vem do esforço e nenhuma compaixão ou simpatia imerecida. Amai, recebei livremente das fontes divinas e humanas, independentemente do vosso mérito, e amai livremente em retribuição. Mas em todas as outras coisas relacionadas à honra e à adulação, buscai tão somente o que honestamente vos couber.
156:5.20 (1740.7) O mortal consciente de Deus está certo da sua salvação; ele é destemido na sua vida, é honesto e coerente. Ele sabe como suportar com bravura os sofrimentos inevitáveis; não se queixa quando enfrenta os sofrimentos inescapáveis.
156:5.21 (1740.8) O verdadeiro crente não fica cansado de fazer o bem, apenas porque encontra oposições. A dificuldade aguça o fervor do amante da verdade, e os obstáculos apenas incitam mais o empenho dos construtores destemidos do Reino.
156:5.22 (1740.9) E muitas outras coisas Jesus ensinou a todos eles, antes de se aprontarem para partir de Tiro.
156:5.23 (1740.10) No dia antes de deixar Tiro, e retornar para a região do mar da Galiléia, Jesus reuniu os seus companheiros e ordenou aos doze evangelistas que retornassem por um itinerário diferente daquele que ele e os doze apóstolos deviam tomar. E depois que os evangelistas separam-se de Jesus, ali em Tiro, nunca mais voltaram a estar tão intimamente ligados a ele.
156:6.1 (1741.1) Por volta do meio-dia de domingo, 24 de julho, Jesus e os doze deixaram a casa de José, no sul de Tiro, indo até Ptolemais, pela costa. E permaneceram lá, por um dia, dizendo palavras confortantes ao grupo de crentes residentes naquele local. Pedro pregou a eles na noite de 25 de julho.
156:6.2 (1741.2) Na terça-feira, deixaram Ptolemais, indo para o interior a leste até perto de Jotapata, pela estrada de Tiberíades. Na quarta-feira, pararam em Jotapata e deram aos crentes novas instruções sobre as coisas do Reino. Na quinta-feira, deixaram Jotapata, indo para o norte, pela trilha de Nazaré, ao monte Líbano e até a aldeia de Zebulom, passando por Ramá. Realizaram encontros em Ramá, na sexta-feira, e ficaram lá para o sábado. Chegaram a Zebulom, no domingo, dia 31, fazendo uma reunião nessa noite e partindo na manhã seguinte.
156:6.3 (1741.3) Deixando Zebulom, viajaram para o entroncamento com a estrada Magdala-Sidom, perto de Giscala, e dali tomaram o caminho de Genesaré, na costa oeste do lago da Galiléia, ao sul de Cafarnaum, onde haviam marcado de encontrar-se com Davi Zebedeu, e onde tinham a intenção de aconselhar-se quanto ao próximo passo a ser dado, no trabalho de pregar o evangelho do Reino.
156:6.4 (1741.4) Durante uma breve conversa com Davi eles souberam que muitos líderes estavam, então, reunidos no lado oposto do lago, perto de Queresa e, desse modo, naquela mesma tarde, um barco levou-os ao outro lado. Por um dia, descansaram tranqüilamente nas colinas, indo, no dia seguinte, para o parque perto dali, onde o Mestre certa vez havia alimentado cinco mil pessoas. Ali, descansaram por três dias e fizeram conferências diárias, as quais foram presenciadas pelos cinqüenta homens e mulheres remanescentes daquele que havia sido o numeroso grupo de crentes residentes em Cafarnaum e arredores.
156:6.5 (1741.5) Enquanto Jesus esteve ausente de Cafarnaum e da Galiléia, no período da estada na Fenícia, os seus inimigos estimaram que todo o movimento havia sido desmembrado, e, concluíram que a pressa de Jesus, de retirar-se, indicava que ele estava tão profundamente amedrontado que, provavelmente, não voltaria para incomodá-los. Toda a oposição ativa aos ensinamentos do Mestre havia diminuído. Os crentes estavam começando a ter encontros públicos novamente, e ocorria uma consolidação gradual, mas efetiva, dos sobreviventes verdadeiros, testados na grande filtragem pela qual os crentes no evangelho tinham acabado de passar.
156:6.6 (1741.6) Filipe, irmão de Herodes, havia-se tornado um crente, todavia ainda pouco convicto, de Jesus, mas mesmo assim mandou dizer que o Mestre estava livre para viver e trabalhar nos seus domínios.
156:6.7 (1741.7) O mandado, de fechar as sinagogas do mundo judeu, aos ensinamentos de Jesus e todos os seus seguidores, havia funcionado adversamente para os escribas e fariseus. Imediatamente depois que Jesus, objeto da controvérsia, havia-se retirado, adveio uma reação em meio ao povo judeu; surgiu um ressentimento geral contra os líderes fariseus e o sinédrio em Jerusalém. Muitos dos dirigentes das sinagogas começaram sub-repticiamente a abrir as suas sinagogas para Abner e seus condiscípulos, alegando que esses instrutores eram seguidores de João e não discípulos de Jesus.
156:6.8 (1741.8) Até mesmo Herodes Antipas experimentou uma mudança de sentimentos, tanto que, ao tomar conhecimento de que Jesus permanecia no outro lado do lago, no território do seu irmão Filipe, fez saber a este que, embora houvesse assinado o mandado da prisão de Jesus na Galiléia, não havia comandado a prisão dele na Peréia, indicando assim que o Mestre não seria molestado, se permanecesse fora da Galiléia; e comunicou esse mesmo comando aos judeus, em Jerusalém.
156:6.9 (1742.1) E essa era a situação por volta do dia primeiro de agosto, do ano 29 d.C., quando o Mestre retornou da missão na Fenícia e começou a reorganização das suas forças desmembradas e exauridas, e provadas, pois, para esse memorável último ano da sua missão na Terra.
156:6.10 (1742.2) Os motivos da batalha ficam claramente definidos, enquanto o Mestre e os seus colaboradores preparam-se para iniciar a proclamação de uma nova religião, a religião do espírito do Deus vivo que reside nas mentes dos homens.
O Livro de Urântia
Documento 157
157:0.1 (1743.1) ANTES de levar os doze para uma curta estada na vizinhança de Cesaréia-Filipe, Jesus arranjou, por meio dos mensageiros de Davi, para que fosse a Cafarnaum, no domingo, 7 de agosto, com o propósito de encontrar- se com a sua família. Segundo o combinado, esse encontro deveria acontecer na oficina de barcos de Zebedeu. Davi Zebedeu havia arranjado com Judá, irmão de Jesus, para que toda a família de Nazaré estivesse presente — Maria e todos os irmãos e irmãs de Jesus — , e Jesus foi, com André e Pedro, ao encontro marcado. Certamente era a intenção de Maria e dos seus filhos manter o compromisso, mas aconteceu que um grupo de fariseus, sabendo que Jesus estava do lado oposto do lago, nos domínios de Filipe, decidiu encontrar-se com Maria para saber tudo o que fosse possível sobre o paradeiro dele. A chegada desses emissários de Jerusalém deixou Maria muito perturbada e, notando a tensão e o nervosismo de toda a família, eles deduziram que uma visita de Jesus deveria estar sendo esperada. E, desse modo, instalaram-se na casa de Maria e, depois de chamarem por reforços, esperaram pacientemente pela chegada dele. E isso, na verdade, impediu definitivamente que qualquer membro da família tentasse ir ao compromisso marcado com Jesus. Por várias vezes, durante o dia, tanto Judá quanto Rute tentaram iludir a vigilância dos fariseus, nos seus esforços de mandar avisar a Jesus, mas esse esforço foi em vão.
157:0.2 (1743.2) Cedo, na parte da tarde, os mensageiros de Davi trouxeram a Jesus a informação de que os fariseus estavam acampados na porta de entrada da casa da sua mãe e que, portanto, ele não devia tentar visitar a sua família. E assim novamente, se bem que não por culpa de ninguém, Jesus e a sua família terrena deixaram de ter contato.
157:1.1 (1743.3) Enquanto Jesus junto com André e Pedro permaneciam perto do lago, na oficina de barcos, veio um coletor de impostos do templo e, reconhecendo Jesus, chamou Pedro de lado e disse: “O teu Mestre não paga o imposto do templo?” Pedro estava inclinado a mostrar indignação com a sugestão de que se esperava que Jesus contribuísse para a manutenção das atividades religiosas dos seus inimigos jurados, mas, percebendo uma expressão peculiar no rosto do coletor, ele acertou em supor que o propósito era pegá-los no ato de recusarem-se a pagar o costumeiro meio siclo para sustentar os serviços do templo em Jerusalém. E, desse modo, Pedro respondeu: “Pois não, é claro que o Mestre paga a taxa do templo. Espere no portão, e logo eu voltarei com o dinheiro do imposto”.
157:1.2 (1743.4) Ora, Pedro havia falado sem refletir. Judas, que tinha a posse dos fundos, estava do outro lado do lago. Nem ele, nem o seu irmão, nem Jesus haviam trazido qualquer dinheiro consigo. E sabendo que os fariseus estavam procurando-os, eles não podiam ir a Betsaida para conseguir o dinheiro. Quando Pedro contou a Jesus sobre o coletor, e que havia prometido o dinheiro a ele, Jesus disse: “Se prometeste, então devereis pagar. Mas com o que irás cumprir o prometido? Tu irás tornar-te de novo um pescador para poder honrar a tua palavra? Entretanto, Pedro, nestas circunstâncias é bom que paguemos o imposto. Não podemos dar a esses homens a oportunidade de se ofenderem com alguma atitude nossa. Esperaremos aqui, enquanto tu vais com o barco, jogar a rede buscando os peixes e, quando os houveres vendido, lá no mercado, pagarás ao coletor por todos nós três”.
157:1.3 (1744.1) Tudo isso tinha sido ouvido pelo mensageiro secreto de Davi que havia ficado por perto, e que então fez um sinal para um companheiro, que pescava perto da margem, para que viesse depressa. Quando Pedro estava pronto para sair no barco e pescar, esse mensageiro e o seu amigo pescador presentearam-lhe com várias cestas grandes de peixes e ajudaram-no a carregá-las para perto dali até o mercador de peixes, que os comprou, pagando um valor suficiente para que, com uma ajuda do mensageiro de Davi, se pagasse o imposto do templo para os três. O coletor aceitou o dinheiro, antecipando a penalidade pelo pagamento atrasado, por terem estado durante algum tempo ausentes da Galiléia.
157:1.4 (1744.2) Não é de se estranhar que os vossos registros tragam uma cena de Pedro pegando um peixe que tinha um dinheiro na boca. Naqueles dias corriam muitas histórias sobre achar tesouros na boca de peixes; tais lendas de cunho quase miraculoso eram comuns. Assim, quando Pedro os deixou para ir ao barco, Jesus observou, não sem um certo humor: “Estranho que os filhos do rei devam pagar tributo; em geral é um estrangeiro que é taxado para ficar na corte, mas convém que não deixemos nada em que as autoridades possam tropeçar. Vai! Talvez tu pegues o peixe com o dinheiro na boca”. Jesus teria falado assim, e Pedro, tão rapidamente, teria voltado com o dinheiro do imposto; com isso não é de se surpreender que o episódio se tenha espalhado, mais tarde, transformado em um milagre como está registrado pelo escritor do Evangelho Segundo Mateus.
157:1.5 (1744.3) Jesus, André e Pedro esperaram na praia até quase o entardecer. Os mensageiros trouxeram-lhes a informação de que a casa de Maria estava ainda sob vigilância; portanto, quando escureceu, os três homens que esperavam, entraram no barco e remaram lentamente para a margem oriental do mar da Galiléia.
157:2.1 (1744.4) Na segunda-feira, 8 de agosto, enquanto Jesus e os doze apóstolos estavam acampados no parque de Magadam, perto de Betsaida-Júlias, mais de cem crentes, os evangelistas, o corpo de mulheres e outros interessados no estabelecimento do Reino vieram de Cafarnaum para uma conferência. E muitos dos fariseus, sabendo que Jesus estava lá, vieram também. Nessa altura, alguns dos saduceus haviam-se unido aos fariseus no intuito de pegar Jesus em uma cilada. Antes de ir para a conferência reservada com os crentes, Jesus teve um encontro público no qual os fariseus estiveram presentes, e eles incomodaram o Mestre com perguntas e procuraram perturbar a assembléia de outras maneiras. Disse o líder dos perturbadores: “Mestre, gostaríamos que nos desse um sinal da autoridade que tens para ensinar, e, então, quando esse sinal acontecer, todos os homens venham a saber que tu foste enviado por Deus”. E Jesus respondeu- lhes: “Quando for a tardinha, vós direis que fará bom tempo, porque o céu está vermelho; pela manhã direis que fará mau tempo, porque o céu está vermelho e que as nuvens abaixaram. Quando virdes uma nuvem subindo a oeste, direis que as chuvas virão; quando o vento soprar do sul, direis que virá um calor tórrido. Como é que sabeis tão bem discernir a face dos céus, se sois tão incapazes para discernir os sinais dos tempos? Para aqueles que conhecem a verdade, já foi dado um sinal; mas para uma geração hipócrita e com a mente cheia de maldade, nenhum sinal será dado”.
157:2.2 (1745.1) E, depois de dizer isso, Jesus retirou-se e preparou-se para a conferência da noite com os seus seguidores. Nessa conferência, ficou decidido que seria organizada uma missão unificada em todas as cidades e aldeias da Decápolis, tão logo Jesus e os doze voltassem da visita que fariam a Cesaréia-Filipe. O Mestre participou do planejamento da missão da Decápolis e, ao despedir-se do grupo, falou: “Eu vos digo: tende cuidado com a influência dos fariseus e dos saduceus. Não vos enganeis com a exibição de um grande saber e a profunda lealdade que demonstram ter às formas da religião. Preocupai-vos apenas com o espírito da verdade viva e com o poder da verdadeira religião. Não é o medo de uma religião morta que vos salvará, mas sim a vossa fé em uma experiência viva, com as realidades espirituais do Reino. Não permitais, a vós próprios, tornar-vos cegos pelo preconceito e paralisados pelo medo. Nem permitais à reverência às tradições desvirtuar o vosso entendimento daquilo que os vossos olhos não vêem e os vossos ouvidos não ouvem. O propósito da verdadeira religião não é meramente trazer a paz, mas sim assegurar o progresso. E não pode haver paz no coração, nem progresso na mente se não estiverdes amando de todo o coração a verdade e os ideais das realidades eternas. As questões da vida e da morte estão sendo colocadas bem diante de vós — os prazeres pecaminosos do tempo contra as realidades justas da eternidade. E, agora mesmo, devíeis começar a encontrar a libertação da servidão do medo e da dúvida, ao entrardes na nova vida da fé e da esperança. E, quando os sentimentos do serviço ao vosso semelhante nascerem na vossa alma, não os sufoqueis; quando as emoções do amor pelo vosso semelhante brotarem dentro do vosso coração, deveis dar expressão a esses impulsos de afeto, na ministração inteligente às necessidades reais dos vossos semelhantes”.
157:3.1 (1745.2) Cedo, naquela manhã de terça-feira, Jesus e os doze apóstolos saíram do parque de Magadam rumo a Cesaréia-Filipe, a capital de domínio do tetrarca Filipe. Cesaréia-Filipe situava-se em uma região de uma beleza magnífica. Estava abrigada em um vale encantador, entre colinas, por onde o Jordão corria, saindo de uma grota subterrânea. O cimo do monte Hermom proporcionava visão plena para o norte, enquanto das colinas ao sul tinha-se uma vista magnífica do alto Jordão e do mar da Galiléia.
157:3.2 (1745.3) Jesus havia ido ao monte Hermom nas suas primeiras experiências com os assuntos do Reino, e, agora que estava entrando na época final do seu trabalho, desejava retornar a esse lugar de provações e de triunfos, onde esperava que os apóstolos pudessem ganhar uma nova visão das próprias responsabilidades e adquirir uma nova força, para os períodos difíceis que viriam. À medida que caminhavam, quando passaram ao sul das Águas de Merom, os apóstolos começaram a conversar entre si sobre as suas experiências recentes na Fenícia e em outros lugares, e comentaram como a mensagem deles havia sido recebida e como os diferentes povos consideravam o seu Mestre.
157:3.3 (1745.4) Ao pararem para o almoço, Jesus subitamente lançou, pela primeira vez aos doze, uma pergunta tal como jamais havia feito, a respeito de si próprio. Esta foi a pergunta surpreendente que lhes fez Jesus: “Quem os homens dizem que sou?”
157:3.4 (1746.1) Jesus passara longos meses treinando esses apóstolos, quanto à natureza e ao caráter do Reino do céu, sabendo muito bem que havia chegado a época em que devia começar a ensinar a eles mais sobre a sua própria natureza e a sua relação pessoal com o Reino. E agora, com eles assentados sob as amoreiras, o Mestre estava pronto para ter um dos diálogos mais memoráveis da sua longa ligação com os apóstolos escolhidos.
157:3.5 (1746.2) Mais da metade dos apóstolos participou das respostas à pergunta de Jesus. Eles disseram que era considerado um profeta, ou um homem extraordinário, por todos que o conheciam, e que, mesmo os seus inimigos, o temiam muito, explicando os seus poderes por meio da acusação de que estava coligado ao príncipe dos demônios. Disseram-lhe que algumas pessoas na Judéia e em Samaria, que não o haviam conhecido pessoalmente, acreditavam que ele era João Batista ressuscitado dos mortos. Pedro explicou que ele havia sido, em várias épocas e por várias pessoas, comparado a Moisés, Elias, Isaías, e Jeremias. Depois de ouvir tudo isso, Jesus colocou-se sobre os próprios pés e, olhando para os doze assentados em volta dele em um semicírculo, apontou, com ênfase surpreendente, para eles com um gesto expressivo de mão, para perguntar: “Mas, e vós, quem dizeis que eu sou?” Houve um momento de silêncio tenso. Nenhum dos doze tirava os olhos do Mestre e, então, Simão Pedro, colocando-se de pé bruscamente, exclamou: “Tu és o Libertador, o Filho do Deus vivo”. E os outros onze apóstolos assentados levantaram- se e, em uma só voz, deram a entender que Pedro havia falado por todos eles.
157:3.6 (1746.3) Depois, Jesus acenou-lhes para que se assentassem de novo, ficando ainda de pé diante deles, para dizer: “Isso lhes foi revelado pelo meu Pai. É chegada a hora em que deveis saber a verdade sobre mim. Mas por enquanto eu vos peço que não digais nada sobre isso a nenhum homem. Vamos embora daqui”.
157:3.7 (1746.4) E, assim, retomaram a viagem a Cesaréia-Filipe, chegando tarde naquela noite e parando na casa de Celsus, que os aguardava. Os apóstolos dormiram pouco naquela noite; demonstravam sentir que um grande fato havia acontecido nas suas vidas de trabalho do Reino.
157:4.1 (1746.5) Desde as duas ocasiões, do batismo de Jesus, feito por João, e da transformação da água em vinho em Caná, em vários momentos, os apóstolos haviam virtualmente aceito Jesus como o Messias. Durante curtos períodos, alguns deles tinham verdadeiramente acreditado que era ele o Libertador esperado. Mas mal essas esperanças surgiam nos seus corações e o Mestre despedaçava-as com alguma palavra que os esmagava ou com um feito que os desapontava. Eles haviam estado, há algum tempo já, fortemente agitados devido ao conflito entre o conceito do Messias esperado, que eles acalentavam nas suas mentes, e a experiência fascinante do convívio que vinham tendo com aquele homem também extraordinário, o qual eles mantinham nos seus corações.
157:4.2 (1746.6) Era já o final da manhã dessa quarta-feira, quando os apóstolos reuniram-se no jardim de Celsus para a refeição do meio-dia. Durante a maior parte da noite, e desde que eles se tinham levantado naquela manhã, Simão Pedro e Simão zelote haviam estado trabalhando sinceramente com os seus irmãos, para trazê-los até aquele ponto de aceitação, de todo o coração, do Mestre, não meramente como o Messias, mas também como o Filho divino do Deus vivo. Os dois Simãos estavam quase de acordo, nas suas considerações sobre Jesus, e trabalharam diligentemente para trazer os seus irmãos à plena aceitação da visão que eles tinham. Enquanto André continuava como dirigente geral do corpo apostólico, o seu irmão, Simão Pedro, estava tornando-se, por consenso geral, cada vez mais, o porta-voz dos doze.
157:4.3 (1747.1) Estavam todos assentados no jardim, exatamente ao meio-dia, quando o Mestre apareceu. Eles exibiam expressões de solenidade dignificada, e todos se puseram de pé quando Jesus se aproximou deles. E Jesus aliviou a tensão com aquele sorriso amigável e fraterno, tão característico dele quando acontecia que os seus seguidores levavam a si próprios, ou a algum acontecimento ligado a eles, demasiadamente a sério. Com um gesto de comando, indicou que deveriam todos se sentar. Nunca mais os doze saudaram o seu Mestre levantando-se, quando ele se aproximava. Aperceberam-se de que ele não aprovava uma demonstração tão exteriorizada de respeito.
157:4.4 (1747.2) Depois de haver compartilhado a refeição e quando estavam empenhados em discutir os planos da próxima viagem pela Decápolis, Jesus, subitamente olhando-os nos seus rostos, disse: “Agora, que se passou todo um dia, desde que vós consentistes na declaração de Simão Pedro a respeito da identidade do Filho do Homem, eu gostaria de perguntar se ainda vos mantendes fiéis àquela conclusão?” Ao escutar isso, os doze puseram-se de pé, e, dando uns passos na direção de Jesus, Simão Pedro disse: “Sim, Mestre, nos mantemos. Nós cremos que tu és o Filho do Deus vivo”. E Pedro voltou a assentar-se junto com os seus irmãos.
157:4.5 (1747.3) Jesus então, ainda de pé, disse aos doze: “Sois meus embaixadores escolhidos, contudo, nas circunstâncias atuais, sei que não poderíeis chegar a essa crença em resultado de um conhecimento meramente humano. Esta é uma revelação do espírito do meu Pai ao interior das vossas almas. E, assim, por confessardes essa convicção, vinda do discernimento do espírito do meu Pai residente dentro de vós, sou levado a declarar que sobre esse fundamento eu edificarei a fraternidade do Reino do céu. Sobre essa rocha de realidade espiritual, edificarei o templo vivo da fraternidade espiritual, das realidades eternas do Reino do meu Pai. Todas as forças do mal e as hostes do pecado não prevalecerão contra essa fraternidade humana de espírito divino. E, enquanto o espírito do meu Pai for o guia e o mentor divino de todos que entrarem nos laços dessa fraternidade do espírito, a vós e aos vossos sucessores eu entrego agora as chaves do Reino exterior — a autoridade sobre as coisas temporais — , as partes sociais e econômicas essenciais dessa associação de homens e mulheres, como companheiros neste Reino”. E, novamente, ele os incumbiu, por enquanto, de não dizer a ninguém que era ele o Filho de Deus.
157:4.6 (1747.4) Jesus estava começando a ter fé na lealdade e na integridade dos seus apóstolos. O Mestre concebia que uma fé que pôde resistir a tudo aquilo pelo qual os seus representantes escolhidos tinham passado recentemente, sem dúvida, resistiria às provações veementes que tinham pela frente e, pois, que essa fé emergiria do naufrágio aparente de todas as esperanças deles, na nova luz de uma nova dispensação e, assim, essa fé seria capaz de continuar a iluminar um mundo que permanecia nas trevas. Nesse dia, o Mestre começou a crer na fé dos seus apóstolos, exceto na de um deles.
157:4.7 (1747.5) E, desde aquele dia, esse mesmo Jesus esteve construindo aquele templo vivo sobre aquela mesma fundação eterna da sua divina filiação; e, aqueles que, assim, se tornaram os filhos conscientes de Deus, passaram a ser as pedras humanas a constituir-se neste templo vivo de filiação, erigido para a glória e a honra da sabedoria e do amor do Pai eterno dos espíritos.
157:4.8 (1747.6) E, quando terminou de falar, Jesus ordenou aos doze que fossem, a sós, até as colinas, em busca de sabedoria, força e guiamento espiritual, até a hora da refeição da noite. E eles fizeram o que o Mestre lhes havia aconselhado.
157:5.1 (1748.1) O aspecto novo e vital da confissão de Pedro era o reconhecimento claro e nítido de que Jesus era o Filho de Deus, da Sua inquestionável divindade. Desde o seu batismo e das bodas em Cana, esses apóstolos o haviam, de modos variados, considerado como o Messias; contudo, não fazia parte do conceito judeu do Libertador nacional que ele devesse ser divino. Os judeus não haviam ensinado que o Messias teria uma origem divina; ele deveria ser “o ungido”, mas dificilmente eles o teriam considerado como sendo “o Filho de Deus”. Quando da segunda confissão dos apóstolos, foi colocada mais ênfase na natureza combinada, no fato superno de que ele era o Filho do Homem e o Filho de Deus; e foi nessa grande verdade, da união da natureza humana com a natureza divina, que Jesus declarou que ele iria construir o Reino do céu.
157:5.2 (1748.2) Jesus havia buscado viver a sua vida na Terra e completar a sua missão de auto-outorga como o Filho do Homem. Os seus seguidores estavam dispostos a considerá-lo o Messias esperado. Sabendo que jamais poderia atender àquelas expectativas messiânicas, Jesus esforçou-se para efetuar essa modificação no conceito que faziam do Messias, de um modo que o capacitava parcialmente a satisfazer as expectativas deles. Agora, entretanto, ele reconhecia que um tal plano dificilmente poderia ser levado adiante com êxito. E, portanto, escolheu ousadamente revelar o terceiro plano — o de anunciar abertamente a sua divindade, de reconhecer a verdade da confissão de Pedro, e, diretamente, proclamar aos doze que de fato era um Filho de Deus.
157:5.3 (1748.3) Durante três anos, Jesus estivera proclamando ser o “Filho do Homem”, enquanto, durante esses mesmos três anos, os apóstolos haviam insistido cada vez mais no fato de que ele era o esperado Messias judeu. E, agora, ele revelava ser o Filho de Deus, e, que sobre o conceito da natureza combinada de Filho do Homem e de Filho de Deus, ele determinara edificar o Reino do céu. Jesus decidira não fazer mais esforços para convencê-los de que não era o Messias. E propunha, agora, ousadamente revelar a eles o que ele é, e, então, ignorar a determinação deles de persistir em considerá-lo o Messias.
157:6.1 (1748.4) Jesus e os apóstolos permaneceram mais um dia na casa de Celsus, esperando que os mensageiros de Davi Zebedeu chegassem com os fundos. Em seguida ao colapso da popularidade de Jesus junto às massas, ocorreu uma grande queda na receita. Quando eles chegaram a Cesaréia-Filipe, o fundo de caixa estava esvaziado. Mateus permaneceu relutante em deixar Jesus e os seus irmãos nessas circunstâncias, mas, realmente, não possuía fundos próprios disponíveis para passar a Judas, como tantas vezes fizera no passado. Contudo, Davi Zebedeu havia previsto essa provável diminuição da receita e, por isso mesmo, instruiu aos seus mensageiros para, enquanto percorriam o caminho da Judéia, Samaria e Galiléia, que atuassem como coletores de dinheiro, o qual seria enviado aos apóstolos exilados e ao seu Mestre. E assim, na noite daquele dia, esses mensageiros chegaram de Betsaida trazendo fundos suficientes para sustentar os apóstolos até o seu retorno, com o fito de embarcar para a campanha da Decápolis. Mateus esperava ter o dinheiro da venda da sua última propriedade em Cafarnaum naqueles dias, tendo arranjado para que esses fundos fossem anonimamente revertidos para Judas.
157:6.2 (1749.1) Nem Pedro, nem os outros apóstolos possuíam uma concepção muito adequada da divindade de Jesus. Eles mal divisavam que esse seria o começo de um novo período na carreira do seu Mestre na Terra, o período em que o instrutor- curador estava tornando-se o Messias recentemente concebido — o Filho de Deus. Desse momento em diante um novo tom surgiu na mensagem do Mestre. Doravante, o seu único ideal de vida seria a revelação do Pai, enquanto a única idéia do seu ensinamento seria apresentar ao seu universo a personificação daquela sabedoria suprema que apenas pode ser compreendida sendo vivida. Ele veio para que todos nós pudéssemos ter a vida; e tê-la mais abundandemente.
157:6.3 (1749.2) Jesus entrava agora no quarto e último estágio da sua vida humana na carne. O primeiro estágio fora o da sua infância, os anos em que ele era apenas indistintamente consciente da sua origem, natureza e destino, como um ser humano. O segundo estágio foi aquele de uma autoconsciência crescente, nos anos da sua adolescência e da sua juventude de homem; e durante o qual ele veio a compreender mais claramente a sua natureza divina e a sua missão humana. Esse segundo estágio terminou com as experiências e as revelações ligadas ao seu batismo. O terceiro estágio da experiência terrena do Mestre estendeu-se, do batismo, até os anos da sua ministração como mestre e curador e até a memorável hora da confissão de Pedro em Cesaréia-Filipe. Esse terceiro período da sua vida terrena abrangeu os tempos em que os seus apóstolos e seguidores imediatos o conheceram como o Filho do Homem, ainda considerando-o o Messias. O quarto e último período da sua carreira terrena começou aqui, em Cesaréia-Filipe, e estendeu-se até a crucificação. Esse estágio da sua ministração foi caracterizado pela sua declaração de divindade e abrange as obras do seu último ano na carne. Durante o quarto período, enquanto a maioria dos seus seguidores ainda o considerava o Messias, Jesus se fez conhecer aos apóstolos como o Filho de Deus. A confissão de Pedro marcou o início do novo período; o da compreensão mais completa da verdade, como um Filho auto-outogado em Urântia, mas cuja ministração suprema, de Filho, abrangia um universo inteiro; e pelo reconhecimento desse fato, ainda que nebulosamente, da parte dos seus embaixadores escolhidos.
157:6.4 (1749.3) Assim Jesus confirmou, na sua vida, o que ensinou na sua religião: o crescimento da natureza espiritual pela técnica do progresso vivo. Ele não colocou ênfase, como o fizeram os seus seguidores posteriores, na luta incessante entre a alma e o corpo. E ele ensinou mais, que o espírito era facilmente um vitorioso sobre ambos; além de ser eficiente na reconciliação proveitosa de grande parte dessa batalha entre o intelecto e o instinto.
157:6.5 (1749.4) Um novo significado acompanha, então, todos os ensinamentos de Jesus, desse ponto em diante. Antes de Cesaréia-Filipe ele apresentara o evangelho do Reino como um mestre-instrutor. Depois de Cesaréia-Filipe ele surgiu, não meramente como um instrutor, mas como um representante divino do Pai eterno, centro e círculo deste Reino espiritual; e foi preciso que ele fizesse tudo isso como um ser humano, o Filho do Homem.
157:6.6 (1749.5) Jesus havia-se esforçado sinceramente para conduzir os seus seguidores ao Reino espiritual, inicialmente como um instrutor e, depois, como um mestre-curador, mas eles não aceitaram isso. Ele sabia muito bem que a sua missão terrena não iria, possivelmente, satisfazer às expectativas messiânicas do povo judeu; os profetas de outrora haviam retratado um Messias que ele não poderia jamais ser. Jesus buscara estabelecer o Reino do Pai como Filho do Homem, mas os seus seguidores não quiseram lançar-se nessa aventura. Jesus, percebendo isso, então, escolheu satisfazer parcialmente aos seus crentes, e, ao fazer isso, preparou-se abertamente para assumir o papel do Filho auto-outorgado de Deus.
157:6.7 (1750.1) E, desse modo, os apóstolos ouviram muitas coisas novas, quando Jesus conversou com eles nesse dia no jardim. E alguns desses pronunciamentos soaram estranhos, até mesmo para eles. Entre outros anúncios surpreendentes, eles ouviram alguns como os seguintes:
157:6.8 (1750.2) “De agora em diante, se um homem quiser um lugar em nossa fraternidade, que ele assuma as obrigações da filiação e me siga. E, quando eu não estiver mais convosco, não penseis que o mundo tratar-vos-á melhor do que o fez ao vosso Mestre. Se vós me amais, preparai-vos para provar essa afeição com a vossa disposição de fazer o sacrifício supremo”.
157:6.9 (1750.3) “E observai as minhas palavras: Eu não vim para chamar os justos, mas os pecadores. O Filho do Homem não veio para que se lhe ministrassem; mas, sim, para que ele próprio ministrasse e desse sua vida como dádiva a todos. Eu declaro- vos que vim para buscar salvar aqueles que estão perdidos.
157:6.10 (1750.4) “Nenhum homem neste mundo agora vê o Pai, exceto o Filho que veio do Pai. Mas, se o Filho for elevado, ele elevará todos homens consigo e, quem acreditar nessa verdade de que a natureza do Filho é uma combinação de Pai-Filho, receberá o dom de uma vida que transcenderá a todas as idades.
157:6.11 (1750.5) “Ainda não podemos proclamar abertamente que o Filho do Homem é o Filho de Deus, mas isso foi revelado a vós; e é por isso que eu falo ousadamente a vós sobre tais mistérios. Embora eu me apresente diante de vós por meio desta presença física, eu venho de Deus, o Pai. Antes que Abraão fosse, eu sou. Eu vim do Pai, para este mundo, como me conhecestes; e declaro-vos que, em breve, devo deixar este mundo e retomar o serviço do meu Pai.
157:6.12 (1750.6) “E, agora, em face das minhas palavras, poderá a vossa fé compreender a verdade sobre a qual eu vos estou prevenindo, de que o Filho do Homem não irá satisfazer as expectativas dos vossos pais, nem ser o Messias como eles conceberam? O meu Reino não é deste mundo. Podeis acreditar na verdade a meu respeito, diante do fato de que, embora as raposas tenham tocas e os pássaros do céu tenham ninhos, eu não tenho onde repousar a minha cabeça?
157:6.13 (1750.7) “Entretanto, vos digo que o Pai e eu somos Um. Aquele que me tiver visto, terá visto o Pai. O meu Pai está trabalhando comigo, em todas estas coisas, e Ele nunca me deixará sozinho na minha missão, do mesmo modo que nunca eu vos abandonarei, quando, em breve, sairdes para proclamar este evangelho pelo mundo.
157:6.14 (1750.8) “E agora, eu vos trouxe comigo e, por um momento, vos peço que fiqueis a sós, para que possais todos compreender a glória, e para que diviseis a grandeza da vida para a qual eu vos chamei: a aventura da fé, do estabelecimento do Reino do meu Pai nos corações da humanidade; da edificação da minha fraternidade de associação viva com as almas de todos aqueles que acreditam neste evangelho”.
157:6.15 (1750.9) Os apóstolos ouviram essas declarações ousadas e surpreendentes em silêncio; e ficaram atordoados. E se dispersaram, em grupos pequenos, para discutir e ponderar sobre as palavras do Mestre. Eles haviam confessado que ele era o Filho de Deus, mas não podiam captar inteiramente o que significava tudo aquilo que tinham sido levados a fazer.
157:7.1 (1750.10) Naquela noite André trouxe para si a tarefa de ter uma palavra pessoal e questionadora com cada um dos seus irmãos; e teve conversas proveitosas e encorajadoras com todos os condiscípulos, exceto Judas Iscariotes. André nunca havia tido uma ligação pessoal íntima com Judas, como tivera com os outros apóstolos, e assim não havia dado maior importância ao fato de que Judas nunca se relacionara, confiante e livremente, com ele como dirigente do corpo apostólico. Mas André estava, agora, tão preocupado com a atitude de Judas que, mais tarde naquela noite, após todos os apóstolos adormecerem profundamente, procurou Jesus e disse ao Mestre sobre a causa da sua ansiedade. Jesus disse-lhe: “Não é inoportuno, André, que tenhas vindo a mim com essa questão; contudo, nada mais há que possamos fazer; apenas continue colocando a maior confiança possível nesse apóstolo. E nada digas, aos irmãos dele, a respeito dessa conversa que tiveste comigo”.
157:7.2 (1751.1) E isso foi tudo o que André conseguiu extrair de Jesus. Sempre tinha havido alguma estranheza entre esse judeu e os seus irmãos galileus. Judas havia ficado chocado com a morte de João Batista; ficara severamente magoado com as repreensões do Mestre em várias ocasiões; chegara a desapontar-se, quando Jesus se recusou a ser proclamado rei; sentira-se humilhado quando o Mestre fugiu dos fariseus; sentira pesar quando ele não aceitou o desafio dos fariseus, de dar um sinal; desnorteara-se com a rejeição do Mestre de recorrer a manifestações de poder e, agora, mais recentemente, estivera deprimido e, algumas vezes, desanimado com uma tesouraria vazia. E Judas sentia falta do estímulo das multidões.
157:7.3 (1751.2) Cada um dos outros apóstolos também se via afetado de algum modo e em graus distintos, por essas mesmas provações e atribulações; mas eles amavam Jesus. Ou pelo menos deviam ter amado o Mestre mais do que Judas, pois eles acompanharam-no até o fim amargo.
157:7.4 (1751.3) Sendo da Judéia, Judas ofendeu-se pessoalmente com o recente aviso de Jesus aos apóstolos para “terem cuidado com a influência dos fariseus”; e tinha a tendência de considerar essa afirmação como uma referência velada, a ele próprio. Mas o grande erro de Judas foi que, repetidas vezes, quando Jesus enviava os seus apóstolos para irem orar sozinhos, Judas, em vez de entrar em comunhão sincera com as forças espirituais do universo, permitia-se pensamentos de temor humano e, ao mesmo tempo, persistia em alimentar dúvidas imponderáveis sobre a missão de Jesus, bem como em ceder à própria tendência infeliz de manter sentimentos de vingança.
157:7.5 (1751.4) E, agora, Jesus gostaria de levar os seus apóstolos junto consigo ao monte Hermom, onde ele decidira inaugurar a sua quarta fase de ministração, na Terra, como o Filho de Deus. Alguns deles estavam presentes ao seu batismo, no Jordão, e haviam testemunhado o começo da sua carreira como Filho do Homem; e ele desejava que alguns deles também estivessem presentes para ouvir a autorização que ele receberia de assumir a nova posição pública de Filho de Deus. E, desse modo, na manhã de sexta-feira, 12 de agosto, Jesus disse aos doze: “Cuidai das provisões e preparai-vos para ir àquela montanha, onde o espírito me diz para ir e receber a dotação para terminar o meu trabalho na Terra. E eu gostaria de levar junto comigo os meus irmãos, para que também eles possam ser fortalecidos para os tempos difíceis durante os quais me acompanharão, até o fim desta experiência”.
O Livro de Urântia
Documento 158
158:0.1 (1752.1) À TARDE da sexta-feira, 12 de agosto do ano 29 d.C., o pôr-do-sol já se aproximava, quando Jesus e os seus seguidores chegaram ao pé do monte Hermom, perto daquele mesmo local onde o jovem Tiglá certa vez ficou aguardando, enquanto o Mestre sozinho subia a montanha, para estabelecer os destinos espirituais de Urântia e para, tecnicamente, dar fim à rebelião de Lúcifer. E ali eles permaneceram por dois dias, na preparação espiritual para os acontecimentos que viriam em breve.
158:0.2 (1752.2) De um modo geral, Jesus sabia de antemão o que estava para acontecer na montanha, e ele desejava muito que os seus apóstolos pudessem partilhar dessa experiência. E foi para colocá-los em condições de receber essa revelação dele próprio, que Jesus ficou parado com eles, ao pé da montanha. Mas eles não poderiam alcançar aqueles níveis espirituais que teriam justificado o risco de colocá-los expostos à presença plena da visitação dos seres celestes que tão em breve iriam aparecer na Terra. E desde que não podia levar todos os seus companheiros consigo, ele decidiu levar apenas os três que tinham o hábito de acompanhá-lo nessas vigílias especiais. Desse modo, apenas Pedro, Tiago e João foram os que compartilharam de uma parte dessa experiência única com o Mestre.
158:1.1 (1752.3) Bem cedo na manhã de segunda-feira, 15 de agosto, Jesus e os três apóstolos começaram a subida do monte Hermom, e isso aconteceu seis dias depois da memorável confissão de Pedro, feita ao meio-dia à margem da estrada, sob as amoreiras.
158:1.2 (1752.4) Jesus havia sido convocado a subir a montanha separadamente e sozinho, pois iriam ser tratadas questões importantes que tinham a ver com o desenrolar da sua auto-outorga na carne, no que essa experiência estava relacionada a todo o universo que ele próprio criara. É bastante significativo que esse evento extraordinário tivesse sido marcado para ocorrer na hora em que Jesus e os apóstolos estavam nas terras dos gentios, e que acontecesse factualmente em uma montanha dos gentios.
158:1.3 (1752.5) Eles chegaram ao destino, a meio caminho da subida da montanha, pouco antes do meio-dia e, durante o almoço, Jesus contou aos três apóstolos algo da sua experiência nos montes a leste do Jordão, pouco depois do seu batismo, e, também, algo mais da sua experiência no monte Hermom, quando da sua visita anterior àquele retiro solitário.
158:1.4 (1752.6) Quando era um menino, Jesus tinha o hábito de subir o monte perto da sua casa e sonhar com as batalhas que tinham sido travadas pelos exércitos dos impérios nas planícies de Esdraelon; agora, ele subia o monte Hermom para receber o dom que iria prepará-lo para descer às planícies do Jordão e vivenciar as cenas finais do drama da sua auto-outorga em Urântia. O Mestre poderia ter desistido da luta naquele dia, no monte Hermom, e ter retornado ao governo dos domínios do universo, entretanto, não apenas escolheu preencher os quesitos da sua ordem de filiação divina, compreendidos no mandado do Filho Eterno do Paraíso, como também escolheu cumprir, na sua totalidade, e até o fim, a vontade presente do seu Pai no Paraíso. Neste dia de agosto, três dos seus apóstolos viram-no recusando-se a ser investido em plena autoridade no universo. Com estupor, eles assistiram aos mensageiros celestes partirem, deixando-o sozinho para concluir a sua vida terrena como Filho do Homem e Filho de Deus.
158:1.5 (1753.1) A fé dos apóstolos atingira um ponto culminante no momento em que ele alimentou os cinco mil e, em seguida, caiu até um ponto muito baixo. Agora, pelo fato de o Mestre ter admitido a sua divindade, a fé retardatária, dos doze apóstolos, voltou ao seu apogeu nas semanas que se seguiram, para, de novo retornar a um novo declínio progressivo. A terceira revitalização dessa fé ocorreria apenas após o Mestre haver ressuscitado.
158:1.6 (1753.2) Aproximadamente às três horas de uma bela tarde Jesus destacou-se dos três apóstolos, dizendo: “Vou só, durante algum tempo, vou comungar com o Pai e com os Seus mensageiros; peço-vos que permaneçam aqui e, enquanto aguardam a minha volta, que orem para que a vontade do Pai possa ser feita em toda a vossa experiência ligada à continuação da missão de outorga do Filho do Homem”. E, após dizer-lhes isso, Jesus retirou-se para uma longa conferência com Gabriel e com o Pai Melquisedeque, só retornando às seis horas. Quando Jesus percebeu a ansiedade deles, por causa da sua ausência prolongada, disse: “Por que ficastes com medo? Bem sabíeis que eu devia ocupar-me dos assuntos do meu Pai; então, por que duvidais quando não estou convosco? Agora eu vos declaro que o Filho do Homem decidiu passar o resto da sua vida terrestre em meio a vós e como um de vós. Animai- vos, pois não os deixarei até que o meu trabalho tenha chegado ao fim”.
158:1.7 (1753.3) Enquanto compartilhavam a refeição frugal da noite, Pedro perguntou ao Mestre: “Por quanto tempo permaneceremos nestas montanhas, longe dos nossos irmãos?” E Jesus respondeu: “Até que tenhais visto a glória do Filho do Homem e saibais que tudo o que declarei a vós é verdadeiro”. E eles conversaram sobre os assuntos da rebelião de Lúcifer, assentados em volta das brasas vermelhas do fogo que haviam acendido, até que a escuridão chegou, deixando os olhos dos apóstolos pesados, pois haviam começado a jornada muito cedo naquela manhã.
158:1.8 (1753.4) Depois que os três apóstolos já estavam dormindo profundamente, por uma meia hora, eles foram subitamente despertados por um som agudo, em volta deles e, para a sua maravilha e consternação, ao olharem em volta, viram Jesus em conversa íntima com dois seres brilhantes revestidos pelo manto da luz do mundo celestial. E o rosto e a forma de Jesus resplandeciam com a luminosidade de uma luz celeste. Aqueles três falavam em uma língua estranha, mas, de algumas coisas ditas, Pedro erroneamente conjecturou que os seres com Jesus eram Moisés e Elias; na realidade, eles eram Gabriel e o Pai Melquisedeque. Os controladores físicos haviam providenciado para que os apóstolos testemunhassem essa cena, a pedido de Jesus.
158:1.9 (1753.5) Os três apóstolos ficaram tão terrivelmente amedrontados que levaram algum tempo para refazer-se, mas Pedro, que havia sido o primeiro a se recuperar, disse, à medida que a visão deslumbrante desaparecia diante deles e passavam a ver Jesus de pé, sozinho: “Mestre, Jesus, é bom estar aqui. Regozijamo-nos de ver essa glória. É-nos repugnante voltar ao mundo inglório. Se quiseres, nós moraremos aqui e erigiremos três tendas, uma para ti, uma para Moisés, e uma para Elias”. E Pedro disse isso por causa da sua confusão, e porque nada mais veio à sua mente naquele momento.
158:1.10 (1753.6) Enquanto Pedro ainda falava, uma nuvem prateada aproximou-se deles e envolveu os quatro homens. Os apóstolos agora ficaram extremamente amedrontados e, caindo com os rostos no chão, em adoração, ouviram uma voz, a mesma que havia falado na ocasião do batismo de Jesus, dizendo: “Este é o Meu Filho amado; dai ouvidos a ele”. E, quando a nuvem desapareceu, de novo Jesus estava a sós com os três e então se abaixou para tocar neles, dizendo: “Levantai-vos e não tenhais medo; vereis coisas ainda maiores do que esta”. Mas os apóstolos estavam mesmo com muito medo; e eram três homens pensativos e em silêncio quando se prepararam para descer a montanha pouco antes da meia-noite.
158:2.1 (1754.1) Durante a metade da descida nem uma palavra foi dita. Jesus então começou a conversação, observando: “Assegurai-vos de não falar a nenhum homem, nem mesmo aos vossos irmãos, sobre o que vistes e ouvistes nesta montanha, até que o Filho do Homem tenha ressuscitado dos mortos”. Os três apóstolos ficaram chocados e desconcertados com as palavras do Mestre: “Até que o Filho do Homem tenha ressuscitado dos mortos”. Tão recente era a reafirmação da sua fé nele como o Libertador, o Filho de Deus, e, apesar de haverem-no visto transfigurado em glória diante dos seus próprios olhos, agora ele começava a falar de “ressurreição de entre os mortos”!
158:2.2 (1754.2) Pedro tremia com o pensamento do Mestre morrendo — era uma idéia por demais desagradável de se alimentar — e, de temor de que Tiago e João fizessem alguma pergunta relativa a essa afirmação, achou melhor começar uma conversação para desviar do assunto, mas, não sabendo sobre o que mais falar, deu expressão ao primeiro pensamento que veio à sua mente, que foi: “Mestre, por que é que os escribas dizem que Elias deve vir antes que o Messias apareça?” E Jesus, sabendo que Pedro buscava evitar qualquer referência à sua morte e ressurreição, respondeu: “Elias, de fato, deve vir primeiro para preparar o caminho para o Filho do Homem, que deve sofrer muitas coisas e finalmente ser rejeitado. Mas eu vos digo que Elias já veio, e eles não o receberam bem, fizeram com ele tudo o que quiseram”. E, então, os três apóstolos perceberam que ele se referia a João Batista como Elias. Jesus sabia que, já que eles insistiam em considerá-lo o Messias, então era necessário que João fosse o Elias da profecia.
158:2.3 (1754.3) Jesus exortou-os a silenciar sobre o que haviam observado, da antecipação da sua glória pós-ressurreição, porque ele não queria estimular neles a noção de que, sendo agora recebido como o Messias, de qualquer modo ou em qualquer grau, pudesse ele satisfazer aos conceitos errôneos de um libertador que operava prodígios. Ainda que Pedro, Tiago e João ponderassem sobre tudo isso nas suas mentes, eles não falaram disso a nenhum homem até depois da ressurreição do Mestre.
158:2.4 (1754.4) Enquanto continuavam a descer a montanha, Jesus disse a eles: “Vós não quisestes receber-me como o Filho do Homem, por isso eu consenti em ser recebido de acordo com a vossa determinação, mas não vos enganeis, a vontade do meu Pai deve prevalecer. Se vós escolhestes seguir a inclinação das vossas próprias vontades, então deveis preparar-vos para sofrer muitas decepções e muitas provações; mas o aperfeiçoamento que eu lhes dei deve ser suficiente para levar- vos em triunfo, mesmo sobre essas tristezas que vós próprios escolhestes”.
158:2.5 (1754.5) Jesus levara Pedro, Tiago e João consigo até o topo da montanha da transfiguração, mas não porque eles estivessem, sob algum ponto de vista, mais bem preparados do que os outros apóstolos, para testemunhar o que aconteceu, ou porque fossem eles mais adequados espiritualmente para ter um privilégio tão raro. De nenhum modo. Ele bem sabia que nenhum dos doze apóstolos estava espiritualmente qualificado para tal experiência; e por isso ele levara consigo apenas os três apóstolos que estavam designados para acompanhá-lo naqueles momentos em que ele desejava estar a sós para desfrutar de uma comunhão solitária.
158:3.1 (1755.1) Aquilo que Pedro, Tiago e João testemunharam, no monte da transfiguração, foi apenas um vislumbre fugaz do espetáculo celeste que aconteceu, na realidade, naquele dia memorável no monte Hermom. A transfiguração foi a ocasião em que:
158:3.2 (1755.2) 1. Houve a aceitação integral da auto-outorga na vida encarnada de Michael em Urântia, da parte do Filho-Mãe Eterno do Paraíso. Jesus tinha agora a certeza de que as exigências do Filho Eterno estavam satisfeitas, no que lhe concernia. E Gabriel trouxera para Jesus essa confirmação.
158:3.3 (1755.3) 2. Houve o testemunho de que, quanto às exigências do Espírito Infinito, todas estavam satisfeitas plenamente, na outorga feita em Urântia, à semelhança da carne mortal. A representante, neste universo, do Espírito Infinito, a coligada e sempre-presente colaboradora imediata de Michael em Sálvington, nessa ocasião falou por intermédio do Pai Melquisedeque.
158:3.4 (1755.4) Jesus recebeu com júbilo esse testemunho do êxito da sua missão na Terra, apresentado pelos mensageiros do Filho Eterno e do Espírito Infinito; mas ele percebeu que o seu Pai não indicou que a outorga de Urântia estava completa; a presença não visível do Pai apenas testemunhou, por intermédio do Ajustador Personalizado de Jesus, dizendo: “Este é o meu Filho bem amado; escutai-o”. E isso foi expresso nas palavras que foram ouvidas também pelos três apóstolos.
158:3.5 (1755.5) Depois dessa visitação celeste, Jesus procurou saber qual a vontade do seu Pai e decidiu levar a sua outorga mortal até o seu final natural. Esse foi o significado da transfiguração para Jesus. Para os três apóstolos foi um acontecimento que marcava a entrada do Mestre na fase final da sua carreira terrena como o Filho de Deus e Filho do Homem.
158:3.6 (1755.6) Depois da visitação formal de Gabriel e do Pai Melquisedeque, Jesus manteve uma conversa informal com estes dois Filhos do seu ministério, comungando com eles no que dizia respeito aos assuntos do universo.
158:4.1 (1755.7) Jesus e os seus companheiros chegaram no acampamento dos apóstolos, na terça-feira de manhã, pouco antes da hora do repasto matinal. Ao aproximarem- se, puderam ver uma multidão considerável reunida em torno dos outros apóstolos e logo começaram a escutar as vozes que se elevavam em uma discussão nas argumentações de um grupo de cerca de cinqüenta pessoas, que envolvia os nove apóstolos e um ajuntamento igualmente dividido entre escribas de Jerusalém e discípulos crentes, que haviam tentado seguir Jesus e os seus companheiros desde que haviam partido de Magadam.
158:4.2 (1755.8) Embora a multidão se dividisse em várias discussões, a divergência principal era sobre um certo cidadão de Tiberíades que havia chegado no dia anterior, à procura de Jesus. Esse homem, Tiago de Safed, tinha um filho com a idade aproximada de quatorze anos, um filho único que estava sendo gravemente afligido pela epilepsia. Além dessa doença nervosa, esse rapaz estava possuído por uma dessas criaturas intermediárias rebeldes, errantes e malevolamente brincalhonas, e sem controle, que estava ainda presente na Terra, de modo que o jovem era tanto epilético quanto possuído por um demônio.
158:4.3 (1755.9) Durante quase duas semanas, o pai ansioso, um oficial subalterno de Herodes Antipas, tinha percorrido as fronteiras ocidentais dos domínios de Filipe, procurando Jesus para suplicar-lhe que curasse o seu filho afligido. E ele só encontrou o grupo apostólico por volta das doze horas desse dia em que Jesus esteve na montanha com os três apóstolos.
158:4.4 (1756.1) Os nove apóstolos ficaram bastante surpresos e consideravelmente perturbados quando esse homem, acompanhado por cerca de mais quarenta pessoas que estavam procurando por Jesus, aproximou-se subitamente deles. Com a chegada desse grupo, os nove apóstolos, ou pelo menos a maioria deles, tinham sucumbido à sua antiga tentação — de discutir sobre quem seria o maior no Reino vindouro -; e estavam discutindo acirradamente sobre as prováveis posições que seriam dadas a cada apóstolo individualmente. E simplesmente não podiam livrar-se totalmente de uma idéia tão longamente alimentada sobre a missão material do Messias. E agora que o próprio Jesus havia aceitado a confissão deles, de que era ele realmente o Libertador — ao menos, o fato da sua divindade ele admitira — , seria muito natural que, durante esse período de separação do Mestre, eles converssassem sobre as esperanças e ambições tão preponderantes nos seus corações. E, mal haviam eles começado a discutir, quando Tiago de Safed e seus acompanhantes aproximaram-se à procura de Jesus.
158:4.5 (1756.2) André levantou-se para saudar esse pai e o seu filho, dizendo: “A quem procurais?” E Tiago disse: “Meu bom homem, procuro o vosso Mestre. Busco a cura para o meu filho doente. Gostaria que Jesus expulsasse o diabo que está possuindo o meu filho”. E então o pai continuou a relatar aos apóstolos que o seu filho estava tão doente que, por várias vezes, havia quase perdido a própria vida em conseqüência desses ataques malignos.
158:4.6 (1756.3) Enquanto os apóstolos escutavam, Simão zelote e Judas Iscariotes adiantaram- se até o pai dizendo: “Podemos curá-lo; não necessitais esperar pelo retorno do Mestre. Somos embaixadores do Reino; não mais temos de manter sigilo sobre essas coisas. Jesus é o Libertador, e as chaves do Reino foram entregues a nós”. Nesse momento André e Tomé estavam conversando de um lado. Natanael e os outros olhavam a cena, pasmos; estavam horrorizados com a audácia súbita, se não a presunção, de Simão e Judas. Então o pai disse: “Se foi dado a vós fazer esses trabalhos, eu oro para que vós digais as palavras que irão livrar o meu filho dessa escravidão”. Simão deu um passo adiante e, colocando a sua mão na cabeça do garoto, então, olhou diretamente dentro dos seus olhos e comandou: “Sai dele, espírito sujo; em nome de Jesus, obedece- me”. Mas o garoto apenas teve mais um violento ataque, enquanto os escribas zombavam dos apóstolos com desprezo, e os crentes decepcionados sofriam os sarcasmos desses críticos pouco amigáveis.
158:4.7 (1756.4) André ficou profundamente triste com todo esse esforço equivocado e com o fracasso lamentável. Chamou os apóstolos à parte para uma conversa e uma oração. Depois de uma meditação, sentindo um remorso agudo pela derrota e percebendo a humilhação que pairava sobre todos eles, André procurou, em uma segunda tentativa, expulsar o demônio, mas apenas mais um fracasso coroou os seus esforços. André confessou francamente a derrota e pediu ao pai que permanecesse com eles, durante aquela noite ou até o retorno de Jesus, dizendo: “Talvez esse tipo de demônio não saia, a não ser pela ordem pessoal do Mestre”.
158:4.8 (1756.5) E assim, enquanto Jesus descia a montanha com Pedro, Tiago e João, bastante exuberantes e enlevados, os seus nove irmãos estavam tomados mais ainda pela insônia, debatendo-se na confusão e no abatimento da humilhação. Formavam um grupo deprimido e desiludido. Mas Tiago de Safed não desistia. Ainda que não pudessem dar a ele nenhuma idéia de quando Jesus retornaria, ele decidiu permanecer ali até que o Mestre voltasse.
158:5.1 (1757.1) Quando Jesus aproximou-se, os nove apóstolos ficaram mais do que aliviados ao acolhê-lo de volta e cheios de alento ao contemplar o regozijo e o entusiasmo incomum nas expressões de Pedro, Tiago e João. Eles correram todos para saudar Jesus e os seus três irmãos. E, enquanto trocavam cumprimentos, a multidão aproximou-se, e Jesus perguntou: “Sobre o que estáveis debatendo quando nos aproximamos?” Mas, antes que os apóstolos desconcertados e humilhados pudessem responder à pergunta do Mestre, o ansioso pai do garoto afligido adiantou-se e, ajoelhando-se aos pés de Jesus, disse: “Mestre, tenho um único filho, e ele está possuído por um espírito mau. Não só grita de terror e espuma pela boca, mas cai como um morto no momento da possessão, e, muitas vezes, esse espírito mau que o possui leva-o a convulsões e, algumas vezes, joga-o na água e mesmo no fogo. De tanto ranger de dentes o resultado é que ele se machuca muito, e assim meu filho depaupera-se. A sua vida é pior que a morte; a mãe dele e eu ficamos de coração triste e espírito alquebrado. Ontem, lá pelo meio-dia, procurando por ti, deparei-me com teus discípulos e, enquanto esperávamos, os apóstolos tentaram expulsar esse demônio, mas não conseguiram. E agora, Mestre, farás isso para nós, curarás o meu filho?”
158:5.2 (1757.2) Quando Jesus terminou de escutar essas palavras, ele tocou o pai que se ajoelhava e rogou-lhe que se levantasse, enquanto dirigia aos apóstolos um olhar interrogativo. Então disse Jesus a todos que estavam à sua frente: “Ó geração perversa e sem fé, até quando eu vos suportarei? Por quanto tempo ficarei convosco? Quanto tempo será necessário para aprenderdes que as obras da fé não surgem por uma demanda em descrença cética?” E então, apontando o pai desconcertado, Jesus disse: “Traze aqui o teu filho”. E, quando Tiago trouxe o menino à sua frente, Jesus perguntou: “Por quanto tempo o menino tem sido afligido dessa maneira?” O pai respondeu: “Desde que era uma criança pequena”. E, enquanto falavam, o menino foi tomado por um ataque violento e caiu entre eles, rangendo os dentes e espumando pela boca. Depois de uma sucessão de convulsões violentas, ficou estendido lá diante deles como um morto. E, de novo, o pai ajoelhou-se aos pés de Jesus implorando ao Mestre, dizendo: “Se puderdes curá-lo, eu imploro a vós que tendes compaixão de nós e que nos livre dessa aflição”. Ao ouvir essas palavras, Jesus abaixou os olhos para ver o rosto ansioso do pai, dizendo: “Não coloqueis em dúvida o poder do amor do meu Pai, mas sim a sinceridade e o alcance da vossa própria fé. Todas as coisas são possíveis para aquele que realmente crê”. E, então, Tiago de Safed pronunciou estas palavras, que seriam sempre relembradas, de fé confundida com a dúvida: “Senhor, eu creio. Oro para que me ajudeis na minha descrença”.
158:5.3 (1757.3) Ao ouvir essas palavras, Jesus deu um passo à frente e, tomando o menino pela mão, disse: “Eu farei isso segundo a vontade do meu Pai e em honra da fé viva. Meu filho, te levanta! Sai dele, espírito desobediente, e não voltes”. E, colocando a mão do filho na mão do pai, Jesus disse: “Toma o teu caminho. O Pai concedeu o desejo da tua alma”. E todos que estavam presentes, mesmo os inimigos de Jesus, ficaram estupefatos com o que viram.
158:5.4 (1757.4) De fato, foi uma desilusão para os três apóstolos, que tão recentemente haviam desfrutado do êxtase espiritual das cenas e das experiências da transfiguração, retornar tão cedo a essa cena de derrota e frustração para os seus companheiros apóstolos. Mas era sempre assim com esses doze embaixadores do Reino. Eles nunca deixaram de revezar-se entre a exaltação e a humilhação nas experiências das suas vidas.
158:5.5 (1758.1) Foi uma cura verdadeira para uma aflição dupla, um mal físico e uma doença do espírito. E o menino ficou definitivamente curado daquele momento em diante. Quando Tiago partiu com o seu filho são, Jesus disse: “Agora, vamos para Cesaréia-Filipe; preparai-vos imediatamente”. E eles então formavam um grupo silencioso nessa viagem para o sul, enquanto a multidão seguia atrás deles.
158:6.1 (1758.2) Eles passaram a noite com Celsus e, naquela tarde no jardim, depois de terem comido e descansado, os doze reuniram-se ao redor de Jesus, e Tomé disse: “Mestre, nós ficamos para trás e continuamos ainda ignorando o que aconteceu na montanha e que tanto regozijo trouxe aos nossos irmãos que estiveram contigo, nós desejamos ardentemente que nos fales a respeito da nossa derrota e nos instrua sobre essas questões, pois vemos que aquelas coisas que aconteceram na montanha não podem ser reveladas neste momento”.
158:6.2 (1758.3) E Jesus respondeu a Tomé, dizendo: “Tudo de que os vossos irmãos tomaram conhecimento na montanha vos será revelado na hora devida. Contudo, agora, eu mostrarei a causa da vossa derrota naquilo que tão pouco sabiamente tentastes fazer. Enquanto vosso Mestre e vossos irmãos, ontem, iam montanha acima para buscar um conhecimento mais amplo da vontade do Pai e pedir um dom mais rico em sabedoria para realizar mais efetivamente a vontade divina, vós permanecestes aqui de vigília, com instruções para esforçar- vos para adquirir o discernimento espiritual na vossa mente e orar conosco para uma revelação mais plena da vontade do Pai. E, então, deixastes de manter a fé sobre vosso comando. Em vez disso, cedestes à tentação e caístes nas velhas tendências más de buscar por vós próprios os lugares preferidos no Reino do céu — como se ele fosse o reino material e temporal que persistis em contemplar, pois vos apegastes a esses conceitos errôneos a despeito das minhas declarações reiteradas de que meu Reino não é deste mundo.
158:6.3 (1758.4) “Mal a vossa fé acaba de captar a identidade do Filho do Homem. e o vosso desejo egoísta de favoritismos terrestres vos possui novamente e caís em discussões, entre vós, sobre quem será o maior no Reino do céu, um reino que não existe do modo como insistis em conceber, nem existirá jamais. Já não vos disse que quem quiser ser o maior no Reino da irmandade espiritual do meu Pai deve tornar-se pequeno aos seus próprios olhos e assim converter-se no servidor dos seus irmãos? A grandeza espiritual consiste em um amor compreensivo, que é semelhante ao amor de Deus, e não em um desfrute de exercício do poder material para a exaltação do ego. Naquilo que tentastes e em que falhastes, tão completamente, o vosso propósito não era puro. O vosso motivo não foi divino. O vosso ideal não foi espiritual. A vossa ambição não foi altruísta. O vosso procedimento não se baseou no amor, e a meta que queríeis atingir não era a vontade do Pai nos céus”.
158:6.4 (1758.5) “Quanto tempo demorará até aprenderdes que não se pode abreviar o curso estabelecido dos fenômenos naturais, a não ser quando isso estiver de acordo com a vontade do Pai? E que não podeis realizar obras espirituais sem o poder espiritual. E que não podeis efetivar nenhuma dessas duas coisas, mesmo quando as possibilidades estiverem presentes, sem a existência daquele terceiro fator humano essencial, a experiência pessoal da posse da fé viva. E por que quereis ter sempre manifestações materiais como atração para as realidades espirituais do Reino? Não podeis compreender a significação espiritual da minha missão, sem que haja exibição visível de obras inusitadas? Quando, afinal, sereis confiáveis para aderir às realidades mais elevadas e espirituais do Reino, independentemente das aparências externas de quaisquer manifestações materiais?”
158:6.5 (1759.1) Depois de falar assim aos doze, Jesus acrescentou: “E agora ide descansar, pois amanhã retornaremos cedo para Magadam e lá nos aconselharemos a respeito da nossa missão nas cidades e aldeias da Decápolis. E, na conclusão da experiência deste dia, deixai-me declarar a cada um de vós sobre o que falei aos vossos irmãos na montanha, e que essas palavras encontrem um lugar profundo nos vossos corações: O Filho do Homem entra agora na última fase da sua auto- outorga. Estamos para começar aqueles trabalhos que logo levarão todos vós à prova, grande e final, para a vossa fé e devoção, quando então eu serei entregue nas mãos dos homens que buscam a minha destruição. E lembrai-vos do que vos estou dizendo: O Filho do Homem será levado à morte, mas ele ressuscitará”.
158:6.6 (1759.2) Eles retiraram-se tristemente para dormir. Estavam desnorteados; não podiam compreender aquelas palavras. E, mesmo havendo ficado com medo de fazer perguntas a respeito do que ele havia dito, eles lembraram-se de tudo depois da sua ressurreição.
158:7.1 (1759.3) Bem cedo, na manhã dessa quarta-feira, Jesus e os doze partiram de Cesaréia-Filipe para o parque de Magadam, perto de Betsaida-Júlias. Os apóstolos dormiram pouco naquela noite, havendo levantado cedo e logo se aprontado para partir. Mesmo os imperturbáveis gêmeos Alfeus estavam chocados com a conversa sobre a morte de Jesus. Indo para o sul, depois das Águas de Merom, eles chegaram à estrada de Damasco; e, para evitar os escribas e os outros, os quais, Jesus sabia, estariam logo vindo atrás deles, ele ordenou que fossem para Cafarnaum, pela estrada de Damasco e que passa pela Galiléia. E assim ele o fez porque sabia que aqueles que o seguiam iriam descer a leste da estrada do Jordão, pois consideravam que ele e os apóstolos temeriam atravessar o território de Herodes Antipas. Jesus procurou escapar dos seus críticos e da multidão que o seguia, para que pudesse estar a sós com os seus apóstolos nesse dia.
158:7.2 (1759.4) Eles viajaram pela Galiléia até bem depois da hora do seu almoço, e pararam em uma sombra para refrescar-se. Depois de compartilhar a comida, André, dirigindo-se a Jesus, disse: “Mestre, os meus irmãos não compreendem as tuas palavras profundas. Chegamos a crer plenamente que és o Filho de Deus, e agora ouvimos essas afirmações estranhas de que nos deixarás e de que morrerás. Não compreendemos o teu ensinamento. Estás falando- nos por meio de parábolas? Rogamos-te que fales a nós diretamente, e sem disfarce”.
158:7.3 (1759.5) Em resposta a André, Jesus disse: “Meus irmãos, porque vós tendes confessado que sou o Filho de Deus é que me sinto obrigado a começar a revelar-vos a verdade sobre o fim da auto-outorga do Filho do Homem na Terra. Vós insistis em apegar-vos à crença de que sou o Messias, e não estais dispostos a abandonar a idéia de que o Messias deve assentar-se em um trono em Jerusalém; e é por isso que eu insisto em dizer-vos que o Filho do Homem deve ir, em breve, para Jerusalém, sofrer muitas coisas, ser rejeitado pelos escribas, pelos anciães e pelos chefes dos sacerdotes, para, depois de tudo isso, ser morto e ressuscitar. E não vos falo por parábolas; falo a verdade, a vós, para que possais estar preparados para esses acontecimentos, quando eles subitamente sobrevierem até nós”. E, quando Jesus estava ainda falando, Simão Pedro, irrompendo impetuosamente na direção dele, colocou as mãos nos ombros do Mestre e disse: “Mestre, longe de nós contradizer-te, mas eu declaro que essas coisas não irão jamais te acontecer”.
158:7.4 (1760.1) Pedro disse isso porque amava Jesus; mas a natureza humana do Mestre reconheceu nessas palavras, de afeição bem-intencionada, uma sugestão sutil de tentação para que ele mudasse a sua política de prosseguir até o fim com a sua missão de outorga terrena, de acordo com a vontade do seu Pai no Paraíso. E porque ele detectou o perigo de permitir que as sugestões, mesmo a dos seus afeiçoados e leais amigos, dissuadissem-no, é que ele se voltou para Pedro e para os outros apóstolos, dizendo: “Ficai para trás. Tendes o espírito do adversário, o tentador. Ao falar desse modo, não estais do meu lado, mas do lado do nosso inimigo. Desse modo, do vosso amor por mim, fazeis um obstáculo ao meu cumprimento da vontade do Pai. Importai-vos menos com os caminhos humanos, cuidai antes da vontade de Deus”.
158:7.5 (1760.2) Após recobrarem-se do primeiro choque da reprimenda pungente de Jesus, e antes de reassumirem a sua viagem, o Mestre acrescentou ainda: “Se algum homem quiser seguir-me, que esqueça de si próprio, que assuma as suas responsabilidades diariamente e me siga. Pois todo aquele que quiser salvar a sua vida egoisticamente, perdê-la-á, mas todo aquele que perder a sua vida, por minha causa e por causa do evangelho, salvá-la-á. De que vale a um homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua própria alma? O que pode um homem dar em troca da vida eterna? Não vos envergonheis de mim e das minhas palavras em meio a essa geração pecadora e hipócrita, do mesmo modo que não terei vergonha de reconhecer-vos quando, em glória, eu aparecer diante do meu Pai na presença de todas as hostes celestes. Todavia, muitos, dentre os que agora estão diante de mim, não terão o gosto da morte, antes de verem esse Reino de Deus chegar com poder”.
158:7.6 (1760.3) E, assim, Jesus mostrou aos doze o caminho doloroso e conflitante que eles deveriam trilhar, se quisessem segui-lo. Que choque essas palavras causaram nesses pescadores da Galiléia, que persistiam em sonhar com um reino na Terra; e com posições de honra para si próprios! Mas os seus corações leais encheram-se de emoção com esse apelo corajoso, e nenhum deles teve a idéia de abandoná-lo. Jesus não os estava mandando para a luta sozinhos, ele os conduzia. Pedia-lhes apenas que o seguissem com bravura.
158:7.7 (1760.4) Devagar, os doze apóstolos estavam captando a idéia de que Jesus lhes estava contando algo sobre a possibilidade da sua morte. E, apenas vagamente, eles compreenderam o que ele havia dito sobre a própria morte, enquanto a sua afirmação sobre ressurgir dos mortos não se registrou absolutamente naquelas mentes. À medida que passaram os dias, Pedro, Tiago e João, relembrando-se da experiência pela qual haviam passado no monte da transfiguração, chegaram a um entendimento mais pleno de algumas dessas questões.
158:7.8 (1760.5) Em toda a ligação dos doze com o seu Mestre, apenas umas poucas vezes eles viram aquele olho relampejando tanto e ouviram palavras tão bruscas de repreensão, como as que foram administradas a Pedro e ao restante deles nessa ocasião. Jesus havia sempre sido paciente com as limitações humanas deles, mas não tinha sido assim quando colocado de frente a uma ameaça iminente contra o programa de cumprir implicitamente a vontade do seu Pai no restante da sua carreira terrena. Os apóstolos ficaram literalmente assombrados; estavam estupefatos e horrorizados. Eles não podiam encontrar palavras para exprimir a sua tristeza. Aos poucos começaram a compreender o que o Mestre iria suportar; e que deveriam passar por aquelas experiências junto com ele, mas não despertaram, para a realidade desses acontecimentos que se aproximavam, senão muito depois das primeiras sugestões da chegada iminente da tragédia que seriam os últimos dias dele.
158:7.9 (1761.1) Em silêncio, Jesus e os doze partiram para o seu acampamento no parque de Magadam, viajando pelo caminho de Cafarnaum. À medida que caía a tarde, embora não falassem com Jesus, muito eles conversaram entre si, enquanto André dialogava com o Mestre.
158:8.1 (1761.2) Chegaram em Cafarnaum durante o crepúsculo e, seguindo por caminhos pouco freqüentados, foram diretamente à casa de Simão Pedro para jantar. Enquanto Davi Zebedeu preparava-se para levá-los ao outro lado do lago, eles permaneceram na casa de Simão, e Jesus, levantando os olhos até Pedro e os outros apóstolos, perguntou: “Enquanto caminháveis juntos, esta tarde, sobre o que faláveis tão gravemente entre vós?” Os apóstolos ficaram calados, porque muitos deles haviam continuado a discussão iniciada no monte Hermom, sobre as posições que eles deveriam ter no Reino que estava para vir; quem deveria ser o maior, e assim por diante. Jesus, sabendo o que ocupara os pensamentos deles naquele dia, com um gesto chamou um dos pequenos de Pedro e, colocando a criança entre eles, disse: “Em verdade, em verdade, eu vos digo, se não mudardes e se não vos tornardes mais como esta criança, pouco progresso fareis no Reino do céu. Aquele que se humilhar e tornar-se como este pequeno, virá a ser o maior no Reino do céu. E aquele que receber este pequeno é a mim que recebe. E aqueles que recebem a mim recebem também a Ele que me enviou. Se quiserdes ser os primeiros no Reino, procurai ministrar essas boas verdades aos vossos irmãos na carne. Mas se alguém fizer um destes pequenos tropeçar, seria melhor para ele que uma pedra de moinho lhe fosse atada ao pescoço e que fosse jogado no mar. Se as coisas que fizerdes com as vossas mãos, ou as coisas que virdes com os vossos olhos ofenderem o progresso do Reino, sacrificai então esses partes idolatradas, pois é melhor entrardes no Reino sem muitas das coisas amadas da vossa vida, do que vos apegar a esses ídolos e ver-vos excluídos do Reino. Mais do que tudo, entretanto, assegurai-vos de não desprezar nenhum destes pequenos, pois os anjos deles contemplam sempre as faces das hostes celestes”.
158:8.2 (1761.3) Quando Jesus acabou de falar, eles entraram no barco e velejaram para o outro lado, até Magadam.
O Livro de Urântia
Documento 159
159:0.1 (1762.1) QUANDO Jesus e os doze chegaram ao parque de Magadam, encontraram um grupo de quase cem evangelistas e discípulos aguardando por eles, incluindo o corpo de mulheres; e eles dispuseram-se imediatamente ficando prontos para começar a campanha de ensinamento e de pregação pelas cidades da Decápolis.
159:0.2 (1762.2) Nessa quinta-feira, 18 de agosto pela manhã, o Mestre reuniu os seus seguidores e ordenou que cada um dos apóstolos associar-se-ia a um dos doze evangelistas e que, junto ainda com outros evangelistas, deveriam sair em doze grupos para trabalhar nas cidades e aldeias da Decápolis. Ele ordenou, ao corpo de mulheres e aos discípulos restantes, que permanecessem com ele. Jesus destinou quatro semanas a essa viagem, instruindo os seus seguidores para que retornassem a Magadam não depois de sexta-feira, 16 de setembro. Prometeu visitá-los freqüentemente durante esse tempo. Durante esse mês, os doze grupos trabalharam em Gerasa, Gamala, Hipos, Zafom, Gadara, Abila, Edrei, Filadélfia, Hesbon, Dium, Sitópolis e muitas outras cidades. Durante essa viagem, não aconteceu nenhum milagre de cura, nem outros eventos extraordinários.
159:1.1 (1762.3) Certa noite em Hipos, Jesus ensinou sobre o perdão, em resposta a uma pergunta de um discípulo. Disse o Mestre:
159:1.2 (1762.4) “Se um homem de bom coração tem cem ovelhas e uma delas desvia-se, não deixa de imediato as noventa e nove e sai em busca daquela que se desviou? E se for um bom pastor, não permanecerá em busca da ovelha perdida até encontrá- la? E assim, quando o pastor houver encontrado a sua ovelha perdida, ele a colocará nos ombros e, rejubilante, chamará os seus amigos e vizinhos, para ‘rejubilarem-se comigo, pois eu encontrei minha ovelha que estava perdida’. Eu declaro que há mais alegria no céu, por causa de um pecador que se arrepende, do que por de noventa e nove pessoas corretas que não necessitam de arrependimento. E, ainda assim, não é da vontade do meu Pai no céu que nenhuma dessas pequeninas ovelhas se perca e muito menos que pereça. Na vossa religião, Deus pode receber os pecadores arrependidos; no evangelho do Reino, o Pai sai para encontrá-los, antes até mesmo que eles pensem seriamente em arrependimento.
159:1.3 (1762.5) “O Pai do céu ama os seus filhos; e, portanto, deveríeis aprender a amar-vos uns aos outros; o Pai do céu perdoa o vosso pecado; e, portanto, deveríeis aprender a perdoar-vos uns aos outros. Se o vosso irmão peca contra vós, ide até ele e, com tato e paciência, mostrai a ele o seu erro. E fazei tudo isso apenas entre vós e ele, a sós. Se ele vos escutar, então conquistastes o vosso irmão. Mas se o vosso irmão não vos escutar, se ele persistir no caminho do erro, ide novamente a ele, levando convosco um ou dois amigos comuns, para que possais ter duas, ou mesmo três testemunhas, para confirmar o depoimento dele e estabelecer o fato de que vós tratastes com justiça e com misericórdia ao vosso irmão que vos ofendeu. E, ainda, se ele se recusa a ouvir os vossos irmãos, podeis contar o caso à fraternidade e, então, se ele se recusar a ouvir a congregação, deixai que tomem as providências que julgarem sábias; e deixai que esse membro, obstinado assim, se torne um pária deste reino. Embora não possais pretender fazer o julgamento das almas dos vossos semelhantes, e, embora não possais perdoar pecados, nem presumir, de qualquer outro modo, usurpar as prerrogativas dos supervisores das hostes celestes, ao mesmo tempo, a vós foi confiado manterdes a ordem temporal deste reino da Terra. Apesar de não poderdes interferir nos decretos divinos que dizem respeito à vida eterna, ireis determinar as questões da conduta, no que disserem respeito ao bem-estar temporal da fraternidade na Terra. E assim, em todas essas questões ligadas à disciplina da irmandade, o que vós decretardes na Terra será reconhecido no céu. Embora não possais determinar o destino eterno do indivíduo, podeis legislar a respeito da conduta do grupo, pois, naquilo em que dois ou três de vós concordardes, a respeito de qualquer dessas coisas e perguntardes a mim, assim será feito para vós, se o vosso pedido não for incompatível com a vontade do meu Pai no céu. E tudo isso é, para sempre, a verdade, pois, naquilo em que dois ou três crentes estiverem juntos, lá eu estarei no meio deles”.
159:1.4 (1763.1) Simão Pedro era o apóstolo encarregado dos trabalhadores em Hipos e quando ouviu Jesus falar assim perguntou: “Senhor, quantas vezes o meu irmão pecará contra mim, e quantas eu devo perdoá-lo? Até sete vezes?” E Jesus respondeu a Pedro: “Não apenas sete vezes, mas até mesmo setenta e sete vezes. E, portanto, o Reino do céu pode ser comparado a um certo rei que ordenou uma verificação financeira nas contas dos seus intendentes. E, quando começaram a fazer esse exame das contas, foi trazido diante dele um dos seus principais servidores, que confessava dever dez mil talentos ao seu rei. Ora, esse oficial da corte do rei, havendo passado por tempos difíceis, argumentou que não possuía com que pagar a sua obrigação. Assim, o rei ordenou que a sua propriedade fosse confiscada e que os seus filhos fossem vendidos para pagar o seu débito. Quando esse servidor ouviu a dura sentença, caiu com o rosto no chão, diante do rei, implorando-lhe que tivesse misericórdia e lhe concedesse mais tempo, dizendo: ‘Senhor, tem um pouco mais de paciência comigo, e eu te pagarei tudo’. E quando o rei olhou para esse servidor negligente e para a sua família, ficou comovido de compaixão. E ordenou que fosse liberado e que a sua dívida fosse totalmente perdoada.
159:1.5 (1763.2) “E esse importante servidor, tendo assim recebido a misericórdia e o perdão das mãos do rei, retornou aos seus afazeres. Depois disso, encontrando um dos seus subordinados que lhe devia a mera quantia de cem denários, aproximou-se dele e, pegando-o pela garganta, disse: ‘Paga tudo o que me deve’. E, então, esse servidor caiu aos pés do seu dirigente e, implorando-lhe, disse: ‘Tem só um pouco de paciência comigo, e em breve poderei pagar-te’. Mas o servidor dirigente não demonstrou misericórdia para com o seu companheiro servidor e, ao contrário, mandou-o para a prisão, até que pagasse o seu débito. Quando os companheiros servidores viram o que havia acontecido, ficaram tão aflitos que foram contar tudo ao senhor e mestre, o rei. Quando o rei ouviu sobre o que o seu servidor dirigente fizera, chamou esse homem ingrato e implacável diante de si e disse: ‘Tu és um servidor maldoso e indigno. Quando buscaste a compaixão, eu te perdoei graciosamente de toda a tua dívida. Por que tu não mostraste misericórdia também para com o teu companheiro servidor, do mesmo modo que mostrei misericórdia para contigo?’ E o rei ficou com tanta raiva que entregou o servidor ingrato aos soldados, para que eles o prendessem até que ele pagasse tudo o que devia. E, desse mesmo modo, o meu Pai celeste mostrará a mais abundante misericórdia para com aqueles que graciosamente demonstrarem misericórdia para com os seus semelhantes. Como podeis vós vir a Deus, pedindo consideração pelas vossas faltas, se tendes o hábito de castigar os vossos irmãos por serem culpados dessas mesmas fragilidades humanas? Eu digo a todos vós: graciosamente recebestes as boas coisas do Reino e, portanto, gratuitamente deveis dá-las aos vossos companheiros na Terra”.
159:1.6 (1764.1) Assim Jesus ensinou sobre os perigos, e ilustrou a injustiça que é fazer um julgamento pessoal do semelhante. A disciplina deve ser mantida, a justiça deve ser administrada, mas, em todas essas questões, a sabedoria da fraternidade deve prevalecer. Jesus investiu o grupo com autoridade legislativa e judiciária, não o indivíduo. E mesmo esse investimento de autoridade no grupo, não deve ser exercido com autoridade pessoal. Há sempre o perigo de que o veredicto dado por um indivíduo possa ser deformado pelo preconceito, ou distorcido pela paixão. O julgamento grupal é mais apropriado para remover tais perigos e eliminar as injustiças da propensão pessoal. Jesus buscou sempre minimizar os elementos de injustiça, de retaliação e de vingança.
159:1.7 (1764.2) [O uso da expressão setenta e sete como uma ilustração de misericórdia e clemência veio das escrituras; em uma referência à exultação de Lamec, por causa da arma de metal do seu filho Tubal-Caim. Ao comparar esses instrumentos superiores com os dos seus inimigos, exclamou: “Se Caim, sem nenhuma arma na sua mão, foi vingado sete vezes, eu serei agora setenta e sete vezes vingado”.]
159:2.1 (1764.3) Jesus foi a Gamala, para visitar João e aqueles que trabalhavam com ele naquela cidade. Nessa noite, depois da sessão de perguntas e respostas, João disse a Jesus: “Mestre, ontem eu fui até Astarot para ver um homem que estava ensinando em teu nome, e até mesmo clamando ser capaz de expulsar demônios. Ora, esse homem nunca esteve conosco, nem jamais nos seguiu; por isso eu proibi-o de fazer essas coisas”. E então disse Jesus: “Não o proíbas. Não percebes que esse evangelho do Reino em breve será proclamado em todo o mundo? Como podes esperar que todos aqueles que acreditam no evangelho fiquem sujeitos à tua direção? Rejubila-te porque o nosso ensinamento já começou a manifestar-se para além das fronteiras da nossa influência pessoal. Acaso tu não vês, João, que aqueles que professam fazer grandes trabalhos em meu nome acabarão, finalmente, dando suporte à nossa causa? Eles certamente não se apressarão em me maldizer. Meu filho, em questões dessa espécie seria melhor que tu reconhecesses que aquele que não está contra nós, está a nosso favor. Nas gerações vindouras, muitos homens que não são integralmente dignos farão muitas coisas estranhas em meu nome, mas eu não os proibirei. Eu te digo que, até mesmo quando um copo de água for dado a uma alma sedenta, os mensageiros do Pai sempre registrarão um tal serviço de amor”.
159:2.2 (1764.4) Essa instrução deixou João bastante desconcertado. Será que ele não tinha antes ouvido o Mestre dizer: “Aquele que não está comigo, está contra mim”? Mas João não havia percebido que, neste caso, Jesus estava referindo-se à relação pessoal do homem com os ensinamentos espirituais do Reino; enquanto no outro caso a equiparação havia sido feita com as relações externas e amplamente sociais, dos crentes, para com as questões do controle administrativo e jurisdição, de um grupo de crentes, sobre o trabalho de outros grupos, os quais finalmente iriam compor a fraternidade mundial vindoura.
159:2.3 (1765.1) Contudo, muitas vezes João relatou essa experiência, por ocasião dos seus trabalhos subseqüentes em benefício do Reino. E, com freqüência, os apóstolos consideraram como ofensiva toda a pregação daqueles que decidiram ensinar em nome do Mestre. Sempre lhes pareceu impróprio que, aqueles que nunca se sentaram aos pés de Jesus, ousassem ensinar em nome dele.
159:2.4 (1765.2) Esse homem, a quem João proibiu de ensinar e trabalhar, em nome de Jesus, não deu atenção maior à proibição do apóstolo. Ele continuou com os seus esforços e formou um grupo considerável de crentes, em Canata, antes de ir para a Mesopotâmia. Esse homem, Aden, havia sido levado a acreditar em Jesus por meio do testemunho daquele demente a quem Jesus curara, perto de Queresa, e que, com tanta confiança, havia acreditado que os supostos espíritos impuros, que o Mestre expulsara dele, haviam entrado na vara de porcos, levando-os todos a se destruírem, caindo de um precipício.
159:3.1 (1765.3) Em Edrei, onde Tomé e os seus condiscípulos trabalhavam, Jesus passou um dia e uma noite e, no curso da discussão à noite, deu expressão aos princípios que deveriam guiar aqueles que pregam a verdade, e que deveriam dar esse estímulo a todos que ensinam o evangelho do Reino. Resumido e reformulado, em uma linguagem moderna, eis o que Jesus ensinou:
159:3.2 (1765.4) Sempre respeitar a personalidade do homem. Uma causa justa não deveria jamais ser promovida pela força; as vitórias espirituais apenas podem ser ganhas pelo poder espiritual. Essa determinação contra o emprego de influências materiais refere- se à força psíquica, tanto quanto à força física. Os argumentos esmagadores, e a superioridade mental, não devem ser empregados para coagir os homens e as mulheres a abraçar o Reino. A mente do homem não deve ser subjugada apenas pelo peso da lógica, nem intimidada pela eloqüência astuta. Ainda que a emoção, como um fator para as decisões humanas, não possa ser totalmente eliminada, não deveria ser feito um apelo direto a ela, nos ensinamentos dados àqueles que gostariam de avançar na causa do Reino. Fazei os vossos apelos diretamente ao espírito divino que reside no interior das mentes dos homens. Não façais apelos ao medo, à piedade, nem a meros sentimentos. Ao fazer apelos aos homens, sede equânimes; exercei o autocontrole e demonstreis uma reserva devida; demonstrai um respeito oportuno pelas personalidades dos vossos discípulos. Lembrai-vos de que eu disse: “Vede, eu estou à porta e bato; e se alguém abri-la, eu entrarei”.
159:3.3 (1765.5) Ao trazer os homens para o Reino, não diminuais, nem destruais o seu auto- respeito. Conquanto um excesso de auto-respeito possa destruir a humildade adequada e acabar com o orgulho, a presunção e a arrogância; muitas vezes a perda do auto-respeito leva à paralisação da vontade. O propósito deste evangelho é restaurar o auto-respeito, para aqueles que o hajam perdido, e restringi-lo para aqueles que o mantêm. Não cometais o engano de condenar apenas os erros nas vidas dos vossos alunos; lembrai-vos também de dar um reconhecimento generoso a coisas mais dignas de louvor nas suas vidas. Não esqueçais de que nada impedirá que eu busque restaurar o auto-respeito daqueles que o perderam e que realmente desejam reconquistá-lo.
159:3.4 (1765.6) Tomai cuidado para que não firais o auto-respeito das almas tímidas e temerosas. Não vos permitais ser sarcásticos às custas dos meus irmãos de mente simples. Não sejais cínicos com os meus filhos temerosos. A preguiça é destrutiva para o auto-respeito; portanto, aconselhai os vossos irmãos a manterem-se sempre ocupados com as tarefas que escolheram, e não poupeis esforços para assegurar trabalho àqueles que se encontram sem emprego.
159:3.5 (1766.1) Que vós não sejais culpados pelo uso de táticas indignas, tais como tentar amedrontar os homens e as mulheres para que entrem no Reino. Um pai que ama, não amedronta os seus filhos para que sejam obedientes às suas exigências justas.
159:3.6 (1766.2) Os filhos do Reino acabarão por compreender que os sentimentos fortes de emoção, não são equivalentes à condução do espírito divino. Ficar fortemente impressionado e levado a fazer alguma coisa ou a ir a um certo lugar não significa necessariamente que tal impulso seja proveniente de um guiamento do espírito residente.
159:3.7 (1766.3) Preveni a todos os crentes a respeito do nível de conflito que deve ser enfrentado por todos aqueles que passam da vida, como é vivida na carne, para a vida mais elevada, como é vivida no espírito. Para aqueles que vivem inteiramente dentro de qualquer dos reinos, há um pequeno conflito ou confusão, mas todos estão fadados a experimentar uma incerteza, maior ou menor, durante os tempos de transição entre os dois níveis de vida. Vós não podeis escapar das vossas responsabilidades, nem evitar as obrigações do Reino, ao entrardes nele, mas lembrai-vos: O jugo do evangelho é fácil de levar, e o fardo da verdade é leve.
159:3.8 (1766.4) O mundo está cheio de almas famintas que, mesmo estando em presença do pão da vida, passam fome; homens morrem à procura do próprio Deus que vive dentro deles. Homens buscam os tesouros do Reino com os corações cheios de anseio e os pés cansados; e os tesouros estão todos dentro do alcance imediato da fé viva. A fé é para a religião o que as velas são para um barco: um acréscimo na força, não uma carga a mais na vida. Só há uma luta para aqueles que entram no Reino, e esta é a boa batalha da fé. O crente tem apenas uma batalha, e esta é contra a dúvida — a descrença.
159:3.9 (1766.5) Ao pregar o evangelho do Reino, vós estais simplesmente ensinando a amizade a Deus. E essa amizade é tão atraente para os homens quanto o é para as mulheres, pois ambos encontrarão aquilo que satisfaz, mais verdadeiramente, aos seus desejos característicos e ideais. Dizei aos meus filhos que eu sou, não apenas terno, para com os seus sentimentos, e paciente, com as suas fraquezas, mas que sou também sem piedade, com o pecado, e intolerante, com a iniqüidade. Sou de fato manso e humilde, na presença do meu Pai, mas me torno implacável e inexorável, na mesma medida, quando há erro deliberado e rebelião pecaminosa, contra a vontade do meu Pai no céu.
159:3.10 (1766.6) Não ireis nunca descrever o vosso Mestre como um homem de pesares. As gerações futuras conhecerão também o resplendor do nosso júbilo, a alegria da nossa boa vontade e a inspiração do nosso bom humor. Proclamamos uma mensagem de boas-novas, que é contagiante, pelo seu poder de transformação. A nossa religião está pulsando, com nova vida e novos significados. Aqueles que aceitam esse ensinamento ficam repletos de júbilo e, nos seus corações, são levados a rejubilarem-se ainda mais. Uma felicidade crescente é a experiência contínua para todos aqueles que estão seguros a respeito de Deus.
159:3.11 (1766.7) Ensinai todos os crentes a evitar que se apóiem nos esteios inseguros da falsa caridade. Vós não podeis desenvolver um caráter forte a partir da indulgência na autopiedade; esforçai-vos honestamente para evitar a influência enganosa da mera irmanação na miséria. Estendei a vossa compaixão aos valentes e aos corajosos, ao mesmo tempo, evitando dedicar um excesso de piedade àquelas almas covardes que, apenas frouxamente, se postam diante das provações da vida. Não ofereçais consolo àqueles que caem diante dos próprios problemas, sem uma luta. Não dediqueis a vossa compaixão aos vossos semelhantes apenas para que, em retribuição, eles possam simpatizar convosco.
159:3.12 (1766.8) Quando os meus filhos tornam-se conscientes da segurança da divina presença, essa fé expande a mente, enobrece a alma, reforça a personalidade, aumenta a felicidade, aprofunda a percepção espiritual e realça o poder de amar e ser amado.
159:3.13 (1767.1) Ensinai a todos os crentes que aqueles que entram no Reino não se tornam, por isso, imunes aos acidentes do tempo, nem às catástrofes ordinárias da natureza. Crer no evangelho não terminará com os problemas, mas irá assegurar que vós não tereis medo, quando os problemas baterem à vossa porta. Se ousardes crer em mim e se, de todo o vosso coração, continuardes a seguir-me, fazendo isso vós ireis, com toda a certeza, entrar no caminho que vos levará a dificuldades. Eu não vos prometo livrar-vos das águas da adversidade, mas eu vos prometo estar convosco durante todas elas.
159:3.14 (1767.2) E Jesus ensinou muito mais a esse grupo de crentes antes que se preparassem para o sono daquela noite. E, aqueles que ouviram essas palavras, guardaram- nas no coração como um tesouro e, muitas vezes, recitaram-nas para a edificação daqueles apóstolos e discípulos que não estiveram presentes quando elas foram pronunciadas.
159:4.1 (1767.3) E então Jesus tomou o rumo de Ábila, onde Natanael e os seus companheiros trabalhavam. Natanael andava muito incomodado com alguns dos pronunciamentos de Jesus que pareciam depreciar a autoridade das escrituras hebraicas reconhecidas. E, assim sendo, nessa noite, depois do período usual de perguntas e respostas, Natanael levou Jesus para longe dos outros e perguntou: “Mestre, poderias confiar em mim, a ponto de fazeres com que eu conheça a verdade sobre as escrituras? Eu observo que nos ensinas apenas uma parte das escrituras sagradas — a melhor, segundo o que posso notar — e concluo que rejeitas os ensinamentos dos rabinos, que afirmam que as palavras da lei são as próprias palavras de Deus, que estavam com Deus no céu antes mesmo dos tempos de Abraão e Moisés. Qual é a verdade sobre as escrituras?” Ao ouvir a pergunta do seu apóstolo desnorteado, Jesus respondeu:
159:4.2 (1767.4) “Natanael, julgaste certo; não considero as escrituras como os rabinos as consideram. E falarei contigo sobre essa questão, sob a condição de que tu não relates essas coisas aos teus irmãos, pois nem todos estão preparados para receber esse ensinamento. As palavras da lei de Moisés, e os ensinamentos das escrituras, não existiam antes de Abraão. Apenas em tempos recentes as escrituras foram formadas, como agora as conhecemos. Embora contenham o melhor dos pensamentos mais elevados, e das aspirações do povo judeu, elas também contêm muita coisa que está longe de representar o caráter e os ensinamentos do Pai, no céu; e é por essa razão que eu devo escolher, dentre os melhores ensinamentos, aquelas verdades que devem ser reunidas para o evangelho do Reino.
159:4.3 (1767.5) “Essas escrituras são trabalho executado por homens; alguns deles santos, outros não o sendo totalmente. Os ensinamentos desses compêndios representam a visâo e a extensão do esclarecimento dos tempos, na época em que tiveram a sua origem. Como revelação da verdade, os últimos são mais confiáveis do que os primeiros. As escrituras são errôneas e de todo humanas, pela sua origem, mas não vos enganeis, elas constituem a melhor coleção de sabedoria religiosa e verdade espiritual a ser encontrada em todo o mundo, neste momento.
159:4.4 (1767.6) “Conquanto muitos desses livros não hajam sido escritos pelas pessoas cujos nomes constam neles, de modo algum, isso pesa em detrimento do valor das verdades que contêm. Se a história de Jonas não for um fato, mesmo se Jonas não tiver vivido nunca, ainda assim a profunda verdade da narrativa, o amor de Deus por Nínive e os chamados pagãos, não seria menos preciosa, aos olhos de todos aqueles que amam os seus semelhantes. As escrituras são sagradas por apresentarem os pensamentos e atos de homens que estavam em busca de Deus e que, por meio desses escritos, deixaram registrados seus conceitos mais elevados de retidão, verdade e santidade. As escrituras contêm muito que é verdade, entretanto, à luz dos vossos ensinamentos atuais, podeis entender que esses escritos contêm também bastante coisa que apenas de um modo falso representa o Pai do céu, o Deus de amor que eu vim revelar a todos os mundos.
159:4.5 (1768.1) “Natanael, nunca te permita, sequer por um momento, acreditar nos registros daquelas escrituras que dizem que o Deus do amor comandou teus antepassados que prosseguissem na batalha até matar todos os inimigos — homens, mulheres e crianças. Alguns registros são palavras vindas de homens, e homens não muito santos, esses, pois, não são a palavra de Deus. As escrituras refletem sempre e sempre refletirão o status intelectual, moral e espiritual daqueles que as criaram. Acaso não percebeste que os conceitos de Yavé crescem, em beleza e glória, à medida que os profetas fazem os seus registros, de Samuel a Isaías? E tu deverias lembrar-te de que as escrituras são destinadas à instrução religiosa e ao guiamento espiritual. Elas não são uma obra, nem de historiadores, nem de filósofos.
159:4.6 (1768.2) “A coisa mais deplorável não é meramente a idéia errônea da perfeição absoluta dos registros das escrituras e da infalibilidade dos seus ensinamentos; mas, a interpretação confusa e errada que os escribas e os fariseus em Jerusalém, escravizados à tradição, fazem desses escritos sagrados, pode ser mais deplorável. E agora eles irão empregar a doutrina de que as escrituras são tão inspiradas quanto as interpretações falaciosas que fazem delas, no seu esforço determinado para resistir a esses novos ensinamentos do evangelho do Reino. Natanael, nunca esqueças, o Pai não limita a revelação da verdade a nenhuma geração, nem a nenhum povo. Muitos buscadores honestos da verdade têm sido, e continuarão a ser, confundidos e desalentados por essas doutrinas da perfeição das escrituras.
159:4.7 (1768.3) “A autoridade da verdade é o próprio espírito que reside nas suas manifestações vivas, não é a palavra morta de homens menos iluminados e supostamente inspirados de uma outra geração. E ainda que esses homens santos de outrora tivessem vivido vidas inspiradas e preenchidas pelo espírito, isso não quer dizer que as palavras deles sejam, do mesmo modo, espiritualmente inspiradas. Hoje, deixamos de fazer o registro dos ensinamentos do nosso evangelho do Reino para que, quando eu tiver partido, não vos torneis rapidamente divididos em vários grupos de defensores da verdade, em função das diversidades das vossas interpretações dos meus ensinamentos. Para esta geração é melhor que essas verdades sejam vividas, evitando fazer o registro delas por escrito.
159:4.8 (1768.4) “Marca bem estas palavras, Natanael: Nada que a natureza humana houver tocado pode ser considerado infalível. Por meio da mente do homem, a verdade divina de fato pode resplandecer, mas sempre com uma pureza relativa e com uma divindade parcial. A criatura pode almejar a infalibilidade, no entanto apenas os Criadores a possuem.
159:4.9 (1768.5) “O maior dos erros do que se ensina sobre as escrituras, porém, é a doutrina de que são livros selados, em mistério e sabedoria, os quais apenas as mentes sábias da nação ousam interpretar. As revelações da verdade divina não são seladas, a não ser pela ignorância humana, pelo fanatismo e pela intolerância da mente estreita. A luz das escrituras é obscurecida apenas pelo preconceito e obliterada apenas pela superstição. Um medo falso do sagrado impediu que a religião fosse salvaguardada pelo bom senso. O medo da autoridade dos escritos sagrados, do passado, impede efetivamente que as almas honestas de hoje aceitem a nova luz do evangelho, a luz que os mesmos homens conhecedores de Deus, de outra geração, tão intensamente almejaram ver.
159:4.10 (1769.1) “E o aspecto mais triste de tudo é o fato de que alguns dos instrutores partidários da santidade desse tradicionalismo conhecem a verdade. Eles compreendem mais ou menos plenamente as limitações das escrituras, mas eles são covardes morais e intelectualmente desonestos. Eles sabem da verdade a respeito das sagradas escrituras, mas preferem ocultar do povo esses fatos perturbadores. E, assim, desvirtuam e deturpam as escrituras, fazendo delas um guia, cheio de detalhes escravizadores da vida diária e uma autoridade sobre coisas não espirituais, em vez de apelar para os escritos sagrados como um depositário de sabedoria moral, de inspiração religiosa e de ensinamento espiritual, vindos dos homens conhecedores de Deus, em outras gerações”.
159:4.11 (1769.2) Natanael estava esclarecido, e chocado, com o pronunciamento do Mestre. E ponderou longamente, sobre essa conversa, nas profundezas da sua alma; mas nada falou, a nenhum homem, a respeito desse diálogo, não antes da ascensão de Jesus; e, mesmo então, ele temia contar toda a história da instrução do Mestre.
159:5.1 (1769.3) Na Filadélfia, onde Tiago estava trabalhando, Jesus ensinou aos discípulos a natureza positiva do evangelho do Reino. No decorrer das suas observações, quando ele insinuou que algumas partes da escritura continham mais verdade do que outras e preveniu aos seus ouvintes sobre alimentar as suas almas com o melhor do alimento espiritual, Tiago interrompeu o Mestre, perguntando: “Mestre, tu serias tão bom a ponto de sugerir a nós como podemos escolher as melhores passagens, das escrituras, para a nossa edificação pessoal?” E Jesus respondeu: “Sim, Tiago, ao leres as escrituras, procura aqueles ensinamentos eternamente verdadeiros e divinamente belos, tais como:
159:5.2 (1769.4) “Cria em mim um coração puro, ó Senhor”.
159:5.3 (1769.5) “O Senhor é meu pastor; nada me há de faltar”.
159:5.4 (1769.6) “Ama o teu semelhante como a ti próprio”.
159:5.5 (1769.7) “Pois eu, o Senhor teu Deus, segurarei a tua mão direita, dizendo: não temas; eu ajudar-te-ei”.
159:5.6 (1769.8) “E as nações não mais farão o aprendizado da guerra”.
159:5.7 (1769.9) E tudo isso se torna ilustrativo do modo como Jesus, dia a dia, apropriava- se do melhor das escrituras dos hebreus, para a instrução dos seus seguidores, incluindo o melhor dos ensinamentos no novo evangelho do Reino. Outras religiões haviam sugerido o pensamento de que Deus está próximo do homem, mas Jesus transformou o cuidado de Deus, para com o homem, na solicitude de um Pai cheio de amor pelo bem-estar dos filhos que dele dependem; e, então, fez desse ensinamento a pedra fundamental da sua religião. E, assim, a doutrina da paternidade de Deus torna imperativa a prática da fraternidade dos homens. A adoração de Deus e o serviço do homem tornam-se a soma e a essência da sua religião. Jesus tomou do melhor da religião judaica, transpondo-o para o quadro mais digno dos novos ensinamentos do evangelho do Reino.
159:5.8 (1769.10) Jesus colocou o espírito da ação positiva nas doutrinas passivas da religião judaica. No lugar da submissão negativa, da submissão às exigências cerimoniais, Jesus indicou a realização positiva daquilo que a sua nova religião exigia daqueles que a aceitavam. A religião de Jesus não consistiu meramente em acreditar, mas, de fato, em fazer todas aquelas coisas que o evangelho exigia. Ele não ensinou que a essência da sua religião consistia no serviço social, mas sim que aquele serviço social era um dos efeitos certos da posse do espírito da verdadeira religião.
159:5.9 (1770.1) Jesus não hesitou em apropriar-se da melhor metade de uma escritura, repudiando, ao mesmo tempo, a parte inferior em conteúdo. A sua grande exortação: “Ama ao próximo como a ti mesmo”, ele tomou-a das escrituras, onde se lê: “Não exercerás a vingança contra o filho do teu povo, mas amarás o teu semelhante como a ti mesmo”. Jesus apropriou-se da parte positiva dessa escritura, rejeitando a parte negativa. Ele se opôs até mesmo à não-resistência negativa ou puramente passiva. Ele disse: “Quando um inimigo te golpear em uma face, não fiques emudecido e passivo, mas, em uma atitude positiva, dá-lhe a outra face; isto é, faze o melhor possível, ativamente, para conduzir o teu irmão errado para longe do caminho do mal, levando-o para os melhores caminhos do viver na retidão”. Jesus exigiu que os seus seguidores reagissem positiva e dinamicamente a todas as situações na vida. Dar a outra face, ou qualquer ato que signifique isso, tipicamente, demanda iniciativa e uma expressão vigorosa, ativa e corajosa, da personalidade daquele que crê.
159:5.10 (1770.2) Jesus não preconizava a prática da submissão negativa às indignidades daqueles que buscassem propositalmente impor-se aos praticantes da não resistência ao mal, mas, sim, que os seus seguidores devessem ser sábios e alertas para reagir, de modo rápido e positivo, com o bem para enfrentar o mal, com o fito de que pudessem efetivamente vencer o mal com o bem. Não esqueçais: o bem verdadeiro é, invariavelmente, mais poderoso do que o mal mais maligno. O Mestre ensinou um critério positivo de retidão: “Quem desejar ser meu discípulo, que esqueça de si e assuma plenamente as suas responsabilidades diárias de seguir-me”. E ele próprio dava o exemplo, pois “ele manteve-se no seu caminho, fazendo o bem”. E esse aspecto do evangelho ficou bem ilustrado nas muitas parábolas que, mais tarde, Jesus contou aos seus seguidores. Ele nunca exortou os seus seguidores a suportar pacientemente as suas obrigações, mas sim, com energia e entusiasmo, a viver na medida plena das suas responsabilidades humanas e dos privilégios divinos, no Reino de Deus.
159:5.11 (1770.3) Quando Jesus instruiu os seus apóstolos para que, se alguém lhes tomasse injustamente o agasalho, eles lhe oferecessem um outro agasalho, ele referia-se não tanto a um segundo agasalho literalmente, mas mais à idéia de fazer algo positivo para salvar aquele que errou, em lugar do conselho antigo que seria o da retaliação — “um olho por outro olho”, e assim por diante. Jesus abominava a idéia tanto da retaliação, quanto de tornar-se apenas um sofredor passivo ou uma vítima da injustiça. Nessa ocasião ele ensinou-lhes os três caminhos de lutar e de resistir ao mal:
159:5.12 (1770.4) 1. Retribuir o mal com o mal — o método positivo, mas incorreto.
159:5.13 (1770.5) 2. Sofrer o mal sem queixa e sem resistência — o método puramente negativo.
159:5.14 (1770.6) 3. Retribuir o mal com o bem, de afirmar a vontade, visando tornar-se o senhor da situação, de vencer o mal com o bem — o método positivo e reto.
159:5.15 (1770.7) Um dos apóstolos perguntou certa vez: “Mestre, o que eu deveria fazer se um estranho me forçasse a carregar a sua carga por uma légua?” Jesus respondeu: “Não te assentes para suspirar e repreender o estranho. A retidão não vem dessas atitudes passivas. Se não conseguires pensar em nada mais efetivamente positivo para fazer, tu podes ao menos carregar o fardo dele por uma segunda légua. Isso irá sem dúvida desafiar o injusto e incrédulo estranho”.
159:5.16 (1770.8) Os judeus haviam ouvido falar de um Deus que perdoaria aos pecadores arrependidos e que tentaria esquecer os erros deles, mas jamais, antes da vinda de Jesus, os homens ouviram falar de um Deus que tivesse ido à procura da ovelha perdida e que, assim, tomaria a iniciativa de procurar os pecadores e se rejubilaria quando os encontrasse querendo voltar para a casa do Pai. Essa nota positiva, na religião, Jesus estendeu-a até mesmo às suas orações. E converteu a restritiva regra de ouro em uma exortação positiva em favor da equanimidade humana.
159:5.17 (1771.1) Em todos os seus ensinamentos, Jesus fugiu, infalivelmente, dos detalhes que dispersam. Ele evitava a linguagem floreada e as imagens meramente poéticas, como o jogo de palavras. E, habitualmente, punha significados amplos, em expressões curtas. Com o propósito de ilustração, Jesus alterava o significado corrente de muitos termos, tais como: sal, fermento, pescar e filhinhos. Ele empregava muito eficientemente a antítese, comparando o diminuto ao infinito, e assim por diante. As suas descrições eram surpreendentes: “O cego conduzindo um cego”. Todavia, a maior força encontrada, no seu ensinamento ilustrativo, foi a da sua naturalidade. Jesus trouxe a filosofia da religião, do céu à Terra. Ele retratou as necessidades elementares da alma, com uma nova visão de discernimento interior e dentro de uma nova concessão de afeto.
159:6.1 (1771.2) A missão de quatro semanas, na Decápolis, teve um êxito moderado. Centenas de almas foram recebidas no Reino, os apóstolos e os evangelistas tiveram uma experiência valiosa ao realizar o trabalho, sem a inspiração da presença pessoal de Jesus.
159:6.2 (1771.3) Na sexta-feira, 16 de setembro, todo o corpo de servidores reuniu-se, como convencionado previamente, no parque de Magadam. No sábado foi feito um conselho de mais de cem crentes, no qual os planos futuros para expandir o trabalho do Reino foram considerados de modo completo. Os mensageiros de Davi estiveram presentes e fizeram relatos a respeito do bem-estar dos crentes, em toda a Judéia, Samaria, Galiléia e nos distritos adjacentes.
159:6.3 (1771.4) Poucos dos seguidores de Jesus, nessa época, sabiam apreciar totalmente o grande valor dos serviços do corpo dos mensageiros. Os mensageiros mantinham não apenas os crentes da Palestina em contato uns com os outros, com Jesus e com os apóstolos, mas, durante aqueles dias sombrios, também serviram como coletores de fundos, tanto para o sustento de Jesus e dos seus companheiros, quanto para sustentar as famílias dos doze apóstolos e dos doze evangelistas.
159:6.4 (1771.5) Nessa época, Abner mudou a sua base de operações, de Hebrom para Belém, e este último local foi também o centro para os mensageiros de Davi, na Judéia. Davi mantinha um serviço de revezamento de mensageiros, durante a noite inteira, entre Jerusalém e Betsaida. Esses corredores deixavam Jerusalém todas as noites, revezando-se em Sichar e em Sitópolis, chegando em Betsaida por volta da hora do desjejum, na manhã seguinte.
159:6.5 (1771.6) Jesus e os seus seguidores agora se preparavam para ter um descanso de uma semana, antes de aprontarem-se para começar a última época de trabalhos em benefício do Reino. Esse foi o último descanso deles, pois a missão pereiana transformou-se em uma campanha de pregação e de ensinamento; e se estendeu até o momento da chegada deles em Jerusalém e do desenrolar dos episódios finais da carreira terrena de Jesus.
O Livro de Urântia
Documento 160
160:0.1 (1772.1) NO DOMINGO pela manhã, 18 de setembro, André anunciou que nenhum trabalho seria programado para a semana seguinte. Todos os apóstolos, exceto Natanael e Tomé, foram visitar os familiares ou estar com amigos. Nessa semana Jesus desfrutou de um período de descanso quase completo, mas Natanael e Tomé estiveram bastante ocupados com as suas conversas com um certo filósofo grego de Alexandria, chamado Rodam. Esse grego havia-se tornado recentemente um discípulo de Jesus, por meio dos ensinamentos de um dos colaboradores de Abner, o qual havia conduzido uma missão em Alexandria. Rodam estava agora sinceramente empenhado na tarefa de harmonizar a sua filosofia de vida adequando-a aos novos ensinamentos religiosos de Jesus e viera a Magadam esperando que o Mestre conversasse com ele sobre essa questão. Também desejava assegurar uma versão autorizada, do evangelho, em primeira mão e diretamente de Jesus ou de um dos seus apóstolos. Apesar de o Mestre não se ter mostrado inclinado a entrar em tal conferência com Rodam, recebeu-o amavelmente e imediatamente determinou a Natanael e Tomé que escutassem tudo o que ele tinha para dizer e que, por sua vez, tratassem com ele sobre todo o evangelho.
160:1.1 (1772.2) No domingo cedo, pela manhã, Rodam deu início a uma série de dez discursos para Natanael, Tomé e um grupo de uns vinte e quatro crentes que se encontravam em Magadam. Essas palestras, condensadas, combinadas e relatadas na construção moderna de frases, apresentam os seguintes pensamentos à consideração:
160:1.2 (1772.3) Na vida humana, três grandes impulsos são básicos: os ímpetos, os desejos e os anseios. Um caráter firme e uma personalidade de comando são adquiridos apenas convertendo os ímpetos naturais da vida em arte social de viver, pela transformação dos desejos, do instante presente, em anseios mais elevados, que sejam capazes de um alcance duradouro; enquanto o anseio lugar-comum da existência deve ser transferido das idéias convencionais e estabelecidas, para domínios mais elevados de idéias inexploradas e ideais por serem descobertos.
160:1.3 (1772.4) Quanto mais complexa a civilização se torna, mais difícil ficará a arte de viver. Quanto mais rápidas as mudanças nos hábitos sociais, mais complicada ficará a tarefa do desenvolvimento do caráter. A cada dez gerações a humanidade deve aprender de novo a arte de viver, se é que o progresso deva continuar. E se o homem torna-se assim tão engenhoso, mais rapidamente ele aumenta as complexidades da sociedade; e a arte de viver necessitará ser reformada em menos tempo, talvez mesmo, a cada nova geração. Se a evolução da arte de viver fracassar em manter-se à altura da técnica da existência, a humanidade reverter-se-á rapidamente à condição simples da urgência na sobrevivência — a busca da satisfação dos desejos presentes. E assim a humanidade permanecerá imatura; e a sociedade fracassará no seu crescimento até a maturidade plena.
160:1.4 (1773.1) A maturidade social é equivalente ao grau pelo qual o homem está disposto a sacrificar a gratificação de desejos meramente transitórios e presentes, e passar a entreter aqueles anseios superiores, cuja obtenção requer esforço, mas que, se atingidos, proporcionam satisfações mais abundantes, e de avanço mais progressivo, na direção de metas permanentes. A verdadeira indicação de maturidade social, entretanto, é a vontade que um povo tem de renunciar ao direito de viver, pacífica e satisfatoriamente sob padrões que promovem a comodidade e sob crenças estabelecidas e idéias convencionais, em troca do anseio, inquietante sim e absorvedor de energia também, da busca de possibilidades inexploradas, para atingir metas novas, por descobrir, de realidades espirituais idealistas.
160:1.5 (1773.2) Os animais respondem nobremente ao impulso da vida, mas apenas o homem pode alcançar a arte de viver, se bem que a maioria da humanidade apenas experimente o ímpeto animal da vida. Os animais conhecem apenas essa urgência cega e instintiva; o homem é capaz de transcender a esses ímpetos da função natural. O homem pode optar por uma vida, no plano elevado da arte inteligente e, até mesmo, no plano da alegria celestial ou do êxtase espiritual. Os animais nada se perguntam sobre os propósitos da vida; e, conseqüentemente, nunca se preocupam, nem cometem suicídio. O suicídio entre os homens atesta que esses seres emergiram do estágio puramente animal de existência e subseqüentemente atesta o fato de que os esforços exploratórios de tais seres humanos falharam em atingir os níveis artísticos da experiência mortal. Os animais não conhecem o sentido da vida; o homem não somente possui a capacidade de reconhecer os valores e a compreensão dos significados, mas também é cônscio do significado dos significados — é consciente de um discernimento interior.
160:1.6 (1773.3) Quando os homens ousam abandonar uma vida de desejos naturais, por uma vida de aventuras na arte, cuja lógica é incerta, eles devem esperar sofrer os acasos conseqüentes das perdas emocionais — conflitos, infelicidade e incertezas — , pelo menos até que chegue o tempo de atingir, em algum grau, a maturidade intelectual e emocional. O desencorajamento, a preocupação e a indolência são evidências claras de imaturidade moral. A sociedade humana confronta-se com dois problemas: a maturidade do indivíduo, por ser atingida; e a maturidade da raça, também por ser atingida. O ser humano amadurecido logo começa a encarar todos os outros mortais com sentimentos de ternura e com emoções de tolerância. Os homens amadurecidos encaram os imaturos com o amor e a consideração com que os pais criam os filhos.
160:1.7 (1773.4) Viver com êxito é, nada mais, nada menos, do que a arte na mestria e no domínio das técnicas confiáveis para resolver problemas comuns. O primeiro passo na solução de qualquer problema é localizar a dificuldade, é isolar o problema e reconhecer francamente a sua natureza e gravidade. O grande erro é que, quando os problemas da vida despertam os nossos medos profundos, nós nos recusamos a reconhecê-los. Da mesma forma, quando o reconhecimento das nossas dificuldades envolve uma redução na nossa vaidade, já tão longamente acalentada, e, uma admissão da inveja ou o abandono de preconceitos já profundamente arraigados, o indivíduo comum prefere apegar-se às velhas ilusões de imunidade e aos falsos sentimentos de segurança, também acalentados há muito. Apenas uma pessoa valente pode estar honestamente disposta a admitir e encarar, destemidamente, o que a sua mente sincera e lógica descobre.
160:1.8 (1773.5) A solução sábia e efetiva de qualquer problema demanda que a mente seja isenta de sectarismos, paixões e todos os outros condicionamentos puramente pessoais, que poderiam interferir em uma busca desinteressada dos fatores reais que formam o problema a ser solucionado. A solução dos problemas da vida requer coragem e sinceridade. Apenas os indivíduos honestos e valentes são capazes de seguir bravamente, através do labirinto perturbador e confuso da vida, indo até onde a lógica de uma mente destemida pode levar. E essa emancipação da mente e da alma não pode efetivar-se sem o poder impulsionador de um entusiasmo inteligente, que beira o zelo religioso. A atração de um grande ideal é necessária para impulsionar o homem a perseguir uma meta que seja cercada de problemas materiais difíceis e cheia de riscos intelectuais múltiplos.
160:1.9 (1774.1) Ainda que vós estejais efetivamente equipados para encarar as situações difíceis da vida, não podereis esperar ter êxito, a menos que estejais providos daquela sabedoria da mente e encanto da personalidade, que vos propiciarão obter a cooperação e o apoio sincero dos vossos semelhantes. Vós não podeis esperar obter um sucesso em larga escala, seja no vosso trabalho secular, seja no religioso, a menos que tenhais aprendido como persuadir os vossos semelhantes, como convencer os homens. Deveis ter tato e tolerância, simplesmente.
160:1.10 (1774.2) O melhor entre todos os métodos maiores, na solução dos problemas, contudo, eu aprendi com Jesus, o vosso Mestre. Estou referindo-me àquilo que ele tão coerentemente pratica e que, com tanta fé, ensinou a vós: o isolamento da meditação adoradora. Nesse costume, que Jesus tem de sair tão freqüentemente e se isolar, para comungar com o Pai do céu, é que deve ser encontrada a técnica, não apenas para reunir as forças e a sabedoria a fim de lidar com os conflitos ordinários da vida, mas também para apossar-se da energia necessária à solução dos mais altos problemas de natureza moral e espiritual. Pois, nem mesmo os métodos corretos de solução dos problemas poderão reparar os defeitos inerentes da personalidade, nem compensar a ausência de fome e sede de retidão verdadeira.
160:1.11 (1774.3) Considero-me profundamente impressionado com o costume que Jesus tem de apartar-se e de, sozinho, engajar-se nessas sessões de sondagens solitárias dos problemas da vida; na busca de reservas novas de sabedoria e energia, para enfrentar as múltiplas demandas do serviço social; de estimular e aprofundar o propósito supremo da vida, ao sujeitar a personalidade total à consciência do contato com a divindade; de lutar por alcançar métodos novos e melhores de ajustamento às situações sempre mutantes da existência nesta vida; de efetuar aquelas reconstruções vitais e os reajustes nas atitudes pessoais, que são tão essenciais ao discernimento elevado, de tudo o que é real e que vale a pena; e de fazer tudo isso com olhos apenas na glória de Deus — e respirar com sinceridade na oração favorita do vosso Mestre: “Não o meu desejo, mas o Vosso seja cumprido”.
160:1.12 (1774.4) Essa prática integral na adoração, feita pelo vosso Mestre, proporciona aquele relaxamento que renova a mente, aquela iluminação que inspira a alma, aquela coragem que capacita para enfrentar valentemente os problemas, aquela compreensão que oblitera o medo debilitador e aquela consciência de união com a divindade que dota o homem com a segurança necessária para atrever-se a ser como Deus. O relaxamento gerado na adoração, ou comunhão espiritual, como praticada pelo Mestre, alivia a tensão, elimina os conflitos e aumenta poderosamente os recursos totais da personalidade. E toda essa filosofia mais o evangelho do Reino constituem a nova religião como eu a entendo.
160:1.13 (1774.5) O preconceito cega a alma para o reconhecimento da verdade; o preconceito pode ser removido somente pela devoção sincera da alma à adoração de uma causa que abranja e inclua plenamente todos os nossos semelhantes. O preconceito está indelevelmente vinculado ao egoísmo. O preconceito pode ser eliminado somente se a busca do ego for abandonada e substituída pela busca da satisfação pelo serviço de uma causa que seja, não apenas maior do que o ego, mas maior até do que toda a humanidade — a busca de Deus, o alcance da divindade. Uma evidência da maturidade da personalidade consiste na transformação do desejo humano, pela procura constante da realização desses valores, os mais elevados e os mais divinamente reais.
160:1.14 (1774.6) Num mundo em mudança contínua, em meio a uma ordem social em evolução, torna-se impossível manter metas imutáveis e rígidas de destino. A estabilidade da personalidade somente pode ser experimentada por aqueles que descobriram e abraçaram o Deus vivo, como meta eterna de alcance infinito. E, assim, transferir a meta do tempo para a eternidade, da Terra para o Paraíso, do humano para o divino, requer que o homem se torne regenerado, convertido, que nasça de novo; e que ele se transforme na criança recriada do espírito divino, conquistando assim a entrada na irmandade do Reino do céu. Todas as filosofias e religiões que não chegam a esses ideais são imaturas. A filosofia que eu ensino, ligada ao evangelho que pregais, representa a nova religião da maturidade, o ideal das gerações futuras. E isso é verdade porque o nosso ideal é definitivo, infalível, eterno, universal, absoluto e infinito.
160:1.15 (1775.1) A minha filosofia proporciona a mim o impulso de buscar as realidades de alcance verdadeiro, a meta da maturidade. Todavia esse meu ímpeto foi impotente; à minha procura faltava a força impulsionadora; a minha indagação sofria da ausência da certeza de direcionamento. E essas deficiências foram abundantemente supridas por este novo evangelho de Jesus, com o seu enaltecimento do discernimento interior, da elevação de ideais e nitidez de metas. Sem dúvidas e sem apreensões, eu posso agora, de coração pleno, entrar na aventura eterna.
160:2.1 (1775.2) Apenas duas maneiras há, por meio das quais os mortais podem viver juntos: a maneira material ou animal e a maneira espiritual ou humana. Pelo uso de sinais e sons, os animais são capazes de comunicarem-se uns com os outros, de um modo limitado. Mas tais formas de comunicação não transmitem significados, valores ou idéias. Uma distinção entre homem e animal é que o homem pode comunicar-se com os seus semelhantes, por meio de símbolos que designam e identificam, com toda a certeza, significados, valores, idéias e mesmo ideais.
160:2.2 (1775.3) Posto que os animais não podem comunicar idéias, uns aos outros, eles não podem desenvolver uma personalidade. O homem desenvolve personalidade, porque ele pode comunicar-se dessa maneira com os seus semelhantes, tanto sobre idéias, quanto sobre ideais.
160:2.3 (1775.4) É essa habilidade de comunicar e compartilhar significados que constitui a cultura humana e que capacita o homem, por meio de agrupamentos sociais, a construir civilizações. O conhecimento e a sabedoria tornam-se cumulativos, por causa da habilidade que o homem tem de comunicar essas conquistas às gerações vindouras. E dessa maneira surgem as atividades culturais da raça: a arte, a ciência, a religião e a filosofia.
160:2.4 (1775.5) A comunicação simbólica entre os seres humanos predetermina o iniciar da existência de grupos sociais. O mais eficiente de todos os grupos sociais é a família, mais particularmente o grupo dos dois progenitores. O afeto pessoal é o laço espiritual que mantém essas ligações materiais unidas. Uma tal relação eficaz é também possível entre duas pessoas do mesmo sexo, como é ilustrado tão abundantemente pela devoção nas amizades genuínas.
160:2.5 (1775.6) Tais associações de amizade e afeto mútuo são socializantes e enobrecedoras, porque encorajam e facilitam os seguintes fatores, essenciais ao mais alto nível da arte de viver:
160:2.6 (1775.7) 1. A auto-expressão e a auto-compreensão mútuas. Muitos impulsos humanos nobres desaparecem porque não há ninguém que escute a sua expressão. Verdadeiramente, não é bom para o homem ficar só. Um certo grau de aprovação e uma certa quantidade de apreço são essenciais ao desenvolvimento do caráter humano. Sem o genuíno amor de um lar, nenhuma criança pode realizar o desenvolvimento pleno de um caráter normal. O caráter é algo mais do que a mera moral da mente e mais do que a moralidade. De todas as relações sociais entabuladas para desenvolver o caráter, a mais eficaz e ideal é a amizade afetuosa e compreensiva entre homem e mulher, no abraço mútuo de um matrimônio inteligente. O matrimônio, com as suas relações múltiplas, é mais bem indicado para estimular os impulsos preciosos e os motivos mais elevados, indispensáveis ao desenvolvimento de um caráter firme. Desse modo, não hesito em glorificar a vida familiar; e o vosso Mestre elegeu sabiamente a relação pai-filho como a pedra angular desse novo evangelho do Reino. E uma comunhão tão inigualável de relacionamento, entre homem e mulher, no abraço afetuoso dos mais altos ideais do tempo, torna-se uma experiência tão valiosa e satisfatória a ponto de valer a pena tê-la a qualquer preço, sob pena de qualquer sacrifício, necessário para consegui-la.
160:2.7 (1776.1) 2. A união de alma — a mobilização da sabedoria. Todo ser humano, mais cedo ou mais tarde, adquire um certo conceito deste mundo e uma certa visão do próximo. Pois bem, é possível, por meio da conjunção de personalidades, unir essas visões da existência temporal e das perspectivas eternas. Assim, a mente de um aumenta os seus valores espirituais ao ganhar muito do discernimento interior do outro. Dessa forma os homens enriquecem as suas almas, fazendo entre si a união das suas respectivas conquistas espirituais. Do mesmo modo, o homem torna-se capacitado para evitar aquela tendência sempre presente de ser vítima de uma distorção na sua visão, de ter um ponto de vista preconcebido ou estreiteza de julgamento. O medo, a inveja e a imodéstia somente podem ser evitados pelo estreito contato com outras mentes. Chamo a vossa atenção para o fato de que o Mestre nunca vos envia sozinhos para o trabalho de expansão do Reino; ele sempre envia dois a dois. E posto que a sabedoria é supraconhecimento, a conseqüência é que, com a união de sabedorias, em um grupo social pequeno ou grande, todo o conhecimento é compartilhado mutuamente.
160:2.8 (1776.2) 3. O entusiasmo pela vida. O isolamento tende a exaurir a carga de energia da alma. A associação com os semelhantes é essencial para a renovação do gosto pela vida e é indispensável à manutenção da coragem para lutar nas batalhas conseqüentes da ascensão aos níveis mais elevados da vida humana. A amizade intensifica as alegrias e glorifica os triunfos na vida. As ligações humanas de amor e intimidade tendem a aliviar o sofrimento das penas da vida e a dificuldade de muitas amarguras. A presença de um amigo acentua toda a beleza e exalta toda a bondade. Por meio de símbolos inteligentes, o homem torna-se capaz de vivificar e aumentar as capacidades de apreciação dos seus amigos. Uma das glórias que coroam as amizades humanas é esse poder e possibilidade de estímulo mútuo da imaginação. Um grande poder espiritual é inerente à consciência da devoção, de todo o coração, a uma causa comum, à lealdade mútua a uma Deidade cósmica.
160:2.9 (1776.3) 4. O aumento da defesa contra todo o mal. A associação de personalidades e o afeto mútuo são uma segurança eficiente contra o mal. As dificuldades, penas, derrotas e desapontamentos são mais dolorosos e desalentadores quando suportadas a sós. O companheirismo não transmuta o mal em retidão, mas contribui muito para a mitigação do golpe. Disse o vosso Mestre: “Felizes são aqueles que choram” — tendo junto um amigo para consolá-los. Há uma força positiva no conhecimento de que vivemos para o bem de outros e que esses outros da mesma forma vivem pelo nosso bem-estar e avanço. O homem definha em isolamento. Os seres humanos infalivelmente se tornam desalentados quando podem visualizar apenas as transações transitórias no tempo. O presente, quando divorciado do passado e do futuro, torna-se exasperadamente trivial. Um vislumbre apenas, do círculo da eternidade, pode inspirar o homem a dar o melhor de si; e pode desafiar esse melhor de si a se ultrapassar. E, quando o homem, assim, está no melhor de si, ele vive de forma menos egocêntrica e pelo bem dos outros, seus companheiros de jornada no tempo e na eternidade.
160:2.10 (1777.1) E repito: Uma associação tão inspiradora e enobrecedora encontra as suas possibilidades ideais na relação humana do matrimônio. É bem verdade que muito se realiza fora do matrimônio; e que muitos e muitos casamentos posteriormente fracassam em produzir esses frutos morais e espirituais. Em um número grande de vezes o matrimônio é adotado por aqueles que procuram outros valores, que são menos elevados que aquelas características que acompanham a maturidade humana. O matrimônio ideal deve fundamentar-se em algo mais estável do que as flutuações do sentimento e do que o mero capricho da atração sexual; deve ser baseado em devoção pessoal genuína e recíproca. E assim, se vós podeis construir essas pequenas unidades eficientes e plenas de confiabilidade de ligação humana, quando estas forem agrupadas no todo, o mundo irá contemplar uma estrutura social grande e glorificada, a civilização da maturidade mortal. Tal raça poderia começar a realizar algo do ideal do vosso Mestre, de “Paz na Terra aos homens de boa vontade”. Ainda que tal sociedade não seja perfeita, nem inteiramente livre do mal, ao menos aproximar-se-ia da estabilização da maturidade.
160:3.1 (1777.2) O esforço na direção da maturidade exige trabalho; e trabalho requer energia. De onde viria o poder para realizar tudo isso? As coisas materiais poderiam ser visualizadas como algo garantido e, sobre isso o Mestre disse bem: “Nem só de pão vive o homem”. Garantida a posse de um corpo normal e com saúde razoavelmente boa, devemos em seguida procurar pelas atrações que atuarão como estímulo para despertar as forças espirituais adormecidas do homem. Jesus ensinou que Deus vive no homem; então, como podemos induzir os homens a liberar esses poderes, de divindade e de infinitude, de dentro das suas almas? Como induzirmos os homens a liberar o Deus de dentro de si, para que possa Ele refrescar as nossas próprias almas; e para que, manifestando-se fora de nós, possa Ele, assim, servir ao propósito de iluminar, elevar e abençoar outras incontáveis almas? Como posso eu, da melhor maneira, despertar tais poderes latentes, adormecidos nas vossas almas, para o bem? De uma coisa estou seguro: a excitação emocional não é o estímulo espiritual ideal. A excitação não aumenta a energia; antes exaure os poderes, tanto da mente, quanto do corpo. De onde vem então a energia para fazer as grandes coisas? Vede o vosso Mestre. Ainda agora, está longe nas montanhas, enchendo — se de energias, enquanto nós estamos aqui, gastando energia. O segredo de toda essa questão está guardado na comunhão espiritual, na adoração. Do ponto de vista humano, é uma questão de combinação entre meditação e relaxamento. A meditação faz o contato da mente com o espírito; o relaxamento determina a capacidade de receptividade espiritual. E esse intercâmbio, de força por fraqueza, de coragem por medo, da vontade de Deus pela vontade da mente do ego, constitui em si a adoração. Pelo menos, esse é o modo pelo qual o filósofo a vê.
160:3.2 (1777.3) Quando freqüentemente repetidas essas experiências cristalizam-se em hábitos, hábitos de fortalecimento na adoração; tais hábitos formulam certamente, por si mesmos, um caráter espiritual e tal caráter é finalmente reconhecido pelos semelhantes, como o de uma personalidade amadurecida. Essas práticas são difíceis e consomem tempo, no início, mas, quando se tornam habituais, passam a ser, de imediato, restauradoras e permitem poupar tempo. Quanto mais complexa a sociedade torna-se e quanto mais as atrações da civilização multiplicamse, mais urgente torna-se a necessidade, nos indivíduos que conhecem a Deus, de transformar essas práticas protetoras, cada vez mais, em hábitos destinados a conservar e aumentar as suas energias espirituais.
160:3.3 (1778.1) Outro quesito para atingir a maturidade é o ajustamento cooperativo, dos grupos sociais, ao ambiente em contínua mutação. O indivíduo imaturo desperta antagonismos nos seus semelhantes; o homem amadurecido ganha a cooperação, de coração aberto, dos seus amigos, multiplicando em muito, desse modo, os frutos dos esforços na sua vida.
160:3.4 (1778.2) A minha filosofia me diz que há momentos em que devo lutar, se necessário for, em defesa do meu conceito de retidão, mas não duvido que, com um tipo mais maduro de personalidade, o Mestre ganhasse com facilidade e graça uma vitória igual, por meio da sua técnica superior e cativante, de tato e tolerância. Muito freqüentemente, quando lutamos pelo certo, acontece que ambos, o vitorioso e o vencido são derrotados. Ouvi, ontem mesmo, o Mestre dizer que “o homem sábio, ao tentar entrar por uma porta fechada, não destruiria a porta, mas buscaria antes a chave para abri-la”. Não são poucas as vezes em que entramos em uma luta simplesmente para convencer a nós mesmos de que não temos medo.
160:3.5 (1778.3) Esse novo evangelho do Reino presta um grande serviço à arte da vida, no sentido de apresentar um incentivo novo e mais rico, para uma vida mais elevada. Apresenta uma nova meta elevada de destino, com um propósito supremo de vida. E esses novos conceitos da meta eterna e divina para a existência são, em si mesmos, estímulos transcendentais, que clamam por uma reação do que há de melhor dentro da melhor natureza do homem. No ponto mais elevado do pensamento intelectual devem ser encontrados: o relaxamento para a mente, a força para a alma e a comunhão para o espírito. Com tantos pontos de vantagem na vida elevada, o homem torna-se capaz de transcender as irritações materiais dos níveis mais baixos de pensamento — preocupação, ciúme, inveja, vingança e o orgulho da personalidade imatura. Essas almas, que farão altas escaladas, libertam-se a si mesmas dos inúmeros conflitos triviais e comuns da vida, tornando-se assim livres para dedicar as suas consciências às correntes mais elevadas de conceitos espirituais e de comunicação celeste. Contudo, o propósito da vida deve ser guardado zelosamente contra a tentação de realizações passageiras e fáceis de alcançar; da mesma forma deve ser levado avante esse propósito, mas de modo a tornar o homem imune às ameaças desastrosas do fanatismo.
160:4.1 (1778.4) Conquanto mantendes uma vista voltada mais para alcançar realidades eternas, deveis também fazer a provisão para as necessidades da vida temporal. Enquanto o espírito é a nossa meta, a carne é um fato. Uma vez ou outra, as coisas que são necessárias para viver, podem cair nas nossas mãos por acaso; porém, de forma geral, devemos trabalhar inteligentemente para obtê-las. Os dois maiores problemas da vida são: cuidar da sobrevivência temporal e realizar a sobrevivência eterna. E, mesmo a questão da sobrevivência necessita da religião para a sua solução ideal. E tais são, ambos, problemas altamente pessoais. A verdadeira religião, de fato, não funciona separadamente do indivíduo.
160:4.2 (1778.5) Os fatores essenciais da vida temporal, como os vejo, são:
160:4.3 (1778.6) 1. A boa saúde física.
160:4.4 (1778.7) 2. O pensar claro e desimpedido.
160:4.5 (1778.8) 3. A habilidade e a perícia.
160:4.6 (1778.9) 4. A riqueza — os bens da vida.
160:4.7 (1778.10) 5. A capacidade de suportar a derrota.
160:4.8 (1778.11) 6. A cultura — educação e sabedoria.
160:4.9 (1779.1) Até mesmo as questões físicas, de saúde e capacidade corpórea, são mais bem resolvidas quando vistas do ponto de vista religioso dos ensinamentos do nosso Mestre: pois o corpo e a mente do homem são a morada do dom dos Deuses, o espírito de Deus tornando-se o espírito do homem. A mente do homem, assim, torna-se a mediadora entre as coisas materiais e as realidades espirituais.
160:4.10 (1779.2) Assegurar a nossa parte de coisas desejáveis na vida, requer inteligência. É inteiramente errôneo supor que a fidelidade de fazer o nosso trabalho diário vai assegurar as recompensas da riqueza. Exceção feita à aquisição ocasional e acidental de riqueza; as recompensas materiais da vida temporal devem fluir de certos canais, e somente aqueles que têm acesso a esses canais podem esperar ser bem recompensados pelos seus esforços temporais. A pobreza será sempre o quinhão de todos os homens que procuram a riqueza em canais isolados e individuais. O planejamento sábio, por conseguinte, torna-se o único elemento essencial à prosperidade no mundo. O êxito requer não apenas a nossa devoção ao próprio trabalho, mas também que funcionemos como uma parte de um dos canais da riqueza material. Se não fordes prudentes, podereis entregar uma vida devotada à vossa geração, sem obter recompensa material; se fordes um beneficiário acidental do fluir da riqueza, podereis nadar no luxo, ainda que não tenhais feito nada que valha a pena para os vossos semelhantes.
160:4.11 (1779.3) Habilidade é o que herdais, enquanto perícia é o que adquiris. A vida não é real para alguém que não pode fazer bem — como um especialista — ao menos uma coisa. A perícia é uma das fontes reais de satisfação do viver. A habilidade implica o dom de prever, de ver longe. Não vos deixeis decepcionar pela recompensa tentadora da realização desonesta; estejais dispostos a trabalhar arduamente pelo retorno futuro inerente à conduta honesta. O homem sábio é capaz de distinguir entre meios e fins; porém, algumas vezes, o próprio excesso de planejamento para o futuro derrota-se no seu alto propósito. Como um buscador de prazeres, deveríeis sempre visar ser tanto um criador quanto um consumidor.
160:4.12 (1779.4) Treinai a vossa memória para manter em lugar sagrado os episódios fortalecedores e valiosos da vida, dos quais vós podeis vos lembrar à vontade para o vosso prazer e edificação. Assim, construais para vós próprios, e em vós próprios, galerias de reserva de beleza, bondade e grandeza artística. E as memórias mais nobres de todas são os tesouros guardados na memória tais como os grandes momentos de uma amizade magnífica. E todos esses tesouros da memória irradiam as suas mais preciosas e elevadas influências sob o toque liberador da adoração espiritual.
160:4.13 (1779.5) A vida, contudo, transformar-se-á em uma carga existencial, a menos que aprendais como fracassar airosamente. Existe na derrota uma arte que as almas nobres sempre adquirem; deveis saber como perder sem perder a alegria; não deveis ter temor ao desapontamento. Nunca hesiteis em admitir o fracasso. Não tenteis disfarçar o fracasso por baixo de sorrisos justificativos ou, mesmo, de decepção ou de otimismo irradiantes. Soa bem clamarmos pelo sucesso, sempre; mas os resultados finais podem ser consternadores. Tal técnica leva diretamente à criação de um mundo de irrealidade e ao choque inevitável da desilusão final.
160:4.14 (1779.6) O êxito pode gerar coragem e proporcionar autoconfiança, mas a sabedoria advém somente das experiências de ajustamento aos resultados dos fracassos. Os homens que preferem as ilusões otimistas à realidade nunca se tornam sábios. Somente aqueles que enfrentam de frente os fatos, ajustando-os aos ideais, podem alcançar a sabedoria. A sabedoria inclui tanto os fatos, quanto o ideal e, por conseguinte, salva os seus devotos dos dois extremos estéreis da filosofia — o do homem cujo idealismo exclui os fatos; e o do materialista que é desprovido de abertura espiritual. As almas tímidas, que só mantêm a luta pela vida com a ajuda de falsas ilusões continuadas de sucesso, estão fadadas a sofrer fracassos e a experimentar a derrota quando, finalmente, acordarem do mundo de sonhos da sua própria imaginação.
160:4.15 (1780.1) E, nesse afã de encarar os insucessos, e de ajustamento à derrota, é que a visualização de longa distância, na religião, exerce a sua suprema influência. O malogro é simplesmente um episódio educacional — um experimento cultural na aquisição da sabedoria — , na experiência do homem que busca a Deus e que embarcou na aventura eterna da exploração de um universo. Para tais homens a derrota não é senão um novo instrumento para a realização de níveis mais elevados de realidade no universo.
160:4.16 (1780.2) A carreira de um homem que busca a Deus pode ser um grande êxito à luz da eternidade, ainda que toda a empresa da vida temporal possa parecer um completo malogro, cada fracasso na vida deve ser colhido como um complemento para se alcançar a cultura da sabedoria e do espírito. Não cometais o erro de confundir conhecimento, cultura e sabedoria. Eles estão relacionados entre si na vida, mas representam valores espirituais bastante diferentes: a sabedoria sempre domina o conhecimento e sempre glorifica a cultura.
160:5.1 (1780.3) Tendes dito a mim que o vosso Mestre considera a genuína religião humana como sendo a experiência pessoal com as realidades espirituais. Eu tenho considerado a religião como a experiência humana de reagir a algo que o homem encara como sendo digno de homenagem e devoção de toda a humanidade. Nesse sentido, a religião simboliza a nossa suprema devoção àquilo que representa o nosso conceito mais elevado dos ideais de realidade e de alcance mais profundo da nossa mente, na direção das possibilidades eternas de realização espiritual.
160:5.2 (1780.4) Quando os homens reagem à religião no sentido tribal, nacional ou racial, é porque encaram os que não estão no seu grupo como sendo não verdadeiramente humanos. Nós sempre encaramos o objeto da nossa lealdade religiosa como sendo digno da reverência de todos os homens. A religião jamais poderá ser uma questão de mera crença intelectual ou de raciocínio filosófico; a religião é sempre, e para sempre, um modo de reagir às situações da vida; é uma espécie de modo de conduta. A religião abrange o pensamento, os sentimentos e os atos, reverentemente, na direção de alguma realidade que julgamos ser digna da adoração universal.
160:5.3 (1780.5) Se alguma coisa na vossa experiência transformou-se em religião, é evidente que já vos convertestes em um evangelho ativo dessa religião, desde que vós categorizais o supremo conceito dessa religião como sendo digno da adoração de toda a humanidade, de todas as inteligências do universo. Se não sois um evangelho positivo e missionário da vossa religião, estareis iludindo-vos com aquilo que chamais de religião; e que é, pois, apenas uma crença tradicional ou um mero sistema de filosofia intelectual. Se a vossa religião é uma experiência espiritual, o vosso objeto de adoração deve ser a realidade do espírito universal e ideal de todos os vossos conceitos espiritualizados. Todas as religiões baseadas no medo, na emoção, na tradição ou na filosofia, eu as categorizo como religiões intelectuais; enquanto aquelas que são baseadas em verdadeiras experiências espirituais, eu as denominaria religiões verdadeiras. O objeto da devoção religiosa pode ser material ou espiritual, verdadeiro ou falso, real ou irreal, humano ou divino. As religiões podem, por conseguinte, ser tanto boas como más.
160:5.4 (1780.6) Moralidade e religião não são necessariamente a mesma coisa. Um sistema de moral, caso adote um objetivo de adoração, pode transformar-se em uma religião. Uma religião, ao perder o seu apelo universal de lealdade e suprema devoção, pode transformar-se em um sistema filosófico ou em um código moral. Essa coisa, ser, estado ou ordem de existência, ou possibilidade de obtenção — que constitui o ideal supremo, digno da lealdade religiosa, e que é o receptáculo da devoção religiosa daqueles que adoram, é Deus. Independentemente do nome dado a esse ideal de realidade espiritual, ele é Deus.
160:5.5 (1781.1) As características sociais de uma verdadeira religião consistem no fato de que, invariavelmente, ela procura converter o indivíduo e transformar o mundo. A religião implica a existência de ideais não descobertos que, de longe, transcendem aos padrões conhecidos da ética e da moralidade, ainda que incorporados aos mais altos costumes sociais das instituições mais amadurecidas da civilização. A religião procura ideais não descobertos, realidades inexploradas, valores supra-humanos, sabedoria divina e verdadeira realização espiritual. A verdadeira religião faz tudo isso; todas as outras crenças deixam de ser dignas do nome. Não podeis ter uma religião espiritual genuína, sem o ideal supremo e superno de um Deus eterno. Uma religião sem esse Deus é uma invenção do homem, uma instituição humana de crenças intelectuais, sem vida, e de cerimoniais emocionais sem significação. Uma religião poderia aclamar, como objeto da sua devoção, um grande ideal. Tais ideais irreais, contudo, não são alcançáveis; tal conceito é ilusório. Os únicos ideais susceptíveis de serem realizados pelo homem são as realidades divinas de valores infinitos, que residem na realidade espiritual do Deus eterno.
160:5.6 (1781.2) A palavra Deus, a idéia de Deus, em contraste com o ideal de Deus, pode tornarse parte de qualquer religião, não importa quão pueril ou falsa essa religião possa ser. E essa idéia de Deus pode tornar-se qualquer coisa que aqueles que a mantêm escolham fazer dela. As religiões menos elevadas modelam as suas idéias de Deus de modo a satisfazer o estado natural do coração do homem; as mais elevadas religiões requerem que o coração humano seja modificado para satisfazer as demandas dos ideais de uma verdadeira religião.
160:5.7 (1781.3) A religião de Jesus transcende a todos os nossos conceitos anteriores da idéia de adoração, não apenas na forma como ele retrata o seu Pai, como o ideal da realidade infinita, mas também, quando declara, de forma afirmativa, que essa fonte divina de valores e centro eterno do universo, é verdadeira e pessoalmente alcançável por toda criatura mortal, na Terra, que escolha entrar no Reino do céu, reconhecendo assim a aceitação da sua filiação a Deus e a sua irmandade com o homem. Admito, esse é o conceito mais elevado, de religião, que o mundo jamais conheceu, e afirmo que nunca poderá existir, um sequer, mais elevado, já que esse evangelho abrange a infinitude das realidades, a divindade de valores e a eternidade das realizações universais. Tal conceito constitui a realização da experiência do idealismo do Supremo e do Último.
160:5.8 (1781.4) Estou, não apenas intrigado pelos ideais consumados dessa religião do vosso Mestre, mas, fortemente inclinado a professar a minha crença nessa anunciação que ele faz, de que esses ideais das realidades do espírito sejam alcançáveis; de que vós podeis entrar, tanto quanto eu, nessa longa e eterna aventura, com a garantia dele, na certeza da nossa chegada final aos portais do Paraíso. Meus irmãos, eu sou um crente, eu me entreguei; estou convosco no caminho dessa aventura eterna. O Mestre diz que veio do Pai e que vai mostrar-nos o caminho. Estou plenamente persuadido de que ele diz a verdade. Estou finalmente convencido de que não há ideais atingíveis de realidade, nem valores de perfeição, fora do Pai Universal e eterno.
160:5.9 (1781.5) Venho, então, adorar, não meramente o Deus das existências, mas o Deus da possibilidade de todas as existências futuras. Portanto, a devoção a um ideal supremo, se esse ideal for real, deve ser a devoção a esse Deus dos universos passados, presentes e futuros de coisas e seres. E não há outro Deus, pois não é possível existir nenhum outro Deus. Todos os outros deuses são meras ficções da imaginação, ilusões da mente mortal, distorções de uma lógica falsa, ídolos ilusórios a decepcionar àqueles que os criaram. Sim, vós podeis ter uma religião sem esse Deus, mas isso não vai significar nada. E, se procurais substituir a palavra Deus pela realidade desse ideal do Deus vivo, tereis apenas enganado a vós mesmos ao colocar uma idéia no lugar de um ideal, uma realidade divina. Tais crenças são meramente religiões de aspirações fantasiosas.
160:5.10 (1782.1) Vejo nos ensinamentos de Jesus a religião na sua melhor expressão. Esse evangelho nos permite buscar o verdadeiro Deus e encontrá-Lo. Porém, estamos dispostos a pagar o preço dessa entrada no Reino do céu? Estamos querendo realmente nascer outra vez? E nos refazer? Estaremos dispostos a nos sujeitar a esse terrível processo de provação e destruição do ego e de reconstrução da alma? O Mestre, pois, não disse: “Quem quiser salvar a sua vida deve perdê-la. Acaso não vedes que não vim para vos trazer a paz, que vim mais vos trazer uma batalha da alma?” Em verdade, após pagarmos o preço da dedicação à vontade do Pai, experimentamos uma grande paz, desde que continuemos a seguir nesse caminho espiritual de consagrar a vida.
160:5.11 (1782.2) Ora, verdadeiramente abandonamos as atrações da ordem conhecida de existência, ao dedicarmo-nos sem reservas à busca das atrações da ordem desconhecida e inexplorada, da existência de uma vida futura de aventura nos mundos do espírito, do mais elevado idealismo da realidade divina. E buscamos aqueles símbolos plenos de significado, por meio dos quais podemos transmitir aos nossos semelhantes esses conceitos da realidade, do idealismo da religião de Jesus e não iremos cessar de orar pelo dia em que toda a humanidade comoverse-á com a visão comungada dessa verdade suprema. Agora mesmo, o nosso conceito focalizado do Pai, tal como o mantemos no fundo do coração, é o de que Deus é espírito; e, tal como o transmitimos aos nossos semelhantes, de que Deus é amor.
160:5.12 (1782.3) A religião de Jesus exige uma experiência viva e espiritual. Outras religiões podem consistir nas crenças tradicionais; nos envolvimentos emocionais; na consciência filosófica e em tudo o mais, mas o ensinamento do Mestre requer o alcance de níveis de progresso espiritual real.
160:5.13 (1782.4) A consciência do impulso de ser perfeito como Deus não é a verdadeira religião. Os sentimentos e a emoção da adoração de Deus não são a verdadeira religião. O conhecimento da convicção de esquecimento do eu, e serviço a Deus, não é a verdadeira religião. A sabedoria do pensamento de que uma religião é a melhor de todas não é religião em si, como uma experiência espiritual pessoal. A verdadeira religião, sim, refere-se ao destino e à realidade daquilo que se alcança, assim como também se refere à realidade e ao idealismo daquilo que se aceita por meio da fé, de coração aberto e pleno. E tudo isso deve ser tornado pessoal para nós, pela revelação do Espírito da Verdade.
160:5.14 (1782.5) E assim terminaram as dissertações do filósofo grego, um dos maiores da sua raça, que se tornou um crente na palavra de Jesus.
O Livro de Urântia
Documento 161
161:0.1 (1783.1) NO DOMINGO, 25 de setembro de 29 d.C., os apóstolos e os evangelistas reuniram-se em Magadam. Depois de uma longa conferência, naquela noite, com seus colaboradores, Jesus surpreendeu a todos ao anunciar que, no dia seguinte cedo, ele e os doze apóstolos partiriam para Jerusalém; e que compareceriam à Festa de Tabernáculos. Ele ordenou aos evangelistas que visitassem os crentes na Galiléia, e que o corpo de mulheres retornasse, por algum tempo, a Betsaida.
161:0.2 (1783.2) Quando chegou a hora de partir para Jerusalém, Natanael e Tomé ainda estavam no meio das suas argumentações com Rodam de Alexandria, e então eles conseguiram a permissão do Mestre para permanecer em Magadam por uns poucos dias mais. E assim, enquanto Jesus e os dez encontravam-se a caminho de Jerusalém, Natanael e Tomé continuavam empenhados em um debate sincero com Rodam. Na semana anterior, em que Rodam havia exposto a sua filosofia, Tomé e Natanael tinham-se alternado na apresentação do evangelho do Reino, para o filósofo grego. Rodam descobriu que ele havia sido bem instruído sobre os ensinamentos de Jesus, pelo seu instrutor, em Alexandria, o qual havia sido um dos antigos apóstolos de João Batista.
161:1.1 (1783.3) Uma questão havia sobre a qual Rodam e os dois apóstolos divergiam, e esta era quanto à personalidade de Deus. Rodam aceitou prontamente tudo o que lhe foi apresentado a respeito dos atributos de Deus, argumentava, no entanto, que o Pai no céu não é, nem pode ser, uma pessoa como o homem concebe a personalidade. Enquanto os apóstolos se viam em dificuldades para tentar provar que Deus é uma pessoa, Rodam achava ainda mais difícil provar que ele não é uma pessoa.
161:1.2 (1783.4) Rodam sustentava que o fato da personalidade consiste na coexistência de uma comunicação plena e mútua entre seres iguais, seres que são capazes de uma simpática compreensão. Disse Rodam: “Para que seja uma pessoa, Deus deveria ter símbolos de comunicação espiritual que O capacitassem a tornar-Se plenamente compreendido por aqueles que fazem contato com Ele. Mas, posto que Deus, o Criador de todos os outros seres, é infinito e eterno, a conseqüência, no que diz respeito à igualdade de seres, é que Deus está só no universo. Não há iguais a Ele; não há nenhum ser com quem ele possa comunicar-se como um igual. Deus, de fato, pode ser a Fonte de toda a personalidade, mas, como tal, Ele transcende à personalidade, do mesmo modo que o Criador está acima e além da criatura”.
161:1.3 (1783.5) Esse argumento deixou Tomé e Natanael muito irrequietos; e eles haviam pedido a Jesus que viesse socorrê-los, mas o Mestre negou-se a entrar em tais discussões. Jesus havia dito a Tomé: “A idéia que tu tens do Pai não importa muito, desde que tu sejas sabedor do ideal da natureza infinita e eterna Dele”.
161:1.4 (1784.1) A argumentação de Tomé era de que Deus comunica-se com o homem e que, portanto, o Pai é uma pessoa, até mesmo segundo a definição de Rodam. E a isso o grego rejeitou, apoiando-se no fato de que Deus não Se revela a Si próprio pessoalmente; de que Ele ainda é um mistério. Então Natanael apelou para a sua experiência pessoal com Deus, coisa que Rodam admitiu, afirmando que recentemente tivera experiências semelhantes, mas tais experiências, argumentou ele, provavam apenas a realidade de Deus, não a Sua personalidade.
161:1.5 (1784.2) Na segunda-feira à noite Tomé desistiu. Na terça-feira à noite, porém, Natanael levou Rodam a acreditar na personalidade do Pai; e conseguiu essa mudança, na visão do grego, raciocinando segundo os passos seguintes:
161:1.6 (1784.3) 1. O Pai no Paraíso desfruta da igualdade de comunicação, pelo menos com dois outros seres, que são plenamente iguais e semelhantes a Ele próprio — o Filho Eterno e o Espírito Infinito. Em vista da doutrina da Trindade, o grego foi obrigado a conceder na possibilidade da personalidade do Pai Universal. (Foi uma consideração posterior sobre essas discussões que conduziu à ampliação do conceito da Trindade, nas mentes dos doze apóstolos. Evidentemente, a crença geral era de que fosse o Filho Eterno.)
161:1.7 (1784.4) 2. Posto que Jesus é igual ao Pai, e, já que este Filho havia realizado a manifestação da personalidade para os filhos terrenos, esse fenômeno constituía- se na prova do fato e na demonstração da possibilidade de que todas as três Pessoas da Deidade possuíam uma personalidade, e estabelecia, para sempre, a capacidade que Deus tem de comunicar-se com o homem e a possibilidade da comunicação do homem com Deus.
161:1.8 (1784.5) 3. Que Jesus encontra-se na situação de coligação mútua e de comunicação perfeita com o homem; e que Jesus era o Filho de Deus. Que a relação do Filho e do Pai pressupõe igualdade de comunicação e mutualidade de compreensão simpática; pois Jesus e o Pai eram Um. Que Jesus mantém, ao mesmo tempo, uma comunicação de compreensão, tanto com Deus quanto com o homem; e que, posto que ambos, Deus e o homem, compreendem o significado dos símbolos da comunicação de Jesus, tanto Deus quanto o homem possuem os atributos de personalidade no que concerne aos quesitos da capacidade de intercomunicação. Que a personalidade de Jesus demonstra a personalidade de Deus, ao mesmo tempo em que prova conclusivamente a presença de Deus no homem. Que duas coisas que são ligadas a uma terceira coisa estão relacionadas entre si.
161:1.9 (1784.6) 4. Que a personalidade representa o conceito mais elevado da realidade do homem e dos valores divinos; que Deus também representa o conceito mais elevado de realidade divina e de valores infinitos que pode o homem ter; portanto, Deus deve ser uma personalidade divina e infinita, uma personalidade real, que transcende infinita e eternamente o conceito e a definição que o homem tem de personalidade, sendo, isso posto, sempre e universalmente uma personalidade.
161:1.10 (1784.7) 5. Que Deus deve ser uma personalidade, posto que Ele é o Criador de todas as personalidades e o destino de todas as personalidades. Rodam havia sido tremendamente influenciado por esse ensinamento de Jesus: “Sede então perfeitos, como o vosso Pai no céu é perfeito”.
161:1.11 (1784.8) Ao ouvir esses argumentos, Rodam replicou: “Estou convencido. Reconhecerei Deus como uma pessoa se me permitirdes atribuir qualificações, à minha confissão dessa crença, acrescentando ao significado da personalidade um conjunto de valores mais amplos, tais como supra-humano, transcendente, supremo, infinito, eterno, final e universal. Eu estou convencido agora de que, ao mesmo tempo em que Deus deve ser infinitamente mais do que uma personalidade, Ele não pode ser nada menos. Dou-me por satisfeito ao terminar aqui o debate; e aceito Jesus como a revelação pessoal do Pai, dando também por compensados todos os fatores não satisfeitos da lógica, da razão e da filosofia”.
161:2.1 (1785.1) Natanael e Tomé haviam aprovado plenamente os pontos de vista de Rodam quanto ao evangelho do Reino, entretanto, apenas um ponto restava ainda a ser considerado: o ensinamento que tratava da natureza divina de Jesus, uma doutrina anunciada publicamente só há pouco tempo. Natanael e Tomé, em conjunto, apresentaram as suas visões da natureza divina do Mestre, e a seguinte narrativa é uma apresentação condensada, reorganizada e restabelecida desses ensinamentos:
161:2.2 (1785.2) 1. Jesus admitiu a sua divindade; e nós cremos nele. Muitas coisas notáveis ligadas à sua ministração têm acontecido e só podemos compreendê-las se acreditarmos que ele é Filho de Deus, bem como Filho do Homem.
161:2.3 (1785.3) 2. A sua associação vital conosco exemplifica o ideal da amizade humana; apenas um ser divino seria capaz de ser um amigo humano assim. Ele é a pessoa mais verdadeiramente não-egoísta que já conhecemos. É amigo, até mesmo de pecadores; ele ousa amar os seus inimigos. É totalmente leal a nós. Embora não hesite em nos reprovar, fica bem claro para todos que ele nos ama verdadeiramente. Quanto mais o conheces, mais irás amá-lo. E ficarás encantado com a sua devoção inabalável. Durante todos esses anos, em que não conseguimos compreender a sua missão, ele se manteve como um amigo fiel. Conquanto não lance mão de elogios, ele nos trata a todos com uma bondade igual; é invariavelmente terno e compassivo. Tem compartilhado a sua vida, e tudo o mais, conosco. Nós formamos uma comunidade feliz; partilhamos de todas as coisas em comum. Não acreditamos que um mero ser humano pudesse viver uma vida tão irrepreensível sob circunstâncias tão difíceis.
161:2.4 (1785.4) 3. Pensamos que Jesus é divino, pois nunca faz o mal; ele não erra. A sua sabedoria é extraordinária; a sua piedade é magnífica. Ele vive, dia a dia, em harmonia perfeita com a vontade do Pai. Nunca se arrepende de ter cometido erros, porque ele não transgride nenhuma das leis do Pai. E ora por nós e conosco, mas nunca nos pede que oremos para ele. Acreditamos que esteja permanentemente livre do pecado. Não acreditamos que alguém simplesmente humano tenha jamais professado viver uma vida assim. Ele clama viver uma vida perfeita, e nós reconhecemos que ele o faz. A nossa piedade brota do arrependimento, mas a sua piedade brota da retidão. Ele professa mesmo perdoar os pecados, e realmente cura doenças. Nenhum ser meramente humano professaria sensatamente perdoar pecados; isso é uma prerrogativa divina. E ele parece haver sido perfeito, assim, na sua retidão, desde o momento do nosso primeiro contato com ele. Nós crescemos na graça e no conhecimento da verdade, mas o nosso Mestre exibe a maturidade da retidão, desde o princípio. Todos os homens, bons e maus, reconhecem esses elementos de bondade em Jesus. E, com tudo isso, a sua piedade nunca é intrusa nem ostentosa. Ele é meigo e destemido. Parece aprovar a nossa crença, na sua divindade. Ou ele é o que professa ser, ou então ele é o maior hipócrita e a maior fraude que o mundo já conheceu. Estamos persuadidos de que ele é exatamente o que diz ser.
161:2.5 (1785.5) 4. A singularidade do seu caráter e a perfeição no seu controle emocional nos convencem de que ele é uma combinação de humanidade e de divindade. Ele é infalivelmente sensível ao espetáculo das necessidades da miséria humana; o sofrimento nunca deixa de comovê-lo. A sua compaixão é tocada de modo igual pelo sofrimento físico, pela angústia mental e pela aflição espiritual. Ele reconhece rápida e generosamente a presença da fé ou de qualquer outra graça, nos seus irmãos mortais. Ele é justo, equânime e, ao mesmo tempo, tão misericordioso quanto pleno de consideração. Entristece-se com a obstinação espiritual dos homens e rejubila-se quando eles consentem em ver a luz da verdade.
161:2.6 (1786.1) 5. Ele parece saber e conhecer os pensamentos das mentes dos homens e compreender os desejos dos seus corações. E é sempre compassivo para com os nossos espíritos angustiados. Ele parece possuir todas as nossas emoções humanas, mas elas estão magnificamente glorificadas nele. Ama fortemente a bondade e do mesmo modo odeia o pecado. Ele possui uma consciência supra-humana da presença da Deidade. Ora como um homem, mas age como um Deus. Ele parece saber as coisas de antemão; e ousa, já agora, falar sobre a sua morte e como uma referência mística à sua futura glorificação. Conquanto seja amável, ele é também bravo e corajoso. Ele nunca vacila em cumprir o seu dever.
161:2.7 (1786.2) 6. Estamos constantemente impressionados pelo fenômeno do seu conhecimento supra-humano. Dificilmente passa um dia sem que algum incidente revele que o Mestre sabe o que acontece bem longe da sua presença imediata. E também parece conhecer os pensamentos do seu semelhante. Não há dúvida de que ele está em comunhão com personalidades celestes; e inquestionavelmente ele vive em um plano espiritual muito acima de todos nós. Tudo parece estar aberto ao seu entendimento único. Ele nos faz perguntas para que nos exteriorizemos, não para obter informação.
161:2.8 (1786.3) 7. Pouco tempo faz que o Mestre não mais hesita em afirmar a sua supra- humanidade. Desde o dia da nossa ordenação como apóstolos, até tempos recentes, ele nunca negou que tenha vindo do Pai do alto. Ele fala com a autoridade de um instrutor divino. O Mestre não hesita em refutar os ensinamentos religiosos de hoje, nem em declarar o novo evangelho, com uma firme autoridade. E é afirmativo, positivo e pleno de autoridade. Até mesmo João Batista, quando ouviu Jesus falar, declarou que ele era o Filho de Deus. Ele parece ser auto-suficiente dentro de si próprio. Não busca o apoio da multidão; ele é indiferente às opiniões dos homens. Ele é bravo e, ainda assim, tão sem orgulho.
161:2.9 (1786.4) 8. Ele fala constantemente de Deus como um Ser coligado a ele, sempre presente em tudo o que ele faz. E prossegue fazendo o bem, pois Deus parece estar nele. Faz as afirmações mais espantosas sobre si próprio e sobre a sua missão na Terra; declarações estas que seriam absurdas, caso ele não fosse divino. Certa vez declarou: “Antes que Abraão fosse, eu sou”. Definitivamente alega a sua divindade; e professa estar em sociedade com Deus. Ele quase exaure as possibilidades de expressão para reiterar a sua associação estreita com o Pai celeste. Ousa mesmo afirmar que ele e o Pai são Um. E diz que quem tiver visto a ele terá visto o Pai. E diz e faz tantas coisas extraordinárias com a naturalidade de uma criança. Ele refere-se à sua ligação com o Pai, do mesmo modo que se refere à sua ligação conosco. Parece estar tão seguro de Deus porque fala dessas relações de um modo muito natural.
161:2.10 (1786.5) 9. Na sua vida de orações, Jesus parece comunicar-se diretamente com o seu Pai. Nós ouvimos poucas das suas orações, mas essas poucas orações indicam que fala com Deus, como se estivesse frente a frente com Ele. Ele parece conhecer o futuro, tanto quanto o passado. Simplesmente não poderia ser tudo isso e fazer todas essas coisas extraordinárias a menos que fosse mais do que humano. Sabemos que ele é humano, estamos certos disso, mas estamos quase que tão certos de que ele também é divino. Acreditamos que ele é divino. Estamos convencidos de que ele é o Filho do Homem e o Filho de Deus.
161:2.11 (1787.1) Quando Natanael e Tomé terminaram as suas conversas com Rodam, eles apressaram-se a ir até Jerusalém para juntar-se aos seus companheiros apóstolos, chegando na sexta-feira daquela semana. Essa havia sido uma grande experiência nas vidas de todos esses três crentes; e os outros apóstolos aprenderam muito da narrativa dessas experiências de Natanael e Tomé.
161:2.12 (1787.2) Rodam rumou de volta à Alexandria; e ali ensinou durante muito tempo a sua filosofia, na escola de Meganta. Tornou-se um homem poderoso nos assuntos posteriores do Reino do céu; foi um crente fiel, até o fim dos seus dias terrenos; e entregou a sua vida, na Grécia, junto com outros, quando as perseguições atingiram o seu auge.
161:3.1 (1787.3) A consciência da divindade teve um crescimento gradual na mente de Jesus, até a ocasião do seu batismo. Depois que se tornou plenamente consciente da sua natureza divina, da sua existência pré-humana e das suas prerrogativas no universo, parece que passou a ser possuidor do poder de limitar de modos diversos a sua consciência humana da própria divindade. Parece-nos que, do batismo até a crucificação, era inteiramente opcional para Jesus depender apenas da sua mente humana ou utilizar-se do conhecimento, tanto da mente humana, quanto da mente divina. Às vezes ele parecia valer-se apenas da informação que reside no intelecto humano. Em outras ocasiões, ele parecia agir com uma plenitude tal de conhecimento e sabedoria, que só poderia ser possibilitada pela utilização do conteúdo supra-humano da sua consciência divina.
161:3.2 (1787.4) Apenas podemos compreender as suas atuações únicas aceitando a teoria de que ele podia, segundo a sua vontade, autolimitar a sua consciência da divindade. Somos plenamente conhecedores de que ele freqüentemente abstinha-se de mostrar aos seus colaboradores a presciência que possuía dos acontecimentos, e de que estava ciente da natureza dos pensamentos deles e do que planejavam. Compreendemos que não queria que os seus seguidores soubessem com muita certeza de que ele era capaz de discernir os seus pensamentos e de penetrar em seus planos. Ele não desejava transcender, em muito, o conceito do humano, do modo como era mantido nas mentes dos seus apóstolos e discípulos.
161:3.3 (1787.5) Consideramo-nos de todo incapazes de distinguir entre a sua prática de autolimitação da consciência divina e a sua técnica de manter em segredo, para os seus companheiros humanos, a sua presciência e o seu discernimento dos pensamentos deles. Estamos convencidos de que ele usava de ambas as técnicas, mas não somos sempre capazes de, em uma determinada instância, especificar qual método ele pode haver empregado. Freqüentemente o observamos atuando apenas com o contexto humano da consciência; e, então, o veríamos em conferência com os diretores das hostes celestes do universo e discernimos o funcionamento indubitável da mente divina. E em inúmeras ocasiões, então, quase testemunhamos o trabalho dessa personalidade combinada de homem e de Deus, do modo como era ativada pela união aparentemente perfeita da mente humana e da mente divina. Esse é o limite do nosso conhecimento de tais fenômenos; nós realmente não sabemos de fato qual é a verdade plena sobre esse mistério.
O Livro de Urântia
Documento 162
162:0.1 (1788.1) AO PARTIR para Jerusalém com os dez apóstolos, Jesus planejou ir pelo caminho mais curto, passando por Samaria. E, desse modo, foram pela costa leste do lago e, pelo caminho de Citópolis, entraram nas fronteiras de Samaria. Quase ao cair da noite, Jesus enviou Filipe e Mateus a uma aldeia nos declives do monte Gilboa, para assegurar alojamento a todo o grupo. E aconteceu que esses aldeões mantinham fortes preconceitos contra os judeus, bem mais do que em geral possuíam os samaritanos; e tais sentimentos encontravam-se exacerbados nesse momento em particular, quando tantos deles estavam a caminho da Festa de Tabernáculos. Essa gente sabia pouco sobre Jesus, e negaram-lhe alojamentos porque Jesus e os do seu grupo eram judeus. Quando Mateus e Filipe manifestaram a sua indignação e informaram a esses samaritanos que estavam negando hospitalidade ao Santo Homem de Israel, os aldeões enfurecidos expulsaram-nos da pequena cidade com bastões e pedras.
162:0.2 (1788.2) Depois que Filipe e Mateus retornaram para junto dos companheiros e relataram como haviam sido expulsos da aldeia, Tiago e João foram até Jesus e disseram: “Mestre, oramos para que nos dê permissão, queremos chamar o fogo dos céus para devorar esses samaritanos insolentes e impenitentes”. Mas, ao ouvir essas palavras de vingança, Jesus voltou-se para os filhos de Zebedeu e os repreendeu severamente: “Vós não estais conscientes do tipo de atitude que manifestais. A vingança nada tem em comum com o Reino do céu. E, pois, em vez de discutir, vamos para a pequena aldeia à beira do vau do Jordão”. E assim, por causa dos preconceitos sectários, esses samaritanos negaram a si próprios a honra de mostrar hospitalidade ao Filho Criador de um universo.
162:0.3 (1788.3) Jesus e o grupo dos dez pararam para passar a noite na aldeia, perto do vau do Jordão. E, no dia seguinte, bem cedo, atravessaram o rio e continuaram a caminho de Jerusalém, pela estrada do leste do Jordão, chegando a Betânia na quarta-feira à noite. Tomé e Natanael vieram na sexta-feira, havendo sido retardados nas conversas com Rodam.
162:0.4 (1788.4) Jesus e os doze permaneceram na vizinhança de Jerusalém até o fim do mês seguinte (outubro), cerca de quatro semanas e meia depois. Jesus foi à cidade apenas umas poucas vezes, e essas visitas breves foram feitas durante os dias da Festa de Tabernáculos. Ele passou uma parte considerável de outubro com Abner e os seus condiscípulos em Belém.
162:1.1 (1788.5) Muito antes de partirem da Galiléia, os seus seguidores haviam implorado a Jesus para que fosse a Jerusalém proclamar o evangelho do Reino, com o objetivo de que a sua mensagem pudesse contar com o prestígio de ter sido pregada no centro da cultura e do ensino judaico; mas agora que ele de fato veio a Jerusalém para ensinar, ficaram todos temerosos pela sua vida. Sabendo que o sinédrio havia tentado trazer Jesus a Jerusalém para julgá-lo e, relembrando-se das recentes declarações reiteradas do Mestre de que ele iria sujeitar-se à morte, os apóstolos estavam literalmente atordoados com a súbita decisão de comparecer à Festa de Tabernáculos. A todas as solicitações anteriores deles, para que fosse a Jerusalém, ele havia respondido: “Ainda não chegou a hora”. E, quanto aos protestos de temor deles, agora, ele apenas respondia: “Mas a hora chegou”.
162:1.2 (1789.1) Durante a Festa de Tabernáculos, Jesus, ousadamente, chegou a ir a Jerusalém por várias ocasiões e ensinou publicamente no templo. Fez isso a despeito dos esforços dos seus apóstolos para dissuadi-lo dessa idéia. Embora eles houvessem, durante um bom tempo, instado-o a proclamar a sua mensagem em Jerusalém, agora temiam vê-lo entrar na cidade, sabendo muito bem que os escribas e os fariseus encontravam-se dispostos a levá-lo à morte.
162:1.3 (1789.2) A ousada presença de Jesus em Jerusalém, mais do que nunca, confundiu os seus seguidores. Muitos dos seus discípulos, e, até mesmo Judas Iscariotes, ainda apóstolo, chegaram a pensar que Jesus havia fugido apressadamente para a Fenícia por temer os líderes judeus e Herodes Antipas. E não conseguiam compreender o significado dos movimentos do Mestre. A sua presença em Jerusalém para a Festa de Tabernáculos, até mesmo contra os conselhos dos seus seguidores, no entanto, foi suficiente para colocar, definitivamente, um fim em todos os murmúrios sobre medo e covardia.
162:1.4 (1789.3) Durante a Festa de Tabernáculos, milhares de crentes de todas as partes do império romano viram Jesus, ouviram-no ensinando e, muitos, até fizeram a caminhada a Betânia para conversar com ele a respeito do progresso do Reino, nos seus próprios distritos.
162:1.5 (1789.4) Várias razões havia para que houvessem permitido a Jesus pregar publicamente nos pátios do templo durante os dias da festa, e a principal delas era o temor que surgira, entre os oficiais do sinédrio, em resultado da divisão secreta de sentimentos dentro as suas próprias fileiras. Era um fato que muitos dos membros do sinédrio, ou secretamente criam em Jesus ou, então, eram decididamente contra prendê-lo durante a festa; num momento em que uma quantidade tão grande de pessoas se achava presente em Jerusalém; sendo que muitas delas ou acreditavam nele ou ao menos eram amistosas para com o movimento espiritual que ele promovia.
162:1.6 (1789.5) Os esforços de Abner e seus companheiros, em toda a Judéia, haviam também feito bastante para consolidar os sentimentos favoráveis ao Reino, e tanto foi assim que os inimigos de Jesus não ousaram ser muito francos na oposição. Essa foi uma das razões pelas quais Jesus pôde visitar Jerusalém publicamente e sair dali ainda vivo. Um ou dois meses antes disso, certamente teria sido levado à morte.
162:1.7 (1789.6) Contudo, a intrepidez ousada que teve Jesus de aparecer publicamente em Jerusalém apavorou os seus inimigos, que não se encontravam preparados para um desafio tão arrojado. Várias vezes, durante esse mês, o sinédrio fez tentativas ineficazes de prender o Mestre, mas tais esforços deram em nada. Os seus inimigos ficaram tão surpreendidos com o comparecimento inesperado de Jesus em público, em Jerusalém, que chegaram a pensar que deveria ter sido prometida a ele a proteção das autoridades romanas. Sabendo que Filipe (o irmão de Herodes Antipas) era quase um seguidor de Jesus, os membros do sinédrio especularam que talvez Filipe tivesse dado a Jesus a promessa de proteção contra os seus inimigos. E antes que eles despertassem e entendessem que estavam enganados, na suposição de que essa presença súbita e ousada dele, em Jerusalém, fosse devida a um acordo secreto com os oficiais romanos, Jesus havia já deixado a jurisdição deles.
162:1.8 (1789.7) Apenas os doze apóstolos, ao partirem de Magadam, sabiam que Jesus tinha a intenção de comparecer à Festa de Tabernáculos. Os outros seguidores do Mestre ficaram bastante surpresos ao vê-lo nos pátios do templo voltando a ensinar publicamente; e as autoridades judias ficaram pasmadas, para além de qualquer expressão, quando lhes foi relatado que ele estava ensinando no templo.
162:1.9 (1790.1) Embora os seus discípulos não esperassem que Jesus comparecesse à festa, a grande maioria dos peregrinos, vinda de longe e que havia ouvido falar dele, alimentava a esperança de poder vê-lo em Jerusalém. E não se desapontaram, pois, por várias ocasiões, Jesus ensinou no Portão de Salomão e em outros locais, como nos pátios dos templos. Esses ensinamentos foram, na realidade, o anúncio oficial, ou formal, da divindade de Jesus para o povo judeu e para todo o mundo.
162:1.10 (1790.2) As multidões que ouviram os ensinamentos do Mestre ficaram divididas nas suas opiniões. Alguns diziam que ele era um bom homem; alguns, que era um profeta; alguns, que era verdadeiramente o Messias; outros diziam que era um intrometido pernicioso, um desencaminhador do povo com as suas doutrinas estranhas. Os seus inimigos hesitaram em denunciá-lo abertamente, por medo dos crentes favoráveis a Jesus, enquanto os seus amigos temiam reconhecê-lo abertamente, por medo dos líderes judeus, informados de que o sinédrio estava determinado a mandá-lo para a morte. Entretanto até mesmo os seus inimigos maravilharam-se com o seu ensinamento, sabendo que ele não havia sido instruído nas escolas dos rabinos.
162:1.11 (1790.3) Toda vez que Jesus ia a Jerusalém, os seus apóstolos ficavam tomados pelo terror. E sentiam mais medo porque, dia a dia, escutavam os seus pronunciamentos cada vez mais corajosos a respeito da natureza da sua missão na Terra. Eles não estavam acostumados a ouvir Jesus fazer asserções tão peremptórias; e afirmações tão espantosas, mesmo pregando entre amigos.
162:2.1 (1790.4) Na primeira tarde em que Jesus ensinou no templo, um grupo considerável sentou-se para ouvir as suas palavras, que descreviam a liberdade do novo evangelho; e havia júbilo naqueles que creram nas boas-novas. Um ouvinte curioso, então, interrompeu-o para perguntar: “Mestre, como é que tu podes citar as escrituras e ensinar tão fluentemente ao povo, sendo que fui informado de que não aprendeste segundo os ensinamentos dos rabinos?” Jesus respondeu: “Nenhum homem ensinou-me as verdades que eu vos declaro. E esse ensinamento não é meu e sim Dele, que me enviou. Se qualquer homem deseja realmente fazer a vontade do meu Pai, necessita com certeza de conhecer o meu ensinamento, seja ele vindo de Deus ou sejam palavras vindas de mim. Aquele que fala por si próprio busca a sua própria glória, mas, quando eu falo as palavras do Pai, com isso eu busco a glória Dele, que me enviou. Antes de tentardes entrar na nova luz, entretanto, não devíeis antes seguir a luz que já tendes? Moisés vos deu a lei, mas quantos de vós tentais honestamente atender às exigências dele? Moisés, nessa lei, ordena-vos, dizendo: ‘Não matareis’; e, apesar dessa ordem, alguns de vós buscais levar a morte ao Filho do Homem”.
162:2.2 (1790.5) Ao ouvir essas palavras, o povo começou a discutir entre si. Alguns disseram que ele estava louco; alguns que era um demônio. Outros disseram ser esse de fato o profeta da Galiléia, a quem escribas e fariseus há muito vinham tentando matar. Alguns disseram que as autoridades religiosas estavam com medo de molestá-lo; outros achavam que ainda não se tinha colocado as mãos nele porque haviam tornado-se crentes dele. Após um debate considerável, alguém, na multidão, deu um passo à frente e perguntou a Jesus: “Por que os dirigentes tentam matá-lo?” E ele respondeu: “Os dirigentes buscam matar-me porque eles se ressentem do meu ensinamento sobre as boas-novas do Reino, um evangelho que liberta os homens das tradições pesadas de uma religião formal de cerimônias que esses instrutores estão determinados a manter a qualquer custo. Eles circuncidam de acordo com a lei, no dia de sábado, mas seriam capazes de matar-me porque uma vez, no dia de sábado, eu libertei um homem da servidão da aflição. Eles me seguem no dia de sábado para espionar-me; e matar-me-iam porque, em uma outra ocasião, eu escolhi curar completamente a um homem acometido de dores, no sábado. Eles buscam matar-me porque sabem muito bem que, se vós crerdes honestamente e se ousardes aceitar os meus ensinamentos, o sistema da religião tradicional deles ficará arruinado, destruído para sempre. E assim ficarão privados da autoridade sobre aquilo a que eles devotaram as suas vidas, já que eles se recusam firmemente a aceitar este evangelho novo, e mais glorioso, do Reino de Deus. E agora eu faço um apelo a cada um: julgai, não de acordo com as aparências exteriores, mas julgai, sim, segundo o verdadeiro espírito desses ensinamentos; julgai com retidão”.
162:2.3 (1791.1) Então um outro inquiridor disse: “Sim, Mestre, nós buscamos o Messias, mas, quando ele vier, sabemos que ele aparecerá em mistério. Nós sabemos de onde tu és. Tens estado entre os teus irmãos desde o começo. O libertador virá em poder, para restaurar o trono do reino de Davi. Tu realmente reivindicas ser o Messias?” E Jesus respondeu: “Vós pretendeis conhecer-me e saber de onde eu venho. Eu gostaria de que essas pretensões fossem verdadeiras, pois se de fato assim fosse, vós acharíeis vida abundante nesse conhecimento. Mas eu declaro que eu não vim a vós por minha própria causa; eu vim enviado pelo Pai, e Aquele que me enviou é verdadeiro e é fiel. Ao recusardes ouvir-me, estais recusando receber Aquele que me enviou. Se receberdes esse evangelho, chegareis a conhecer a Ele que me enviou. Eu conheço o Pai, pois eu vim do Pai, para declará-Lo e revelá-Lo a vós”.
162:2.4 (1791.2) Os agentes dos escribas queriam colocar as mãos nele, mas temiam a multidão, pois eram muitos os que criam nele. O trabalho de Jesus, desde o seu batismo, havia tornado-se bem conhecido de todo o mundo judeu e, quando muitos deles contavam sobre essas coisas, diziam entre si: “Mesmo que esse instrutor seja da Galiléia, e ainda que não satisfaça a todas as nossas expectativas de um Messias, nós nos perguntamos, quando vier o libertador, se ele fará alguma coisa mais bela do que esse Jesus de Nazaré já fez”.
162:2.5 (1791.3) Quando os fariseus e os seus agentes ouviram o povo falando desse modo, eles foram aconselhar-se com os seus líderes e decidiram que alguma coisa deveria ser feita, sem demora, para colocar um fim nessas apresentações públicas de Jesus, nos pátios dos templos. Os líderes dos judeus, em geral, estavam dispostos a evitar um confronto com Jesus, acreditando que as autoridades romanas houvessem prometido imunidade a ele. Não conseguiam explicar de outro modo a sua coragem de vir a Jerusalém naquele momento; mas os oficiais do sinédrio não acreditaram totalmente nesse rumor. Eles ponderaram que os governantes romanos não fariam uma tal coisa secretamente e sem o conhecimento do corpo mais alto do governo da nação judaica.
162:2.6 (1791.4) E, desse modo, Eber, o agente qualificado do sinédrio, com dois assistentes, foi despachado para prender Jesus. E, quando Eber aproximava-se de Jesus, o Mestre disse: “Não temas aproximar-te de mim. Chegue mais perto para ouvir o meu ensinamento. Sei que foste enviado para prender-me, mas devias entender que nada sucederá ao Filho do Homem antes que chegue a sua hora. Não te coloques contra mim, apenas vieste em cumprimento das ordens dos teus patrões e, até mesmo tais dirigentes dos judeus, em verdade, pensam estar fazendo o serviço de Deus ao buscar secretamente a minha destruição.
162:2.7 (1792.1) “Não tenho rancor contra vós. O Pai vos ama e, portanto, eu quero a vossa libertação das cadeias do preconceito e das trevas da tradição. Eu vos ofereço a liberdade da vida e o júbilo da salvação. Proclamo o caminho novo e vivo, a libertação do mal e a ruptura das algemas do pecado. Eu vim para que vós pudésseis ter a vida, e tê-la eternamente. Se vós buscais livrar-vos de mim e dos meus ensinamentos inquietantes; deveríeis compreender que devo estar convosco apenas um pouco mais! Em pouquíssimo tempo eu irei para Ele, que me enviou a este mundo. E, então, muitos de vós ireis ansiosamente procurar por mim, mas não tereis a minha presença, pois onde eu devo ir vós não podeis chegar. Porém todos aqueles que verdadeiramente tentarem encontrar-me, em algum momento, irão alcançar a vida que conduz à presença do meu Pai”.
162:2.8 (1792.2) Alguns daqueles que zombavam, entre si, disseram: “Para onde vai este homem, que não poderemos encontrá-lo? Será que irá viver entre os gregos? Será que irá destruir-se a si próprio? O que poderá estar querendo dizer, quando declara que logo partirá de perto de nós, e que não poderemos ir até onde ele vai?”
162:2.9 (1792.3) Eber e os seus assistentes negaram-se a prender Jesus e retornaram sem ele. Entretanto, quando o dirigente dos sacerdotes e fariseus repreendeu Eber e os seus assistentes, porque eles não haviam trazido Jesus, Eber apenas respondeu: “Tememos prendê-lo no meio da multidão, porque muitos são os que crêem nele. Além do mais, nunca ouvimos um homem falando como ele. Há algo de fora do comum com esse instrutor. Vós todos faríeis bem de ir até lá para escutá-lo”. E, quando os principais dirigentes ouviram essas palavras, ficaram surpresos e disseram insultuosamente a Eber: “Tu também já te desgarraste? Acaso estás à beira de crer nesse enganador? Já ouviste falar de algum dos nossos homens cultos ou de algum dos dirigentes que acreditaram nele? Alguém dentre os escribas ou dentre os fariseus já teria sido enganado por esses ensinamentos astutos? Como podes tu estar influenciado pelo comportamento dessa multidão ignorante, que não conhece a lei nem os profetas? Acaso não sabes que esse povo inculto está amaldiçoado?” E Eber então respondeu: “Mesmo assim, meus mestres, esse homem diz palavras de misericórdia e de esperança à multidão. Ele encoraja os desalentados, e as suas palavras foram confortantes até mesmo para as nossas almas. O que pode haver de errado nesses ensinamentos, mesmo que ele não seja o Messias das escrituras? E ainda assim a nossa lei não exige justiça? Condenamos um homem antes de ouvi-lo?” E o dirigente do sinédrio ficou irado com Eber e, voltando- se para ele, disse: “Ficaste louco? Acaso também és da Galiléia? Busca nas escrituras, e descobrirás que, da Galiléia, não sai nenhum profeta, muito menos o Messias”.
162:2.10 (1792.4) O sinédrio dispersou-se em confusão e Jesus recolheu-se em Betânia para passar a noite.
162:3.1 (1792.5) Foi durante essa visita a Jerusalém que Jesus esteve com uma certa mulher de má reputação. Ela foi trazida à presença de Jesus pelos que a acusavam e pelos inimigos dele. A narrativa distorcida, que vós conheceis, desse episódio sugere que tal mulher tenha sido trazida diante de Jesus pelos escribas e fariseus, e que Jesus lidou com eles, como que para indicar que esses líderes religiosos dos judeus pudessem, eles próprios, ser culpados de imoralidade. Jesus sabia muito bem que, embora esses escribas e fariseus fossem cegos espiritualmente e preconceituosos intelectualmente por causa da sua lealdade à tradição, deviam estar entre os homens mais íntegros moralmente daqueles dias e daquela geração.
162:3.2 (1793.1) Eis o que realmente aconteceu: Cedo, na terceira manhã da festa, quando Jesus aproximava-se do templo, um grupo de agentes contratados pelo sinédrio veio ao seu encontro. Eles traziam consigo, à força, uma mulher. Ao aproximar- se, o porta-voz deles disse: “Mestre, esta mulher foi encontrada em adultério — no ato mesmo. Ora, a lei de Moisés manda que apedrejemos esta mulher. O que dizes sobre o que deve ser feito com ela?”
162:3.3 (1793.2) O plano dos inimigos de Jesus, se ele sustentasse a lei de Moisés, exigindo que a transgressora confessa fosse apedrejada, era envolvê-lo em dificuldades com os governantes romanos, que haviam negado aos judeus o direito de infligir a pena de morte sem a aprovação de um tribunal romano. Se ele proibisse o apedrejamento da mulher, eles iriam acusá-lo, diante do sinédrio, por colocar-se acima de Moisés e da lei judaica. Se ele permanecesse em silêncio, eles o acusariam de covardia. O Mestre, todavia, manobrou a situação de um modo tal que toda a armadilha desmoronou com o peso da própria sordidez.
162:3.4 (1793.3) Essa mulher, outrora decente, era esposa de um cidadão inferior de Nazaré, um homem que tinha causado dificuldades a Jesus durante os seus dias de juventude. Havendo o homem casado com essa mulher, forçava-a vergonhosamente a ganhar a vida fazendo comércio do próprio corpo. Ele havia vindo à festa, em Jerusalém, para que a sua mulher pudesse prostituir-se por ganhos financeiros. Ele havia aceitado uma barganha com os mercenários dos dirigentes judeus, traindo, assim, a sua própria mulher no seu vício comercializado. E, assim, vinham com a mulher e o companheiro de transgressão, com o propósito de surpreender Jesus fazendo alguma declaração que pudesse ser usada contra ele próprio, para a sua prisão.
162:3.5 (1793.4) Jesus, procurando na multidão, viu o marido dela, detrás de outras pessoas. Sabia que espécie de homem era esse marido e percebeu que fazia parte da transação desprezível. Jesus andou até perto de onde esse marido degenerado estava e escreveu na areia algumas palavras que o fizeram ir embora às pressas. Então Jesus veio diante da mulher e escreveu de novo no chão algo para os seus possíveis acusadores; e, quando eles leram essas palavras, também foram embora, um a um. E quando o Mestre escreveu pela terceira vez na areia, o companheiro de pecado, da mulher, por sua vez partiu; e, assim, o Mestre levantou-se depois de escrever e contemplou a mulher sozinha diante dele. Jesus disse: “Mulher, onde estão os teus acusadores? Ninguém ficou para apedrejar-te?” E a mulher, levantando os olhos, respondeu: “Ninguém, Senhor”. E então Jesus disse: “Conheço bem sobre você; mas nem eu te condeno. Toma o teu caminho em paz”. E essa mulher, Hildana, renunciou ao seu marido perverso e juntou-se aos discípulos do Reino.
162:4.1 (1793.5) A presença de pessoas de todo o mundo conhecido, da Espanha à Índia, fazia da Festa de Tabernáculos uma ocasião ideal para que Jesus, pela primeira vez, proclamasse publicamente, em Jerusalém, todo o seu evangelho. Nessa festa, o povo ficava boa parte do tempo ao ar livre, em cabanas feitas de folhagens. Era uma festa das colheitas e, estando assim no frescor dos meses de outono, os judeus do mundo inteiro freqüentavam essa festa em maior número do que a da Páscoa ao final do inverno, ou a de Pentecostes no começo do verão. Os apóstolos contemplavam o seu Mestre, afinal, fazendo o anúncio corajoso da sua missão na Terra, por assim dizer, perante todo o mundo.
162:4.2 (1794.1) Essa era a festa das festas, pois todo sacrifício que não houvesse sido realizado nas outras festas podia ser feito nessa época. Era a ocasião para a recepção das oferendas ao templo; era uma combinação dos prazeres das férias com os ritos solenes da adoração religiosa. E era uma época de júbilo racial, mesclado a sacrifícios, a cantos levíticos e a toques solenes das trombetas prateadas dos sacerdotes. À noite, em um espetáculo impressionante, o templo e as multidões de peregrinos eram brilhantemente iluminados pelos grandes candelabros, que queimavam, com muito brilho, nos pátios das mulheres, e também pelo resplendor de dezenas de tocheiros nos pátios do templo. Toda a cidade ficava alegremente decorada, exceto o castelo romano de Antônia, que dominava, em um contraste sinistro, essa cena festiva e adoradora. E como os judeus odiavam essa lembrança, sempre presente, do jugo romano!
162:4.3 (1794.2) Setenta touros eram sacrificados durante a festa, simbolizando as setenta nações do paganismo. A cerimônia do derramamento da água simbolizava o espargimento do espírito divino. Essa cerimônia da água era precedida da procissão dos sacerdotes e dos levitas, ao nascer do sol. Os adoradores caminhavam pelos degraus que iam do pátio de Israel ao pátio das mulheres, enquanto ouvia- se o soar sucessivo das trombetas prateadas. E então os fiéis marchavam até o belo portão, que se abria para o pátio dos gentios. E ali, davam uma meia- volta para retomar pelo oeste, repetindo os seus cânticos e continuando a sua marcha para a água simbólica.
162:4.4 (1794.3) Quase quatrocentos e cinqüenta sacerdotes, aproximadamente, junto com um número correspondente de levitas oficiaram no último dia da festa. Ao alvorecer, os peregrinos reuniam-se, de todas as partes da cidade, cada um deles carregando na mão direita um ramalhete feito de murta, de salgueiro e de ramos de palma, enquanto na mão esquerda eles carregavam um ramo da maçã do paraíso — a cidra, ou a “fruta proibida”. Esses peregrinos dividiam-se em três grupos para a cerimônia do alvorecer. Uma parte permanecia no templo, a fim de presenciar os sacrifícios da manhã. Outro grupo marchava de Jerusalém até perto de Maza, com o fito de cortar os ramos de salgueiro para adornar o altar dos sacrifícios. Já o terceiro grupo formava uma procissão que seguia de perto o sacerdote com a água; este, ao som das trombetas prateadas, levava o cântaro dourado que iria conter a água simbólica de Ofel, partindo do templo e seguindo até a proximidade de Siloé, onde estava localizado o portão da fonte. Depois de enchido o cântaro dourado na piscina da fonte de Siloé, a procissão marchava de volta para o templo, entrando pelo caminho do portão da água e indo diretamente até o pátio dos sacerdotes, onde o sacerdote que levava o cântaro de água juntava-se com outro que levava o vinho para a oferenda da bebida. Esses dois sacerdotes, então, dirigiam-se aos funis de prata que conduziam à base do altar e, ali, deixavam jorrar os conteúdos dos cântaros. O cumprimento desse ritual, de fazer jorrar o vinho e a água, era o sinal para que os peregrinos reunidos começassem a cantar os salmos, desde o 113 até o 118, inclusive, alternando- se com os levitas. E, enquanto repetiam esses versos, faziam ondular os seus ramos no altar. Então, vinham os sacrifícios do dia, relacionados com o repetir do salmo da data, sendo o octogésimo segundo o salmo do último dia desta festa, começando pelo quinto verso.
162:5.1 (1794.4) Da noite do dia seguinte até a última noite da festa, quando a cena era brilhantemente iluminada pelas luzes dos candelabros e dos tocheiros, Jesus permaneceu em meio da multidão reunida e disse:
162:5.2 (1795.1) “Eu sou a luz do mundo. Aquele que me segue não andará na escuridão, mas terá a luz da vida. Presumindo colocar-me em julgamento e assumindo serem meus juízes, vós declarais que, dando eu o testemunho de mim mesmo, o meu testemunho não poderá ser verdadeiro. Mas a criatura nunca pode julgar o Criador. E dando eu o testemunho de mim mesmo, o meu testemunho será verdadeiro para a eternidade, pois sei de onde vim, sei quem sou e para onde vou. Vós, que mataríeis o Filho do Homem, não sabeis de onde eu vim nem quem sou nem para onde vou. Julgais apenas pelas aparências da carne; não percebeis as realidades do espírito. Não julgo homens, nem mesmo o meu arquiinimigo. Mas se devesse escolher julgar, o meu julgamento seria verdadeiro e justo, pois não julgaria a sós, mas em associação com o meu Pai, que me enviou ao mundo e que é fonte de todo julgamento verdadeiro. Se vós podeis aceitar o testemunho de duas pessoas confiáveis — bem, então, eu testemunho essas verdades, como o meu Pai no céu também o faz. E, quando eu vos disse isso, ontem, na vossa escuridão, vós perguntastes a mim: ‘Onde está o teu Pai?’ Verdadeiramente, não conheceis, nem a mim, nem ao meu Pai, pois se tivésseis conhecido a mim, vós teríeis também conhecido o Pai.
162:5.3 (1795.2) “Já vos disse que vou embora e que vós procurareis por mim e não me encontrareis pois, para onde vou, não podeis ir. Vós, que rejeitastes essa luz, vindes debaixo; eu venho de cima. Vós, que preferistes ficar na escuridão, sois deste mundo. Eu não sou deste mundo e vivo na luz eterna do Pai das luzes. Todos vós tivestes oportunidades abundantes de saber quem sou, mas tereis ainda outras evidências confirmando a identidade do Filho do Homem. Eu sou a luz da vida, e todo aquele que, deliberadamente, e com a compreensão disso, rejeitar essa luz salvadora morrerá dos próprios pecados. Muito tenho eu para vos contar, mas sois incapazes de receber as minhas palavras. Contudo, Aquele que me enviou é verdadeiro e fiel; o meu Pai ama até mesmo os seus filhos no erro. E tudo que o meu Pai disse eu também proclamo ao mundo.
162:5.4 (1795.3) “Quando o Filho do Homem elevar-se, então todos vós sabereis que eu sou ele e que eu nada fiz por mim mesmo, mas apenas como o Pai ensinou-me. Digo essas palavras a vós e aos vossos filhos. E Aquele que me enviou, ainda agora, está comigo; Ele não me deixou sozinho, pois eu faço sempre aquilo que é agradável à vista Dele”.
162:5.5 (1795.4) E, quando Jesus ensinava assim aos peregrinos, nos pátios dos templos, muitos acreditaram. E ninguém ousou colocar as mãos nele.
162:6.1 (1795.5) No grande dia da festa, o último dia, quando a procissão vinda da piscina de Siloé passava pelos pátios dos templos, e, imediatamente depois que a água e o vinho haviam sido derramados no altar pelos sacerdotes, Jesus, entre os peregrinos, disse: “Se alguém tiver sede, que venha a mim e beba. Do Pai que está no alto, eu trago para este mundo a água da vida. Aquele que acreditar em mim será preenchido com o espírito que essa água representa, pois até mesmo as escrituras declaram: ‘Dele fluirão rios de água da vida’. Quando o Filho do Homem houver terminado a sua obra na Terra, o Espírito da Verdade vivo será vertido sobre toda a carne. Aqueles que recebem esse espírito nunca conhecem a sede espiritual”.
162:6.2 (1795.6) Jesus não interrompeu o serviço para dizer essas palavras. Ele dirigiu a resposta aos adoradores, imediatamente depois do canto de Hallel, na forma de leitura dos salmos, acompanhada da ondulação dos ramos, diante do altar. E exatamente então houve uma pausa, enquanto os sacrifícios estavam sendo preparados; e foi nesse momento que os peregrinos ouviram a voz fascinante do Mestre, declarando que ele era o doador da água da vida a toda alma com sede espiritual.
162:6.3 (1796.1) Na conclusão desse serviço matinal, Jesus continuou a ensinar à multidão, dizendo: “Não lestes nas escrituras: ‘Vede, do mesmo modo que as águas são derramadas no chão seco e aspergidas sobre o solo ressecado, eu irei dar o espírito da santidade para que seja vertido como uma bênção sobre os vossos filhos e mesmo sobre os filhos dos vossos filhos’? Por que ireis ter sede da ministração do espírito, se buscais banhar as vossas almas com a água das tradições dos homens vinda dos cântaros quebrados pelo serviço cerimonial? O que vedes acontecendo nesse templo é o modo pelo qual os vossos pais buscavam simbolizar a dádiva do espírito divino aos filhos da fé, e fizestes bem em perpetuar esses símbolos até os dias atuais. Mas, agora, a revelação do Pai dos espíritos chegou a essa geração, por meio da outorga do seu Filho, e tudo isso irá certamente ser seguido da dádiva do espírito do Pai e do Filho aos filhos dos homens. Para todo aquele que tem fé, essa dádiva do espírito tornar-se-á o verdadeiro mestre do caminho que leva à vida eterna, às águas verdadeiras da vida, ao Reino do céu sobre a Terra e ao Paraíso do Pai lá em cima”.
162:6.4 (1796.2) E Jesus continuou a responder às perguntas da multidão e às dos fariseus. Alguns julgavam que fosse um profeta; alguns acreditavam que fosse o Messias; outros diziam que ele não podia ser o Cristo, sabendo que havia vindo da Galiléia e que, o Messias, iria restaurar o trono de Davi. Mas não ousaram prendê-lo, ainda.
162:7.1 (1796.3) Na tarde do último dia da festa, e depois que os apóstolos viram frustrados os seus esforços para persuadi-lo a partir de Jerusalém, Jesus novamente foi ao templo e ensinou. Encontrando um grande grupo de crentes reunidos no Portão de Salomão, ele dirigiu-se a eles, dizendo:
162:7.2 (1796.4) “Se as minhas palavras encontram residência em vós e se estais dispostos a fazer a vontade do meu Pai, então, verdadeiramente sois discípulos meus. Vós conhecereis a verdade e a verdade tornar-vos-á homens livres. Eu sei como vós ireis responder-me: Nós somos os filhos de Abraão e não somos escravos de ninguém; como então seremos libertados? Ainda assim, eu não falo da submissão exterior a leis de outrem; eu me refiro às liberdades da alma. Em verdade, em verdade, eu vos digo que todo aquele que comete pecados é escravo do pecado. E vós sabeis que o escravo não está destinado a habitar, para sempre, na casa do senhor. Vós sabeis também que o filho permanece na casa do seu pai. Se, portanto, o Filho vos libertar e vos transformar em filhos, então, vós sereis de fato livres.
162:7.3 (1796.5) “Sei que sois a semente de Abraão e, ainda assim, os vossos líderes tentam matar-me, porque ainda não permitiram que a minha palavra tivesse a influência transformadora em seus corações. Suas almas estão lacradas pelo preconceito e cegas pelo orgulho e vingança. Eu vos declaro a verdade, que o Pai eterno me mostra, enquanto esses instrutores iludidos buscam fazer as coisas que aprenderam apenas dos seus pais temporais. E, quando responderdes que Abraão é vosso pai, então, eu vos direi que, se fôsseis filhos de Abraão, vós faríeis as obras de Abraão. Alguns, dentre vós, acreditam no meu ensinamento, mas outros procuram destruir-me porque eu vos disse a verdade que recebi de Deus. Mas Abraão não tratou assim a verdade de Deus. Percebo que alguns, dentre vós, estão determinados a fazer as obras do maligno. Se Deus fosse vosso pai, vós conhecer-me-íeis e amaríeis a verdade que revelo. Não podeis ver que venho do Pai, que sou enviado por Deus, que não estou fazendo esse trabalho apenas por mim próprio? Por que não compreendeis minhas palavras? Será porque escolhestes tornar-vos os filhos do mal? Se vós sois os filhos das trevas, dificilmente caminhareis à luz da verdade que eu revelo. Os filhos do maligno seguem apenas os caminhos do seu pai, que foi um enganador e não permaneceu com a verdade porque não havia nenhuma verdade nele. Mas agora vem o Filho do Homem falando e vivendo a verdade, e muitos dentre vós vos negais a crer.
162:7.4 (1797.1) “Qual de vós me condenais como pecador? Se eu, então, vivo e proclamo a verdade mostrada a mim pelo Pai, por que não acreditais? Aquele que é de Deus ouve contente as palavras de Deus; e é esse o motivo pelo qual muitos de vós não ouvis as minhas palavras, porque não sois de Deus. Os vossos instrutores presumiram até mesmo dizer que eu faço a minha obra com o poder do príncipe dos demônios. Alguém aqui acabou de dizer que eu tenho comigo um demônio, que eu sou um filho do demônio. Mas todos vós, que lidais honestamente com as vossas próprias almas, sabeis perfeitamente bem que eu não sou um demônio. Vós sabeis que eu honro o Pai até mesmo quando vós me desonrais. Eu não busco a minha própria glória, apenas a glória do meu Pai do Paraíso. E eu não vos julgo, pois há Um que julga por mim.
162:7.5 (1797.2) “Em verdade, em verdade, eu digo a vós que acreditais no evangelho que, se um homem mantiver viva essa palavra de verdade no seu coração, ele nunca sentirá o gosto da morte. E agora, bem ao meu lado, um escriba diz que essa afirmação prova que eu tenho comigo um demônio, vendo que Abraão está morto, e também os profetas. E ele pergunta: “És assim tão maior do que Abraão e os profetas, a ponto de ousares ficar aqui dizendo que aquele que mantiver a tua palavra não provará da morte? Quem reivindicas ser a ponto de ousares fazer tais blasfêmias?’ E a tudo isso eu digo que, se eu glorifico a mim próprio, a minha glória é como nada. Mas é o Pai que me glorificará, o mesmo Pai a quem chamais de Deus. Mas vós não chegastes a conhecer esse vosso Deus e meu Pai, e eu vim para unir-vos; para mostrar-vos como vos tornar verdadeiramente filhos de Deus. Embora não conheçais o Pai, eu O conheço verdadeiramente. E mesmo Abraão rejubilou-se de ver o meu dia e, pela fé, viu esse dia e ficou contente”.
162:7.6 (1797.3) Quando os judeus descrentes e os agentes do sinédrio, então já reunidos ali, ouviram essas palavras, iniciaram um tumulto, berrando: “Tu não tens nem cinqüenta anos de idade e ainda falas em ter visto Abraão; tu és um filho do demônio!” Jesus ficou incapacitado de continuar o seu discurso. Apenas disse quando partia: “Em verdade, em verdade, eu vos digo, antes que Abraão fosse, eu sou”. Muitos dos descrentes procuraram pedras para atirar nele; e os agentes do sinédrio tentaram prendê-lo, mas o Mestre rapidamente tomou o seu caminho através dos corredores do templo e escapou, indo para o local secreto de encontro, perto de Betânia, onde Marta, Maria e Lázaro esperavam por ele.
162:8.1 (1797.4) Tinha sido arranjado para que Jesus se alojasse com Lázaro e as suas irmãs na casa de um amigo, enquanto os apóstolos ficariam espalhados aqui e ali, em pequenos grupos. Essas precauções foram tomadas porque, de novo, as autoridades judias estavam mais audaciosas nos seus planos de prendê-lo.
162:8.2 (1797.5) Durante anos, havia sido costume desses três deixar tudo de lado e ouvir aos ensinamentos de Jesus sempre que ele os visitava. Com a perda dos seus pais, Marta havia assumido as responsabilidades da vida doméstica e, sendo assim, nessa ocasião, enquanto Lázaro e Maria se mantinham assentados aos pés de Jesus, bebendo do seu ensinamento restaurador, Marta cuidava de servir a refeição da noite. Deveria ser explicado que Marta se distraía, com inúmeras tarefas pouco necessárias e úteis, e que ficava sobrecarregada com muitos cuidados triviais; tal era a sua tendência.
162:8.3 (1798.1) Ao mesmo tempo em que se ocupava com todos esses supostos deveres, Marta ficava perturbada porque Maria nada fazia para ajudar. E, sendo assim, ela foi a Jesus e disse: “Mestre, não te importas com a minha irmã me deixando, sozinha, fazer todo o serviço? Tu não pedirias a ela para vir ajudar-me?” Jesus respondeu: “Marta, Marta, por que tu ficas sempre ansiosa, com tantas coisas a fazer e por que te preocupas com tantos detalhes? Uma coisa apenas realmente vale a pena e, desde que Maria escolheu essa parte boa e necessária, eu não a tirarei dela. Mas quando ireis ambas aprender a viver como eu vos ensinei: ambas servindo em cooperação e ambas refrescando as almas em uníssono? Não conseguistes aprender que há um momento para tudo — que as questões menos importantes da vida deveriam receber menos atenção diante das coisas maiores do Reino celeste?”
162:9.1 (1798.2) Durante a semana seguinte à da Festa de Tabernáculos, dezenas de crentes reuniram-se em Betânia e receberam os ensinamentos dos doze apóstolos. O sinédrio não fez nenhum movimento para perturbar esses encontros, já que Jesus não estava presente; ele estava, durante esse período, trabalhando com Abner e os seus condiscípulos, em Belém. No dia seguinte ao fechamento da festa, Jesus tinha já partido para Betânia, e não mais ensinou no templo durante essa visita a Jerusalém.
162:9.2 (1798.3) Nessa época, Abner mantinha o seu centro de ações em Belém, e daquele centro muitos discípulos haviam sido enviados às cidades da Judéia, sul de Samaria e até mesmo à Alexandria. Poucos dias depois da sua chegada, Jesus e Abner completaram os arranjos para a consolidação das obras dos dois grupos de apóstolos.
162:9.3 (1798.4) Durante essa visita à Festa de Tabernáculos, Jesus havia dividido o seu tempo igualmente entre Betânia e Belém. Em Betânia ele passou um tempo considerável com os seus apóstolos; em Belém deu bastante instrução a Abner e aos outros antigos apóstolos de João. E foi esse contato íntimo que, afinal, os levou a crerem nele. Esses antigos apóstolos de João Batista foram influenciados pela coragem que Jesus demonstrara no seu ensinamento público, em Jerusalém; bem como pela compreensão solidária que experimentaram no ensinamento particular dado a eles em Belém. Essas influências conquistaram, completa e finalmente, de todos os condiscípulos de Abner, uma aceitação de todo o coração, para o Reino e para todas as coisas que um tal passo implicava.
162:9.4 (1798.5) Antes de deixar Belém pela última vez, o Mestre fez arranjos para que todos eles se reunissem com ele no esforço unificado que devia anteceder ao término da sua carreira terrena na carne. Ficou acertado que Abner e os seus companheiros deviam juntar-se a Jesus e aos doze no parque de Magadam, em um futuro próximo.
162:9.5 (1798.6) De acordo com o que ficara marcado, no princípio de novembro, Abner e os seus onze companheiros lançaram a sua sorte juntando-se a Jesus e aos doze e trabalharam com eles, em uma única organização, até o momento mesmo da crucificação.
162:9.6 (1798.7) No final de outubro, Jesus e os doze retiraram-se da vizinhança imediata de Jerusalém. No domingo, 30 de outubro, Jesus e os seus companheiros deixaram a cidade de Efraim, onde ele estivera descansando, em reclusão, por uns poucos dias, e, indo pela parte oeste da estrada do Jordão diretamente ao parque de Magadam, chegaram lá, na tarde da quarta-feira, 2 de novembro.
162:9.7 (1799.1) Os apóstolos ficaram bastante aliviados de terem o Mestre de volta em um solo amistoso; e não mais o pressionaram para que fosse a Jerusalém com a finalidade de proclamar o evangelho do Reino.
O Livro de Urântia
Documento 163
163:0.1 (1800.1) UNS POUCOS dias depois do retorno de Jesus e dos doze a Magadam, vindos de Jerusalém, Abner e um grupo de cerca de cinqüenta discípulos chegaram de Belém. Nesse momento também se reuniam, no acampamento de Magadam, o corpo dos evangelistas, o corpo de mulheres e cerca de cento e cinqüenta outros discípulos sinceros e fiéis de todas as partes da Palestina. Depois de devotar uns poucos dias às conversas e à reorganização do acampamento, Jesus e os doze começaram um curso de aperfeiçoamento intensivo para esse grupo especial de crentes e, dessa agregação de discípulos bem treinados e experientes, o Mestre escolheu subseqüentemente os setenta instrutores e os enviou para proclamar o evangelho do Reino. Essa instrução regular começou na sexta-feira, 4 de novembro, e continuou até o sábado, 19 de novembro.
163:0.2 (1800.2) Jesus dava uma palestra a esse grupo todas as manhãs. Pedro ensinava os métodos de pregação pública; Natanael instruía-os na arte de ensinar; Tomé explicava-lhes como responder às perguntas; enquanto Mateus dirigia a organização das finanças do grupo. Os outros apóstolos também participavam desse aperfeiçoamento, segundo as suas experiências especiais e talentos naturais.
163:1.1 (1800.3) Os setenta foram ordenados por Jesus na tarde de sábado, 19 de novembro, no acampamento de Magadam, e Abner foi colocado à frente desses pregadores e instrutores do evangelho. Esse corpo de setenta era formado por Abner e dez dos antigos apóstolos de João, por cinqüenta e um dos primeiros evangelistas e oito outros discípulos que se haviam distinguido no serviço do Reino.
163:1.2 (1800.4) Por volta das duas horas, nessa tarde de sábado, entre pancadas de chuva, um grupo de crentes, ampliado com a chegada de Davi e a maioria do seu corpo de mensageiros, em um total de mais de quatrocentos, reuniu-se na margem do lago da Galiléia para presenciar a ordenação dos setenta.
163:1.3 (1800.5) Antes de efetuar a imposição da sua mão nas cabeças dos setenta, para distingui- los como mensageiros do evangelho, dirigindo-se a eles, Jesus disse: “A colheita realmente está farta, mas os trabalhadores são poucos; por isso eu exorto todos vós a orar, para que o Senhor da colheita envie mais trabalhadores à Sua obra. Estou a ponto de distinguir-vos, como mensageiros do Reino, e devo enviar-vos aos judeus e gentios como cordeiros entre os lobos. Quando fordes pelos caminhos, dois a dois, instruo-vos para que não leveis nem bolsa, nem roupa extra, pois partireis nessa primeira missão apenas por um curto período. Não estendereis a mão, com delongas, a nenhum homem pelo caminho, fiqueis atentos apenas ao vosso trabalho. Quando fordes hospedados em uma casa, dizei primeiro: A paz esteja nessa casa. Se aqueles que amam a paz viverem lá, ali ficareis; se não, deveis partir de lá. E, havendo escolhido uma casa, permanecereis lá durante a estada em tal cidade, comendo e bebendo daquilo que for posto diante de vós. E fareis assim porque o trabalhador é digno do seu sustento. Não vades de casa em casa, se um alojamento melhor estiver sendo oferecido. Lembrai-vos, quando fordes pelo mundo, proclamando a paz na Terra e a boa vontade entre os homens, de que ireis ter contra vós inimigos amargos e iludidos; e, portanto, sede sábios como serpentes e inofensivos como pombas.
163:1.4 (1801.1) “E, em todos os lugares em que fordes, pregai, dizendo: ‘O Reino do céu está à mão’; e ministrai a todos os doentes na mente ou no corpo. Livremente vós recebestes as boas coisas do Reino; e dai livremente. Se o povo de qualquer cidade vos receber, eles terão entrada abundante no Reino do Pai; contudo, se o povo de qualquer cidade recusar-se a receber esse evangelho, ainda deveis proclamar a vossa mensagem ao sairdes dessa comunidade descrente, dizendo, àqueles que rejeitaram o ensinamento: ‘Não obstante rejeitardes a verdade, permanece o fato de que o Reino de Deus veio até perto de vós’. Aquele que ouve a vós ouve a mim. E aquele que ouve a mim ouve a Ele, que me enviou. Aquele que rejeita a mensagem do evangelho, rejeita a mim. E aquele que rejeita a mim, rejeita a Ele que me enviou”.
163:1.5 (1801.2) Quando terminou de falar aos setenta, começando por Abner, à medida que eles ajoelhavam-se em um círculo em volta dele, Jesus impôs as suas mãos na cabeça de cada um deles.
163:1.6 (1801.3) Cedo, na manhã seguinte, Abner enviou os setenta mensageiros a todas as cidades da Galiléia, Samaria e Judéia. E esses trinta e cinco pares saíram pregando e ensinando por seis semanas, retornando todos ao novo acampamento perto de Pela, na Peréia, na sexta-feira, 30 de dezembro.
163:2.1 (1801.4) Mais de cinqüenta discípulos, que desejavam ser ordenados e admitidos como membros dos setenta, foram rejeitados pelo comitê designado por Jesus para selecionar os candidatos. Esse comitê era constituído por André, Abner e os chefes dos corpos de evangelistas. Em todos os casos nos quais esse comitê de três não foi unânime nas suas decisões, eles apresentaram o candidato a Jesus e, conquanto o Mestre nunca rejeitasse uma só pessoa que almejasse ordenar-se como um mensageiro do evangelho, mais de dez deles, depois de falarem com Jesus, não desejaram mais se tornar mensageiros do evangelho.
163:2.2 (1801.5) Um discípulo sincero veio a Jesus, dizendo: “Mestre, muito eu gostaria de ser um dos teus novos apóstolos, mas o meu pai é bastante velho e está próximo da morte; poderia ser-me permitido ir até a minha casa para enterrá-lo?” A esse homem Jesus disse: “Meu filho, as raposas têm tocas, e os pássaros do céu têm ninhos, mas o Filho do Homem não tem um lugar onde descansar a sua cabeça. Tu és um discípulo fiel, e podes permanecer como tal, quando voltares para a sua casa para ministrar aos seus seres amados, mas não deve ser assim com os meus mensageiros do evangelho. Eles abandonaram tudo para seguir-me e proclamar o Reino. Se tu queres ordenar-te instrutor, deves deixar que os outros enterrem os mortos enquanto tu saíres para tornar públicas as boas-novas”. E esse homem foi embora cheio de um desapontamento profundo.
163:2.3 (1801.6) Outro discípulo veio ao Mestre e disse: “Eu gostaria de tornar-me um mensageiro ordenado; porém, gostaria antes de ir até a minha casa para confortar a minha família, por pouco tempo”. E Jesus respondeu: “Se fores ordenado, tu deverás estar disposto a esquecer tudo. Os mensageiros do evangelho não podem ter afeições divididas. Nenhum homem que, depois de pôr suas mãos à obra, resolver sair, será digno de tornar-se um mensageiro do Reino”.
163:2.4 (1801.7) Então André trouxe a Jesus um certo homem, jovem e rico, que era um devoto e desejava receber a ordenação. Esse homem, Matadormus, era um membro do sinédrio de Jerusalém; tinha ouvido Jesus ensinar e havia sido instruído posteriormente, no evangelho do Reino, por Pedro e outros apóstolos. Jesus conversou com Matadormus a respeito dos quesitos da ordenação e pediu-lhe que tomasse a sua decisão depois de pensar mais profundamente sobre a questão. Bem cedo na manhã seguinte, quando Jesus saía para uma caminhada, esse jovem aproximou-se dele e disse: “Mestre, eu gostaria de saber de ti sobre as certezas da vida eterna. Uma vez que eu tenho observado todos os mandamentos desde a minha juventude, gostaria de saber o que mais devo fazer para ganhar a vida eterna?” Em resposta a essa pergunta, Jesus disse: “Se tu cumprires os mandamentos — de não cometer adultério, de não matar, de não roubar, de não dar falso testemunho, de não trapacear e de honrar aos teus pais — , tu terás feito muito bem, mas a salvação é uma recompensa da fé, e não meramente das tuas obras. Tu crês nesse evangelho do Reino?” E Matadormus respondeu: “Sim, Mestre, eu creio em tudo o que tu e os teus apóstolos me ensinaram”. E Jesus disse: “Então tu és de fato meu discípulo e um filho do Reino”.
163:2.5 (1802.1) E então o jovem disse: “Mas, Mestre, não me contento em ser teu discípulo; gostaria de ser um dos teus novos mensageiros”. Ao ouvir isso, Jesus olhou para ele e, com um grande amor, disse: “Eu terei a ti como um dos meus mensageiros, se estiveres disposto a pagar o preço, se satisfizeres o único quesito que te falta”. Matadormus respondeu: “Mestre, farei qualquer coisa para que me seja permitido seguir-te”. E Jesus, beijando na fronte o jovem ajoelhado, disse: “Se quiseres ser um mensageiro meu, vai e vende tudo o que tens e, quando tiveres doado o produto aos pobres ou aos teus irmãos, vem e segue-me; e tu terás um tesouro no Reino do céu”.
163:2.6 (1802.2) Quando Matadormus ouviu isso, o seu semblante esmoreceu. Ele levantou-se e partiu pesaroso, pois possuía muitos bens. Esse jovem fariseu rico fora criado na crença de que a riqueza era um sinal do favorecimento de Deus. Jesus sabia que ele não estava liberto do amor de si próprio e das riquezas. O Mestre queria libertá-lo do amor das riquezas, não necessariamente da riqueza em si. Embora os discípulos de Jesus não precisassem desfazer-se de todos os bens terrenos, os apóstolos e os setenta desfaziam-se deles. Matadormus desejava ser um dos setenta novos mensageiros, e por esse motivo Jesus lhe pediu que se desfizesse de todas as suas posses temporais.
163:2.7 (1802.3) Quase todo ser humano tem uma coisa à qual se apega, como a um mal necessário e querido, e à qual deverá renunciar, como parte do preço da admissão ao Reino do céu. Se Matadormus se houvesse desfeito da sua riqueza, ela provavelmente teria sido colocada de volta nas suas mãos, para que ele a administrasse, como tesoureiro dos setenta. Pois, mais tarde, depois do estabelecimento da igreja de Jerusalém, ele obedeceu à determinação do Mestre, embora, então, haja sido tarde demais para que ele tivesse podido desfrutar da companhia dos setenta, como membro; e ele tornou-se o tesoureiro da igreja de Jerusalém, da qual, Tiago, o irmão do Senhor, na carne, era o dirigente.
163:2.8 (1802.4) Sempre foi assim e para sempre será: os homens devem tomar as suas próprias decisões. E existe uma certa amplitude, nas possibilidades da liberdade de escolha, dentro da qual os mortais podem atuar. As forças do mundo espiritual jamais coagirão o homem; elas permitem que ele siga o caminho da sua própria escolha.
163:2.9 (1802.5) Jesus previu que, com as suas riquezas, Matadormus não teria possibilidade de ser ordenado como companheiro dos homens que a tudo haviam abandonado pelo evangelho; ao mesmo tempo, sentiu que, sem as suas riquezas, ele tornar- se-ia o dirigente máximo de todos eles. Mas, como os próprios irmãos de Jesus, Matadormus nunca chegou a ser grande no Reino, porque privou a si próprio daquele convívio íntimo e pessoal com o Mestre. Convívio este que poderia ter feito parte da experiência dele, tivesse ele estado disposto a fazer, no momento certo, aquilo que lhe tinha sido pedido por Jesus, e que, vários anos depois, ele realizou de fato.
163:2.10 (1803.1) As riquezas não têm nenhuma relação direta com a entrada no Reino do céu, mas o amor pela riqueza tem. As lealdades espirituais ao Reino são incompatíveis com uma profunda servidão à cobiça materialista. O homem não pode dividir, com uma devoção material, a sua lealdade suprema a um ideal espiritual.
163:2.11 (1803.2) Jesus nunca ensinou que é errado ter riquezas. Apenas aos doze e aos setenta ele pedia que dedicassem todas as suas posses no mundo à causa comum. E, ainda assim, cuidou para que fosse efetuada uma liquidação vantajosa das propriedades deles, como no caso do apóstolo Mateus. Jesus, por muitas vezes, aconselhou aos seus discípulos abastados aquilo que havia ensinado ao homem rico de Roma. O Mestre considerava o sábio investimento dos ganhos excedentes como sendo uma forma legítima de seguro para uma adversidade futura inevitável. Quando a tesouraria apostólica estivera transbordante, Judas colocara os fundos em um depósito a ser utilizado futuramente, quando eles pudessem estar sofrendo de uma diminuição grande na renda. E isso, Judas havia feito depois de consultar-se com André. Jesus nunca teve nada a ver pessoalmente com as finanças apostólicas, exceto quanto ao desembolso para as esmolas. No entanto, por muitas vezes, ele condenou o abuso econômico, tal como a exploração injusta dos fracos, dos ignorantes e dos menos afortunados entre os homens, pelos seus semelhantes mais fortes, mais sagazes e mais inteligentes. Jesus declarou que o tratamento desumano impingido aos homens, mulheres e crianças era incompatível com os ideais de irmandade do Reino do céu.
163:3.1 (1803.3) Enquanto Jesus terminava de falar a Matadormus, Pedro e alguns apóstolos reuniam-se ao redor dele e, depois que o jovem rico partiu, Jesus voltou-se para colocar-se frente aos apóstolos e dizer: “Vede, quão difícil é, para aqueles que têm riquezas, entrar plenamente no Reino de Deus! A adoração espiritual não pode ser dividida com as devoções materiais; nenhum homem pode servir a dois senhores. Vós tendes um ditado que diz:‘ é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha, do que os pagãos herdarem a vida eterna’. E eu declaro que é tão fácil para esse camelo passar pelo buraco da agulha quanto o é para esses ricos, satisfeitos consigo mesmos, entrarem no Reino do céu”.
163:3.2 (1803.4) Quando ouviram essas palavras, Pedro e os apóstolos ficaram extremamente surpresos, a ponto de Pedro dizer: “Ó Senhor, quem então pode ser salvo? Todos aqueles que têm riquezas ficarão fora do Reino?” E Jesus respondeu: “Não, Pedro, mas todos que colocarem a sua confiança nas riquezas, dificilmente entrarão na vida espiritual que leva ao progresso eterno. Porém, ainda assim, muitas coisas que são impossíveis para o homem não estão fora do alcance do Pai no céu; devemos reconhecer, sim que, com Deus, todas as coisas são possíveis”.
163:3.3 (1803.5) E, enquanto cada qual saía para um lado, Jesus entristecia-se por Matadormus não permanecer com eles, pois Jesus o amava bastante. E quando caminhavam pelo lago, eles sentaram-se perto da água, e Pedro, falando pelos doze (presentes todos, naquele momento), disse: “Estamos inquietos por causa das tuas palavras ao jovem rico. Devemos exigir daqueles que querem seguir- nos que renunciem aos seus bens terrenos?” E Jesus disse: “Não, Pedro, apenas daqueles que querem transformar-se em apóstolos e que desejam viver comigo, como uma família, como vós o fazeis. Pois o Pai exige que os afetos dos seus filhos sejam puros e não divididos. Qualquer coisa ou pessoa, que se interponha entre vós e o amor pelas verdades do Reino, deve ser abandonada. Se a riqueza não invade os recintos da alma, não traz conseqüências à vida espiritual daqueles que entram no Reino”.
163:3.4 (1804.1) E Pedro disse: “Mas, Mestre, nós abandonamos tudo para te seguir, o que então teremos?” Então Jesus falou aos doze: “Em verdade, em verdade, vos digo: não há homem algum que, havendo abandonado a riqueza, a casa, a esposa, os irmãos, os pais ou os filhos, por minha causa e pelo Reino do céu, não receba muito mais neste mundo, talvez com algumas perseguições; e que não receba a vida eterna no mundo que virá. Contudo, muitos dos que são os primeiros, serão os últimos, enquanto os últimos, muitas vezes, serão os primeiros. O Pai trata as suas criaturas de acordo com as necessidades delas e em obediência às Suas leis justas de consideração misericordiosa e amorosa pelo bem-estar de um universo.
163:3.5 (1804.2) “O Reino do céu é como um proprietário, que é um grande empregador de homens, e que saiu cedo pela manhã para contratar trabalhadores para o seu vinhedo. Depois de um acordo com os trabalhadores, de pagar a eles um denário por dia, ele os enviou ao vinhedo. E então ele saiu às nove e, vendo outros que permaneciam ociosos no mercado, lhes disse: ‘Ide, vós também, trabalhar no meu vinhedo, e eu vos pagarei o que for justo’. E eles foram trabalhar imediatamente. E, às doze, novamente ele saiu e depois às três e procedeu do mesmo modo. E indo à praça do mercado, às cinco da tarde, ele ainda encontrou outros que lá permaneciam sem fazer nada, e perguntou-lhes: ‘Por que permanecestes aqui, desocupados, todo o dia?’ E os homens responderam: ‘Porque ninguém nos contratou’. E então disse o dono da casa: ‘Ide vós também trabalhar no meu vinhedo, e vos pagarei o que for justo’.
163:3.6 (1804.3) “Quando chegou a noite, esse proprietário do vinhedo disse ao seu administrador: ‘Chama os trabalhadores e paga a eles os seus salários, começando pelos últimos contratados e terminando com os primeiros’. Quando chegaram aqueles que haviam sido contratados às cinco da tarde, cada um recebeu um denário, e assim todos os outros trabalhadores receberam a mesma quantia. Quando os homens que haviam sido contratados no começo do dia viram como estavam sendo pagos aqueles que haviam sido contratados mais tarde, tiveram a esperança de receber mais do que a quantia combinada. Mas, como os demais, cada homem recebeu apenas um denário. E, depois que todos haviam recebido o seu pagamento, eles foram reclamar com o dono da casa, dizendo: ‘Esses homens, que foram contratados por último, trabalharam apenas uma hora, e mesmo assim tu pagaste a eles o mesmo que pagaste a nós, que agüentamos a carga do dia inteiro sob o sol abrasador’.
163:3.7 (1804.4) “E o dono da casa então respondeu: ‘Meus amigos, eu não sou injusto convosco. Cada um de vós concordou em trabalhar por um denário ao dia, não? Pegai agora o que é vosso e segui o vosso caminho, pois é desejo meu dar àqueles que vieram por último tanto quanto dei a vós. Não me é lícito fazer o que eu quiser com o que me pertence? Ou acaso invejais a minha generosidade, porque eu desejo ser bom e demonstrar misericórdia?’ “
163:4.1 (1804.5) Um momento emocionante no acampamento de Magadam deu-se no dia em que os setenta saíram na sua primeira missão. Cedo, naquela manhã, na sua última palestra aos setenta, Jesus colocou ênfase no seguinte:
163:4.2 (1804.6) 1. O evangelho do Reino deve ser proclamado a todo o mundo, tanto aos gentios quanto aos judeus.
163:4.3 (1804.7) 2. Ao cuidar dos enfermos, abstende-vos de ensinar a esperar milagres.
163:4.4 (1805.1) 3. Proclamai uma fraternidade espiritual dos filhos de Deus; e não um reino exterior de poder terreno e de glória material.
163:4.5 (1805.2) 4. Evitai a perda de tempo em um excesso de conversas e visitas sociais e outras trivialidades que possam diminuir a vossa devoção, de coração pleno, a pregar o evangelho.
163:4.6 (1805.3) 5. Se a primeira casa que tiverdes escolhido, como centro, demonstrar ser uma casa digna, ficai lá durante toda a permanência nessa cidade.
163:4.7 (1805.4) 6. Deixai bem claro, a todos os fiéis, que é chegada a hora de romper abertamente com os líderes religiosos dos judeus, em Jerusalém.
163:4.8 (1805.5) 7. Ensinai que todo o dever do homem resume-se neste único mandamento: Amai o Senhor, vosso Deus, com toda a vossa mente e a vossa alma; e amai ao vosso semelhante como a vós próprios. (E isso eles deviam ensinar como sendo todo o dever do homem em lugar das 613 regras de vida expostas pelos fariseus.)
163:4.9 (1805.6) Quando Jesus terminou de falar aos setenta, em presença de todos os apóstolos e discípulos, Simão Pedro levou-os à parte para, a sós com eles, pregar-lhes o seu sermão de ordenação, que era uma elaboração das instruções dadas pelo Mestre, na época em que ele impôs as suas mãos sobre eles e escolheu-os como mensageiros do Reino. Pedro exortou os setenta a nutrir, nas suas experiências, as virtudes seguintes:
163:4.10 (1805.7) 1. A devoção consagrada. Orar sempre para que haja constantemente mais operários a serem enviados à colheita do evangelho do Reino. Ele explicou que, quando se ora assim, deve-se dizer mais propriamente: “Aqui estou eu; enviai- me”. Ele aconselhou-lhes que não negligenciassem a sua adoração diária.
163:4.11 (1805.8) 2. A verdadeira coragem. Ele avisou-lhes que encontrariam muita hostilidade e que podiam estar certos de que enfrentariam perseguições. Pedro disse a eles que a sua missão não era um empreendimento para covardes e aconselhou, àqueles que estavam amedrontados, que desistissem antes mesmo de começar. Mas nenhum deles retirou-se.
163:4.12 (1805.9) 3. A fé e a confiança. Que, nessa curta missão, eles deveriam sair totalmente sem recursos; e que deveriam confiar no Pai para terem comida e abrigo e todas as outras coisas que fossem necessárias.
163:4.13 (1805.10) 4. O ardor e a iniciativa. Eles deveriam estar possuídos do ardor e de um entusiasmo inteligente; eles deveriam ater-se exclusivamente aos assuntos do Mestre. A saudação oriental era uma cerimônia longa e elaborada; e, portanto, eles foram instruídos a “não saudar nenhum homem pelo caminho”, o que era um método comum de exortar a que cuidassem dos seus assuntos, sem desperdício de tempo. Essa instrução nada tinha a ver com a questão da saudação amistosa.
163:4.14 (1805.11) 5. A amabilidade e a cortesia. O Mestre havia instruído-os para que evitassem perder tempo desnecessariamente em cerimônias sociais, mas recomendou- lhes muita cortesia para todos aqueles com quem entrassem em contato. Eles deveriam demonstrar toda amabilidade para com aqueles que poderiam recebê-los nas suas casas. E foram advertidos estritamente quanto a deixarem uma casa modesta, para serem recebidos em uma casa mais confortável ou de mais influência.
163:4.15 (1805.12) 6. A ministração aos doentes. Os setenta foram encarregados, por Pedro, de procurar os que estivessem doentes da mente ou do corpo e fazer tudo o que estivesse ao alcance deles para trazer-lhes algum alívio ou cura das suas enfermidades.
163:4.16 (1805.13) E, depois de terem recebido, assim, as suas ordens e instruções, eles partiram, dois a dois, para a sua missão na Galiléia, Samaria e Judéia.
163:4.17 (1806.1) Embora os judeus tivessem uma estima especial pelo número setenta, algumas vezes considerando que setenta fossem as nações do paganismo, e, embora esses setenta mensageiros devessem ir com o evangelho a todos os povos, ainda assim, até onde podemos discernir, foi apenas uma coincidência que esse grupo tivesse exatamente setenta membros. É certo que Jesus teria aceito algo como meia dúzia a mais deles, mas esses não estavam dispostos a pagar o preço de abandonar riquezas e famílias.
163:5.1 (1806.2) Jesus e os doze preparavam-se agora para estabelecer o último dos seus centros de apoio, na Peréia, perto de Pela, onde o Mestre fora batizado no Jordão. Os últimos dez dias de novembro haviam sido passados em reuniões em Magadam, e na terça-feira, 6 de dezembro, todo o grupo, de quase trezentas pessoas, partiu ao alvorecer, com todos os seus carregamentos, para alojar-se, naquela noite, perto de Pela, à beira do rio. Esse mesmo local, na primavera, vários anos antes, havia sido ocupado pelo acampamento de João Batista.
163:5.2 (1806.3) Depois de levantar o acampamento de Magadam, Davi Zebedeu retornou a Betsaida e começou imediatamente a reduzir o serviço de mensageiros. O Reino entrava em uma nova fase. Diariamente chegavam peregrinos de todas as partes da Palestina e mesmo de regiões remotas do império romano. Crentes vinham da Mesopotâmia, ocasionalmente, e de terras a leste do Tigre. E, desse modo, no domingo, 18 de dezembro, com a ajuda do seu corpo de mensageiros, Davi colocou sobre os animais de carga a bagagem do acampamento, então armazenada na casa do seu pai e com a qual ele havia anteriormente organizado o acampamento de Betsaida, à beira do lago. Despedindo-se de Betsaida pelo momento, ele continuou até as margens do lago e ao longo do Jordão, num ponto cerca de um quilômetro ao norte do campo apostólico; e, em menos do que uma semana, Davi estava preparado para oferecer hospitalidade a quase mil e quinhentos visitantes peregrinos. O acampamento apostólico podia acomodar cerca de quinhentas pessoas. Era a estação das chuvas na Palestina; e essas acomodações faziam-se necessárias para que se cuidasse do número, cada vez maior, de buscadores da verdade e de interessados, em sua maioria sérios, que viriam à Peréia para ver Jesus e ouvir o seu ensinamento.
163:5.3 (1806.4) Davi fez tudo isso por sua própria iniciativa, embora se tivesse aconselhado com Filipe e Mateus, em Magadam. Ele aproveitou a maior parte do seu antigo corpo de mensageiros como ajudantes para conduzir esse acampamento, sendo que agora utilizava menos de vinte homens no serviço de mensageiros regulares. Perto do fim de dezembro, e antes do retorno dos setenta, quase oitocentos visitantes foram reunidos em torno do Mestre, e eles encontraram hospedagem no acampamento de Davi.
163:6.1 (1806.5) Na sexta-feira, 30 de dezembro, enquanto Jesus havia ido até as colinas vizinhas, com Pedro, Tiago e João, os setenta mensageiros do Reino chegavam aos pares, acompanhados de inúmeros crentes, ao centro de apoio deles em Pela. Todos os setenta estavam reunidos no local de instrução, por volta das cinco horas, quando Jesus retornou ao acampamento. A refeição da noite atrasou mais de uma hora, enquanto esses entusiastas do evangelho do Reino contavam as suas experiências. Os mensageiros de Davi haviam reportado sobre muitas dessas novas aos apóstolos durante as semanas anteriores, mas era verdadeiramente inspirador ouvir esses instrutores do evangelho, recém-ordenados, descreverem, pessoalmente, como a sua mensagem havia sido recebida pelos judeus e gentios sedentos. Afinal, Jesus podia ver os homens saindo para disseminar as boas- novas, sem a sua presença pessoal. O Mestre, agora, sabia que podia deixar este mundo, sem que por isso o progresso do Reino parasse seriamente.
163:6.2 (1807.1) Quando os setenta relataram que “até os demônios submetiam-se” a eles, referiam-se às curas maravilhosas que tinham realizado nos casos das vítimas de desordens nervosas. Todavia, teria havido uns poucos casos de verdadeira possessão por espíritos, aliviados por esses ministros e, pois, referindo-se a eles, Jesus disse: “Não é de se estranhar que esses espíritos menores, desobedientes, deveriam sujeitar-se a vós, posto que eu vi Satã caindo do céu como um raio. Mas não rejubileis tanto só por isso, pois eu declaro a vós que, tão logo eu retorne ao meu Pai, enviaremos às mentes dos homens os nossos espíritos, de modo que não mais esses poucos espíritos perdidos possam entrar nas mentes dos mortais desafortunados. Eu me rejubilo convosco, por terdes esse poder com os homens, mas não vos sintais elevados por causa dessa experiência, mas regozijai- vos mais porque os vossos nomes estão escritos nas listas do céu, e porque vós deveis, assim, avançar em uma carreira sem fim de conquista espiritual”.
163:6.3 (1807.2) E foi nesse momento, exatamente antes de compartilhar da refeição da noite, que Jesus experimentou um desses momentos raros de êxtase emocional que os seus seguidores ocasionalmente testemunharam. Ele disse: “Eu agradeço-te, meu Pai, Senhor do céu e da Terra, porque, embora esse maravilhoso evangelho tenha sido escondido dos sábios e dos presunçosos, o espírito revelou essas glórias espirituais a esses filhos do Reino. Sim, meu Pai, deve ter sido agradável aos Teus olhos fazer isso, e rejubilo-me ao saber que as boas-novas espalhar-se-ão em todo o mundo, depois mesmo de ter eu retornado para Ti e para o trabalho que Tu destinaste a mim para cuidar. Estou extremamente emocionado, pois entendo que Tu estás a ponto de entregar toda a autoridade nas minhas mãos, que apenas Tu sabes realmente quem eu sou, e que apenas realmente Te conheço eu, bem como aqueles a quem eu Te revelei. E, quando eu tiver terminado esta revelação aos meus irmãos na carne, continuarei a revelação às Tuas criaturas no alto”.
163:6.4 (1807.3) Depois de ter falado assim ao Pai, Jesus voltou-se para o lado, para falar aos seus apóstolos e ministros: “Abençoados são os olhos que vêem e os ouvidos que escutam essas coisas. Deixai que eu diga a vós, que muitos dos profetas e grandes homens das idades passadas desejariam contemplar o que vós estais vendo, mas isso não lhes foi concedido. E muitas gerações dos filhos da luz que ainda estão por vir, quando ouvirem sobre essas coisas, invejar-vos-ão a vós que as vistes e que as ouvistes”.
163:6.5 (1807.4) E então, falando a todos os discípulos, ele disse: “Vós ouvistes sobre quantas cidades e aldeias receberam as boas-novas do Reino; e como os meus ministros e instrutores foram recebidos pelos judeus tanto quanto pelos gentios. E abençoadas, de fato, são essas comunidades que escolheram crer no evangelho do Reino. Mas ai dos que rejeitam a luz, habitantes de Corazim, Betsaida-Júlias e Cafarnaum, cidades que não receberam bem a esses mensageiros. Eu declaro que, se as obras poderosas que foram feitas nesses locais tivessem sido feitas em Tiro e Sidom, o povo dessas cidades, chamadas pagãs, há muito ter-se-ia arrependido com trajes de penitência, com cinzas e tudo. De fato, bem mais suportável, será o dia do julgamento, para Tiro e Sidom”.
163:6.6 (1807.5) O dia seguinte sendo um sábado, Jesus reuniu à parte os setenta e disse a eles: “De fato eu me rejubilei convosco, quando voltastes com as boas-novas de que tantas pessoas, espalhadas pela Galiléia, Samaria e Judéia, acolheram bem o evangelho do Reino. Mas por que vos sentistes tão surpreendentemente exaltados? Acaso não esperáveis que a vossa mensagem se manifestasse com tal força? Com tão pouca fé neste evangelho saístes, que retornastes surpresos com tamanha eficácia? E agora, se bem que não queira arrefecer o vosso entusiasmo, eu gostaria de adverti-los severamente contra as ardilezas do orgulho, o orgulho espiritual. Caso pudésseis compreender a queda de Lúcifer, o iníquo, evitaríeis solenemente qualquer forma de orgulho espiritual.
163:6.7 (1808.1) “Vós entrastes nessa grande obra de ensinar ao homem mortal que ele é um filho de Deus. Eu mostrei-vos o caminho; ide em frente fazer o vosso dever e não vos canseis de fazê-lo bem. A vós e a todos que seguirão os vossos passos, através das idades, deixai que eu diga: Estarei sempre perto, e a minha convocação- convite é, e será sempre: Vinde a mim todos vós que lutais e que levais fardos pesados e eu vos darei o descanso. Tomai o meu jugo para vós, e aprendei de mim, pois sou verdadeiro e leal, e vós encontrareis o descanso espiritual para as vossas almas”.
163:6.8 (1808.2) E, quando colocaram as promessas do Mestre à prova, eles comprovaram que as palavras do Mestre eram verdadeiras. E, desde aquele dia, milhares incontáveis de pessoas também testaram e comprovaram a certeza dessas mesmas promessas.
163:7.1 (1808.3) Os dias seguintes, no acampamento de Pela, foram repletos de atividades, pois os preparativos para a missão na Peréia estavam sendo ultimados. Jesus e os seus colaboradores estavam a ponto de iniciar a sua última viagem, aquele percurso, por toda a Peréia, feito em três meses e que culminou com a entrada do Mestre em Jerusalém para os seus trabalhos finais na Terra. Durante esse período, foi mantido um centro de apoio para Jesus e os doze apóstolos no acampamento de Pela.
163:7.2 (1808.4) Jesus já não tinha necessidade de sair para ensinar ao povo. Agora todos vinham até ele, em números crescentes a cada semana, e de todas as partes, não apenas da Palestina, mas de todo o mundo romano e do Oriente próximo. Embora haja participado, com os setenta, da viagem da Peréia, o Mestre passou uma grande parte do seu tempo no acampamento de Pela, ensinando à multidão e instruindo aos doze. Durante esse período de três meses ao menos dez dos apóstolos permaneciam com Jesus.
163:7.3 (1808.5) O corpo de mulheres também se preparou para sair, duas a duas, com os setenta, para fazer a sua obra nas grandes cidades da Peréia. Esse grupo original de doze mulheres havia, recentemente, treinado um grupo maior, de cinqüenta mulheres, no trabalho de visitar as casas e na arte de ministrar aos doentes e aflitos. Perpétua, a mulher de Simão Pedro, tornou-se membro dessa nova divisão do corpo de mulheres e lhe foi confiada a liderança do trabalho ampliado das mulheres, com Abner. Depois de Pentecostes ela permaneceu com o seu ilustre marido, acompanhando-o em todas as viagens missionárias; e, no dia em que Pedro foi crucificado em Roma, ela surgiu na arena, atirada às feras selvagens. Esse novo corpo de mulheres também teve como membros as esposas de Filipe e de Mateus, e a mãe de Tiago e João.
163:7.4 (1808.6) A obra do Reino agora se preparava para entrar na sua fase terminal sob a liderança pessoal de Jesus. E esta fase caracterizava-se pela profundidade espiritual, em contraste com aquela das multidões e voltadas para os milagres e buscadoras de prodígios, que seguiram o Mestre durante os primeiros tempos da sua popularidade na Galiléia. Contudo, havia um certo número, entre os seus seguidores, que possuía uma mente voltada para o lado material e que não conseguiu captar a verdade de que o Reino do céu é a irmandade espiritual dos homens, fundada sobre o fato eterno da paternidade universal de Deus.
O Livro de Urântia
Documento 164
164:0.1 (1809.1) ENQUANTO se instalava o acampamento de Pela, Jesus subiu secretamente até Jerusalém, levando Natanael e Tomé consigo, para compare- cer à Festa da Dedicação. Os dois apóstolos só tornaram-se conscientes de que o seu mestre estava indo para Jerusalém depois de haverem passado pelo rio Jordão e pelo vau de Betânia. Quando perceberam que ele realmente tinha a intenção de estar presente à Festa da Dedicação, objetaram seriamente e, usando de toda a sorte de argumentos, tentaram dissuadi-lo da idéia. Mas os seus esforços de nada valeram; Jesus estava determinado a visitar Jerusalém. A todas as súplicas e a todas as advertências deles, enfatizando a loucura e o perigo que o Mestre corria de colocar-se nas mãos do sinédrio, ele responderia apenas: “Eu gostaria de dar a esses instrutores de Israel uma nova oportunidade de verem a luz, antes de chegar a minha hora”.
164:0.2 (1809.2) E prosseguiram até Jerusalém, enquanto os dois apóstolos continuavam a expressar os seus sentimentos de temor e manifestar suas dúvidas sobre a sabedoria de um empreendimento aparentemente tão presunçoso. Eles chegaram a Jericó por volta das quatro e meia da tarde e prepararam-se para alojar-se ali, naquela noite.
164:1.1 (1809.3) Naquela noite, um grupo considerável de pessoas reuniu-se em torno de Jesus e dos dois apóstolos fazendo perguntas, muitas das quais os apóstolos responderam, enquanto, sobre outras, o Mestre discorria. Durante a noite, um certo jurista, buscando enredar Jesus em uma disputa comprometedora, disse: “Instrutor, eu gostaria de perguntar-te exatamente o que devo fazer para herdar a vida eterna?” Jesus respondeu: “O que está escrito na lei e nos profetas; como interpretas as escrituras?” O jurista, conhecendo os ensinamentos de Jesus e dos fariseus, respondeu: “Amar ao Senhor Deus, com todo o teu coração, tua alma, tua mente e tua força; e ao teu próximo como a ti mesmo”. Então disse Jesus: “Respondeste certo; se realmente fizeres assim, essa atitude conduzir-te-á à vida eterna”.
164:1.2 (1809.4) O advogado, contudo, não havia sido totalmente sincero ao fazer esta pergunta e, desejando justificar-se e, ao mesmo tempo, esperando embaraçar Jesus, aventurou-se ainda a fazer uma outra pergunta. Chegando um pouco mais perto do Mestre, ele disse: “Mas, Instrutor, eu gostaria que me dissesses exatamente quem é o meu próximo”. O advogado, ao fazer essa pergunta, esperava que, com ela, Jesus caísse na armadilha e fizesse alguma afirmação transgressora da lei judaica, a qual definia o próximo como “os filhos do seu próprio povo”. Os judeus consideravam todos os outros povos como “cães gentios”. Esse advogado estava um tanto familiarizado com os ensinamentos de Jesus e, portanto, sabia bem que o Mestre pensava de modo diferente; e, assim, esperava levá-lo a proferir alguma coisa que pudesse ser interpretada como um ataque à lei sagrada.
164:1.3 (1810.1) Contudo, percebendo a intenção do advogado e, em vez de prestar-se à armadilha, Jesus passou a contar aos seus ouvintes uma história, daquelas que seriam apreciadas plenamente por qualquer audiência de Jericó. Disse Jesus: “Um certo homem ia de Jerusalém a Jericó e caiu nas mãos de bandidos cruéis que roubaram dele, tomaram a sua roupa, bateram nele e partiram, deixando-o meio morto. Em breve, por acaso, um sacerdote passava por aquele caminho e, ao deparar-se com o homem ferido, percebendo a sua condição lastimável, passou para o outro lado da estrada. E, de um modo semelhante, também um levita, ao aproximar-se viu como estava o homem e passou para o outro lado. Pouco depois, um certo samaritano, viajando para Jericó, deparou-se com esse homem ferido e viu que havia sido roubado e que bateram nele, então ficou tocado de compaixão e, indo até ele, colocou-lhe uma bandagem nas feridas junto com óleo e vinho e, ajeitando o homem na própria montaria, levou-o até um albergue, e cuidou dele. No dia seguinte, pegou algum dinheiro, entregou-o ao estalajadeiro e disse: ‘Cuida bem do meu amigo e, caso as despesas sejam maiores, quando eu voltar aqui, te pagarei’. Agora eu te pergunto: Qual desses três demonstrou ser o próximo do homem que caiu nas mãos dos ladrões?” E, quando o jurista percebeu que tinha caído na própria cilada, ele respondeu: “Aquele que demonstrou misericórdia para com ele”. E Jesus disse: “Vai e faze do mesmo modo”.
164:1.4 (1810.2) O jurista havia respondido: “Aquele que demonstrou misericórdia”, para abster- se mesmo de pronunciar aquela palavra odiosa: samaritano. O jurista foi forçado a dar, ele próprio, a resposta à pergunta: “Quem é o meu próximo?” Resposta esta que Jesus desejava fosse dada, mas que, se o próprio Jesus tivesse afirmado aquilo, ter-se-ia envolvido diretamente em uma acusação de heresia. Jesus não apenas conseguiu confundir o jurista desonesto, como contou aos seus ouvintes uma história que, ao mesmo tempo significava uma bela advertência a todos os seus seguidores, e também, uma reprovação atordoante para todos os judeus, quanto à atitude deles para com os samaritanos. E essa história tem continuado a estimular o amor fraterno entre todos aqueles que têm acreditado no evangelho de Jesus.
164:2.1 (1810.3) Jesus havia comparecido à Festa de Tabernáculos para poder proclamar o evangelho aos peregrinos de todas as partes do império; e, agora, ele ia à Festa da Dedicação com um único propósito: dar ao sinédrio e aos líderes judeus uma nova oportunidade de ver a luz. O evento principal, daqueles poucos dias em Jerusalém, ocorreu na sexta-feira à noite, na casa de Nicodemos. Lá, reuniram- se uns vinte e cinco líderes judeus que acreditavam nos ensinamentos de Jesus. Nesse grupo estavam quatorze homens que então eram membros do sinédrio, ou recentemente o haviam sido. A esse encontro compareceram Eber, Matadormus e José de Arimatéia.
164:2.2 (1810.4) Nessa ocasião, os ouvintes de Jesus eram todos homens instruídos e, tanto eles quanto os dois apóstolos, ficaram surpresos com a amplitude e a profundidade das observações que o Mestre fez a esse distinto grupo. Desde os tempos em que havia ensinado em Alexandria, em Roma e nas ilhas do Mediterrâneo, Jesus não havia demonstrado tanto saber, nem manifestara uma tal compreensão dos assuntos humanos, tanto seculares quanto religiosos.
164:2.3 (1810.5) Quando essa pequena reunião terminou, todos deixaram o ambiente imbuídos da forte personalidade do Mestre, encantados pelos seus modos graciosos e tomados de afeição e amor por aquele homem. Haviam tentado desaconselhar a Jesus quanto ao seu desejo de conquistar os membros restantes do sinédrio. O Mestre ouviu atentamente, mas em silêncio, a tudo o que foi proposto por eles. E Jesus sabia, muito bem, que nenhum dos planos daquelas pessoas funcionaria. Ele supunha que a maioria dos líderes judeus nunca iria aceitar o evangelho do Reino; contudo, ele proporcionaria ainda a todos uma oportunidade a mais de escolher. Todavia, quando saiu, naquela noite, com Natanael e Tomé, para alojar-se no monte das Oliveiras, Jesus ainda não havia decidido sobre o método que iria adotar a fim de atrair, de novo, a atenção do sinédrio para a sua obra.
164:2.4 (1811.1) Naquela noite, Natanael e Tomé mal dormiram; estavam demasiadamente impressionados com o que haviam ouvido na casa de Nicodemos. Estiveram pensando muito sobre o comentário final de Jesus, a respeito daquela oferta dos membros antigos e atuais do sinédrio, de comparecerem junto com ele, perante os setenta. O Mestre havia dito: “Não, meus irmãos, seria fora de propósito. Vós iríeis multiplicar a ira que recairia sobre as vossas cabeças, mas não iríeis mitigar, em nada, o ódio que eles têm por mim. Ide, todos vós, cuidar dos assuntos do Pai, segundo sois conduzidos pelo espírito, enquanto eu, uma vez mais, atrairei a atenção deles para o Reino, do modo que o meu Pai indicar-me”.
164:3.1 (1811.2) Na manhã seguinte, os três foram até a casa de Marta, em Betânia, tomar o desjejum e, então, seguiram imediatamente para Jerusalém. Nesse sábado, pela manhã, quando se aproximavam do templo, Jesus e os seus dois apóstolos depararam-se com um mendigo muito conhecido, um homem que havia nascido cego, assentado no seu lugar de costume. Embora tais mendigos não pedissem nem recebessem esmolas no dia de sábado, era permitido que ficassem sentados, assim, nos seus lugares de costume. Jesus deteve-se para olhar o mendigo. E, enquanto contemplava esse homem que nascera cego, veio-lhe à mente uma idéia de como, uma vez mais, faria a sua missão na Terra ser notada pelo sinédrio e pelos outros líderes e instrutores judeus.
164:3.2 (1811.3) Enquanto o Mestre permanecia lá, diante do cego, absorto em pensamentos profundos, Natanael, ponderando sobre a causa possível da cegueira desse homem, perguntou: “Mestre, quem cometeu um pecado, este homem ou os seus pais, para que ele nascesse cego?”
164:3.3 (1811.4) Os rabinos ensinavam que todos esses casos de cegueira de nascença eram causados pelo pecado. Não apenas os filhos eram concebidos e nascidos em pecado, mas uma criança podia nascer cega por punição de algum pecado específico cometido pelo seu pai. Eles até mesmo ensinavam que a própria criança poderia pecar antes de nascer para o mundo. Ensinavam também que tais defeitos podiam ser causados por algum pecado ou alguma outra fraqueza da mãe, enquanto trazia em si a criança.
164:3.4 (1811.5) Havia, em todas essas regiões, uma crença vaga na reencarnação. O mais antigo dos instrutores judeus, assim como Platão, Filo e muitos dos essênios toleravam a teoria de que os homens podem colher em uma encarnação o que eles semearam em uma existência anterior; e assim, em uma vida, acreditava-se que eles estivessem expiando os pecados cometidos em vidas precedentes. O Mestre, contudo, achou difícil fazer com que os homens acreditassem que as suas almas não tinham tido existências anteriores.
164:3.5 (1811.6) Entretanto, por mais inconsistente que pudesse parecer, conquanto se supusesse que esse tipo de cegueira fosse resultado do pecado, os judeus sustentavam que era altamente meritório dar esmolas a esses mendigos cegos. Era costume que esses cegos cantassem constantemente para os transeuntes: “Ó, ternos de coração, ganhai méritos ajudando os cegos”.
164:3.6 (1811.7) Jesus empreendeu a discussão desse caso com Natanael e Tomé, não apenas porque já havia decidido usar esse homem cego como um meio para, naquele dia, colocar a sua missão, uma vez mais, de um modo proeminente, sob a atenção dos líderes judeus; mas, também porque ele sempre encorajara seus apóstolos a buscar as causas verdadeiras de todos os fenômenos, naturais ou espirituais. Por várias vezes, ele os havia advertido a evitar a tendência comum de atribuir a causas espirituais os acontecimentos físicos comuns.
164:3.7 (1812.1) Jesus decidiu utilizar esse mendigo nos seus planos para as obras daquele dia, contudo, antes de fazer qualquer coisa pelo homem cego, cujo nome era Josias, ele começou por responder à pergunta de Natanael. Disse o Mestre: “Nem esse homem, nem os seus progenitores cometeram pecado, para que a obra de Deus pudesse manifestar-se nele. Essa cegueira veio a ele pela seqüência natural dos acontecimentos, mas, agora, devemos fazer as obras d’Aquele que me enviou, enquanto ainda é dia, pois a noite certamente virá e será impossível fazer, então, o trabalho que estamos a ponto de realizar. Enquanto ainda estiver aqui, eu sou a luz do mundo, mas dentro de pouco tempo eu não mais estarei convosco”.
164:3.8 (1812.2) Depois de afirmar isso, Jesus disse a Natanael e a Tomé: “Criemos uma visão para esse cego, neste dia de sábado, e assim os escribas e os fariseus poderão ter toda a oportunidade que buscam para poder acusar o Filho do Homem”. E então, inclinando-se para frente, ele cuspiu no chão e misturou a argila com a saliva e, falando de tudo isso para que o cego pudesse ouvi-lo, levantou-se, foi até Josias e colocou a argila sobre os seus olhos sem visão, dizendo: “Vai, meu filho, lava essa argila na piscina de Siloé e receberás, imediatamente, a tua visão”. E, quando Josias lavou-se na piscina de Siloé, ele enxergou e, assim, voltou para os seus amigos e a sua família.
164:3.9 (1812.3) Tendo sempre vivido pedindo esmolas, nada mais sabia fazer; assim, quando passou o primeiro entusiasmo pela criação da sua visão, ele voltou ao seu lugar de costume, onde havia sempre sido um esmoler. Quando os seus amigos, vizinhos e todos aqueles que o conheciam desde antes, perceberam que ele podia ver, disseram todos: “Este é mesmo Josias, o cego mendigo?” Alguns afirmaram que era ele mesmo, enquanto outros disseram: “Não, é alguém que se parece com ele, pois este homem pode ver”. E, quando perguntaram ao próprio homem, ele respondeu: “Sou ele”.
164:3.10 (1812.4) Quando todos passaram a indagar como se tornara capaz de enxergar, ele respondeu- lhes: “Um homem chamado Jesus passou por aqui e, enquanto falava de mim aos seus amigos, misturou argila com sua saliva, ungiu os meus olhos e orientou-me para que fosse lavar-me na piscina de Siloé. Eu fiz o que esse homem mandou e, imediatamente, recebi a minha visão. E isso só aconteceu há poucas horas. Eu não sei ainda o que significa grande parte do que vejo”. E o povo, começando a ajuntar em volta dele, perguntou onde eles podiam encontrar o estranho homem que o tinha curado; e, então, Josias apenas pôde responder que não sabia.
164:3.11 (1812.5) Esse é um dos mais estranhos, entre todos os milagres do Mestre. O homem não pedira para ser curado. Ele não sabia que o Jesus que o havia mandado ir lavar-se em Siloé, prometendo-lhe a sua visão, era o profeta da Galiléia, o mesmo que pregara em Jerusalém durante a Festa de Tabernáculos. Esse homem possuía pouca fé de que receberia a visão; contudo, o povo daquela época tinha grande fé na eficácia da saliva de um homem santo ou de um grande homem; e, pela conversa de Jesus com Natanael e Tomé, Josias havia concluído que o seu possível benfeitor devia ser um grande homem, um instrutor sábio ou um profeta sagrado; e, por isso, ele procedeu como Jesus lhe havia ordenado.
164:3.12 (1812.6) Jesus utilizou a argila e a saliva e mandou-o lavar-se na piscina simbólica de Siloé por três razões:
164:3.13 (1812.7) 1. Esse milagre não vinha em resposta à fé individual. Era um prodígio que Jesus escolhera realizar, com um propósito escolhido por ele próprio; mas havia preparado tudo de tal forma que esse homem pudesse receber dele um benefício duradouro.
164:3.14 (1813.1) 2. Como o cego não havia solicitado a cura, e, posto que a sua fé era fraca, esses atos materiais foram sugeridos a ele com o propósito de encorajá-lo. Ele acreditaria na superstição da eficácia da saliva, e sabia que a piscina de Siloé era um local semi-sagrado. Mas, dificilmente, ele teria ido lá, caso não tivesse sido necessário lavar a argila para retirar a unção. Havia um cerimonial, em todo esse procedimento, suficiente para induzi-lo a agir.
164:3.15 (1813.2) 3. Entretanto, Jesus tinha um terceiro motivo para recorrer a tais meios materiais para essa transação única. Tratava-se de um milagre feito puramente em obediência à sua própria decisão e, por meio de tal feito, ele desejava ensinar aos seus seguidores, daquela época e de todas as idades subseqüentes, que deixassem de desprezar e negligenciar os meios materiais para a cura dos doentes. E queria mostrar-lhes que deviam cessar de considerar os milagres como o único método de curar as doenças humanas.
164:3.16 (1813.3) Jesus deu a visão a esse homem, por meio de uma ação milagrosa, nessa manhã de sábado em Jerusalém, perto do templo, com o propósito primordial de fazer desse ato um desafio aberto ao sinédrio e a todos os instrutores e líderes religiosos judeus. Foi esse o seu modo de proclamar uma ruptura aberta com os fariseus. Em tudo o que fazia, Jesus era sempre positivo. E, com o propósito de apresentar essas questões perante o sinédrio, foi que Jesus trouxe os seus dois apóstolos até esse homem, nesse dia de sábado, pela manhã, provocando deliberadamente as discussões que obrigaram os fariseus a notar o milagre.
164:4.1 (1813.4) No meio da tarde, a cura de Josias havia levantado em torno do templo uma discussão tal que os líderes do sinédrio decidiram convocar o conselho, no mesmo lugar da reunião habitual no templo. E, ao fazerem isso, eles violavam uma regra estabelecida que proibia a reunião do sinédrio no dia de sábado. Jesus sabia que a violação do sábado seria uma das acusações principais contra ele, a ser feita no momento da prova final, e ele desejava ser levado diante do sinédrio, para o julgamento da incriminação de ter curado um homem cego no sábado, no exato momento em que a alta corte judaica, reunida para julgá-lo por esse ato de misericórdia, estivesse deliberando sobre essas questões, no mesmo sábado, e em violação direta da própria lei auto-imposta por eles.
164:4.2 (1813.5) Entretanto não chamaram Jesus para apresentar-se diante deles, temiam fazê-lo. Em vez disso, mandaram que trouxessem Josias, sem demora. Após algumas perguntas preliminares, o porta-voz do sinédrio (com a presença de cerca de cinqüenta membros) ordenou a Josias que contasse a eles o que lhe havia acontecido. Desde a sua cura, naquela manhã, Josias andara sabendo, por meio de Tomé, Natanael e outros, que os fariseus encontravam-se irritados com a sua cura no sábado e que, provavelmente, causariam dificuldades a todos os envolvidos; mas Josias ainda não havia percebido que Jesus era aquele a quem chamavam de Libertador. E assim, quando os fariseus o interrogaram, ele disse: “Esse homem aproximou-se, colocou argila sobre os meus olhos, disse-me para ir lavar-me em Siloé e, agora, eu enxergo”.
164:4.3 (1813.6) Um dos fariseus mais velhos, depois de fazer um longo discurso, disse: “Esse homem não pode vir de Deus, porque ele não observa o dia de sábado, como podeis ver. Ele viola a lei, primeiro, ao preparar a argila e, depois, ao mandar esse mendigo lavar-se em Siloé, no sábado. Um homem assim não pode ser um instrutor enviado por Deus”.
164:4.4 (1813.7) Então, um dos fariseus mais jovens, que secretamente cria em Jesus, disse: “Se esse homem não é enviado por Deus, como pode fazer essas coisas? Sabemos que alguém que é um pecador comum não é capaz de realizar tais milagres. Todos nós conhecemos esse mendigo e sabemos que nasceu cego; e agora ele vê. Acaso ainda ireis dizer que esse profeta faz todos esses prodígios com o poder do príncipe dos demônios?” E, para cada fariseu que ousava acusar e denunciar Jesus, outro se levantava com perguntas embaraçosas e desconcertantes; e de um modo tal que uma divisão séria surgiu entre eles. O presidente percebeu como se desviava a assembléia e, a fim de moderar a discussão, dispôs-se a fazer novas perguntas ao próprio homem. Voltando-se para Josias, ele indagou: “O que tens a dizer sobre esse homem, esse Jesus, que tu dizes ter aberto os teus olhos?” E Josias respondeu: “Eu penso que ele é um profeta”.
164:4.5 (1814.1) Os líderes estavam bastante perturbados e, não sabendo mais o que fazer, decidiram buscar os pais de Josias, para saber deles se tinha de fato nascido cego. Relutavam em acreditar que o mendigo houvesse sido curado.
164:4.6 (1814.2) Era sabido, em toda a Jerusalém, não apenas que a Jesus havia sido negada a entrada em todas as sinagogas, mas também que todos aqueles que cressem nos seus ensinamentos seriam, do mesmo modo, expulsos da sinagoga e excomungados da congregação de Israel; e isso significava a privação dos direitos e privilégios, de toda espécie, em todo o mundo judeu, exceto o direito de comprar o necessário para viver.
164:4.7 (1814.3) E, sendo assim, os pais de Josias, almas pobres e sobrecarregadas pelo temor, apareceram diante do augusto sinédrio; e ficaram com medo de falar abertamente. Disse o porta-voz do tribunal: “É este o vosso filho? E estamos certos ao entender que ele nasceu cego? Se isso for verdade, como é que agora ele pode ver?” E, então, o pai de Josias, secundado pela sua mãe, respondeu: “Sabemos que este é o nosso filho e que ele nasceu cego, mas, como é que ele veio a enxergar ou quem foi que abriu os olhos dele, não sabemos. Perguntem a ele; pois ele é maior de idade. Deixem que ele fale por si”.
164:4.8 (1814.4) E agora pela segunda vez eles convocavam Josias perante o conselho. E não estavam indo bem, no seu esquema de manter a formalidade do julgamento; alguns deles começavam a não se sentir confortáveis fazendo isso no sábado, e, desse modo, quando convocaram Josias novamente, tentaram enganá-lo com um tipo diferente de insinuação. O secretário do tribunal dirigiu-se ao ex-cego, dizendo: “Por que não atribuir a Deus a glória disso? Por que tu não nos dizes toda a verdade sobre o que aconteceu? Todos nós sabemos que esse homem é um pecador. Por que tu te negas a discernir a verdade? Bem sabes que tu e esse homem são culpados de violar o sábado. Por que tu não expias o teu pecado reconhecendo Deus como quem te curou, se é que ainda afirmas que os teus olhos foram abertos mesmo neste dia de hoje?”
164:4.9 (1814.5) Josias, todavia, não era estúpido e até possuía algum senso de humor; e, assim sendo, redargüiu ao secretário do tribunal: “Se esse homem é um pecador, eu não sei; mas, de uma coisa eu sei — é que, se antes eu era um cego, agora eu vejo”. E já que eles não conseguiam enganar Josias, eles procuraram saber outras coisas mais, e perguntaram: “Como foi mesmo que ele abriu os teus olhos? O que ele fez de fato em ti? O que ele te disse? Ele te pediu para que cresses nele?”
164:4.10 (1814.6) Josias, um tanto impaciente, respondeu: “Eu já vos disse exatamente como tudo aconteceu e, se os senhores não acreditaram no meu testemunho, por que ouviríeis tudo de novo? Acaso também estais querendo ser discípulos dele?” Quando Josias disse isso, o sinédrio irrompeu em confusão, quase em violência, pois os líderes avançaram sobre Josias, exclamando furiosamente: “Tu podes falar como sendo discípulo desse homem, mas nós somos discípulos de Moisés, somos instrutores das leis de Deus. Sabemos que Deus falou por intermédio de Moisés, mas, quanto a esse Jesus, não sabemos de onde ele vem”.
164:4.11 (1814.7) E, então, Josias, colocando-se de pé em um tamborete e, para todos aqueles que puderam ouvir, berrou abertamente estas palavras: “Escutai com atenção, todos vós, que pretendeis ser instrutores de todo o Israel, enquanto eu vos declaro que estamos diante de uma verdadeira maravilha, pois confessais que não sabeis de onde vem esse homem e, ainda assim, sabeis, com toda segurança, pelo testemunho que acabastes de ouvir, que ele abriu os meus olhos. Todos nós sabemos que Deus não faz essas obras por meio dos ímpios; que Deus só faria uma coisa dessas a pedido de um verdadeiro adorador — aquele que é santo e correto. Vós sabeis, desde o princípio do mundo, que nunca ouviu-se falar de terem aberto os olhos de um homem que nasceu cego. E então, olhai, todos vós, para mim, e compreendei, pois, o que foi feito no dia de hoje, em Jerusalém! Eu digo a todos vós, caso esse homem não tivesse vindo de Deus, ele não poderia ter feito nada disso”. E, enquanto saíam, os membros do sinédrio, cheios de raiva e em confusão, gritaram para ele: “Tu nasceste totalmente em pecado, e agora presumes ensinar a nós? Talvez nem cego realmente nasceste e, ainda que os teus olhos tenham sido abertos em um dia de sábado, isso foi feito com o poder do príncipe dos demônios”. E dirigiram-se imediatamente à sinagoga para expulsar Josias.
164:4.12 (1815.1) No início do seu julgamento, Josias tinha poucas idéias sobre Jesus e a natureza da sua cura. A maior parte desse testemunho ousado, que, de um modo tão inteligente e corajoso, ele deu perante esse tribunal supremo de todo o Israel, surgiu na sua mente enquanto o julgamento tomava aquele sentido mais injusto e pouco equânime.
164:5.1 (1815.2) Acontecia essa sessão do sinédrio, que violava a comemoração do sabat, em uma das câmaras do templo; enquanto isso, bem ali perto, Jesus estava à mão ensinando ao povo, no Pórtico de Salomão, esperando que fosse convocado perante o sinédrio, quando poderia contar a todos as boas-novas da liberdade e do júbilo da filiação divina ao Reino de Deus. Mas eles continuavam temerosos de mandar chamá-lo. Sempre se sentiam desconcertados com essas súbitas aparições públicas de Jesus, em Jerusalém. A ocasião exata que eles próprios buscavam tão ardentemente, Jesus agora lhes proporcionava, mas temiam trazê-lo tendo o próprio sinédrio como testemunha e, muito mais ainda, temiam prendê-lo.
164:5.2 (1815.3) Jerusalém estava na metade do inverno e o povo buscava o abrigo parcial no Pórtico de Salomão; e, como Jesus permanecia ali, as multidões fizeram a ele muitas perguntas; e ele ensinou a todos, por mais de duas horas. Alguns dos instrutores judeus tentaram fazê-lo cair publicamente em uma cilada, perguntando- lhe: “Por quanto tempo nos manterá na incerteza? Se és o Messias, por que não nos comunicas claramente?” Jesus disse: “Eu já vos falei de mim e do meu Pai, muitas vezes, mas vós não quereis crer em mim. Será que não podeis ver que as obras que faço, em nome do meu Pai, dão um testemunho de mim? Mas muitos de vós não credes, porque não pertenceis ao meu rebanho. O instrutor da verdade atrai apenas aqueles que têm fome da verdade e que têm sede de retidão. As minhas ovelhas ouvem a minha voz e eu as conheço e elas me seguem. E a todos que seguem os meus ensinamentos, eu dou a vida eterna; eles nunca perecerão, e ninguém arrebatá-los-á das minhas mãos. Meu Pai, que me deu esses filhos, é O maior de todos e, pois, ninguém arrebatá-los-á da mão do meu Pai. O Pai e eu somos Um”. Alguns dos judeus descrentes acorreram ao local onde ainda construíam o templo para apanharem pedras e atirá-las em Jesus, mas os crentes impediram-nos.
164:5.3 (1815.4) Jesus continuou o seu ensinamento: “Muitas obras eu vos mostrei, provenientes do amor do Pai; e agora eu queria perguntar-vos: Por qual dessas boas obras pensais apedrejar-me?” E, então, um dos fariseus respondeu: “Por nenhuma obra boa gostaríamos de apedrejar-te, mas por blasfêmia, porque tu, sendo um homem, ousas fazer-te igual a Deus”. E Jesus respondeu: “Vós acusais o Filho do Homem de blasfêmia, porque vos negastes a crer em mim quando eu declarei que sou enviado por Deus. Se não faço as obras de Deus, não creiais em mim, mas, se eu faço as obras de Deus, ainda que não creiais em mim, penso que vós deveríeis crer nas obras. Mas, para que fiqueis seguros daquilo que proclamo, eu afirmo novamente que o Pai está em mim e que estou no Pai e que, assim como o Pai reside em mim, eu também irei residir em todos que crerem neste evangelho”. E, quando o povo ouviu essas palavras, muitos deles correram para pegar pedras e atirar nele; mas Jesus saiu dos recintos do templo, e, encontrando Natanael e Tomé, que haviam assistido à sessão do sinédrio, esperou junto com eles, perto do templo, até que Josias viesse da câmara do conselho.
164:5.4 (1816.1) Jesus e os dois apóstolos só foram procurar Josias na casa dele quando souberam que ele havia sido expulso da sinagoga. Quando chegaram lá, Tomé chamou-o para o pátio e Jesus disse: “Josias, tu crês no Filho de Deus?” E Josias respondeu: “Dize-me quem ele é, para que eu possa crer nele”. E Jesus disse: “Tu já o viste e já o ouviste, e ele é este que agora fala contigo”. E Josias disse: “Senhor, eu creio”; e, caindo de joelhos, ele adorou-o.
164:5.5 (1816.2) Quando Josias caiu em si quanto a ter sido expulso da sinagoga, a princípio ficou bastante abatido, mas se animou muito ao ouvir o convite de Jesus para acompanhá-los imediatamente até o acampamento em Pela. Esse homem de mente simples, de Jerusalém, de fato havia sido expulso de uma sinagoga judaica; mas eis que o Criador de um universo, agora, levava-o para colocá-lo ao lado da nobreza espiritual daquela época e daquela geração.
164:5.6 (1816.3) E agora Jesus deixava Jerusalém, para não mais retornar, até pouco antes do momento em que se prepararia para deixar este mundo. O Mestre retornou a Pela, com Josias e com os dois apóstolos. E Josias demonstrou ser um daqueles que deram muitos frutos, depois de receber a ministração miraculosa do Mestre; pois ele converteu-se, pelo resto da sua vida, em um pregador do evangelho do Reino.
O Livro de Urântia
Documento 165
165:0.1 (1817.1) NA TERÇA-FEIRA, 3 de janeiro do ano 30 d.C., Abner, o dirigente nazareno dos doze apóstolos de João Batista, e antigo diretor da escola nazarena de Engedi, agora dirigente dos setenta mensageiros do Reino, reuniu os condiscípulos e deu-lhes a instrução final, antes de enviá-los em missão a todas as cidades e aldeias da Peréia. Essa missão pereiana continuou por quase três meses e foi a última ministração do Mestre. Depois desses trabalhos, Jesus foi diretamente a Jerusalém, para passar pelas suas experiências finais na carne. Os setenta trabalharam, suplementados pelas atuações periódicas de Jesus e dos doze apóstolos, nas seguintes cidades e vilas: Zafom, Gadara, Macad, Arbela, Ramath, Edrei, Bosora, Caspim, Mispeh, Gerasa, Ragaba, Sucot, Amatus, Adam, Penuel, Capitólias, Dion, Hatita, Gada, Filadélfia, Jogbeá, Gilead, Bete-Nimra, Tiro, Elealá, Lívias, Esbom, Caliroé, Bete-Peor, Chitim, Sibmá, Medeba, Bete-Meom, Areópolis e Aroer; e atuaram também em cerca de outras cinqüenta, ou mais, localidades.
165:0.2 (1817.2) Durante essa viagem à Peréia o corpo de mulheres, agora contando com sessenta e duas integrantes, tomou a si a maior parte do trabalho da ministração aos doentes. Esse foi o período final do desenvolvimento dos aspectos mais elevados do evangelho do Reino e, em conformidade com isso, nenhum milagre foi realizado. Nenhuma outra parte da Palestina foi trabalhada tão completamente pelos apóstolos e discípulos de Jesus, e, em nenhuma outra região, as classes mais altas de cidadãos aceitaram tão amplamente o ensinamento do Mestre.
165:0.3 (1817.3) Nessa época, a Peréia pertencia igualmente a gentios e judeus, e estes últimos haviam sido deslocados dessas regiões durante a época de Judas Macabeus. A Peréia era a mais bela e pitoresca província de toda a Palestina. Os judeus geralmente referiam-se a ela como “a terra de além Jordão”.
165:0.4 (1817.4) Durante esse período Jesus dividiu o seu tempo entre o acampamento em Pela e as viagens, com os doze, para ajudar aos setenta nas várias cidades onde ensinavam e pregavam. Sob as instruções de Abner, os setenta batizaram todos crentes, embora Jesus não lhes houvesse entregue uma missão como essa.
165:1.1 (1817.5) Em meados de janeiro, mais de mil e duzentas pessoas estiveram reunidas em Pela e, enquanto esteve morando no acampamento, Jesus ensinava a essa multidão ao menos uma vez por dia; em geral ele falava às nove horas da manhã, se não fosse impedido pela chuva. Pedro e os outros apóstolos ensinavam sempre à tarde. Jesus reservava as noites para as habituais sessões de perguntas e respostas com os doze e outros discípulos mais adiantados. Os grupos da noite eram compostos de cinqüenta pessoas em média.
165:1.2 (1817.6) Por volta de meados de março, quando Jesus começou essa sua viagem a Jerusalém, mais de quatro mil pessoas compunham a grande audiência que ouvia Jesus ou Pedro pregando todas as manhãs. O Mestre escolheu terminar a sua obra na Terra quando o interesse pela sua mensagem tivesse alcançado um ponto alto, o apogeu mesmo, atingido nessa segunda fase de progresso do Reino, desprovida de milagres. Se bem que três quartos da multidão fossem de buscadores da verdade, havia também um grande número de fariseus de Jerusalém e de outros lugares, além de muitos incrédulos ou meros opositores.
165:1.3 (1818.1) Jesus e os doze apóstolos devotaram grande parte do seu tempo à multidão reunida no acampamento de Pela. Os doze davam pouca ou nenhuma atenção ao trabalho do acampamento; e saíam com Jesus apenas de tempos em tempos, para visitar Abner e os outros condiscípulos. Abner conhecia bem os distritos pereianos, pois esse era o setor em que o seu mestre anterior, João Batista, havia erigido a maior parte da sua obra. Depois de começar a missão na Peréia, Abner e os setenta nunca retornaram ao acampamento de Pela.
165:2.1 (1818.2) Um grupo de mais de trezentos habitantes de Jerusalém, de fariseus e outros, seguiu Jesus até o norte de Pela, quando ele tratou de sair da jurisdição dos governantes judeus, ao final da Festa da Dedicação; e foi na presença desses instrutores, de líderes judeus e dos doze apóstolos, que Jesus fez o sermão sobre o “Bom Pastor”. Depois de meia hora de conversa informal, dirigindo-se a um grupo de cerca de cem pessoas, Jesus disse:
165:2.2 (1818.3) “Tenho muito para falar-vos nesta noite e, visto que muitos de vós sois meus discípulos, e outros, meus inimigos mordazes, irei apresentar o meu ensinamento por meio de uma parábola, de modo que cada um possa tirar, para si próprio, aquilo que for mais bem recebido pelo seu coração.
165:2.3 (1818.4) “Nesta noite e diante de todos nós, estão muitos daqueles que se disporiam a morrer por mim e por este evangelho do Reino e muitos deles oferecer-se-ão desse modo, nos anos que virão; em meio a vós, estão também alguns escravos da tradição, que me seguiram desde Jerusalém e que, junto com os seus líderes iludidos, estando nas trevas, tentam matar o Filho do Homem. A vida, que ora vivo na carne, julgar-vos-á a todos, os verdadeiros pastores e os pastores falsos. Se os pastores falsos fossem cegos, não teriam nenhum pecado; no entanto, como afirmais ver e professais ser instrutores em Israel, o vosso pecado, assim, recairá sobre vós.
165:2.4 (1818.5) “O verdadeiro pastor reúne seu rebanho no abrigo, à noite, em tempos de perigo. E, quando chega a manhã, ele entra no abrigo pela porta e chama as ovelhas e,assim, elas conhecem a sua voz. Todo pastor que tem entrada no curral por qualquer outro meio que não seja pela porta é um ladrão e um saqueador. O pastor verdadeiro só entra no abrigo depois que o porteiro lhe abriu a porta e suas ovelhas, conhecendo a sua voz, vêm, atendendo ao seu chamado; as ovelhas que lhe pertencem, assim, se adiantam, e o pastor verdadeiro vai à frente delas, mostrando-lhes o caminho e as ovelhas o seguem. As ovelhas seguem-no porque conhecem a sua voz; elas não seguiriam a um estranho. E fugirão do estranho porque não reconhecem sua voz. Essa multidão de pessoas, que se reúne em torno de nós, é como ovelhas sem um pastor, e, pois, quando lhes falamos, elas identificam a voz de pastor e nos seguem; aquelas que têm fome da verdade e que têm sede de retidão, ao menos, o fazem. Alguns de vós não sois do meu aprisco; não conheceis a minha voz; e não me seguis. E, porque sois falsos pastores, as ovelhas não conhecem a vossa voz nem vos seguirão”.
165:2.5 (1819.1) E, quando Jesus acabou de narrar essa parábola, ninguém lhe fez nenhuma pergunta. Após um certo tempo ele retomou a palavra e continuou com a análise da parábola:
165:2.6 (1819.2) “Vós, que gostaríeis de ser os pastores auxiliares dos rebanhos do meu Pai, deveis, não apenas ser líderes condignos, mas deveis também alimentar o rebanho com um bom alimento; só sereis pastores verdadeiros se conduzirdes os vossos rebanhos a pastos verdejantes e à beira de águas tranqüilas.
165:2.7 (1819.3) “E, agora, para que alguns de vós não julgueis que essa parábola é muito fácil de compreender, eu vos declaro que sou as duas coisas, tanto sou a porta para o rebanho do Pai, quanto, ao mesmo tempo, sou o verdadeiro pastor dos rebanhos do meu Pai. Todo pastor que tentar entrar no abrigo sem mim irá fracassar e as ovelhas não ouvirão a voz dele. E, junto com aqueles que ministram comigo, eu estou à porta. Toda alma que entrar no caminho eterno, pelos meios que eu criei e ordenei, será salva e tornar-se-á capaz de continuar o caminho pelos pastos eternos até o Paraíso.
165:2.8 (1819.4) “Sou também o verdadeiro pastor que está disposto a dar a sua vida pelas ovelhas. O ladrão entra no abrigo apenas para roubar, para matar e destruir; mas eu vim para que todos vós possais ter a vida, e tê-la mais abundantemente. Aquele que é um mercenário, quando chega o perigo, fugirá e deixará as ovelhas serem dispersadas e destruídas; mas o verdadeiro pastor não fugirá quando o lobo vier; ele protegerá o seu rebanho e, se necessário, dará a própria vida pelas suas ovelhas. Em verdade, em verdade, vos digo, amigos e inimigos, eu sou o verdadeiro pastor; conheço os meus e os meus me conhecem. Não fugirei em face do perigo. Concluirei esta obra satisfazendo a vontade do meu Pai, e não abandonarei o rebanho que o Pai confiou à minha guarda.
165:2.9 (1819.5) “Todavia, possuo muitas outras ovelhas que não são deste aprisco; e essas palavras são verdadeiras não apenas para este mundo. Essas outras ovelhas também conhecem e ouvem a minha voz; assim, prometi ao Pai que todas seriam trazidas ao mesmo aprisco, que é a fraternidade dos filhos de Deus. E então todos vós conhecereis a voz do único pastor, o verdadeiro pastor, e todos reconhecereis a paternidade de Deus.
165:2.10 (1819.6) “E assim sabereis por que o Pai me ama e por que colocou todos os seus rebanhos desse domínio nas minhas mãos, para que eu os guarde; é porque o Pai sabe que não vacilarei na salvaguarda do aprisco, que não abandonarei as minhas ovelhas e, se for necessário, não hesitarei em colocar a minha própria vida a serviço dos seus múltiplos rebanhos. Mas, lembrai-vos, se der a minha vida, eu a terei de volta. Nenhum homem, ou qualquer outra criatura pode tirar a minha vida. Eu tenho o direito e o poder de dar a minha vida, e tenho o mesmo poder e direito de tê-la de novo. Vós não podeis compreender isso, mas eu recebi essa autoridade do meu Pai antes mesmo de que este mundo existisse”.
165:2.11 (1819.7) Quando ouviram essas palavras, seus apóstolos ficaram confusos, seus discípulos, atônitos; enquanto os fariseus de Jerusalém e arredores partiram na noite dizendo: “Ele é louco ou está possuído por um demônio”. Mas mesmo alguns dos instrutores de Jerusalém disseram: “Ele fala como quem tem autoridade; e, além disso, quem viu alguma vez um possuído pelo demônio abrir os olhos de um homem que nasceu cego e fazer todas as coisas maravilhosas que este homem tem feito?”
165:2.12 (1819.8) No dia seguinte, metade desses instrutores judeus professava a sua crença em Jesus, e a outra metade, consternada, retornou aos seus lares em Jerusalém.
165:3.1 (1819.9) Ao fim de janeiro as multidões de sábado à tarde chegavam a quase três mil pessoas. No sábado, 28 de janeiro, Jesus pregou o seu sermão memorável sobre “A Confiança e a Prontidão Espiritual”. Depois das observações preliminares de Simão Pedro, o Mestre disse:
165:3.2 (1820.1) “O que eu tenho dito muitas vezes aos meus apóstolos e discípulos, eu declaro agora a esta multidão: Cuidado com o levedo dos fariseus, feito na hipocrisia, nascido do preconceito e nutrido na serventia à tradição, embora muitos dos fariseus sejam honestos de coração e alguns deles aqui permaneçam como discípulos meus. Em breve todos vós ireis compreender meu ensinamento, pois nada do que está encoberto agora deixará de ser revelado. O que agora está escondido para vós deverá ser conhecido quando o Filho do Homem houver completado sua missão na Terra e na carne.
165:3.3 (1820.2) “Muito em breve, as coisas que os nossos inimigos planejam agora, em segredo e na obscuridade, serão trazidas à luz e proclamadas de cima dos telhados. Meus amigos, todavia vos digo: não temais àqueles que buscam destruir o Filho do Homem. Não temais àqueles que, embora possam ser capazes de destruir o vosso corpo, nenhum poder têm sobre vós, além desse. Eu vos aconselho que não temais ninguém, nem no céu nem na Terra, mas que vos rejubileis com o conhecimento Dele, que tem o poder de libertar-vos de toda a injustiça e de apresentar sem culpa, a todos vós, diante do tribunal de um universo.
165:3.4 (1820.3) “Não se vendem cinco pardais por dois cêntimos? E ainda, quando esses pássaros adejam à procura do seu sustento, nenhum deles existe sem o reconhecimento do Pai, a fonte de toda vida. Para os guardiães seráficos, os próprios cabelos da vossa cabeça estão contados. E se tudo isso é verdade, por que deveis viver com medo de tantas pequenezas que surgem na vossa vida diária? Eu vos digo: Não temais; sois de um valor muito maior do que uma grande quantidade de pardais.
165:3.5 (1820.4) “Vós, que tivestes coragem diante dos homens, para confessar a fé no meu evangelho, eu vos reconhecerei, em breve, diante dos anjos do céu; mas aquele que negar conscientemente a verdade dos meus ensinamentos, diante dos homens, será negado pelo seu guardião do destino até mesmo perante os anjos do céu.
165:3.6 (1820.5) “Não importa o que disserdes sobre o Filho do Homem, isso vos será perdoado; mas aquele que presume blasfemar contra Deus dificilmente encontrará o perdão. Quando os homens chegam ao ponto extremo de atribuir deliberadamente os feitos de Deus às forças do mal, esses rebeldes conscientes dificilmente buscarão o perdão para seus pecados.
165:3.7 (1820.6) “E, quando os vossos inimigos vos levarem diante dos governantes das sinagogas e outras altas autoridades, não preocupeis com o que devereis dizer nem vos inquieteis quanto à maneira pela qual devereis responder às perguntas deles, pois o espírito que reside dentro de vós certamente vos ensinará, no exato momento, sobre o que devereis dizer em honra ao evangelho do Reino.
165:3.8 (1820.7) “Por quanto tempo vos detereis no vale da indecisão? Por que vacilais entre duas opiniões? Por que deveria um judeu ou um gentio hesitar em aceitar a boa-nova de que ele é um filho do Deus eterno? Quanto tempo demorará até que consigamos persuadir-vos de que deveis aceitar com júbilo a vossa herança espiritual? Eu vim a este mundo para revelar o Pai a vós e para conduzir-vos ao Pai. A primeira parte eu já fiz, mas a segunda não posso fazer sem o vosso consentimento; o Pai nunca obriga nenhum homem a entrar no Reino. O convite sempre tem sido e sempre será: Àquele que quiser, que venha e que participe livremente da água da vida”.
165:3.9 (1820.8) Quando Jesus terminou de falar, muitos saíram para ser batizados pelos apóstolos no Jordão, enquanto Jesus ouvia às perguntas daqueles que ficaram com ele.
165:4.1 (1821.1) Enquanto os apóstolos batizavam os crentes, o Mestre falava àqueles que tinham ficado. E um certo jovem disse a ele: “Mestre, o meu pai morreu deixando muitas propriedades para mim e para o meu irmão, mas o meu irmão recusa-se a me dar o que é meu. Poderias, então, pedir ao meu irmão que divida essa herança comigo?” Jesus ficou compassivamente indignado por esse jovem de mente materialista ter trazido à discussão uma questão de negócios; mas continuou a usar a ocasião para ministrar outras instruções. Disse Jesus: “Homem, quem me encarregou de repartir as vossas coisas? De onde foi que tiraste a idéia de que eu dou atenção aos assuntos materiais deste mundo?” E então, voltando-se para todos que estavam em torno de si, ele disse: “Tende cuidado, mantendo-vos afastados da cobiça; a vida de um homem não consiste da abundância das coisas que ele possa possuir. A felicidade não vem do poder da fortuna, nem a alegria brota de riquezas. A fortuna, em si mesma, não é uma maldição; mas o amor pelas riquezas, muitas vezes, conduz a uma tal devoção às coisas deste mundo, que a alma se torna cega para as belas atrações das realidades espirituais do Reino de Deus na Terra, e para as alegrias da vida eterna no céu.
165:4.2 (1821.2) “Vou contar-lhes a história de um certo homem rico cuja terra produzia com abundância; assim, quando se tornou muito rico, começou a pensar com os seus botões, dizendo para si: ‘O que farei com todas as minhas riquezas? Agora, possuo tanto que não tenho nem lugar onde colocar a minha fortuna’. E depois de meditar sobre esse problema, disse: ‘Farei o seguinte: derrubarei meus silos e construirei outros maiores, e assim terei espaço suficiente para estocar os meus frutos e mercadorias. Então poderei dizer à minha alma: alma, tu tens bastante fortuna acumulada para muitos anos; descansa agora; come, bebe e regozija-te, pois és rica e os teus bens só aumentam’.
165:4.3 (1821.3) “Esse homem rico, entretanto, era também um tolo. De tanto prover os bens materiais para a sua mente e o seu corpo, ele deixara de acumular tesouros no céu para a satisfação do espírito e salvação da sua alma. E, assim, não chegaria a desfrutar do prazer de consumir as suas riquezas acumuladas, pois naquela mesma noite a sua alma lhe foi pedida. Naquela noite bandidos invadiram sua casa para matá-lo e, após saquear os seus armazéns, queimaram o que restou. E quanto às propriedades que escaparam dos ladrões, os seus herdeiros brigaram por elas. Esse homem armazenou tesouros para si próprio na Terra, mas não era rico perante Deus”.
165:4.4 (1821.4) Jesus tratou desse modo àquele jovem e à sua herança, porque sabia que o seu problema era a cobiça. E, ainda que não tivesse sido esse o caso, o Mestre não teria interferido, pois nunca se intrometia com os assuntos temporais, nem mesmo com os dos seus apóstolos, e menos ainda com os dos seus discípulos.
165:4.5 (1821.5) Quando Jesus terminou a sua história, outro homem levantou-se e perguntou a ele: “Mestre, sei que os teus apóstolos venderam as suas posses terrenas para seguir-te, e que eles têm todas as coisas em comum como têm os essênios; e gostarias tu que todos nós, que somos os teus discípulos, fizéssemos o mesmo? É um pecado possuir bens honestos?” Assim respondeu Jesus a esta pergunta: “Meu amigo, não é um pecado ter riquezas honradamente; todavia é um pecado transformar as riquezas de posses materiais em tesouros capazes de absorver teu interesse desviando toda a tua afeição da devoção das buscas espirituais do Reino. Não há pecado em ter posses honestas na Terra, desde que teu tesouro esteja no céu, pois onde está o teu tesouro lá também estará o teu coração. Há uma grande diferença entre a riqueza que leva à cobiça e egoísmo, e aquela que é mantida e repartida, no espírito da camaradagem, por aqueles que têm, em abundância, bens deste mundo, e bondosamente contribuem para sustentar os que devotam todas as suas energias ao trabalho do Reino. Muitos dentre vós, que estais aqui sem dinheiro, pudestes ser alimentados e alojados, nesta cidade de tendas, porque homens e mulheres generosos e de posses deram fundos ao vosso anfitrião, Davi Zebedeu, com essa finalidade.
165:4.6 (1822.1) “Mas nunca esqueçais, além de tudo, de que a riqueza não é duradoura. O amor pela riqueza, muito freqüentemente, obscurece e até mesmo destrói a visão espiritual. Nunca deixeis de reconhecer o perigo de que a riqueza se converta na vossa dona, em vez de converter-se na vossa serva”.
165:4.7 (1822.2) Jesus não ensinou nem apoiou a imprevidência, a ociosidade, a indiferença em cuidar das necessidades físicas da própria família, nem a dependência de esmolas. Mas ensinou que o material e o temporal devem estar subordinados ao bem-estar da alma e ao progresso de natureza espiritual no Reino do céu.
165:4.8 (1822.3) Então, enquanto o povo descia até o rio para presenciar os batismos, aquele jovem viera, em particular, até Jesus, para falar da sua herança, pois achava que Jesus o havia tratado duramente; e, depois de tê-lo ouvido de novo, Jesus respondeu: “Meu filho, porque perdes a oportunidade de alimentar-te do pão da vida em um dia como este, apenas para satisfazer a tua tendência à cobiça? Acaso não sabes que a lei judaica da herança será ministrada com justiça, se fores com a tua queixa ao tribunal da sinagoga? Não podes ver que o meu trabalho consiste em assegurar-me de que saibas sobre a tua herança celeste? Não leste as escrituras: ‘Há aquele que fica rico por precaução e por muitas privações, e a parte da recompensa que lhe cabe é que ele possa dizer: encontrei descanso e agora poderei comer continuamente com os meus bens. Ainda assim, todavia, ele não sabe o que o tempo lhe reserva nem que, também, deve deixar todas essas coisas para outros quando morrer’. Não leste o mandamento: ‘Não cobiçarás’. E ainda: ‘Eles comeram e se fartaram e engordaram, e então se voltaram para outros deuses’. Acaso leste nos Salmos que ‘o Senhor abomina aqueles que cobiçam’, e que ‘o pouco que um homem reto tem é melhor do que as riquezas de muitos malvados’. ‘Se as riquezas aumentam, não ponhais o vosso coração nelas’. Leste o que Jeremias disse: ‘Que o homem rico não se vanglorie das suas riquezas’; e Ezequiel falou a verdade quando disse: ‘Das suas bocas eles fazem uma boa demonstração de amor, mas os seus corações estão centrados nos seus ganhos egoístas’”.
165:4.9 (1822.4) Jesus despediu o jovem, dizendo a ele: “Meu filho, de que te valerá ganhares todo o mundo, se perderes a tua própria alma?”
165:4.10 (1822.5) Outro ouvinte, que se encontrava por perto, perguntou a Jesus como seriam tratados os ricos no dia do julgamento, e ele respondeu: “Eu não vim para julgar os pobres nem os ricos, pois as vidas que os homens vivem os julgará a todos. Qualquer coisa, além de tudo, que possa eu dizer a respeito dos ricos, no julgamento, ao menos três perguntas devem ser respondidas por todos que adquirem grande fortuna, e estas perguntas são:
165:4.11 (1822.6) “1. Quanta riqueza acumulou?
165:4.12 (1822.7) “2. Como conseguiu esta riqueza?
165:4.13 (1822.8) “3. Como usou sua riqueza?”
165:4.14 (1822.9) Então Jesus foi até a sua tenda, para descansar por um momento antes da refeição da noite. Quando os apóstolos concluíram os batismos, também eles vieram; e teriam conversado com ele sobre a riqueza na Terra e o tesouro no céu, mas Jesus estava dormindo.
165:5.1 (1823.1) Naquela noite, depois da ceia, quando Jesus e os doze reuniram-se para a sua conversa diária, André perguntou: “Mestre, enquanto batizávamos os crentes, tu disseste muitas palavras à multidão que permaneceu ali contigo, palavras que não ouvimos. Estarias disposto a repetir essas palavras para que delas nos beneficiássemos?” E, em resposta ao pedido de André, Jesus disse:
165:5.2 (1823.2) “Sim, André, falarei a vós sobre as questões da riqueza e da automanutenção, mas as minhas palavras para vós, apóstolos, devem ser um tanto diferentes daquelas ditas aos discípulos e à multidão, pois vós abandonastes tudo, não apenas para seguir-me, mas para que fosseis ordenados embaixadores do Reino. Vós já tivestes uma experiência de vários anos e sabeis que o Pai, cujo Reino vós proclamais, não vos abandonará. Dedicastes as vossas vidas à ministração do Reino; portanto, não sejais ansiosos, nem deveis preocupar-vos com as coisas da vida temporal, com o que ireis comer, nem mesmo com o que vestir o corpo. O bem-estar da alma é mais do que comida e bebida; o progresso do espírito está muito acima da necessidade de vestimentas. Quando fordes tentados a duvidar da certeza do vosso pão, considerai os corvos; eles não semeiam nem colhem, eles não têm armazéns nem silos, e, mesmo assim, o Pai lhes proporciona comida a todos, quando eles estão buscando. E quão mais valiosos não sois do que um bando de pássaros! Além disso, toda a vossa ansiedade e as dúvidas que vos corroem nada podem fazer para suprir as vossas necessidades materiais. Quem de vós pode, com a vossa ansiedade, acrescentar um palmo à vossa estatura ou um dia à vossa vida? Já que essas questões não estão ao alcance das vossas mãos, por que pensar com ansiedade em qualquer desses problemas?
165:5.3 (1823.3) “Contemplai os lírios, vejam como crescem; eles não trabalham nem fiam; e eu ainda vos digo, mesmo Salomão em toda a sua glória não se vestiu como um deles. Se Deus veste, assim, a erva nos campos, que hoje está viva mas que amanhã será cortada e jogada ao fogo, quão melhor irá ele vestir-vos, embaixadores do Reino do céu. Ó vós, de pouca fé! Quando vos devotardes de todo o vosso coração à proclamação do evangelho do Reino, não devíeis ficar em dúvida quanto ao vosso próprio sustento ou o das famílias que abandonastes. Se entregardes as vossas vidas verdadeiramente ao evangelho, vivereis do evangelho. Se fordes apenas discípulos crentes, deveis ganhar o vosso próprio pão e contribuir para o sustento de todos os que ensinam, pregam e curam. Se ficardes ansiosos por causa do vosso pão e da vossa água, em que sereis diferentes das nações do mundo que buscam essas necessidades com uma diligência tão excessiva? Devotai-vos à vossa obra, acreditando que o Pai, tanto quanto eu, sabemos que tendes necessidade de todas essas coisas. Deixai-me assegurar-vos, de uma vez por todas, que, se dedicardes as vossas vidas ao trabalho do Reino, todas as vossas necessidades reais serão supridas. Buscai a coisa mais importante, e as menores serão encontradas nela; pedi pelo celeste, e o terrestre será incluído. É certo que a sombra seguirá a essência.
165:5.4 (1823.4) “Sois apenas um grupo pequeno, mas, se tiverdes fé, se não tropeçardes no medo, eu declaro que é um grande prazer para o meu Pai dar-vos o Reino. Vós colocastes os vossos tesouros onde as bolsas não envelhecem, onde nenhum ladrão pode apropriar-se deles e nenhuma traça pode destruí-los. E, como eu disse ao povo, onde estiver o vosso tesouro, lá também estará o vosso coração.
165:5.5 (1824.1) “E, na obra que está bem diante de vós e que ficará para vós, depois que eu for para o Pai, vós sereis submetidos penosamente a provações. Deveis estar bastante alertas contra o medo e as dúvidas. Que cada um de vós vos preparai mentalmente para a luta, e que as vossas lâmpadas fiquem bem acesas. Comportai- vos como os homens que aguardam a volta do senhor da festa de casamento e que, quando ele chegava e batia, lhe abriam bem rapidamente as portas. O vosso senhor, ao encontrar-vos, assim fiéis, em um momento tão importante, vos abençoará pelo vosso empenho. E então o senhor fará com que os seus servidores assentem-se, enquanto ele próprio servi-los-á. Em verdade, em verdade, vos digo: uma crise está bem diante de vós, nas vossas vidas, e convém que vigieis e que vos façais preparados.
165:5.6 (1824.2) “Podeis compreender bem que nenhum homem teria a sua casa arrombada, se soubesse a que horas viria o ladrão. Ficai também vigilantes quanto a vós próprios, pois, na hora em que menos suspeitardes e de uma maneira que não imaginareis, o Filho do Homem vos deixará”.
165:5.7 (1824.3) “Por alguns minutos os doze permaneceram em silêncio. Algumas dessas advertências eles já as haviam ouvido antes, mas não com a mesma colocação apresentada a eles desta vez.
165:6.1 (1824.4) Enquanto permaneciam sentados, pensando, Simão Pedro perguntou: “Essa parábola, tu a contas para nós, os teus apóstolos, ou a contas para todos os discípulos?” E Jesus respondeu:
165:6.2 (1824.5) “No momento das provações é que a alma de um homem se revela; a provação deixa a descoberto aquilo que realmente está no coração. Depois que um servidor é testado e provado, o dono pode entregar com segurança o controle da casa a esse servidor fiel, para que os filhos dele sejam nutridos e criados. Do mesmo modo, logo saberei em quem poderei confiar o bem-estar dos meus filhos, quando eu houver voltado para o Pai. Tal como o senhor da casa encarregará o servidor testado e provado dos assuntos da sua família, eu também exaltarei àqueles que resistirem às provações desta hora, nos afazeres do meu Reino.
165:6.3 (1824.6) “Mas se o servo for indolente e começar a dizer no seu coração: ‘O meu senhor atrasa sua chegada’, e começar a maltratar os outros criados e comer e beber com os bêbados, então o senhor desse servidor chegará quando menos estiver esperando e, encontrando-o em infidelidade, despedi-lo-á, deixando-o na desgraça. Por isso, fazeis bem em preparar-vos para o dia em que sereis visitados de súbito e inesperadamente. Lembrai-vos de que muito vos foi dado; e muito será exigido de vós. Algumas duras provações avizinham-se. Hei de submeter-me a um batismo, e estarei vigilante até que isso aconteça. Vós pregais a paz na Terra, mas minha missão não trará paz aos assuntos materiais dos homens — não, pelo menos por algum tempo. A divisão é o único resultado quando dois membros de uma família acreditam em mim e três membros rejeitam este novo evangelho. Os amigos, parentes e entes queridos estão fadados a ser lançados uns contra os outros, pelo evangelho que pregais. Bem verdade é que cada um desses crentes terá uma paz grande e duradoura no seu próprio coração, mas a paz na Terra não virá antes que todos estejam dispostos a crer e a entrar na gloriosa herança da filiação a Deus. Não obstante tudo isso, ide ao mundo proclamar esse evangelho a todas as nações, a todo homem, mulher e criança”.
165:6.4 (1824.7) E esse foi o final de um sábado repleto e atarefado. No dia seguinte, Jesus e os doze foram às cidades ao norte da Peréia para conversar com os setenta, que estavam trabalhando nessa região sob a supervisão de Abner.
O Livro de Urântia
Documento 166
166:0.1 (1825.1) DE 11 A 20 de fevereiro, Jesus e os doze fizeram uma campanha em todas as cidades e aldeias do norte da Peréia, onde os companheiros de Abner e os membros do corpo de mulheres realizavam a sua obra. Eles verificaram que esses mensageiros do evangelho estavam obtendo êxito, e Jesus repetidamente chamou a atenção dos seus apóstolos para o fato de que o evangelho do Reino podia ser disseminado sem vir acompanhado de milagres e prodígios.
166:0.2 (1825.2) Toda essa missão de três meses na Peréia foi feita com êxito e com uma pequena ajuda dos doze apóstolos; e o evangelho, dessa época em diante, refletia mais os ensinamentos do que a personalidade de Jesus. Os seus seguidores, no entanto, não se ativeram por muito tempo às suas instruções, pois logo depois da morte e da ressurreição de Jesus eles desviaram-se dos seus ensinamentos iniciando a construção dos primórdios da igreja, com base nos conceitos miraculosos e nas memórias glorificadas da sua personalidade divina-humana.
166:1.1 (1825.3) No sábado, 18 de fevereiro, Jesus estava em Ragaba, onde vivia um fariseu abastado chamado Natanael; e, desde que um bom número dos seus companheiros fariseus estava seguindo Jesus e os doze pelo país, Natanael preparou, nessa manhã de sábado, um desjejum para todos eles, cerca de vinte pessoas; e chamou Jesus como convidado de honra.
166:1.2 (1825.4) No momento em que Jesus chegou para esse desjejum, a maior parte dos fariseus estava já assentada à mesa; e com eles encontravam-se dois ou três juristas. O Mestre tomou imediatamente o seu assento à esquerda de Natanael, sem ir aos jarros de água para lavar as suas mãos. Muitos dos fariseus, especialmente aqueles que eram a favor dos ensinamentos de Jesus, sabiam que ele lavava as suas mãos apenas com o propósito de limpá-las, que ele abominava os comportamentos meramente cerimoniais; e, desse modo, eles não ficaram surpresos com o fato de que ele se houvesse dirigido diretamente à mesa sem ter lavado as suas mãos duas vezes. E Natanael ficou chocado com o fato de que o Mestre não cumprisse as exigências estritas das práticas farisaicas. Além disso, Jesus não lavou as suas mãos, como o faziam os fariseus, após cada serviço nem ao final da refeição.
166:1.3 (1825.5) Após um intenso cochicho entre Natanael e um fariseu pouco amistoso, à sua direita; e depois de repetidos movimentos de sobrancelhas e de muito curvar de lábios em desprezo, da parte daqueles que se sentavam à frente do Mestre, Jesus finalmente disse: “Eu pensei que me havíeis convidado a esta casa para partir o pão convosco, e talvez para fazer-me perguntas sobre a proclamação do novo evangelho do Reino de Deus. No entanto, percebo que me trouxestes aqui para presenciar a uma exibição da devoção cerimonial à vossa própria presunção. Esse serviço vós já me prestastes; com o que me honrareis em seguida, sendo como sou o vosso convidado desta ocasião?”
166:1.4 (1826.1) Depois que o Mestre disse isso, eles aquietaram os olhos sobre a mesa e permaneceram em silêncio. E, posto que ninguém houvesse falado, Jesus continuou: “Muitos de vós, fariseus, estais aqui comigo, como amigos; alguns sois até mesmo discípulos meus, mas a maioria dos fariseus é persistente na sua recusa de ver a luz e reconhecer a verdade, mesmo quando a obra do evangelho é levada até eles por um grande poder. Com que cuidado limpais o exterior dos copos e dos pratos, ao passo que mantendes sujos e poluídos os recipientes do alimento espiritual! Vós cuidais de apresentar uma aparência pia e santa ao povo, mas as vossas almas interiores estão cheias de presunção, cobiça, extorsão e todos os tipos de maldade espiritual. Os vossos dirigentes ousam até mesmo conspirar e planejar o assassinato do Filho do Homem. Vós não compreendeis, homens tolos, que o Deus do céu vê os motivos internos da alma, tanto quanto vê os vossos fingimentos exteriores e as vossas ostentações de piedade? Não julgueis que dar esmolas e pagar os dízimos vos limpará da vossa injustiça e vos capacitará para que vos apresenteis puros perante o Juiz de todos os homens. Ai de vós, fariseus, que persisti em rejeitar a luz da vida! Sois meticulosos em pagar o dízimo e dar esmolas com ostentação, mas desdenhais conscientemente a visitação de Deus e rejeitais a revelação do amor Dele. Ainda que vos pareça ser bom dar atenção a esses deveres menores, não devíeis ter deixado de cumprir as exigências mais importantes. Ai de todos que evitam a justiça, que desprezam a misericórdia e que rejeitam a verdade! Ai de todos aqueles que desprezam a revelação do Pai e procuram os assentos principais na sinagoga e almejam lisonjas e saudações nas praças dos mercados!”
166:1.5 (1826.2) Quando Jesus levantou-se para ir embora, um dos juristas que estava à mesa, dirigindo-se a ele, disse: “Mas, Mestre, em algumas das suas declarações, tu também nos reprovas. Não há nada de bom nos escribas, nos fariseus ou nos juristas?” E Jesus, de pé, respondeu ao jurista: “Vós, como os fariseus, vos deliciais com os primeiros lugares nas festas e com o uso de longas túnicas, mas colocais cargas pesadas, difíceis de serem levadas, nos ombros dos homens. E, quando as almas dos homens cambalearem sob essas pesadas cargas, vós não levantareis nem mesmo um dos vossos dedos. Ai de vós, que encontrais grandes satisfações em construir tumbas para os profetas que os vossos pais mataram! E, pois, vós consentis naquilo que os vossos pais fizeram, e isso fica bem demonstrado quando agora planejais matar aqueles que vieram neste dia para realizar o que os profetas fizeram na sua época — proclamar a retidão de Deus e revelar a misericórdia do Pai celeste. Mas, dentre todas as gerações passadas, desta geração perversa e presunçosa é que será cobrado o sangue dos profetas e dos apóstolos. Ai de todos os juristas que tiraram da gente comum as chaves do conhecimento! Vós próprios vos recusais a entrar no caminho da verdade e, ao mesmo tempo, impedis todos os outros de buscar entrar nele. Contudo, não podeis fechar assim as portas do Reino do céu, pois nós as abrimos para que entrem todos aqueles que têm fé; e esses portais da misericórdia não serão fechados pelo preconceito e pela arrogância de falsos instrutores e de pastores insinceros, os quais são como aqueles sepulcros esbranquiçados que, mesmo parecendo belos por fora, no lado de dentro estão cheios de ossos de cadáveres e de todos os tipos de sujeira espiritual”.
166:1.6 (1826.3) E, quando terminou de falar à mesa de Natanael, Jesus saiu daquela casa sem participar da refeição. E, dos fariseus que ouviram essas palavras, alguns se tornaram crentes nos seus ensinamentos e entraram para o Reino, mas a maioria continuou por caminhos obscuros, permanecendo ainda mais determinados a aguardar até que pudessem captar algumas das palavras dele e usarem-nas para acusá-lo e julgá-lo diante do sinédrio em Jerusalém.
166:1.7 (1827.1) Três coisas apenas havia, às quais os fariseus davam atenção especial:
166:1.8 (1827.2) 1. À prática estrita de dar o dízimo.
166:1.9 (1827.3) 2. À observação escrupulosa das regras da purificação.
166:1.10 (1827.4) 3. A evitar a associação com todos os que não eram fariseus.
166:1.11 (1827.5) Nessa época Jesus buscou colocar a descoberto a esterilidade das duas primeiras práticas, reservando as suas observações, destinadas a repreender os fariseus pela sua recusa a manter qualquer relação social com os não-fariseus, para uma outra ocasião, quando ele estivesse novamente em um jantar com muitos desses mesmos homens.
166:2.1 (1827.6) No dia seguinte Jesus foi com os doze a Amatus, perto da fronteira de Samaria e, ao aproximarem-se da cidade, eles encontraram um grupo de dez leprosos que sempre ficava perto desse lugar. Desse grupo, nove eram judeus, e um era samaritano. Em geral, esses judeus ter-se-iam abstido de qualquer relacionamento ou contato com um samaritano, mas a doença em comum era mais do que suficiente para superar todo o preconceito religioso. Muito haviam ouvido falar de Jesus e dos seus milagres de cura; e, como era hábito dos setenta anunciar a hora esperada da chegada de Jesus quando o Mestre estava fora com os doze, nessas viagens, os dez leprosos ficaram sabendo que estava sendo esperado que ele aparecesse pela vizinhança, exatamente naquele momento; e, por isso, eles estavam ali, nos arredores da cidade, esperando atrair a atenção dele para pedir pela própria cura. Quando os leprosos viram Jesus aproximando-se deles, não ousando abordá-lo, eles permaneceram a uma certa distância e gritaram para ele: “Mestre, tem misericórdia de nós; limpa-nos da nossa aflição. Cura-nos, como tens curado os outros”.
166:2.2 (1827.7) Jesus havia acabado de explicar aos doze por que os gentios da Peréia, junto com os judeus menos ortodoxos, estavam mais dispostos a crer no evangelho pregado pelos setenta do que os judeus mais ortodoxos e afeitos à tradição da Judéia. E havia chamado a atenção para o fato de que a mensagem deles havia sido também mais prontamente recebida pelos galileus e, mesmo, pelos samaritanos. Mas os doze apóstolos não estavam ainda dispostos a manter sentimentos amistosos pelos samaritanos, há tanto tempo desprezados.
166:2.3 (1827.8) E, assim, ao perceber que havia um samaritano entre os leprosos, Simão zelote tentou induzir o Mestre a ir para a cidade para que, sem hesitação, trocasse cumprimentos com eles. Disse Jesus a Simão: “E se o samaritano amar a Deus tanto quanto os judeus? Deveríamos julgar os nossos semelhantes? Quem poderá dizer? Se curarmos esses dez homens, talvez o samaritano demonstre mais gratidão até mesmo do que os judeus. Estás seguro das tuas opiniões, Simão?” E Simão rapidamente respondeu: “Se tu os limpares, logo ficarás sabendo”. E Jesus respondeu: “Assim será, Simão; e tu saberás logo a verdade a respeito da gratidão dos homens e da misericórdia amorosa de Deus”.
166:2.4 (1827.9) Jesus, aproximando-se dos leprosos, disse: “Se quiserdes ser curados, ide imediatamente e mostrai-vos aos sacerdotes, como é exigido pela lei de Moisés”. E, quando estavam a caminho, eles foram curados. Mas, ao ver que estava sendo curado, o samaritano voltou e, procurando Jesus, começou a glorificar a Deus, em voz alta. E, quando encontrou o Mestre, ele caiu de joelhos a seus pés e deu- lhe graças pela sua cura. Os outros nove, os judeus, havendo também percebido a cura em si, embora também tivessem ficado gratos, continuaram no seu caminho para mostrar-se aos sacerdotes.
166:2.5 (1828.1) Enquanto o samaritano permanecia ajoelhado aos pés de Jesus, o Mestre colocou o seu olhar sobre os doze, especialmente sobre Simão zelote, e disse: “E os dez, não foram purificados? Onde, então, estão os outros nove, os judeus? Apenas um, este estrangeiro, voltou para dar glória ao Senhor”. E então ele disse ao samaritano: “Levanta-te e segue o teu caminho; a tua fé te curou”.
166:2.6 (1828.2) Jesus olhou novamente para os seus apóstolos, enquanto o estrangeiro ia embora. E os apóstolos todos olharam para Jesus, salvo Simão zelote, que mantinha os olhos abaixados. Os doze não disseram sequer uma palavra. Nem Jesus falou; não era necessário que ele o fizesse.
166:2.7 (1828.3) Embora todos esses dez homens realmente acreditassem que estivessem com lepra, apenas quatro deles estavam afligidos por ela. Os outros seis foram curados de uma doença de pele que havia sido confundida com a lepra. Mas o samaritano realmente estava com lepra.
166:2.8 (1828.4) Jesus ordenou aos doze que nada dissessem sobre a limpeza dos leprosos e, quando iam para Amatus, observou: “Vede, os filhos da casa, mesmo quando se insubordinam contra a vontade do seu Pai, têm como certas as suas bênçãos. Eles julgam não ser de importância maior esquecerem-se de dar graças, quando o Pai lhes concede a cura, mas os estrangeiros, quando recebem as dádivas do dono da casa, enchem-se de assombro e vêem-se obrigados a dar graças em reconhecimento às boas coisas a eles concedidas”. E os apóstolos também nada disseram em resposta às palavras do Mestre.
166:3.1 (1828.5) Enquanto Jesus e os doze conversavam com os mensageiros do Reino, em Gerasa, um dos fariseus, que acreditava nele, fez a seguinte pergunta: “Senhor, serão poucos ou serão muitos os que realmente se salvarão?” E, em resposta, Jesus disse:
166:3.2 (1828.6) “Tem-vos sido ensinado que apenas os filhos de Abraão serão salvos, que apenas os gentios adotados podem esperar salvação. Pelo fato de que as escrituras registrem que, entre as hostes fugidas do Egito, apenas Caleb e Joshua viveram para entrar na terra prometida, alguns de vós achais que apenas relativamente poucos, dentre aqueles que buscam o Reino do céu, encontrarão a sua entrada nele.
166:3.3 (1828.7) “Mantendes também entre vós um outro ditado que contém muita verdade: o caminho que conduz à vida eterna é reto e estreito, e a porta que leva até lá é também estreita e, desse modo, entre aqueles que buscam a salvação, poucos podem encontrar a entrada por essa porta. Vós também tendes o ensinamento de que o caminho que leva à destruição é aberto e, a entrada que se abre para ele sendo ampla, muitos são os que escolhem ir por tal caminho. E esse provérbio não é desprovido de significado. Mas eu declaro que a salvação é uma questão decidida muito mais pela vossa própria escolha pessoal. Mesmo a porta do caminho da vida sendo estreita, ainda é suficientemente ampla para admitir todos os que buscam sinceramente entrar, pois sou eu esta porta. E o Filho nunca irá negar entrada a nenhum filho do universo que, por meio da sua fé, esteja buscando encontrar o Pai por intermédio do Filho.
166:3.4 (1829.1) “Todavia, o perigo para todos aqueles que adiam a sua entrada no Reino repousa aí; enquanto continuam a buscar os prazeres da imaturidade e a permitir- se satisfações egoístas: havendo recusado-se a entrar no Reino como uma experiência espiritual, eles podem posteriormente buscar a entrada nele, quando a glória do melhor caminho tornar-se revelada, na idade que virá. E, por essa razão, aqueles que tiverem desdenhado o Reino, quando eu estive aqui à semelhança da humanidade, quando buscarem encontrar uma entrada por ter sido ela revelada, à semelhança da divindade, então, eu direi a todos esses egoístas: eu não sei de onde sois. Vós tivestes a vossa oportunidade de vos preparar para essa cidadania celeste, mas renegastes todas as ofertas de misericórdia; vós rejeitastes todos os convites para entrar enquanto a porta estava aberta. Agora, para vós que recusastes a salvação, a porta está fechada. Essa porta não está aberta para aqueles que querem entrar no Reino pela glória egoísta. A salvação não é para quem não está disposto a pagar o preço da dedicação de todo o seu coração a fazer a vontade do meu Pai. Quando, no vosso espírito e na vossa alma, tiverdes dado as costas ao Reino do Pai, é inútil, com a mente e com o corpo, ficar diante dessa porta e bater, dizendo: ‘Senhor, abre para nós; também nós gostaríamos de ser grandes no Reino’. Então, eu declararei que vós não sois do meu aprisco. E não vos receberei para estardes entre aqueles que lutaram a boa luta da fé e ganharam a recompensa do serviço não-egoísta ao Reino, ainda na Terra. E quando disserdes: ‘Não bebemos e comemos contigo, e tu não ensinaste nas nossas ruas?’, então, novamente, eu declararei que vós sois estrangeiros espirituais; que não fomos companheiros no serviço de ministração da misericórdia do Pai na Terra; que eu não vos conheço; e que então o Juiz de toda a Terra dirá a vós: ‘Afastai-vos de nós, todos vós que desfrutastes das obras da iniqüidade’.
166:3.5 (1829.2) “Não temais, contudo; todo aquele que desejar sinceramente encontrar a vida eterna entrando no Reino de Deus, certamente encontrará a salvação eterna. Mas vós, que estais renegando essa salvação, algum dia ireis ver os profetas da semente de Abraão assentarem-se com os crentes das nações gentias, nesse Reino glorificado, para compartilhar do pão da vida e refrescar-se com a água desse Reino. E aqueles que assim tomarem o Reino por meio do assalto perseverante de uma fé viva e em poder espiritual virão do norte e do sul, do leste e do oeste. E atenção, muitos que são os primeiros serão os últimos, e aqueles que forem os últimos muitas vezes serão os primeiros”.
166:3.6 (1829.3) Essa foi verdadeiramente uma versão nova e insólita do provérbio velho e familiar do caminho reto e estreito.
166:3.7 (1829.4) Lentamente os apóstolos, e muitos dos discípulos, estavam aprendendo o significado da declaração inicial de Jesus: “A menos que nasçais de novo, que nasçais do espírito, vós não podereis entrar no Reino de Deus”. Entretanto, para todos aqueles que são honestos de coração e sinceros na fé, é eternamente verdadeiro que: “Vede, eu estou à porta dos corações dos homens e bato e, se algum homem abrir a porta para mim, eu entrarei e cearei com ele e alimentá-lo-ei com o pão da vida; seremos um em espírito e em propósito, e, assim, seremos irmãos, sempre irmãos, no serviço longo e frutuoso da busca pelo Pai do Paraíso”. E, pois, se são poucos ou se são muitos a serem salvos, isso depende de serem poucos ou muitos os que dão atenção ao convite: “Eu sou a porta, sou o caminho novo e vivo, e quem quiser pode entrar para embarcar na busca interminável da verdade da vida eterna”.
166:3.8 (1829.5) Até mesmo os apóstolos foram incapazes de entender plenamente esse ensinamento sobre a necessidade de usar a força espiritual com o propósito de romper todas as resistências materiais e vencer todos os obstáculos terrenos, que acaso possam estar no caminho da compreensão de todos os valores espirituais, sumamente importantes, da nova vida no espírito como filhos libertados de Deus.
166:4.1 (1830.1) Embora a maior parte dos palestinos tomasse apenas duas refeições por dia, era costume entre Jesus e os apóstolos, quando em uma viagem, parar ao meio-dia para descansar e tomar um refresco. E foi nessa parada do meio-dia, a caminho da Filadélfia, que Tomé perguntou a Jesus: “Mestre, depois de ouvir as tuas observações, enquanto viajávamos esta manhã, eu gostaria de perguntar- te se os seres espirituais ocupam-se da produção de acontecimentos estranhos e extraordinários no mundo material e de perguntar, ainda, se os anjos e outros seres espirituais são capazes de impedir os acidentes”.
166:4.2 (1830.2) Em resposta à indagação de Tomé, Jesus disse: “Mesmo havendo passado tanto tempo comigo, ainda continuais a fazer esse tipo de indagação? Não observastes que o Filho do Homem vive em unidade convosco e que, por coerência, ele se recusa a empregar as forças do céu para seu sustento pessoal? Não vivemos do mesmo modo que todos os homens? Acaso vês o poder do mundo espiritual manifestado na vida material deste mundo, salvo para a revelação do Pai e para algumas curas de filhos afligidos?
166:4.3 (1830.3) “Os vossos pais acreditaram, durante um tempo demasiado longo, que a prosperidade seria um sinal da aprovação divina; e que a adversidade constituiria uma evidência do descontentamento de Deus. Eu declaro que essas crenças são superstições. Não observastes que um número muito maior de pobres recebe o evangelho com alegria e imediatamente entra no Reino? Se a fortuna evidencia o favorecimento divino, por que os ricos tantas vezes se negam a crer nessas boas-novas do céu?
166:4.4 (1830.4) “O Pai faz a sua chuva cair sobre justos e injustos; o sol, do mesmo modo, brilha para justos e injustos. Vós sabeis sobre aquele galileu cujo sangue Pilatos juntou aos dos sacrifícios, mas eu digo que esses galileus não eram de nenhum modo mais pecadores do que os semelhantes deles, só porque lhes aconteceu isso. Também sabeis a respeito dos dezoito homens sobre os quais caiu a torre de Siloé, matando-os. Não penseis que os homens assim destruídos sejam mais culpados do que os seus irmãos de Jerusalém. Eles foram simplesmente vítimas inocentes de um acidente temporal.
166:4.5 (1830.5) “Há três grupos de acontecimentos que podem ocorrer nas vossas vidas:
166:4.6 (1830.6) “1. Podeis participar dos acontecimentos normais, que são parte da vida que vós e os vossos semelhantes levam na face da Terra.
166:4.7 (1830.7) “2. Pode acontecer-vos serdes vítimas de um dos acidentes da natureza, de um dos infortúnios humanos; mas saibais muito bem que esses acontecimentos, de nenhum modo, são arranjados de antemão, nem produzidos, de nenhum outro modo, pelas forças espirituais do Reino.
166:4.8 (1830.8) “3. Podeis fazer a colheita dos vossos esforços diretos para corresponder às leis naturais que governam o mundo.
166:4.9 (1830.9) “Havia um certo homem que plantou uma figueira no seu quintal e, depois de procurar muitas vezes pelos seus frutos e não achar nenhum, ele chamou os vinhateiros diante de si e disse: ‘Eu tenho vindo aqui nas três estações à procura de frutos dessa figueira e não encontrei nenhum. Cortem esta árvore estéril; por que deveria ela obstruir o solo?’ Mas o jardineiro-chefe respondeu ao seu senhor: ‘Deixa-a ficar por mais um ano, para que eu possa cavar em torno dela e colocar fertilizante nela e, então, no próximo ano, se não der frutos, que seja cortada’. E, depois de submeterem-se assim às leis da fruticultura, pois a figueira estava viva e era boa, eles foram recompensados com uma colheita abundante.
166:4.10 (1831.1) “Para as questões de doença e saúde, devíeis saber que esses estados do corpo são resultado de causas materiais; a saúde não é o sorriso do céu, nem a aflição é o desagrado de Deus.
166:4.11 (1831.2) “Os filhos humanos do Pai têm capacidade igual para a recepção das bençãos materiais; e, por isso, Ele concede as coisas materiais aos filhos dos homens, sem discriminação. Quando se trata de conceder dádivas espirituais, o Pai fica limitado pela própria capacidade que o homem tem de receber esses dons divinos. Embora o Pai não faça acepção de pessoas, para o outorgamento de dons espirituais, Ele está limitado pela fé do homem e pela vontade que ele tem de agir conforme a vontade do Pai”.
166:4.12 (1831.3) Enquanto seguiam para a Filadélfia, Jesus continuou a ensinar-lhes e a responder às suas perguntas sobre os acidentes, doenças e milagres, mas eles não foram capazes de compreender plenamente essa instrução. Uma hora de ensinamentos não mudará totalmente as crenças de uma vida, e assim Jesus achou necessário reiterar a sua mensagem, repetindo sempre aquilo que queria que eles compreendessem; e, ainda assim, eles só captaram o significado da sua missão terrena depois da sua morte e ressurreição.
166:5.1 (1831.4) Jesus e os doze estavam a caminho de visitar Abner e os condiscípulos dele que se encontravam pregando e ensinando na Filadélfia. De todas as cidades da Peréia, foi na Filadélfia que o maior grupo de judeus e gentios, ricos e pobres, instruídos e não instruídos, abraçou os ensinamentos dos setenta e assim entrou para o Reino do céu. A sinagoga da Filadélfia nunca esteve submetida à supervisão do sinédrio de Jerusalém e, portanto, nunca se havia fechado aos ensinamentos de Jesus e dos seus colaboradores. Nessa mesma época, Abner estava ensinando três vezes por dia na sinagoga da Filadélfia.
166:5.2 (1831.5) Essa sinagoga, mais tarde, tornou-se uma igreja cristã e foi o centro missionário da promulgação do evangelho para as regiões do Oriente. Durante muito tempo foi uma fortaleza para os ensinamentos do Mestre e, durante séculos, sozinha, permaneceu nessa região como um centro de ensino cristão.
166:5.3 (1831.6) Os judeus de Jerusalém sempre tiveram problemas com os judeus da Filadélfia. E a igreja de Jerusalém, da qual Tiago, o irmão do Mestre, foi o dirigente, após a morte e ressurreição de Jesus começou a ter sérias dificuldades com a congregação dos crentes da Filadélfia. Abner tornou-se o dirigente da igreja da Filadélfia, continuando como tal até a sua morte. E esse estremecimento com Jerusalém explica por que nos relatos evangélicos do Novo Testamento nada é dito sobre Abner e sua obra. A contenda entre Jerusalém e a Filadélfia perdurou durante a vida de Tiago e de Abner e continuou por algum tempo depois da destruição de Jerusalém. A Filadélfia foi realmente a sede-central da igreja no sul e no leste, nos seus primórdios, como a Antioquia foi o centro no norte e no oeste.
166:5.4 (1831.7) A aparente má sorte de Abner proveio de haver ele mantido-se em divergência com todos os líderes da igreja cristã inicial. Ele teve desavenças com Pedro e com Tiago (o irmão de Jesus) sobre as questões da administração e da jurisdição da igreja de Jerusalém; ele abandonou a companhia de Paulo por causa de diferenças filosóficas e teológicas. Abner tinha uma filosofia mais babilônica do que helênica, e resistiu obstinadamente a todas as tentativas empreendidas por Paulo para refazer os ensinamentos de Jesus de modo a produzir menos objeções, primeiro entre os judeus e, depois, entre os greco-romanos crentes dos mistérios.
166:5.5 (1832.1) E, assim, Abner viu-se obrigado a viver uma vida de isolamento. E foi o dirigente de uma igreja que não possuía o menor suporte de Jerusalém. Ele havia ousado desafiar Tiago, o irmão do Mestre, que posteriormente foi apoiado por Pedro. Essa conduta efetivamente o separou de todos os seus companheiros anteriores. Ele ainda ousou opor-se a Paulo. Conquanto fosse integralmente simpático à missão de Paulo junto aos gentios, e, embora o apoiasse nas suas contendas com a igreja de Jerusalém, opôs-se severamente à versão dos ensinamentos de Jesus, que Paulo escolheu pregar. Nos seus últimos anos, Abner denunciou Paulo como “hábil corruptor dos ensinamentos da vida de Jesus de Nazaré, o Filho do Deus”.
166:5.6 (1832.2) Durante os últimos anos de Abner, e por algum tempo depois, os crentes da Filadélfia ativeram-se à religião de Jesus, como ele viveu e ensinou, mais estritamente do que qualquer outro grupo na Terra.
166:5.7 (1832.3) Abner viveu até os 89 anos de idade, morrendo na Filadélfia no dia 21 de novembro, do ano 74 d.C. Ele foi um fiel crente e instrutor do evangelho do Reino celeste, até o fim.
O Livro de Urântia
Documento 167
167:0.1 (1833.1) DURANTE esse período de ministração pereiana, sempre que é feita uma menção a Jesus e aos apóstolos, em visita às várias localidades onde os setenta trabalhavam, deveria ser relembrado que, em geral, apenas dez deles estavam com Jesus, já que o hábito era deixar ao menos dois dos apóstolos em Pela instruindo a multidão. Enquanto Jesus preparava-se para ir à Filadélfia, Simão Pedro e o seu irmão André retornavam ao acampamento de Pela, para ensinar às multidões ali reunidas. Quando o Mestre deixava o acampamento em Pela, para ir à Peréia, não era de todo incomum que o acampamento, de trezentas a quinhentas pessoas, o seguisse. Ao chegar à Filadélfia, ele estava acompanhado por mais de seiscentos seguidores.
167:0.2 (1833.2) Nenhum milagre aconteceu na campanha recente de pregação pela Decápolis e, exceção feita à cura dos dez leprosos, até então nenhum milagre havia ocorrido nessa missão pereiana. Esse foi um período em que o evangelho teve proclamação vigorosa, desprovida de milagres e, na maior parte do tempo, sem a presença pessoal de Jesus e mesmo sem os seus apóstolos.
167:0.3 (1833.3) Jesus e os dez apóstolos chegaram à Filadélfia na quarta-feira, 22 de fevereiro, e passaram a quinta-feira e a sexta-feira descansando das suas viagens e dos trabalhos recentes. Naquela sexta-feira, à noite, Tiago falou na sinagoga; e foi convocado um conselho geral para a noite seguinte. Eles ficaram bastante jubilantes com o progresso do evangelho na Filadélfia e nas aldeias próximas. Os mensageiros de Davi também trouxeram informações sobre os outros avanços conseguidos pelo Reino em toda a Palestina, bem como as boas-novas da Alexandria e de Damasco.
167:1.1 (1833.4) Na Filadélfia vivia um fariseu muito abastado e influente, que havendo aceitado os ensinamentos de Abner, convidou Jesus para ir à sua casa, no sábado pela manhã, para o desjejum. Era sabido que Jesus estava sendo esperado na Filadélfia nessa época, e, assim, um grande número de visitantes, e entre eles muitos fariseus, viera de Jerusalém e de outros locais. E, desse modo, cerca de quarenta desses homens de liderança, e uns poucos juristas, foram convidados para esse desjejum organizado em honra ao Mestre.
167:1.2 (1833.5) Enquanto Jesus permanecia ainda à porta, falando com Abner, e depois de o anfitrião sentar-se, um dos principais fariseus de Jerusalém, membro do sinédrio, entrou na sala e, como era do seu hábito, foi diretamente ao assento de honra à esquerda do anfitrião. Mas esse lugar havia sido reservado para o Mestre, e, já que o assento da direita era de Abner, o anfitrião acenou para que o fariseu de Jerusalém fosse sentar-se quatro assentos para a esquerda e esse dignitário ficou bastante ofendido por não ter recebido o assento de honra.
167:1.3 (1834.1) Logo depois, todos estavam sentados desfrutando da conversa, pois a maioria dos presentes ou era de discípulos de Jesus ou de pessoas amigas do evangelho. Apenas os seus inimigos notaram o fato de que ele não havia observado o cerimonial de lavar as suas mãos, antes de sentar-se para comer. Abner lavou as suas mãos antes da refeição, mas não o fez durante o serviço.
167:1.4 (1834.2) Quase ao final da refeição, vindo da rua, chegou ali um homem há muito afligido por uma doença crônica e em uma condição hidrópica. Esse homem era crente, tendo sido batizado recentemente pelos condiscípulos de Abner. Ele não pediu a Jesus que o curasse, mas o Mestre sabia perfeitamente que esse homem afligido havia vindo até o desjejum para fugir das multidões que atropelavam o Mestre, conseguindo assim receber a sua atenção. Esse homem sabia que apenas uns poucos milagres estavam então sendo realizados, mas o seu próprio coração levou-o a pensar, entretanto, que o seu estado lamentável seria, possivelmente, um apelo à compaixão do Mestre. E não estava enganado, pois, quando entrou na sala, tanto Jesus quanto o presumido fariseu de Jerusalém notaram-no. O fariseu não demorou a expressar em voz alta o seu ressentimento por ter sido permitida a entrada de alguém assim no recinto. Mas Jesus olhou e sorriu de um modo tão bondoso para o homem doente, que este se aproximou e sentou-se no chão. Quando a refeição estava para terminar, o Mestre pousou o seu olhar nos convivas e então, depois de um olhar significativo para o homem com hidropisia, disse: “Meus amigos, instrutores de Israel e cultos juristas, eu gostaria de fazer-vos uma pergunta: é lícito curar os doentes e aflitos no sábado, ou não?” Mas todos aqueles que estavam presentes conheciam Jesus muito bem; mantiveram- se em paz e não responderam à sua pergunta.
167:1.5 (1834.3) Então Jesus foi até onde o homem doente se encontrava e, tomando-o pela mão, disse: “Levanta-te e toma o teu caminho. Não pediste para ser curado, mas eu conheço o desejo do fundo do teu coração e a fé da tua alma”. Antes que o homem deixasse o recinto, Jesus voltou para o seu assento e, dirigindo-se aos que estavam na mesa, disse: “O meu Pai faz tais obras, não para tentar-vos a entrar no Reino, mas para revelar-Se àqueles que já estão no Reino. Vós podeis perceber que fazer tais coisas é agir como o Pai faria, pois quem dentre vós, tendo o vosso animal favorito caído em um poço, no dia de sábado, não sairia imediatamente para retirá-lo dali?” E desde que ninguém respondeu à pergunta de Jesus, e visto que o seu anfitrião evidentemente aprovava o que estava acontecendo, ele levantou- se e disse aos presentes: “Meus irmãos, quando fordes convidados para uma festa de casamento, não tomeis o assento principal, pois, se por acaso houver sido convidado um homem de maior honra do que vós, então o anfitrião terá de vir a vós para pedir que cedais vosso lugar para esse outro convidado de honra. E, nessa ocasião, envergonhadamente, será pedido que ocupeis um lugar menos importante à mesa. Quando fordes convidados para uma festa, seria sábio, ao chegardes à mesa, buscar um lugar de menos honra e sentar-vos nele, pois, desse modo, ao verificar os convivas, o anfitrião poderá dizer-vos: ‘Meu amigo, por que estás em um assento tão sem honras? Suba um pouco mais’; e assim sereis glorificados em presença dos vossos semelhantes. Não vos esqueçais: aquele que se exalta será humilhado, enquanto aquele que se humilhar verdadeiramente será exaltado. Portanto, quando receberdes amigos para um jantar ou quando derdes uma ceia, convidai não apenas vossos amigos, vossos irmãos, vossa família ou vossos vizinhos ricos, para que eles, por sua vez, possam convidar-vos para as suas festas, e para que assim possais ser recompensados. Quando derdes um banquete, algumas vezes, convidai também os pobres, os doentes e os cegos. Desse modo vos sentireis ditosos nos vossos corações, pois, bem sabeis, os mancos e os coxos não poderão retribuir-vos pelo vosso ministério de amor”.
167:2.1 (1835.1) Quando Jesus terminou de falar à mesa de desjejum dos fariseus, um dos juristas presentes, desejando romper o silêncio, disse sem pensar: “Abençoado seja aquele que comer o pão do Reino de Deus” — este era um ditado corriqueiro daqueles dias. E então Jesus contou uma parábola, que até mesmo o seu anfitrião se viu levado a considerar com seriedade. Disse ele:
167:2.2 (1835.2) “Um certo dirigente promoveu uma grande ceia e, havendo convidado muitos hóspedes, na hora da ceia mandou que seus serviçais fossem àqueles que haviam sido convidados e dissessem: ‘Vinde, pois tudo está pronto’. E todos começaram, unânimes, a dar desculpas. O primeiro disse: ‘Acabo de comprar uma fazenda e é mister que a examine; rogo que me perdoe’. Um outro disse: ‘Comprei cinco juntas de bois, e devo ir para recebê-las; rogo que me perdoe’. E outro disse: ‘Acabo de me casar e, portanto, não posso ir’. E, sendo assim, os serviçais voltaram e informaram tudo ao senhor da casa. Quando o dono da casa ouviu isso, ficou muito zangado e, voltando-se aos seus servos, disse: ‘Preparei essa festa de bodas; os animais cevados foram mortos e tudo está pronto para meus convidados, mas eles desdenharam o meu convite; cada qual foi para suas terras e suas mercadorias, e até mostram desrespeito para com os meus serviçais que foram convidá-los para a minha festa. Ide, pois, depressa, às ruas e ruelas da cidade, às estradas e às vielas, e trazei aqui os pobres e os desterrados, os cegos e os coxos, para que a festa de bodas possa ter convidados’. E os servos fizeram como mandou o seu senhor e, ainda assim, havia espaço para mais convidados. E, então, disse o senhor aos seus serviçais: ‘Ide às estradas e aos campos, e convencei a vir aqueles que lá estão, para que a minha casa possa ficar cheia. Eu declaro que nenhum dos que foram convidados inicialmente provará da minha ceia’. E os serviçais fizeram como mandou o seu senhor, e a casa ficou repleta”.
167:2.3 (1835.3) E, ao ouvirem essas palavras, os fariseus foram todos embora; cada um para a sua casa. Mas ao menos um dos sarcásticos fariseus ali presentes, naquela manhã, compreendeu o significado dessa parábola e por isso foi batizado no mesmo dia; e fez uma confissão pública da sua fé no evangelho do Reino. Abner pregou sobre essa parábola naquela noite, no conselho geral dos crentes.
167:2.4 (1835.4) No dia seguinte todos os apóstolos dedicaram-se ao exercício filosófico de tentar interpretar o significado dessa parábola da grande ceia. Embora Jesus houvesse ouvido, com interesse, a todas as diferentes interpretações, negou-se terminantemente a oferecer-lhes uma nova ajuda para compreender a parábola. Ele apenas diria: “Que cada homem encontre o significado por si próprio e em sua própria alma”.
167:3.1 (1835.5) Abner havia preparado para que o Mestre ensinasse na sinagoga nesse dia de sábado, era a primeira vez que Jesus aparecia em uma sinagoga, desde que todas elas haviam sido fechadas para os seus ensinamentos, por ordem do sinédrio. Ao final do serviço Jesus viu diante de si uma mulher anciã, que estava com uma expressão abatida e o corpo recurvado. Essa mulher há muito tempo vinha sendo dominada pelo medo, e toda a alegria havia-se afastado da sua vida. Quando Jesus desceu do púlpito, foi até ela, e, tocando no ombro daquele corpo recurvado, disse: “Mulher, se apenas cresses, tu poderias ficar totalmente livre da tua enfermidade de espírito”. E essa mulher, que estivera recurvada e tomada por depressões e pelo medo durante mais de dezoito anos, acreditou nas palavras do Mestre e, pela fé, endireitou-se imediatamente. Quando percebeu que havia sido endireitada, essa mulher elevou a sua voz e glorificou a Deus.
167:3.2 (1836.1) Não obstante a aflição da mulher haver sido totalmente mental, já que a sua forma recurvada fora resultado da sua mente deprimida, o povo julgou que Jesus a tivesse curado de uma desordem realmente física. Embora a congregação da sinagoga da Filadélfia fosse favorável aos ensinamentos de Jesus, o dirigente principal da sinagoga era um fariseu hostil. E como ele compartilhava da opinião da congregação, de que Jesus havia curado uma doença física, e tendo ficado indignado porque Jesus se tinha atrevido a fazer tal coisa em um sábado, ele levantou-se perante a congregação e disse: “Não existem seis dias nos quais os homens devem fazer todo seu trabalho? Nesses dias de trabalho, pois, vinde e sede curados, mas não no dia de sábado”.
167:3.3 (1836.2) Quando o dirigente hostil terminou de dizer isso, Jesus voltou à tribuna dos oradores para dizer: “Por que sermos hipócritas? Cada um de vós, no sábado, não tira o seu boi do estábulo e o leva para tomar água? Se esse serviço é permissível no dia de sábado, por que essa mulher, filha de Abraão, que foi colhida pelo mal nesses dezoito anos, não deveria ser libertada dessa escravidão e ser levada a compartilhar das águas da liberdade e da vida, ainda neste dia de sábado?” E, como a mulher continuou a glorificar a Deus, aquela crítica caiu em vergonha e a congregação rejubilou-se junto por ela haver sido curada.
167:3.4 (1836.3) Em vista da sua crítica pública a Jesus, nesse sábado, o dirigente principal da sinagoga foi deposto e um seguidor de Jesus foi colocado em seu lugar.
167:3.5 (1836.4) Jesus freqüentemente libertava essas vítimas do temor causado pela debilidade de espírito, a depressão mental e a escravidão ao medo. Mas o povo pensava que todas essas aflições fossem doenças físicas ou possessão de espíritos malignos.
167:3.6 (1836.5) No domingo, Jesus ensinou novamente na sinagoga, e muitas pessoas foram batizadas por Abner ao meio-dia, no rio que corria ao sul daquela cidade. No dia seguinte, Jesus e os dez apóstolos iam partir de volta para o acampamento de Pela, mas um dos mensageiros de Davi chegou, trazendo, para Jesus, uma mensagem urgente dos seus amigos de Betânia, perto de Jerusalém.
167:4.1 (1836.6) Bem tarde na noite de domingo, dia 26 de fevereiro, o mensageiro vindo de Betânia chegou à Filadélfia, e era portador de uma mensagem de Marta e Maria que dizia: “Senhor, aquele a quem tu amas está muito doente”. Essa mensagem chegou no final da conferência noturna, no instante exato em que Jesus se despedia dos apóstolos naquela noite. A princípio Jesus nada respondeu. Aconteceu-lhe um desses estranhos interlúdios, um intervalo em que parecia estar comunicando-se com algo externo e além de si próprio. E então, levantando os olhos, dirigiu-se ao mensageiro, de um modo que os apóstolos o ouviram dizendo: “Essa doença não o levará realmente à morte. Não duvideis de que poderá ser usada para glorificar a Deus e para exaltar o Filho”.
167:4.2 (1837.1) Jesus gostava muito de Marta, de Maria e de Lázaro, o irmão delas; ele amava-os com um afeto fervoroso. O seu primeiro pensamento humano foi de acudi-los imediatamente, mas outra idéia veio à sua mente combinada, de homem e Deus. Ele havia quase perdido a esperança de que os líderes judeus em Jerusalém, um dia, aceitassem o Reino, mas ainda amava o seu povo e ocorria-lhe agora um plano por meio do qual os escribas e os fariseus de Jerusalém poderiam ainda ter uma oportunidade de aceitar os seus ensinamentos; e então, dependendo da vontade do seu Pai, ele decidiu fazer esse último apelo a Jerusalém, por meio da mais profunda e estupenda obra exterior de toda a sua carreira terrena. Os judeus apegavam-se à idéia de um libertador que realizava prodígios. E, embora ele se recusasse a condescender na realização de milagres materiais e na realização de exibições temporais de poder político, agora ele pedia o consentimento do Pai para a manifestação desse poder, até então não demonstrado, sobre a vida e a morte.
167:4.3 (1837.2) Os judeus tinham o hábito de enterrar os seus mortos no dia do seu falecimento; essa prática fazia-se necessária em um clima tão quente. Acontecia freqüentemente que colocassem na tumba alguém que estava apenas em coma, de tal modo que, no segundo dia, ou mesmo no terceiro, esse alguém saía da tumba. A crença entre os judeus, todavia, era de que, ainda que se mantivesse perto do corpo por dois ou três dias, o espírito ou a alma, nunca permaneceria depois do terceiro dia, pois a putrefação estaria bem avançada lá pelo quarto dia; e que ninguém jamais retornaria da tumba depois de um lapso tal de tempo. E por essas razões é que Jesus ainda ficou por dois dias inteiros na Filadélfia, antes de estar pronto para partir em direção a Betânia.
167:4.4 (1837.3) Desse modo, na quarta-feira bem cedo pela manhã, ele disse aos seus apóstolos: “Preparemo-nos imediatamente para partir rumo à Judéia de novo”. E quando os apóstolos ouviram o seu Mestre dizendo isso, eles retiraram-se a sós por um certo tempo para aconselharem-se uns com os outros. Tiago assumiu a direção da conferência e todos concordaram que era uma verdadeira loucura permitir que Jesus voltasse à Judéia; e retornaram com uma única decisão para informar-lhe. Disse Tiago: “Mestre, estiveste em Jerusalém há poucas semanas; e então os líderes buscavam a tua morte e o povo estava decidido a atirar pedras em ti. Naquele momento, deste a todos esses homens a oportunidade de acolher a verdade; e não permitiremos que voltes de novo à Judéia”.
167:4.5 (1837.4) Então, Jesus disse: “Mas não compreendeis que há doze horas no dia, nas quais o trabalho pode ser feito sem perigo? Se um homem caminha durante o dia, ele não tropeça por causa da luz. Se um homem trabalha à noite, ele está sujeito a tropeçar, já que não há luz. Enquanto durar o meu dia, eu não temo entrar na Judéia. Eu gostaria de fazer mais uma obra poderosa para esses judeus; eu daria a eles mais uma oportunidade de crer, ainda que nos próprios termos deles — dentro das condições da glória exterior e da manifestação visível de poder do Pai e do amor do Filho. Além disso, não estais percebendo que o nosso amigo Lázaro encontra-se adormecido; e que eu quero despertá-lo desse sono!”
167:4.6 (1837.5) Então disse um dos apóstolos: “Mestre, se Lázaro está dormindo, então ele se restabelecerá com mais segurança”. Era costume dos judeus, naquele tempo, falar da morte como sendo uma espécie de sono, mas como os apóstolos não compreendiam que Jesus queria referir-se ao fato de Lázaro haver partido deste mundo, ele agora falava com toda clareza: “Lázaro está morto. Para o vosso bem, e mesmo que isso não salve a outrem, eu alegro-me de que eu não estivesse lá, pois assim tereis um novo motivo para crer em mim; e, por causa de tudo o que ireis presenciar, devereis sentir-vos fortalecidos na preparação para o dia em que eu me despedir de vós a fim de ir para o Pai”.
167:4.7 (1838.1) Vendo que não podiam persuadi-lo a deixar de ir à Judéia, e percebendo que alguns dos apóstolos eram contrários até a acompanhá-lo, Tomé dirigiu-se aos companheiros, dizendo: “Falamos dos nossos medos ao Mestre, mas ele está determinado a ir a Betânia. Estou convencido de que significa o fim; eles certamente irão matá-lo, mas se essa é a escolha do Mestre, então comportemo-nos como homens de coragem; vamos, também, para que possamos morrer junto com ele”. E sempre foi assim; nas questões que requeriam uma coragem deliberada e firme, Tomé era sempre o sustentáculo dos doze apóstolos.
167:5.1 (1838.2) A caminho da Judéia, Jesus foi seguido por um grupo de quase cinqüenta dos seus amigos e inimigos. Durante a hora do almoço, na quarta-feira, ele falou aos seus apóstolos e a esse grupo de seguidores sobre as “Condições para a Salvação”, e, ao final dessa lição, ele contou a parábola do fariseu e do publicano (um coletor de impostos). Jesus disse: “Vede, pois, o Pai dá a salvação aos filhos dos homens e essa salvação é uma dádiva de graça a todos que têm fé para receber a filiação à família divina. Nada há que o homem possa fazer para ganhar essa salvação. As obras presunçosas não podem comprar o favorecimento de Deus, nem o excesso de orações em público compensará a falta de fé viva no coração. Aos homens, podeis enganar com as vossas obras externas, mas Deus vê dentro das vossas almas. O que lhes estou dizendo é bem ilustrado pelos dois homens que foram ao templo para orar; um era fariseu e o outro publicano. O fariseu permaneceu de pé e orou para si próprio: ‘Ó Deus, agradeço-Te porque não sou como o resto dos homens: opressores, ignorantes, injustos, adúlteros ou até mesmo como esse publicano. Jejuo duas vezes por semana e dou dízimo por tudo o que ganho’. O publicano, no entanto, permaneceu distante, sem atrever- se sequer a levantar os olhos para o céu, batendo no peito e dizendo: ‘Deus, seja misericordioso com um pecador como eu’. E eu vos digo que o publicano foi para a sua casa com a aprovação de Deus, ao contrário do fariseu, pois aquele que se exalta será humilhado, mas aquele que se humilha a si próprio será exaltado”.
167:5.2 (1838.3) Naquela noite, em Jericó, os fariseus hostis arranjaram uma armadilha para pegar o Mestre, tentando levá-lo a discutir sobre o matrimônio e o divórcio, como já haviam feito certa vez na Galiléia, mas Jesus habilmente desviou-se daquela tentativa de colocá-lo em conflito com as leis deles a respeito do divórcio. Assim como o publicano e o fariseu ilustraram a boa e a má religião, as suas práticas de divórcio serviram como contraste entre as melhores leis matrimoniais do código judeu e o relaxamento vergonhoso das interpretações farisaicas desses estatutos mosaicos para o divórcio. O fariseu julgava-se pelos padrões menos elevados; o publicano enquadrava-se no ideal mais elevado. A devoção, para o fariseu, era um meio de induzir à inatividade pretensiosa e a certeza de uma segurança espiritual falsa; a devoção, para o publicano, era um meio de despertar a sua alma para a compreensão e para as necessidades de arrependimento, confissão e aceitação, pela fé, do perdão misericordioso. O fariseu buscava a justiça; o publicano buscava a misericórdia. A lei do universo é: Pedi e recebereis; buscai e encontrareis.
167:5.3 (1838.4) Embora Jesus tenha recusado a se deixar arrastar pela controvérsia, com os fariseus, a respeito do divórcio, ele proclamou um ensinamento positivo dos ideais mais elevados a respeito do matrimônio. Exaltou o matrimônio como a mais elevada e ideal de todas as relações humanas. Do mesmo modo, ele insinuou uma forte desaprovação das práticas lassas e injustas do divórcio entre os judeus de Jerusalém, que naquela época permitiam ao homem divorciar-se da sua esposa pelas razões mais insignificantes, tais como ser ela uma má cozinheira, uma dona de casa ineficiente, ou então por nenhuma razão mais relevante do que ele ter enamorado-se de uma mulher mais bonita.
167:5.4 (1839.1) Os fariseus haviam chegado ao extremo de ensinar que esse tipo fácil de divórcio seria uma dispensação especial concedida ao povo judeu, particularmente aos fariseus. E assim, quando Jesus negou-se a fazer pronunciamentos sobre o matrimônio e o divórcio, ele denunciou severamente essas fraudes vergonhosas da relação matrimonial e apontou a injustiça delas para com as mulheres e as crianças. Ele nunca aprovou nenhuma prática de divórcio que desse ao homem qualquer vantagem sobre a mulher; o Mestre apoiava os ensinamentos que tratavam as mulheres em igualdade com os homens.
167:5.5 (1839.2) Embora Jesus não tenha oferecido novos mandamentos regendo o matrimônio e o divórcio, ele concitou os judeus a viverem de acordo com suas próprias leis e ensinamentos mais elevados. Ele recorria constantemente ao registro das escrituras, nos seus esforços para aprimorar as práticas existentes desse comportamento social. Ao sustentar assim os conceitos elevados e ideais do matrimônio, Jesus evitou habilmente o conflito com os seus contendores sobre as práticas sociais, representadas tanto pelas leis escritas quanto pelos privilégios do divórcio que eles tanto apreciavam.
167:5.6 (1839.3) Foi muito difícil aos apóstolos compreenderem a relutância do Mestre em fazer pronunciamentos afirmativos sobre questões científicas, sociais, econômicas e políticas. Eles não entendiam que a sua missão terrena estava ligada exclusivamente a revelações de verdades espirituais e religiosas.
167:5.7 (1839.4) Depois de Jesus haver falado sobre o matrimônio e o divórcio, mais tarde naquela noite, os apóstolos fizeram outras perguntas mais em particular, e as respostas a essas indagações aliviaram as suas mentes quanto a conceitos equivocados. Quando da conclusão dessa conversa, Jesus disse: “O matrimônio é honorável e deve ser desejado por todos os homens. O fato de que o Filho do Homem procure ater-se apenas à sua missão terrena, não deve, de nenhum modo, refletir-se na conveniência do matrimônio; que eu deva continuar a minha obra assim é a vontade do Pai, mas esse mesmo Pai ordenou a criação do ser masculino e do ser feminino, e o desejo divino é o de que todos os homens e mulheres devam buscar servir da forma mais elevada, na conseqüente alegria do estabelecimento de lares para receber os filhos e educá-los. E, nessa criação, os pais tornam-se co-participantes com os Criadores do céu e da Terra. E é por isso que um homem deve abandonar o seu pai e a sua mãe para unir-se à sua esposa, para que os dois sejam como um”.
167:5.8 (1839.5) E, desse modo, Jesus libertou as mentes dos apóstolos de muitas preocupações relacionadas ao matrimônio, e esclareceu vários mal-entendidos sobre o divórcio; ao mesmo tempo, contribuiu bastante no sentido de elevar os ideais, junto a eles, da união social e da intensificação do respeito pelas mulheres, as crianças e o lar.
167:6.1 (1839.6) A mensagem vespertina de Jesus sobre o matrimônio e a bênção que as crianças representam, espalhou-se por toda a Jericó, de um modo tal que, na manhã seguinte, muito antes de Jesus e os apóstolos se verem preparados para sair, antes mesmo da hora do desjejum, dezenas de mães foram até onde Jesus estava alojado, com as suas crianças nos braços ou conduzindo-as pelas mãos, desejando que ele abençoasse os pequeninos. Quando os apóstolos saíram e presenciaram essa reunião de mães e filhos, tentaram mandá-las embora, mas essas mulheres negaram-se a sair dali até que o Mestre impusesse as suas mãos sobre as crianças abençoando-as. Quando os apóstolos repreenderam essas mães, Jesus, ouvindo o tumulto, saiu e com indignação reprovou-os, dizendo: “Deixai virem a mim as criancinhas; não as proibais, pois delas é o Reino do céu. Em verdade, em verdade eu vos digo, aquele que não receber o Reino de Deus como uma criança pequena, dificilmente irá entrar nele para crescer até alcançar a estatura plena da maturidade espiritual”.
167:6.2 (1840.1) E quando o Mestre terminou de falar aos seus apóstolos, recebeu todas as crianças, fazendo a imposição das suas mãos sobre elas, enquanto dizia palavras de coragem e de esperança às suas mães.
167:6.3 (1840.2) Com freqüência, Jesus falou sobre as mansões celestes aos seus apóstolos e ensinou-lhes que os filhos de Deus, que progridem, deverão, nas mansões celestes, crescer espiritualmente, como as crianças crescem fisicamente neste mundo. E, assim, as coisas sagradas muitas vezes parecem ser coisas comuns e, pois, nesse dia aquelas crianças e as suas mães não se deram conta de que as inteligências de Nébadon contemplavam as crianças de Jericó brincando com o Criador de um universo.
167:6.4 (1840.3) A condição da mulher na Palestina foi melhorada em muito pelos ensinamentos de Jesus; e assim teria sido em todo o mundo se os seus seguidores não se houvessem afastado tanto daquilo que o Mestre tão cuidadosamente ensinara.
167:6.5 (1840.4) Foi também em Jericó, a propósito da discussão sobre a educação religiosa antecipada das crianças nos hábitos da adoração divina, que Jesus inculcou nos seus apóstolos o grande valor da beleza como uma influência que conduz ao anseio de adorar, especialmente nas crianças. Por meio dos seus preceitos e do seu exemplo, o Mestre ensinou o valor da adoração ao Criador em meio aos ambientes naturais da criação. Ele preferia comungar com o Pai celeste entre as árvores e junto às criaturas simples do mundo natural. E regozijava-se em contemplar o Pai por intermédio do espetáculo inspirador dos Reinos estrelados dos Filhos Criadores.
167:6.6 (1840.5) Quando não fosse possível adorar a Deus junto aos tabernáculos da natureza, os homens deveriam dar o melhor de si para prover as casas com a beleza, com santuários de simplicidade atraente e de beleza artística, de modo que as mais elevadas emoções humanas pudessem ser despertadas em uma estreita associação com a abordagem intelectual da comunhão espiritual com Deus. A verdade, a beleza e a santidade são ajudas poderosas e eficazes para a verdadeira adoração. No entanto a comunhão espiritual não é favorecida apenas por meio de adornos abundantes e de uma decoração feita com a arte excessivamente aprimorada e ostentatória do homem. A beleza é mais religiosa quando é mais simples e natural. É uma pena que as crianças devam ter o seu primeiro contato, com os conceitos da adoração pública, em salas frias e estéreis, tão desprovidas dos atrativos da beleza e tão vazias de sugestões estimuladoras e de uma santidade inspiradora! A criança deveria ser iniciada na adoração junto às paisagens da natureza para, mais tarde, acompanhar os seus pais a casas públicas de reunião religiosa, que fossem ao menos tão atraentes materialmente e belas artisticamente quanto as casas nas quais elas convivem todo dia.
167:7.1 (1840.6) “Quando eles viajavam subindo as montanhas de Jericó até a Betânia, Natanael percorreu a maior parte do caminho ao lado de Jesus; e a conversa que tiveram sobre as crianças, em relação ao Reino do céu, indiretamente os levou a refletir sobre a ministração dos anjos. Natanael afinal fez a seguinte pergunta ao Mestre: “Vendo que o sumo sacerdote é um saduceu, e considerando que os saduceus não crêem em anjos, o que deveremos ensinar ao povo a respeito desses ministradores celestes?” Então, entre outras coisas, Jesus disse:
167:7.2 (1841.1) “As hostes angélicas são uma ordem em separado de seres criados; são inteiramente diferentes da ordem material das criaturas mortais, e funcionam como um grupo distinto de inteligências no universo. Os anjos não pertencem ao grupo de criaturas chamadas de ‘Filhos de Deus’ nas escrituras; e também não são os espíritos glorificados de homens mortais que já se encaminharam no progresso pelas mansões nas alturas. Os anjos são uma criação direta, e não se reproduzem. As hostes angélicas têm um parentesco apenas espiritual com a raça humana. À medida que o homem progride, na sua jornada até o Pai no Paraíso, num determinado momento, ele passa por um estado do ser que é análogo ao estado dos anjos, mas o homem mortal nunca se transforma em um anjo.
167:7.3 (1841.2) “Os anjos nunca morrem, como ocorre com o homem. Os anjos são imortais, a menos que venham a se envolver em pecado, como alguns deles que se envolveram nas fraudes de Lúcifer. Os anjos são servidores espirituais do céu, mas não são todo-sábios nem Todo-Poderosos. No entanto, todos anjos leais são verdadeiramente puros e santos.
167:7.4 (1841.3) “E não lembrais de que já vos disse, anteriormente, que, se tivésseis os vossos olhos espirituais ungidos, então veríeis os céus abertos e contemplaríeis os anjos de Deus ascendendo e descendo? É por meio da ministração dos anjos que um mundo pode se manter em contato com outros mundos; e, pois, não tenho repetidamente dito a vós que possuo outras ovelhas que não são deste aprisco? Esses anjos não são espiões do mundo espiritual a vos vigiarem, para depois irem até o Pai contar os pensamentos do vosso coração e descrever os feitos da carne. O Pai não tem necessidade desse serviço, pois Seu próprio espírito vive dentro de vós. Esses espíritos angélicos, contudo, atuam de modo a manter uma parte da criação celeste informada sobre os feitos de outras partes remotas do universo. E, muitos dos anjos, ainda que funcionando para o governo do Pai e nos universos dos Filhos, são designados para o serviço às raças humanas. Quando vos ensinei que muitos desses serafins são espíritos ministradores, eu não o disse em um sentido figurativo, nem poético. E tudo isso é verdadeiro, independentemente da dificuldade que possais ter para compreender tais questões.
167:7.5 (1841.4) “Muitos desses anjos estão empenhados no trabalho de salvar os homens, e, pois, eu não vos disse sobre a alegria dos serafins quando uma alma escolhe abandonar o pecado e começa a buscar a Deus? Eu vos disse, inclusive, do júbilo na presença dos anjos do céu por um pecador que se arrepende, indicando com isso a existência de outras ordens mais elevadas de seres celestes que, do mesmo modo, se ocupam com o bem-estar espiritual e o progresso divino do homem mortal.
167:7.6 (1841.5) “Esses anjos ocupam-se também bastante com os meios de liberar o espírito do homem dos tabernáculos da carne e escoltar a sua alma até as mansões dos céus. Os anjos são os guias seguros e celestes da alma do homem, durante o período, desconhecido e indefinido, de tempo que se interpõe entre a morte da carne e a nova vida nas moradas espirituais”.
167:7.7 (1841.6) E Jesus teria falado ainda mais a Natanael a respeito da ministração dos anjos, mas foi interrompido pela aproximação de Marta; ela havia sido informada de que o Mestre aproximava-se de Betânia, por amigos que haviam visto o Mestre subindo as colinas a leste. E ela agora se apressava para dar-lhe as boas-vindas.
O Livro de Urântia
Documento 168
168:0.1 (1842.1) POUCO depois do meio-dia Marta saiu ao encontro de Jesus, quando ele apontava no cume da colina perto de Betânia. O seu irmão, Lázaro, estava morto há quatro dias e havia sido levado para o túmulo particular, na extremidade do jardim, ao final da tarde de domingo. A pedra à entrada do túmulo havia sido rolada até o seu devido lugar na manhã deste dia, uma quinta-feira.
168:0.2 (1842.2) Quando mandaram a Jesus a informação sobre a doença de Lázaro, Marta e Maria encontravam-se confiantes de que o Mestre tomaria alguma providência. Sabiam que o seu irmão estava desesperadamente doente e, ainda que não ousassem esperar que Jesus fosse deixar o seu trabalho de ensinar e de pregar para trazer a sua ajuda, elas mantinham tal confiança no seu poder de curar doenças a ponto de pensar que ele apenas diria as palavras de cura e Lázaro imediatamente restabelecer-se-ia. E, quando Lázaro morreu, umas poucas horas após o mensageiro haver deixado Betânia para ir à Filadélfia, elas concluíram que o Mestre não ficaria sabendo da doença do irmão delas a não ser tarde demais, depois de Lázaro estar morto por várias horas.
168:0.3 (1842.3) No entanto, junto com todos os seus amigos crentes, elas ficaram bastante desconcertadas com a mensagem que o corredor trouxera de volta na terça-feira, antes do meio-dia, ao chegar a Betânia. O mensageiro insistia que havia ouvido Jesus dizer: “Essa doença não o levará realmente à morte”. E elas não podiam compreender por que ele não enviara uma só palavra a elas, nem oferecera a sua ajuda de um outro modo qualquer.
168:0.4 (1842.4) Muitos amigos dos vilarejos vizinhos, e alguns de Jerusalém, vieram para confortar as irmãs acometidas pela tristeza. Lázaro e as suas irmãs eram filhos de um judeu honrado e abastado, que havia sido um dos moradores mais notáveis da pequena aldeia de Betânia. E, não obstante todos os três há muito serem seguidores ardentes de Jesus, eram altamente respeitados por todos aqueles que os conheciam. Haviam herdado vinhedos extensos e grandes olivais nas vizinhanças e, que eles fossem abastados, era também atestado pelo fato de que puderam arcar com um túmulo privado dentro das suas propriedades. Os seus progenitores, ambos, haviam sido já colocados nesse mesmo túmulo.
168:0.5 (1842.5) Maria havia deixado de lado o pensamento de que Jesus viria e abandonou- se ao próprio pesar; Marta, contudo, apegava-se à esperança de que Jesus ainda viria, até mesmo durante aquele momento na manhã em que eles rolaram a pedra à frente do túmulo e selaram a sua entrada. Mesmo então ela instruiu um garoto vizinho para manter a vigia na estrada de Jericó, do alto da colina a leste de Betânia; e foi esse menino que trouxe a Marta as novas de que Jesus e os seus amigos se aproximavam.
168:0.6 (1842.6) Quando se encontrou com Jesus, Marta caiu aos seus pés; e exclamou: “Mestre, se tu estivesses aqui, o meu irmão não teria morrido!” Muitos temores passavam pela mente de Marta, no entanto, ela não dava força à dúvida, nem se aventurara a criticar ou questionar a conduta do Mestre quanto à morte de Lázaro. Depois que ela falou, Jesus abaixou-se para colocá-la de pé e disse: “Tenha fé simplesmente, Marta, e o seu irmão ressuscitará”. Então Marta respondeu: “Eu sei que ele vai ressuscitar, na ressurreição do último dia; mas, ainda agora, eu creio que tudo o que pedires a Deus, o nosso Pai te concederá”.
168:0.7 (1843.1) Então Jesus disse, olhando diretamente nos olhos de Marta: “Eu sou a ressurreição e a vida; aquele que crer em mim, embora morra, ainda viverá. Em verdade, todo aquele que viver e acreditar em mim nunca morrerá. Marta, tu crês nisso?” E Marta respondeu ao Mestre: “Sim, eu tenho há muito acreditado que tu és o Libertador, o Filho do Deus vivo, aquele mesmo que deveria vir a este mundo”.
168:0.8 (1843.2) Tendo Jesus perguntado por Maria, Marta foi imediatamente até a casa e disse à sua irmã, em voz baixa: “O Mestre está aqui e perguntou por você”. Quando Maria ouviu isso, levantou-se rapidamente e apressou-se para encontrar Jesus, que ainda permanecia distante da casa, no mesmo local em que Marta o havia encontrado inicialmente. Quando os amigos que estavam com Maria, buscando confortá-la, viram que ela levantara-se rapidamente e saíra, seguiram-na, supondo que estava indo ao túmulo para chorar.
168:0.9 (1843.3) Muitos dos que estavam presentes eram inimigos implacáveis de Jesus, por isso é que Marta tinha ido encontrá-lo sozinha. Essa era também a razão por que ela havia ido secretamente informar Maria de que ele perguntara por ela. Marta, embora tivesse almejado ver Jesus, procurava evitar qualquer incidente desagradável que pudesse ser causado pela súbita chegada dele em meio a um grupo grande de inimigos seus de Jerusalém. A intenção de Marta era permanecer na casa com os amigos, enquanto Maria fosse saudar Jesus; mas nisso ela não foi bem-sucedida, pois todos seguiram Maria e, desse modo, viram-se inesperadamente em presença do Mestre.
168:0.10 (1843.4) Marta conduziu Maria até Jesus e, quando esta o viu, caiu também de joelhos aos pés dele, exclamando: “Se apenas estivesses estado aqui, o meu irmão não teria morrido!” E quando Jesus viu como todos estavam pesarosos por causa da morte de Lázaro, a sua alma encheu-se de compaixão.
168:0.11 (1843.5) Quando os amigos pesarosos viram que Maria havia ido saudar Jesus, colocaram- se a uma certa distância, enquanto Marta e Maria falavam, ambas, com o Mestre e recebiam novas palavras de conforto e de exortação para que mantivessem uma fé firme no Pai e uma completa resignação quanto à vontade divina.
168:0.12 (1843.6) A mente humana de Jesus estava envolvida fortemente por uma contenda entre o seu amor por Lázaro e a desolação das irmãs, e o seu desdém e desprezo pela demonstração exterior de afeto manifestada por alguns daqueles judeus descrentes e com intenções assassinas. Jesus ressentia-se, com indignação, da exibição externa forçada de luto por Lázaro, da parte de alguns daqueles que se declaravam amigos, porquanto esse falso sentimento estava vinculado nos corações deles à inimizade bastante amarga que mantinham para com o próprio Jesus. Alguns desses judeus, entretanto, pareciam sinceros no seu luto, pois eram realmente amigos da família.
168:1.1 (1843.7) Depois de haver passado alguns momentos confortando Marta e Maria, a uma certa distância dos que velavam, Jesus perguntou-lhes: “Onde o colocaram?” Então Marta disse: “Vem e vê”. E, enquanto em silêncio acompanhava as duas pesarosas irmãs, o Mestre chorou. Quando os judeus amistosos, que os seguiam, viram as suas lágrimas, um deles disse: “Vê como ele o amava. Será que ele, que abre os olhos dos cegos, não poderia ter impedido esse homem de morrer?” Nesse momento eles postaram-se de pé diante do túmulo da família, uma pequena caverna natural, num declive e sob uma saliência de rocha que aflorava até uns dez metros de altura na extremidade do jardim.
168:1.2 (1844.1) É difícil explicar, às mentes humanas, o porquê do pranto de Jesus. Ainda que tenhamos acesso ao registro das emoções humanas e aos pensamentos divinos combinados de Jesus, tais como registrados na mente do seu Ajustador Personalizado, não estamos de todo certos sobre a causa real dessas manifestações emocionais. Estamos inclinados a acreditar que o pranto de Jesus tenha ocorrido por causa de um certo número de pensamentos e de sentimentos que passaram pela sua mente naquele momento, tais como:
168:1.3 (1844.2) 1. Ele sentia uma compaixão genuína e entristecida por Marta e Maria; e mantinha um afeto humano real e profundo pelas duas que haviam perdido o irmão.
168:1.4 (1844.3) 2. Ele estava com a mente perturbada pela presença da multidão que lamentava, alguns com sinceridade e outros meramente por fingimento. E sempre se ressentira dessas manifestações exteriores de luto. Jesus sabia que as irmãs amavam o irmão e que tinham fé na sobrevivência dos crentes. Esses sentimentos conflitantes talvez expliquem as emoções dele ao se aproximar do túmulo.
168:1.5 (1844.4) 3. Jesus hesitou verdadeiramente em trazer Lázaro de volta à vida mortal. As suas irmãs realmente necessitavam dele, mas Jesus lamentava ter de trazer o seu amigo de volta e levá-lo a experimentar a perseguição amarga, a qual, ele bem sabia, Lázaro teria de suportar em conseqüência de ter sido ele aquele que foi submetido à demonstração, a maior de todas, do poder divino do Filho do Homem.
168:1.6 (1844.5) E, agora, podemos relatar um fato interessante e instrutivo: embora esta narrativa desenrole-se como um acontecimento aparentemente natural, de assuntos humanos, paralelamente ele traz algumas luzes muito interessantes. Conquanto o mensageiro haja alcançado Jesus no domingo, contando-lhe sobre a doença de Lázaro e, ainda que Jesus tenha enviado a mensagem de que não “o levaria à morte”, ao mesmo tempo ele encaminhou-se pessoalmente para Betânia e até mesmo perguntou às irmãs: “Onde o colocaram?” Embora tudo isso possa parecer indicar que o Mestre estivesse procedendo segundo a maneira desta vida e de acordo com o conhecimento limitado da mente humana, entretanto, os registros do universo revelam que o Ajustador Personalizado de Jesus havia emitido ordens para que o Ajustador do Pensamento de Lázaro permanecesse indefinidamente retido no planeta, depois da morte de Lázaro, e que o registro dessa ordem foi feito quinze minutos antes do último suspiro de Lázaro.
168:1.7 (1844.6) A mente divina de Jesus teria sabido, mesmo antes de Lázaro haver morrido, que ele o ressuscitaria dos mortos? Não sabemos. Apenas sabemos das coisas que estamos expondo aqui.
168:1.8 (1844.7) Muitos dos inimigos de Jesus estavam inclinados a escarnecer das suas manifestações de afeto, e diziam entre si: “Se ele preocupava-se tanto com esse homem, por que demorou assim para vir até Betânia? Se ele é o que dizem, por que não salvou o seu querido amigo? De que vale curar estrangeiros na Galiléia se não pode salvar àqueles a quem ele ama?” E de muitos outros modos escarneceram e fizeram pouco dos ensinamentos e das obras de Jesus.
168:1.9 (1844.8) E assim, nessa quinta-feira à tarde, por volta das duas e meia, tudo estava pronto, nesse pequeno vilarejo de Betânia, para que fosse realizada a maior de todas as obras ligadas à ministração terrena de Michael de Nébadon, a maior manifestação de poder divino durante a sua encarnação na carne, já que a sua própria ressurreição ocorreu depois que havia sido liberado dos laços da habitação na carne mortal.
168:1.10 (1845.1) O pequeno grupo reunido diante do túmulo de Lázaro jamais imaginaria a afluência próxima e a disponibilidade da presença de todas as ordens de seres celestes reunidas sob a liderança de Gabriel e à espera, sob a direção do Ajustador Personalizado de Jesus, todos vibrando de expectativa e prontos para executar o comando do seu amado Soberano.
168:1.11 (1845.2) Quando Jesus pronunciou estas palavras de comando: “Retirem a pedra”, as hostes celestes reunidas estavam prontas para encenar o drama da ressurreição de Lázaro, à semelhança da carne mortal. Essa forma de ressurreição envolve dificuldades de execução que em muito transcendem a técnica usual da ressurreição das criaturas mortais, na forma moroncial e requer um número grande de personalidades celestes e uma organização muito mais ampla de recursos do universo.
168:1.12 (1845.3) Quando ouviram aquele comando de Jesus para que a pedra em frente do túmulo fosse rolada para fora da entrada, Marta e Maria ficaram repletas de emoções contraditórias. Maria tinha a esperança de que Lázaro fosse ressurgir dos mortos, mas, se bem que em um certo grau compartilhasse da fé da irmã, Marta estava mais atormentada pelo medo de que Lázaro não estivesse apresentável, na sua aparência, para Jesus, os apóstolos e seus amigos. Marta disse: “Deveríamos remover a pedra? O meu irmão esteve morto por quatro dias e, assim, a decomposição do corpo já deve ter-se iniciado”. Marta disse isso porque também não estava certa do motivo pelo qual o Mestre pedira que a pedra fosse removida; ela supunha que talvez Jesus quisesse apenas dar uma última olhada em Lázaro. E ela não estava sendo nem firme nem constante na sua atitude. E, porque hesitavam em rolar a pedra, Jesus falou: “Eu não vos disse inicialmente que essa doença não o levaria à morte? E não vim para cumprir a minha promessa? E quando vim até vós, eu não vos disse que, se apenas crêsseis, vós veríeis a glória de Deus? E por que duvidais? Quanto ainda falta para acreditardes e obedecerdes?”
168:1.13 (1845.4) Quando Jesus terminou de falar, os seus apóstolos, com a assistência de vizinhos dispostos, tomaram da pedra e rolaram-na, tirando-a da entrada do túmulo.
168:1.14 (1845.5) Era uma crença comum dos judeus a de que a gota de fel na ponta da espada do anjo da morte começasse a operar ao final do terceiro dia, de um modo tal que apresenta o efeito pleno no quarto dia. Eles admitiam que a alma do homem poderia permanecer no túmulo até o fim do terceiro dia, tentando reanimar o corpo morto; mas acreditavam firmemente que, na aurora do quarto dia, a alma iria para a morada dos espíritos que partiram.
168:1.15 (1845.6) Essas crenças e opiniões a respeito dos mortos, e sobre a partida dos espíritos dos mortos, serviram para assegurar, nas mentes de todos ali presentes no túmulo de Lázaro e posteriormente a todos que pudessem ouvir sobre o que iria acontecer, que esse, real e verdadeiramente, era um caso de ressurreição de entre os mortos, causada pela obra pessoal daquele que declarara ser “a ressurreição e a vida”.
168:2.1 (1845.7) Enquanto esse grupo de cerca de quarenta e cinco mortais permanecia diante do túmulo, apenas vagamente viam eles a sombra de Lázaro, enrolado em bandagens de linho, repousando no nicho inferior à direita da cova fúnebre. Durante o tempo em que essas criaturas terrenas permaneceram lá, em silêncio e com a respiração quase retida, uma hoste vasta de seres celestes havia-se colocado em posição, em preparação para responder ao sinal de ação que seria dado por Gabriel, o seu comandante.
168:2.2 (1846.1) Jesus levantou os olhos e disse: “Pai, dou-Te graças porque me ouviste concedendo- me o meu pedido. Eu sei que Tu sempre me escutas, mas, por causa destes que estão aqui comigo, eu falo assim Contigo, para que eles possam acreditar que Tu me enviaste ao mundo, e para que eles possam saber que Tu estás atuando comigo naquilo que iremos fazer”. E depois de ter orado assim, ele falou em voz mais alta: “Lázaro, vem para fora!”
168:2.3 (1846.2) Embora os observadores humanos hajam permanecido imóveis, a vasta hoste celeste movia-se unificada toda em uma única ação, obedecendo à palavra do Criador. Em apenas doze segundos, do tempo da Terra, a forma até então sem vida de Lázaro começou a mover-se e, em breve, assentava-se na beira da plataforma de pedra onde estivera repousando. O seu corpo encontrava-se envolto nas mortalhas, e a sua face estava coberta com uma bandagem. E enquanto Lázaro — vivo — permanecia de pé diante deles, Jesus disse: “Desatai-o e deixai que ele se levante”.
168:2.4 (1846.3) Todos, exceto os apóstolos, Marta e Maria, fugiram dali para a casa. Estavam pálidos de pavor e tomados de espanto. Enquanto alguns ficaram lá, muitos se apressaram a ir para as suas casas.
168:2.5 (1846.4) Lázaro saudou Jesus e os apóstolos e perguntou sobre o significado das mortalhas e por que havia ele despertado no jardim. Jesus e os apóstolos puseram-se de lado, enquanto Marta contava a Lázaro sobre a sua morte, o enterro e a ressurreição. Ela teve de explicar-lhe que havia morrido no domingo e que agora havia sido trazido de volta à vida, na quinta-feira; pois Lázaro estivera sem a consciência do tempo, desde que adormecera na morte.
168:2.6 (1846.5) Enquanto Lázaro saía do túmulo, o Ajustador Personalizado de Jesus, atual dirigente da sua ordem neste universo local, deu o comando para o Ajustador de Lázaro, agora à espera, para que reassumisse a residência na mente e na alma do homem ressuscitado.
168:2.7 (1846.6) Então, Lázaro aproximou-se de Jesus e, com as suas irmãs, ajoelhou aos pés do Mestre para dar graças e oferecer o seu louvor a Deus. Jesus, tomando Lázaro pela mão, levantou-o, dizendo: “Meu filho, o que aconteceu a ti será também experimentado por todos aqueles que acreditam nas boas-novas do evangelho, exceto pelo fato de que eles serão ressuscitados em uma forma ainda mais gloriosa. Tu serás uma testemunha viva da verdade daquilo que eu disse — eu sou a ressurreição e a vida. Mas agora entremos na casa e tomemos algum alimento para nossos corpos físicos”.
168:2.8 (1846.7) E, enquanto caminhavam para a casa, Gabriel dissolveu os grupos adicionais de hostes ali reunidas, ao mesmo tempo em que registrava o primeiro e o último caso, sucedido em Urântia, no qual uma criatura mortal havia sido ressuscitada à semelhança do seu corpo físico mortal.
168:2.9 (1846.8) Lázaro mal podia compreender o que havia ocorrido. Ele sabia que tinha estado muito doente, mas podia lembrar-se apenas de que adormecera e de que fora despertado. E nunca se viu capaz de dizer nada sobre esses quatro dias no túmulo, porque tinha estado totalmente inconsciente. O tempo é inexistente para aqueles que dormem o sono da morte.
168:2.10 (1846.9) Embora muitos tivessem acreditado em Jesus por causa dessa obra poderosa, outros apenas endureceram o próprio coração, mais ainda, para rejeitá-lo. Por volta do meio-dia, no dia seguinte, essa história espalhou-se por toda a Jerusalém. Dezenas de homens e de mulheres foram a Betânia para contemplar Lázaro e falar com ele, e os fariseus alarmados e desconcertados convocaram uma reunião do sinédrio para que pudessem determinar o que deveria ser feito a respeito desses novos acontecimentos.
168:3.1 (1847.1) Ainda que o testemunho desse homem ressuscitado de entre os mortos muito fizesse para consolidar a fé da massa de crentes no evangelho do Reino, pouco ou nenhuma influência teve sobre a atitude dos líderes religiosos e dirigentes de Jerusalém, exceto no sentido de apressar a sua decisão de destruir Jesus e colocar um fim na sua obra.
168:3.2 (1847.2) No dia seguinte, sexta-feira, por volta de uma hora da tarde o sinédrio reuniu- se para deliberar novamente sobre a questão: “O que faremos com Jesus de Nazaré?” Após mais de duas horas de discussão e de um debate acirrado, um certo fariseu apresentou uma resolução que pedia a morte imediata de Jesus, proclamando que ele era uma ameaça para todo o Israel e formalmente comprometendo o sinédrio a decidir sobre a morte dele, sem julgamento, desafiando assim a todos os precedentes.
168:3.3 (1847.3) Por muitas vezes esse augusto grupo de líderes judeus havia decretado que Jesus fosse apreendido e trazido a julgamento, sob a acusação de blasfêmia e numerosas outras acusações de insulto à lei judaica sagrada. Uma vez, anteriormente, haviam ido longe a ponto de declarar que ele devia morrer; esta, no entanto, era a primeira vez que o sinédrio indicava ter o desejo de decretar a sua morte, antes de um julgamento. Essa resolução, porém, não foi colocada em votação, pois catorze membros do sinédrio demitiram-se, em massa, quando uma ação de tal modo inédita foi proposta. Embora tais demissões não houvessem sido formalizadas por quase duas semanas, esse grupo de catorze retirou-se do sinédrio naquele dia, para nunca mais se assentar em conselho. Quando essas demissões foram oficializadas, posteriormente, cinco outros membros foram demitidos porque os demais participantes acreditavam que eles alimentassem sentimentos amistosos para com Jesus. Com a saída desses dezenove homens, o sinédrio ficou em posição de tentar condenar Jesus, com uma solidariedade tal que beirava à unanimidade.
168:3.4 (1847.4) Na semana seguinte Lázaro e as suas irmãs foram convocados a comparecer perante o sinédrio. Quando o seu testemunho foi ouvido, nenhuma dúvida podia ser sustentada de que Lázaro tinha ressuscitado de entre os mortos. Embora os anais do sinédrio virtualmente admitissem a ressurreição de Lázaro, o registro comportava uma resolução atribuindo este e todos os outros prodígios feitos por Jesus ao poder do príncipe dos demônios, com quem, ficou declarado, Jesus estaria coligado.
168:3.5 (1847.5) Não importando qual fosse a fonte do seu poder de operar prodígios, esses líderes judeus estavam persuadidos de que, se não fosse imediatamente impedido, todo o povo comum logo acreditaria em Jesus; e, ademais, sérias complicações com as autoridades romanas adviriam, já que tantos dos seus crentes encaravam- no como o Messias, o libertador de Israel.
168:3.6 (1847.6) Foi naquela mesma reunião do sinédrio que Caifás, o sumo sacerdote, pela primeira vez, deu expressão àquele velho adágio judeu, que ele tantas vezes repetiu: “Melhor será morrer um só homem, do que perecer toda a comunidade”.
168:3.7 (1847.7) Embora haja recebido um aviso dos feitos do sinédrio, nessa tarde sombria de sexta-feira, Jesus não ficou nada perturbado e continuou repousando no sábado, em casa de amigos em Betfagé, um povoado perto de Betânia. Bem cedo, na manhã de domingo, Jesus e os apóstolos reuniram-se, como haviam combinado, na casa de Lázaro e, despedindo-se da família de Betânia, partiram em viagem de volta ao acampamento de Pela.
168:4.1 (1848.1) Na viagem de Betânia a Pela, os apóstolos perguntaram a Jesus sobre muitas coisas; e a todas as perguntas o Mestre respondeu livremente, exceto àquelas que envolviam os detalhes da ressurreição dos mortos. Essas questões estavam além da capacidade de compreensão dos seus apóstolos; e, por isso, o Mestre eximiu-se de discutir sobre tais questões com eles. E, já que eles haviam partido de Betânia secretamente, ninguém os acompanhava. Por conseguinte, Jesus aproveitou a oportunidade para dizer aos dez muitas coisas que, na sua opinião, iriam prepará-los para os dias de provações que tinham pela frente.
168:4.2 (1848.2) Os apóstolos estavam com as suas mentes bastante agitadas e passaram um tempo considerável discutindo as suas experiências recentes naquilo que se relacionavam com a prece e a resposta à prece. Todos se relembraram da afirmação de Jesus, feita para o mensageiro de Betânia em Filadélfia, quando ele disse claramente: “Essa enfermidade não o levará à morte”. E ainda, a despeito dessa promessa, Lázaro de fato morreu. Durante aquele dia inteiro, de novo e de novo, eles faziam a discussão voltar a essa questão da resposta à prece.
168:4.3 (1848.3) As respostas de Jesus às muitas perguntas de todos podem ser resumidas do seguinte modo:
168:4.4 (1848.4) 1. A prece é uma expressão da mente finita, em um esforço de aproximar- se do Infinito. A formulação da prece deve, pois, ser limitada pelo conhecimento, sabedoria e atributos do finito; do mesmo modo, a resposta deve ser condicionada pela visão, objetivos, ideais e prerrogativas do Infinito. Nunca pode ser observada uma continuidade ininterrupta de fenômenos materiais entre o fazer a prece e a recepção da plena resposta espiritual a ela.
168:4.5 (1848.5) 2. Quando uma prece não é aparentemente respondida, a demora, em geral, é presságio de uma resposta melhor, embora tal resposta, por alguma boa razão, demore bastante a vir. Quando Jesus disse que a doença de Lázaro não iria realmente levá-lo à morte, ele havia já estado morto por onze horas. A nenhuma prece sincera é negada uma resposta, exceto quando o ponto de vista superior do mundo espiritual já tenha divisado uma resposta melhor, uma resposta que satisfaça ao espírito do homem em contraposição à mera prece da mente humana.
168:4.6 (1848.6) 3. As preces do tempo, quando ditadas pelo espírito e expressas pela fé, são freqüentemente tão amplas e todo-inclusivas que apenas podem ser respondidas na eternidade; o pedido finito algumas vezes é tão impregnado do desejo de alcançar o infinito, que a resposta deve ser adiada durante muito tempo para aguardar a criação da capacidade adequada para a receptividade; a prece da fé pode ser tão todo-inclusiva que pode acontecer que a resposta seja recebida apenas no Paraíso.
168:4.7 (1848.7) 4. As respostas à prece da mente mortal são muitas vezes de uma natureza tal que apenas podem ser recebidas e reconhecidas depois que a mente, que a faz, houver alcançado o estado imortal. A prece do ser material muitas vezes apenas pode ser respondida quando o indivíduo tiver progredido até o nível espiritual.
168:4.8 (1848.8) 5. A prece de uma pessoa sabedora de Deus pode estar tão distorcida pela ignorância, e tão deformada pela superstição, que a resposta a ela poderia ser altamente indesejável. Então os seres espirituais, que intervêm, têm de traduzir tal prece, e de um tal modo, que, quando a resposta chegar, o próprio suplicante muitas vezes acaba deixando de reconhecer a resposta como sendo a solicitada.
168:4.9 (1848.9) 6. Todas as orações verdadeiras dirigem-se aos seres espirituais, e todas essas petições devem ser respondidas em termos espirituais, e todas essas respostas devem consistir em realidades espirituais. Os seres espirituais não podem conceder respostas materiais aos pedidos espirituais, ainda que provindos de seres materiais. Os seres materiais apenas fazem preces eficazes quando “oram em espírito”.
168:4.10 (1849.1) 7. Nenhuma prece deve esperar ser atendida, a menos que nasça do espírito e seja nutrida pela fé. A vossa fé sincera implica que, antecipada e virtualmente, tenhais concedido aos que ouvem a vossa prece o direito pleno de responder ao vosso pedido, de acordo com aquela sabedoria suprema e aquele amor divino o qual, segundo a descrição da vossa fé, sempre animam aqueles seres a quem dirigis as vossas preces.
168:4.11 (1849.2) 8. A criança está sempre dentro do seu direito quando ela presume pedir ao pai; e o pai está sempre dentro das suas obrigações de pai para com a criança imatura, quando a sua sabedoria superior dita que a resposta ao pedido da criança deva ser retardada, modificada, filtrada, transcendida ou adiada até um outro estágio na ascensão espiritual.
168:4.12 (1849.3) 9. Não hesiteis em fazer as preces de aspiração espiritual; não duvideis de que ireis receber uma resposta para os vossos pedidos. Essas respostas estarão em depósito, aguardando a vossa realização nos futuros níveis espirituais da verdadeira realização cósmica, neste mundo ou em outros, onde for possível a vós reconhecer e apropriar-vos da tão esperada resposta ao vosso pedido anterior, talvez ainda inoportuno então.
168:4.13 (1849.4) 10. Todos os pedidos genuínos nascidos do espírito na certa serão atendidos. Pedi e recebereis. Deveríeis lembrar-vos, todavia, que sois criaturas que progredis no tempo e no espaço e que, portanto, necessitais contar constantemente com o fator tempo-espacial na experiência da vossa recepção pessoal das plenas respostas às vossas múltiplas preces e pedidos.
168:5.1 (1849.5) Lázaro permaneceu em sua casa de Betânia, como foco de um grande interesse para muitos crentes sinceros e para inúmeros indivíduos curiosos, até a semana da crucificação de Jesus, quando, então, ele recebeu um aviso de que o sinédrio havia decretado a sua morte. Os dirigentes dos judeus estavam determinados a dar um fim a qualquer difusão posterior dos ensinamentos de Jesus, e não se enganaram ao julgar que seria inútil levar Jesus à morte e permitir que Lázaro, que representava o próprio apogeu da sua obra de prodígios, vivesse e testemunhasse o fato de que Jesus o havia ressuscitado de entre os mortos. As amargas perseguições deles, Lázaro já havia sofrido.
168:5.2 (1849.6) E, assim, Lázaro despediu-se apressadamente das suas irmãs em Betânia, fugindo para Jericó. Atravessando o Jordão, ele não se permitiu nenhum descanso longo, até que tivesse chegado à Filadélfia. Lázaro conhecia Abner muito bem; e lá se sentiu a salvo das intrigas assassinas do perverso sinédrio.
168:5.3 (1849.7) Logo depois disso, Marta e Maria venderam as suas terras de Betânia e juntaram- se ao seu irmão na Peréia. Nesse meio tempo, Lázaro havia-se tornado o tesoureiro da igreja na Filadélfia. Ele transformou-se em um forte apoio, para Abner, na contenda com Paulo e com a igreja de Jerusalém; por fim morreu, com 67 anos, da mesma enfermidade que já o havia levado, quando era um homem mais jovem em Betânia.
O Livro de Urântia
Documento 169
169:0.1 (1850.1) NA NOITE de segunda-feira, 6 de março, Jesus e os dez apóstolos chegaram ao acampamento de Pela. Foi essa a última semana da permanência de Jesus ali, quando esteve muito ativo ensinando à multidão e instruindo os apóstolos. Todas as tardes ele pregava ao povo e às noites respondia às perguntas dos apóstolos e de alguns dos discípulos mais avançados que residiam no acampamento.
169:0.2 (1850.2) A notícia sobre a ressurreição de Lázaro havia chegado ao acampamento dois dias antes da vinda do Mestre e toda a gente mantinha-se estimulada. Desde o episódio da alimentação dos cinco mil, nada acontecera para estimular tanto a imaginação do povo. E assim, no apogeu mesmo da segunda fase da ministração pública do Reino, é que Jesus planejou ensinar durante essa curta semana em Pela e então começar a viagem ao sul da Peréia, que conduziu às experiências finais e trágicas da última semana em Jerusalém.
169:0.3 (1850.3) Os fariseus e os sacerdotes principais haviam começado a formular as suas incriminações consolidando a forma das acusações. Eles opunham-se aos ensinamentos do Mestre nos seguintes pontos:
169:0.4 (1850.4) 1. Ele é amigo de publicanos e de pecadores; recebe os ímpios e até mesmo come com eles.
169:0.5 (1850.5) 2. Ele é um blasfemo; fala de Deus como sendo o seu Pai e julga-se um igual a Deus.
169:0.6 (1850.6) 3. Ele é um infrator da lei. Cura doenças no sábado, e de muitos outros modos burla a lei sagrada de Israel.
169:0.7 (1850.7) 4. Ele está ligado a demônios. Realiza prodígios e faz aparentes milagres, pelo poder de Belzebu, o príncipe dos demônios.
169:1.1 (1850.8) Na quinta-feira à tarde Jesus falou à multidão sobre a “Graça da Salvação”. No transcorrer desse sermão ele voltou a contar a história da ovelha e da moeda perdidas e então acrescentou a sua parábola favorita, a do filho pródigo. Disse Jesus:
169:1.2 (1850.9) “Fostes exortados por profetas, de Samuel a João, a buscar a Deus — a buscar a verdade. Sempre eles disseram: ‘Buscai o Senhor, enquanto Ele pode ser encontrado’. E todos esses ensinamentos deveriam ser tomados de coração. Mas eu vim mostrar-vos que, ao mesmo tempo que estais tentando encontrar Deus, do mesmo modo Deus está buscando encontrar-vos. Muitas vezes eu vos contei a história do bom pastor que deixou as noventa e nove ovelhas do aprisco e saiu em busca daquela que estava perdida e, ao encontrar a ovelha desviada, colocou-a sobre os ombros e, com ternura, levou-a de volta para o abrigo. Quando a ovelha perdida foi devolvida ao aprisco, vos lembrais que o bom pastor convocou os seus amigos e convidou-os para que se rejubilassem com a volta da ovelha que tinha estado perdida. E, novamente, eu digo que há mais júbilo no céu pelo pecador que se arrepende do que pelas noventa e nove pessoas justas que não necessitam de arrependimento. O fato de que algumas almas estejam perdidas apenas aumenta o interesse do Pai celeste. Eu vim a este mundo para cumprir o mandado do meu Pai; mas, realmente tem sido dito do Filho do Homem, que é amigo de publicanos e de pecadores.
169:1.3 (1851.1) “Foi-vos ensinado que a aceitação divina vem após o vosso arrependimento e em conseqüência de todos vossos esforços de sacrifício e penitência, mas vos asseguro que o Pai vos aceita mesmo antes de vos haverdes arrependido e envia a vós o Filho e os colaboradores Dele para encontrar-vos e trazer-vos, com júbilo, de volta ao aprisco, o Reino da filiação e o progresso espiritual. Vós sois todos como ovelhas que se desviaram, e eu vim para vos encontrar e salvar aqueles que estiverem perdidos.
169:1.4 (1851.2) “E devíeis lembrar-vos também da história da mulher que, tendo feito um colar de adorno, com dez moedas de prata, perdeu uma peça; então, acendeu a lâmpada e varreu cuidadosamente a casa, e manteve a busca, até encontrar a peça de prata perdida. E, tão logo achou a peça perdida, reuniu amigos e vizinhos, dizendo: ‘Rejubilai comigo, pois encontrei a peça que estava perdida’. E assim novamente vos digo, há sempre júbilo na presença dos anjos do céu, por causa de um pecador que se arrepende e retorna ao abraço do Pai. E vos conto essa história para incutir em vós a idéia de que o Pai e o Filho saem em busca daqueles que estão perdidos; e nessa busca nós empregamos todas as influências capazes de ajudar-nos em nossos esforços diligentes para encontrar aqueles que estão perdidos, aqueles que permanecem na necessidade de salvação. Assim, o Filho do Homem sai no deserto para buscar a ovelha que se desviou e, ao mesmo tempo, busca a moeda que foi perdida na casa. A ovelha extravia-se involuntariamente; a moeda cobre-se com o pó do tempo e esconde-se sob o acúmulo das coisas dos homens.
169:1.5 (1851.3) “E agora gostaria de contar-vos a história do filho imprudente de um fazendeiro abastado. Esse filho abandonou deliberadamente a casa do pai e saiu para uma terra estrangeira, onde passou por muitas atribulações. Vos lembrais de que a ovelha desviou-se involuntariamente, mas esse jovem abandonou a sua casa premeditadamente. Foi assim:
169:1.6 (1851.4) “Um certo homem tinha dois filhos; um, o mais jovem, era alegre e despreocupado, estava sempre atrás de um divertimento e esquivando-se da responsabilidade; ao passo que o seu irmão mais velho era sério, sóbrio, trabalhador e disposto a assumir as responsabilidades. Ora, esses dois irmãos não se davam muito bem um com o outro; e sempre se viam brigando e discutindo. O mais jovem era alegre e vivaz, mas indolente, e não era confiável; o mais velho era estável e industrioso mas, ao mesmo tempo, egocêntrico, mal-humorado e convencido. O mais jovem gostava de divertir-se e evitava o trabalho; o mais velho devotava-se ao trabalho e raramente divertia-se. A ligação entre eles tornou- se tão desagradável que o filho mais jovem chegou ao seu pai e disse: ‘Pai, dá-me o terço que me caberia das vossas posses, permiti-me sair para o mundo e buscar a minha própria sorte’. E quando o pai ouviu esse pedido, sabendo quão infeliz estava o jovem na sua casa com o irmão mais velho, dividiu a sua propriedade, dando ao jovem a sua parte.
169:1.7 (1851.5) “Em poucas semanas o jovem reuniu todos seus fundos e saiu em viagem a um país distante; mas, não encontrando nada proveitoso a fazer, e que também fosse aprazível, gastou rapidamente toda a sua herança em uma vida desenfreada. Depois de gastar tudo, uma grande fome surgiu naquele país e ele viu-se na miséria. Assim, sofreu um grande infortúnio, mas quando começou a passar fome encontrou um emprego com um dos cidadãos daquele país, sendo enviado aos campos para alimentar os suínos. E o jovem ter-se-ia saciado com as sobras comidas pelos porcos, mas ninguém lhe dava nada.
169:1.8 (1852.1) “Um dia, quando estava muito faminto, caiu em si e disse: ‘Os vários criados do meu pai têm abundância de pão, enquanto eu morro de fome aqui, alimentando porcos em um país estrangeiro! Vou levantar-me e irei ao meu pai dizer: Pai, eu pequei contra o céu e contra ti. Não sou mais digno de ser chamado de filho teu; apenas te disponha a fazer de mim um criado teu’. E, quando o jovem chegou a essa decisão, levantou-se e partiu em direção à casa de seu pai.
169:1.9 (1852.2) “Aquele pai, todavia, havia sofrido muito por causa do seu filho; havia sentido uma saudade imensa do jovem, alegre, ainda que irrefletido. O pai amava a esse filho e esteve aguardando constantemente o seu regresso, de modo que, no dia em que ele voltou para casa, o pai ainda de longe o viu e, sendo motivado pela compaixão do amor, correu para encontrá-lo e com muita afeição abraçou-o e beijou-o. E depois disso, o filho viu o rosto lacrimejante do pai e disse: ‘Pai, eu pequei contra o céu e perante os vossos olhos; não sou digno de que me chames de filho’ — o jovem, contudo, não teve oportunidade de completar sua confissão, porque o pai, rejubilante, disse aos criados, os quais nessa altura chegavam correndo: ‘Trazei depressa a melhor roupa dele, aquela que eu reservei, ponde o anel de filho na sua mão e arrumai sandálias para os seus pés’.
169:1.10 (1852.3) “E então, depois de conduzir o jovem cansado e de pés doloridos até a casa, o feliz pai disse aos criados: ‘Trazei o novilho gordo e matai-o, para que comamos e festejemos, pois esse filho meu esteve morto e agora está vivo novamente; esteve perdido e foi encontrado’. E reuniram-se com o pai para se rejubilar pelo retorno do filho.
169:1.11 (1852.4) “Nesse momento, enquanto celebravam, o filho mais velho chegou do seu dia de trabalho no campo e, ao se aproximar da casa, percebeu a música e a dança. Chegando à porta dos fundos, chamou um dos criados e perguntou sobre a causa de toda aquela festividade. O criado então lhe disse: ‘Teu irmão, há tanto tempo perdido, voltou para casa; e o teu pai matou o novilho gordo para comemorar o retorno dele, são e salvo. Vem para que também tu possas saudar teu irmão e recebê-lo de volta à casa do teu pai’.
169:1.12 (1852.5) “Ao ouvir isso, contudo, o irmão mais velho ficou magoado e enraivecido a ponto de não querer entrar na casa. Quando o pai soube desse ressentimento quanto a dar boas-vindas ao seu irmão mais jovem, saiu para implorar que o filho entrasse. Mas o filho mais velho não se deixaria levar pela persuasão do pai. E respondeu, com estas palavras: ‘Em todos esses anos eu tenho servido a ti, nunca transgredindo a menor das tuas ordens, ainda assim tu jamais me deste sequer um cabrito para me divertir com meus amigos. Permaneci aqui e cuidei de ti todos esses anos, mas nunca fizeste nenhuma festa por causa do meu serviço fiel; todavia, quando esse outro filho retorna, tendo esbanjado teus bens com as prostitutas e te apressas em matar o novilho gordo para festejá-lo’.
169:1.13 (1852.6) “Já que esse pai amava os seus dois filhos verdadeiramente, tentou raciocinar com o mais velho: ‘Mas, meu filho, tu tens estado comigo todo esse tempo, e tudo o que eu tenho é teu. Tu poderias ter matado um cabrito a qualquer momento para compartilhar a tua felicidade com os teus amigos. E seria oportuno que tu te juntasses a mim nesta alegria e felicidade pela volta do teu irmão. Pense nisto, meu filho, o teu irmão tinha estado perdido, se encontrou e voltou vivo para nós!’”
169:1.14 (1853.1) Essa foi, entre todas, uma das mais comoventes e eficientes entre todas as parábolas que Jesus já apresentou, para mostrar aos ouvintes a boa vontade do Pai em receber a todos que buscam a entrada no Reino do céu.
169:1.15 (1853.2) Jesus era muito afeiçoado a contar essas três histórias ao mesmo tempo. Apresentava a história da ovelha perdida para mostrar que, quando os homens afastam-se involuntariamente do caminho da vida, o Pai permanece atento a esses filhos perdidos e sai, com os seus Filhos, os verdadeiros pastores do rebanho, à procura da ovelha perdida. E então Jesus contou a história da moeda perdida na casa para ilustrar quão completa é a busca divina por todos que estão confusos, confundidos ou cegos espiritualmente, de um outro modo qualquer, por causa dos cuidados e preocupações da vida. E lançou-se a contar a parábola do filho perdido, da recepção dada na volta do filho pródigo, para mostrar quão completa é a reintegração do filho perdido na casa e no coração do Pai.
169:1.16 (1853.3) Muitas e muitas vezes durante os seus anos de ensinamento, Jesus contou e recontou a história do filho pródigo. Essa parábola e a história do bom samaritano eram os seus meios favoritos de ensinar sobre o amor do Pai e sobre a boa vizinhança entre os homens.
169:2.1 (1853.4) Certa tarde, Simão zelote, comentando uma das afirmações de Jesus, disse: “Mestre, o que tu quiseste dizer quando hoje mencionaste que muitos dos filhos do mundo são mais sábios para a sua geração do que os filhos do Reino, pois são hábeis em conseguir amigos com as riquezas feitas pelas injustiças?” Jesus respondeu:
169:2.2 (1853.5) “Alguns de vós, antes de entrardes no Reino, fostes muito astutos para lidar com os vossos amigos nos negócios. Se fostes injustos e muitas vezes desleais, não obstante prudentes e previdentes, é porque fizestes os vossos negócios com vistas apenas ao lucro imediato e a segurança futura. Do mesmo modo agora devereis levar as vossas vidas no Reino de maneira a proporcionar alegria no presente, ao mesmo tempo vos deveis assegurar do vosso júbilo futuro com os tesouros acumulados no céu. Se sois tão atentos ao efetuar os ganhos para vós próprios, quando a serviço do ego, por que, agora que sois servidores da irmandade dos homens e administradores de Deus, vos empenhar menos quando estais ganhando almas para o Reino?
169:2.3 (1853.6) “Podeis todos aprender uma lição com a história de um certo homem rico que tinha um administrador astuto, mas injusto. Esse servidor não somente havia pressionado os clientes do seu senhor para o seu próprio ganho egoísta, como havia gasto e dissipado diretamente os fundos do seu senhor. Quando tudo isso finalmente chegou aos ouvidos do seu senhor, ele chamou o administrador diante de si, e então perguntou-lhe o significado desses rumores, exigindo que prestasse imediatamente contas da sua administração e que se preparasse para entregar os negócios do seu senhor a uma outra pessoa.
169:2.4 (1853.7) “Ora, esse administrador infiel começou a dizer a si próprio: ‘O que vai ser de mim, já que estou a ponto de perder esta administração? Eu não tenho forças para cavar a terra; e para pedir tenho vergonha. Sei o que farei para assegurar- me de que, quando for despedido desta administração, eu seja bem recebido nas casas de todos aqueles que têm negócios com o meu senhor’. E então, chamando cada um dos devedores do seu senhor, disse ao primeiro: ‘Quanto deves ao meu senhor?’ Ele respondeu: ‘Cem medidas de óleo’. Então disse o administrador: ‘Pega a tua conta na prancha de cera, senta-te rapidamente e muda-a para cinqüenta’. Em seguida indagou a um outro devedor: ‘Quanto deves?’ Ao que ele respondeu: ‘Cem medidas de trigo’. Então o administrador disse: ‘Toma a tua conta e escreve oitenta’. E o mesmo ele fez com vários outros devedores. Assim esse administrador desonesto procurou fazer amigos para si próprio com vistas a ajeitar-se depois de dispensado da sua administração. E mesmo o seu mestre e senhor, quando subseqüentemente descobriu isso, foi levado a admitir que o seu administrador infiel, ao menos, havia demonstrado sagacidade, pela maneira pela qual havia buscado prover-se para os dias futuros de carência e adversidade.
169:2.5 (1854.1) “E é nesse sentido que os filhos deste mundo algumas vezes demonstram mais sabedoria na sua prevenção para o futuro, do que os filhos da luz. E digo, a todos que professam estar adquirindo tesouros no céu: Tomai lições com aqueles que fazem amigos aproveitando as riquezas desonestas, conduzindo assim vossa vida, fazendo amizade eterna com as forças da retidão, para que, quando todas coisas terrenas lhes faltarem, sejais recebidos com júbilo nas habitações eternas.
169:2.6 (1854.2) “Eu afirmo que aquele que é fiel nas coisas pequenas também será fiel nas grandes, enquanto aquele que não é reto nas coisas pequenas também não será nas grandes. Se não houverdes demonstrado previsão e integridade nos afazeres deste mundo, como podereis esperar ser fiéis e prudentes quando lhes for confiada a administração das verdadeiras riquezas do Reino do céu? Se não fordes bons administradores e banqueiros fiéis, se não tiverdes sido fiéis naquilo que é dos outros, quem será tolo o bastante para colocar grandes tesouros no vosso nome?
169:2.7 (1854.3) “E novamente eu declaro que nenhum homem pode servir a dois senhores; ou bem ele odiará um deles e amará o outro, ou então ficará com um enquanto ao outro desprezará. Não podereis servir a Deus e às riquezas”.
169:2.8 (1854.4) Quando os fariseus que estavam presentes ouviram isso, eles começaram a zombar e a escarnecer, pois eram muito dados a adquirir riquezas. Esses ouvintes pouco amistosos tentaram implicá-lo em uma discussão inútil, mas Jesus recusou-se a debater com os inimigos. Quando os fariseus caíram em altercações entre si, as suas vozes altas atraíram uma boa parte da multidão acampada nos arredores; e, quando começaram a disputar entre si, Jesus retirou-se, indo para a sua tenda passar a noite.
169:3.1 (1854.5) Quando a reunião tornou-se muito barulhenta, Simão Pedro, levantando-se, tomou o comando e disse: “Homens e irmãos, não é apropriado que discutais assim entre vós. O Mestre acabou de falar, e fazeis bem em ponderar as suas palavras. E o que ele proclamou a vós não é nenhuma nova doutrina. Não haveis ouvido sobre a alegoria dos nazaritas envolvendo o homem rico e o mendigo? Alguns de nós ouvimos João Batista bradar essa parábola de aviso àqueles que amam as riquezas e cobiçam os bens desonestos. E, ainda que essa antiga parábola não esteja de acordo com o evangelho que nós pregamos, todos vós faríeis bem em dar atenção às suas lições até a época em que puderdes compreender a nova luz do Reino do céu. A história como João a contou foi assim:
169:3.2 (1854.6) “Havia um certo homem rico de nome Dives que, vestido em púrpura e em linhos finos, vivia seus dias em luxo e esplendor. E havia um certo mendigo, chamado Lázaro, o qual permanecia no portão do rico homem, coberto de feridas e desejando ser alimentado com as migalhas que caíam da mesa do rico homem; sim, até os cães vinham e lambiam suas feridas. E aconteceu que o mendigo morreu e foi levado pelos anjos para descansar no seio de Abraão. E então, em breve, esse homem rico também morreu, sendo enterrado com grande pompa e esplendor régio. Ao partir deste mundo o homem rico acordou no Hades e, encontrando-se em tormento, levantou os olhos e viu longe Abraão, e Lázaro no seu seio. E então Dives gritou alto: ‘Pai Abraão, tem misericórdia de mim e envia Lázaro aqui para que ele possa molhar a ponta do seu dedo na água e refrescar a minha língua, pois estou em uma grande angústia com a minha punição’. E então Abraão respondeu: ‘Meu filho, devias lembrar que durante tua vida desfrutaste sempre das boas coisas, enquanto Lázaro sofreu o pior. Mas agora tudo isso mudou, vejo que Lázaro está confortado enquanto tu estás atormentado. E, além disso, entre nós há um grande abismo, de modo que não podemos ir a ti, nem tu podes vir a nós’. Então Dives disse a Abraão: ‘Eu oro para que envies Lázaro de volta à casa do meu pai, porquanto eu tenho cinco irmãos, para que ele possa testemunhar e impedir os meus irmãos de serem enviados para este local de tormentas’. Mas Abraão disse: ‘Meu filho, eles têm Moisés e os profetas, que eles os ouçam’. E então Dives respondeu: ‘Não, não, pai Abraão! Mas se alguém for até eles saindo dos mortos, eles arrepender- se-ão’. E então disse Abraão: ‘Se não houverem ouvido a Moisés e os profetas, não serão persuadidos mesmo por alguém que ressuscite dos mortos’”.
169:3.3 (1855.1) Depois que Pedro contou essa antiga parábola da irmandade nazarita, e posto que a multidão havia-se aquietado, André levantou-se e dispensou-os por aquela noite. Embora tanto os apóstolos quanto os seus discípulos freqüentemente fizessem perguntas a Jesus sobre a parábola de Dives e de Lázaro, ele nunca acedeu em comentar sobre ela.
169:4.1 (1855.2) Jesus sempre teve problemas ao tentar explicar aos apóstolos que, embora eles proclamassem o estabelecimento do Reino de Deus, o Pai nos céus não era um rei. Na época em que Jesus viveu na carne e ensinou na Terra, o povo de Urântia sabia que a maior parte dos reis e imperadores governavam as nações; e os judeus há muito contemplavam e contavam com a vinda do Reino de Deus. Por essas e por outras razões, o Mestre achou melhor designar a irmandade espiritual dos homens como o Reino do céu e o dirigente espiritual dessa irmandade como sendo o Pai nos céus. Nunca Jesus referiu-se ao seu Pai como um rei. Nas conversas pessoais com os apóstolos, sempre se referia a si próprio como o Filho do Homem e como o irmão mais velho. Ele qualificava todos os seus seguidores de servidores da humanidade e de mensageiros do evangelho do Reino.
169:4.2 (1855.3) Jesus nunca deu aos seus apóstolos uma lição sistemática a respeito da personalidade e atributos do Pai no céu. Ele nunca pediu aos homens que acreditassem no seu Pai; ele tinha como certo que eles acreditavam. Jesus nunca se rebaixou para oferecer argumentos como prova da realidade do Pai. O seu ensinamento a respeito do Pai centrava-se todo na declaração de que ele e o Pai eram Um; que aquele que havia visto o Filho, tinha visto o Pai; que o Pai, como o Filho, sabe de todas as coisas; que apenas o Filho e aqueles para quem o Filho revela o Pai, realmente, conhecem o Pai; que aquele que conhece o Filho, também conhece o Pai; e que o Pai o enviou ao mundo para revelar as Suas naturezas combinadas e para mostrar a sua obra conjunta. Jesus nunca fez outros pronunciamentos sobre o seu Pai, exceto para a mulher de Samaria no poço de Jacó, quando ele declarou: “Deus é espírito”.
169:4.3 (1856.1) De Jesus, vós aprendeis sobre Deus, observando a divindade da sua vida, não vos baseando nos seus ensinamentos. Da vida do Mestre, cada um de vós podeis assimilar o conceito de Deus que representa a medida da vossa capacidade de perceber as realidades espirituais e divinas, verdades reais e eternas. O finito nunca pode esperar compreender o Infinito, exceto como o Infinito é focalizado na personalidade tempo-espacial da experiência finita na vida humana de Jesus de Nazaré.
169:4.4 (1856.2) Jesus sabia bem que Deus pode ser conhecido apenas pelas realidades na experiência; que Ele não pode nunca ser compreendido pelo mero ensinamento da mente. Jesus ensinou aos seus apóstolos que, embora eles nunca pudessem compreender Deus plenamente, eles poderiam conhecê-Lo com toda a certeza, do mesmo modo que haviam conhecido o Filho do Homem. Vós podeis conhecer a Deus, não pela compreensão do que Jesus disse, mas conhecendo o que Jesus foi. Jesus foi uma revelação de Deus.
169:4.5 (1856.3) Exceto quando citava as escrituras hebraicas, Jesus referia-se à Deidade por apenas dois nomes: Deus e Pai. E sempre que o Mestre fez referência ao seu Pai, como Deus, ele geralmente empregou a palavra do hebreu que significa o Deus plural (a Trindade) e não a palavra Yavé, que representa a concepção progressiva do Deus tribal dos judeus.
169:4.6 (1856.4) Jesus nunca chamou o Pai de rei; e lamentou muito que a esperança judaica de um reino restaurado e que a proclamação de um Reino vindouro feita por João tivessem tornado necessário a ele denominar a irmandade espiritual, por ele proposta, de Reino do céu. Com uma exceção — a declaração de que “Deus é espírito” — , Jesus nunca se referiu à Deidade de qualquer outra maneira além daquela cujos termos descrevem a sua relação própria pessoal com a Primeira Fonte e Centro do Paraíso.
169:4.7 (1856.5) Jesus empregou a palavra Deus para designar a idéia de Deidade e a palavra Pai para designar a experiência de conhecer a Deus. Quando a palavra Pai é empregada para denotar Deus, ela deveria ser entendida no seu significado mais amplo possível. A palavra Deus não pode ser definida e por isso representa o conceito infinito do Pai; ao passo que o termo Pai, sendo capaz de uma definição parcial, pode ser empregado para representar o conceito humano do Pai divino, como ligado ao homem, durante o curso da existência mortal.
169:4.8 (1856.6) Para os judeus, Eloim era o Deus dos deuses, enquanto Yavé era o Deus de Israel. Jesus aceitou o conceito de Eloim e chamava de Deus a esse grupo supremo de seres. No lugar do conceito de Yavé, a deidade racial, ele introduziu a idéia da paternidade de Deus e da fraternidade mundial dos homens. Jesus exaltou o conceito de Yavé, de um pai racial deificado, passando-o para a idéia de um Pai para todos os filhos dos homens, o pai divino do crente individual. E ele ainda ensinou que esse Deus dos universos e esse Pai de todos os homens eram uma única e a mesma Deidade do Paraíso.
169:4.9 (1856.7) Jesus nunca reivindicou ser a manifestação do Eloim (Deus) na carne. Ele nunca declarou que era a revelação de Eloim (Deus) aos mundos. Ele nunca ensinou que aquele que o havia visto tinha visto Eloim (Deus). Mas ele proclamou- se como sendo a revelação do Pai na carne, e disse que todo aquele que o tinha visto, havia visto o Pai. Como Filho divino Jesus afirmou representar apenas o Pai.
169:4.10 (1857.1) De fato ele era o Filho até mesmo do Deus Eloim; mas, à semelhança da carne mortal e para os filhos mortais de Deus, ele escolheu limitar a revelação da sua vida a retratar o caráter do seu Pai, no que essa revelação pudesse ser compreensível para o homem mortal. No que diz respeito ao caráter das outras pessoas da Trindade do Paraíso havemos de contentar-nos com o ensinamento de que são todas como o Pai, cujo retrato pessoal foi revelado na vida do seu Filho encarnado, Jesus de Nazaré.
169:4.11 (1857.2) Na sua vida terrena, embora Jesus haja revelado a verdadeira natureza do Pai celeste, pouco ensinou sobre Ele. Na verdade, ele ensinou apenas duas coisas: que Deus é, Ele próprio, espírito, e que, para todas as questões de relacionamento com as Suas criaturas, Ele é um Pai. Nessa tarde, Jesus fez o pronunciamento final da sua relação com Deus, quando declarou: “Eu vim do Pai, e eu vim ao mundo; e, novamente, eu deixarei o mundo e irei para o Pai”.
169:4.12 (1857.3) Atenção, todavia! Nunca Jesus disse que “Aquele que tiver ouvido a mim terá ouvido a Deus”. No entanto, ele disse: “Aquele que houver visto a mim, terá visto o Pai”. Ouvir o ensinamento de Jesus não é equivalente a conhecer a Deus, mas ver Jesus é uma experiência que em si própria é uma revelação do Pai à alma. O Deus dos universos dirige a vasta criação, mas é o Pai nos céus que envia o Seu espírito para residir nas vossas mentes.
169:4.13 (1857.4) Na sua forma, à semelhança humana, Jesus é a lente que torna visível, para a criatura, a Ele, que é invisível. Jesus é o vosso irmão mais velho que, na carne, torna conhecido para vós um Ser de atributos infinitos a Quem nem mesmo as hostes celestes podem presumir compreender plenamente. Mas tudo isso deve consistir na experiência pessoal do indivíduo que crê. Deus, que é espírito, pode ser conhecido apenas como uma experiência espiritual. Deus pode ser revelado aos filhos finitos dos mundos materiais, pelo Filho divino dos Reinos espirituais, apenas como um Pai. Vós podeis conhecer o Eterno como um Pai; vós podeis adorá-Lo como o Deus dos universos, o Criador infinito de todas as existências.
O Livro de Urântia
Documento 170
170:0.1 (1858.1) SÁBADO à tarde, 11 de março, em Pela, Jesus pregou o seu último sermão o qual está entre os mais notáveis do seu ministério público e contém uma discussão plena e completa sobre o Reino do céu. Ele sabia da confusão que persistia nas mentes dos seus apóstolos e discípulos a respeito do sentido e do significado dos termos “Reino do céu” e “Reino de Deus”, os quais ele usou indistintamente para esclarecer a sua missão de auto-outorga. Ainda que o próprio termo Reino do céu pudesse ter sido suficiente para diferençar o que o próprio termo representava, separando-o de quaisquer ligações a reinos terrenos e governos temporais, não o foi de fato. A idéia de um rei temporal estava muito profundamente enraizada na mente judaica, para ser assim desfeita em uma única geração. Por isso, a princípio, Jesus não se opôs abertamente a esse conceito há tanto alimentado de um reino.
170:0.2 (1858.2) Nessa tarde de sábado, o Mestre procurou esclarecer o ensinamento sobre o Reino do céu; discutiu a questão sob todos os pontos de vista e tentou tornar claros os sentidos muito diferentes com os quais o termo havia sido empregado. Nesta narrativa amplificaremos sua palestra, acrescentando numerosas afirmações feitas por Jesus em ocasiões anteriores e incluindo algumas observações feitas apenas aos apóstolos, durante as conversas vespertinas naquele mesmo dia. Iremos também expor alguns comentários que tratam de uma elaboração subseqüente, sobre a idéia de um reino, da forma como se relaciona posteriormente à igreja cristã.
170:1.1 (1858.3) É preciso deixar claro, em qualquer ligação a ser estabelecida com a exposição do sermão de Jesus, que, nas escrituras hebraicas, havia um conceito duplo sobre o Reino do céu. Os profetas apresentaram o Reino de Deus como:
170:1.2 (1858.4) 1. Uma realidade presente.
170:1.3 (1858.5) 2. Uma esperança futura — quando então o Reino se apresentaria realizado na sua plenitude, quando do aparecimento do Messias. Esse é o conceito do Reino como João Batista ensinou.
170:1.4 (1858.6) Desde o princípio, Jesus e os apóstolos ensinaram ambos os conceitos. Havia duas outras idéias sobre o Reino que deveriam ser mantidas sempre em mente:
170:1.5 (1858.7) 3. O conceito judeu posterior de um reino mundial e transcendental, de origem sobrenatural e cuja inauguração seria miraculosa.
170:1.6 (1858.8) 4. Os ensinamentos persas retratando o estabelecimento de um reino divino, com a realização do triunfo do bem sobre o mal, no final do mundo.
170:1.7 (1858.9) Pouco antes da vinda de Jesus à Terra, os judeus combinaram e confundiram todas essas idéias sobre o Reino, com o seu conceito apocalíptico da vinda do Messias, para estabelecer a idade do triunfo dos judeus, a idade eterna do reinado supremo de Deus na Terra, o novo mundo, a era na qual toda a humanidade iria adorar a Yavé. Ao escolher utilizar esse conceito para o Reino do céu, Jesus elegeu apropriar-se da herança mais vital e culminante, tanto da religião judaica quanto da persa.
170:1.8 (1859.1) O Reino do céu, como tem sido entendido, e mal entendido, durante os séculos da era cristã, abrange quatro grupos distintos de idéias:
170:1.9 (1859.2) 1. O conceito dos judeus.
170:1.10 (1859.3) 2. O conceito dos persas.
170:1.11 (1859.4) 3. O conceito da experiência pessoal de Jesus — “o Reino do céu dentro de vós”.
170:1.12 (1859.5) 4. Os conceitos compostos e confundidos, que os fundadores e promulgadores da cristandade têm buscado inculcar ao mundo.
170:1.13 (1859.6) Em épocas diferentes e em circunstâncias variadas, parece que Jesus apresentou conceitos inúmeros do “Reino” nos seus ensinamentos públicos, mas para os seus apóstolos ele tratou o Reino como abrangendo a experiência pessoal do homem na relação com os seus semelhantes na Terra e com o Pai nos céus. A respeito do Reino, a sua última palavra foi: “o Reino está dentro de vós”.
170:1.14 (1859.7) Três fatores têm sido as causas dos séculos de confusão a respeito do significado do termo “Reino do céu”:
170:1.15 (1859.8) 1. A confusão ocasionada pela observância da idéia do “Reino”, da forma que foi passada, nas várias fases progressivas, do remanejamento dela, feito por Jesus e pelos seus apóstolos.
170:1.16 (1859.9) 2. A confusão que adveio inevitavelmente associada ao transplante do cristianismo primitivo, do solo judeu para o solo gentio.
170:1.17 (1859.10) 3. A confusão inerente ao fato de que o cristianismo tornou-se uma religião organizada em torno da idéia central da pessoa de Jesus; o evangelho sobre o Reino converteu-se cada vez mais numa religião sobre Jesus.
170:2.1 (1859.11) O Mestre deixou bastante claro que o Reino do céu deve ter início com o conceito dual da verdade da paternidade de Deus e do fato correlato da irmandade dos homens; e deve centralizar-se nesses conceitos. Jesus declarou que a aceitação desse ensinamento libertaria o homem da sua longa escravidão ao medo animal, ao mesmo tempo em que enriqueceria o viver humano com os seguintes dons da nova vida de liberdade espiritual:
170:2.2 (1859.12) 1. A posse de uma nova coragem e de um poder espiritual ampliado. A boa-nova do evangelho sobre o Reino deve liberar o homem e inspirá-lo a ter coragem de ansiar pela vida eterna.
170:2.3 (1859.13) 2. Essa boa-nova carrega a mensagem de uma confiança nova e de uma consolação verdadeira para todos os homens, mesmo para os pobres.
170:2.4 (1859.14) 3. Em si mesma, é um novo padrão de valores morais, uma nova medida de ética com a qual avaliar a conduta humana. Ela ilustra o ideal resultante de uma nova ordem na sociedade humana.
170:2.5 (1859.15) 4. Ela ensina a primazia do espiritual sobre o material; ela glorifica as realidades espirituais e exalta os ideais supra-humanos.
170:2.6 (1860.1) 5. Esse novo evangelho ressalta a realização espiritual como a verdadeira meta da vida. A vida humana recebendo um novo dom de valor moral e de dignidade divina.
170:2.7 (1860.2) 6. Jesus ensinou que as realidades eternas são o resultado (a recompensa) do esforço terreno de retidão. A permanência mortal do homem na Terra adquire um novo significado, em conseqüência do reconhecimento de um destino nobre.
170:2.8 (1860.3) 7. O novo evangelho afirma que a salvação humana é a revelação de um propósito divino de longo alcance a ser cumprido e realizado, em destino futuro, no serviço sem fim dos salvados filhos de Deus.
170:2.9 (1860.4) Esses ensinamentos cobrem a idéia ampliada do Reino, como foi ensinado por Jesus. Esse grande conceito não estava incluído nos ensinamentos elementares e confusos de João Batista sobre o Reino.
170:2.10 (1860.5) Os apóstolos viram-se incapazes de compreender o significado real das palavras do Mestre a respeito do Reino. A distorção posterior dos ensinamentos de Jesus, como registrados no Novo Testamento, acontece porque o conceito daqueles que escreveram os evangelhos encontrava-se matizado pela crença de que Jesus estaria ausente do mundo, então, apenas por um curto período de tempo; que ele retornaria logo para estabelecer o Reino em poder e glória — exatamente esta era a idéia que eles alimentavam enquanto Jesus estava junto deles na carne. Mas Jesus não ligava o estabelecimento do Reino à idéia do seu retorno a este mundo. Que se tenham passado os séculos sem nenhum sinal da vinda da “Nova Era”, de nenhum modo contradiz o ensinamento de Jesus.
170:2.11 (1860.6) O grande esforço que esse sermão representou era uma tentativa de converter o conceito do Reino do céu no ideal que é a idéia de fazer a vontade de Deus. Há muito, o Mestre havia já ensinado os seus seguidores a orar: “Vinde a nós o Vosso Reino; a Vossa vontade seja feita”; e nessa época ele sinceramente buscava induzi-los a abandonar o uso do termo Reino de Deus, em favor do equivalente mais prático, a vontade de Deus. Mas ele não teve êxito.
170:2.12 (1860.7) Jesus desejava substituir uma idéia de reino, com rei e súditos, pelo conceito da família celeste, do Pai celeste e dos filhos libertados de Deus, e empenhados no serviço voluntário e cheio de júbilo ao semelhante, e na adoração sublime e inteligente de Deus, o Pai.
170:2.13 (1860.8) Até então os apóstolos haviam formado um ponto de vista duplo sobre o Reino; eles consideravam-no como sendo:
170:2.14 (1860.9) 1. Uma questão de experiência pessoal, então presente nos corações dos verdadeiros crentes.
170:2.15 (1860.10) 2. Uma questão de fenômeno racial ou mundial; pois o Reino seria para o futuro; algo por que se devia aguardar ansiosamente.
170:2.16 (1860.11) Eles consideravam a vinda do Reino, aos corações dos homens, um desenvolvimento gradativo, como o fermento na massa ou como o crescimento da semente de mostarda. E acreditavam que a vinda do Reino no sentido racial ou mundial seria súbita, tanto quanto espetacular. Jesus nunca se cansou de dizer a eles que o Reino do céu era a experiência pessoal de realizar as mais altas qualidades da vivência espiritual; que essas realidades da experiência espiritual traduzem-se progressivamente em níveis novos e mais elevados de certeza divina e de grandeza eterna.
170:2.17 (1860.12) Nessa tarde, o Mestre ensinou claramente sobre um novo conceito da natureza dupla do Reino, descrevendo as duas características seguintes:
170:2.18 (1860.13) “Primeira: o Reino de Deus neste mundo, o desejo supremo de fazer a vontade de Deus, o amor não-egoísta pelos homens, que dá os bons frutos de uma conduta mais ética e mais moral.
170:2.19 (1861.1) “Segunda: o Reino de Deus nos céus, a meta dos crentes mortais, o estado em que o amor por Deus é perfeccionado; e no qual a vontade de Deus é feita mais divinamente”.
170:2.20 (1861.2) Jesus ensinou que aquele que acredita pela fé entra imediatamente no Reino. Nos seus vários discursos ensinou que duas coisas são essenciais à entrada no Reino por meio da fé:
170:2.21 (1861.3) 1. A fé e a sinceridade. Vir como uma criancinha, receber o dom da filiação como uma dádiva; submeter-se a fazer a vontade de Deus sem questionar e em confiança plena e genuína na sabedoria do Pai; vir ao Reino, livre de preconceitos e prejulgamentos; estar de mente aberta para aprender, como um filho não estragado por mimos.
170:2.22 (1861.4) 2. A fome da verdade. A sede de retidão, uma mudança na mente para a conquista de um motivo para ser como Deus e encontrar Deus.
170:2.23 (1861.5) Jesus ensinou que o pecado não é produto de uma natureza defeituosa, mas que é antes o fruto de uma mente conhecedora que se deixa dominar por uma vontade indômita. A respeito do pecado, ele ensinou que Deus já os perdoou e, pelo ato de perdoarmos ao nosso semelhante, tornamos o perdão de Deus disponível para nos favorecer pessoalmente. Ao perdoar ao vosso irmão na carne, estais criando uma capacidade na vossa própria alma de entrar na realidade do perdão de Deus para os vossos próprios erros.
170:2.24 (1861.6) Na época em que o apóstolo João começou a escrever a história da vida e dos ensinamentos de Jesus, os primeiros cristãos haviam tido tantos problemas com a idéia do Reino de Deus, e com as perseguições por ela geradas, que abdicaram quase por inteiro do uso desse termo. João fala muito sobre a “vida eterna”. Jesus referia-se, muitas vezes, a um “Reino da vida”. Ele referia-se também com freqüência ao “Reino de Deus, dentro de vós”. Certa vez falou da experiência de uma “irmandade na família de Deus, o Pai”. Jesus procurou substituir reino por muitos termos, mas sempre sem êxito. Entre outros, ele usou: família de Deus, vontade do Pai, amigos de Deus, comunidade dos crentes, irmandade dos homens, seio do Pai, crianças de Deus, comunidade dos fiéis, serviço do Pai e filhos liberados de Deus.
170:2.25 (1861.7) Todavia ele não pôde escapar do uso da idéia de um reino. Só mais de cinqüenta anos mais tarde, depois que os exércitos romanos destruíram Jerusalém, tal conceito de um reino começou a se transformar no culto da vida eterna, à medida que o seu aspecto social e institucional foi assumido pela igreja cristã, então, em vias de expansão e cristalização rápidas.
170:3.1 (1861.8) Jesus sempre tentou inculcar nos seus apóstolos e discípulos que eles deviam buscar, pela fé, uma retidão que excedesse em muito a retidão do trabalho servil de que alguns dos escribas e fariseus tanto se vangloriavam perante o mundo.
170:3.2 (1861.9) Embora Jesus ensinasse que a fé, aquela simples credulidade infantil, fosse a chave para a porta do Reino, ele também ensinou que, tendo passado porta adentro, havia os degraus progressivos da retidão, que toda criança crédula devia galgar para crescer, para alcançar a estatura plena de um robusto filho de Deus.
170:3.3 (1861.10) É no que diz respeito à técnica de receber o perdão de Deus que a realização na retidão do Reino se apresenta como revelada. A fé é o preço que vós pagais para entrar na família de Deus; mas o perdão é o ato de Deus que acolhe a vossa fé como o preço da admissão. Para um crente do Reino receber o perdão de Deus, torna-se necessária uma experiência definitiva e real que consiste nos quatro passos seguintes, os passos da retidão interior do Reino:
170:3.4 (1862.1) 1. O perdão de Deus fica de fato ao alcance do homem, que o experimenta pessoalmente tão logo ele perdoe os seus semelhantes.
170:3.5 (1862.2) 2. O homem não perdoará verdadeiramente os seus semelhantes a menos que os ame como a si próprio.
170:3.6 (1862.3) 3. Amar assim ao próximo, como a ti próprio, nisso está a mais elevada ética.
170:3.7 (1862.4) 4. A conduta moral, a verdadeira retidão, torna-se assim o resultado natural desse amor.
170:3.8 (1862.5) Torna-se evidente, portanto, que a verdadeira religião interior do Reino tende a se manifestar, infalível e crescentemente, nas vias práticas do serviço ao próximo. Jesus ensinou uma religião viva que compelia os seus crentes a empenhar- se em fazer o serviço do amor. Jesus não colocou, entretanto, a ética no lugar da religião. Ele ensinou a religião como uma causa e a ética como um resultado.
170:3.9 (1862.6) A retidão em qualquer ato deve ser medida pela motivação; as mais elevadas formas do bem são, portanto, inconscientes. Jesus nunca mostrava interesse pela moral ou pela ética enquanto tais. Ele estava integralmente interessado por aquela amizade interior e espiritual com Deus, o Pai, que se manifesta exteriormente com tanta certeza e tão diretamente quanto um serviço amoroso ao homem. Ele ensinou que a religião do Reino é uma experiência pessoal genuína que nenhum homem consegue limitar dentro de si próprio; que a consciência de ser um membro da família de crentes leva inevitavelmente à prática dos preceitos da conduta familiar, do serviço aos próprios irmãos e irmãs, em um esforço de elevar e de expandir a irmandade.
170:3.10 (1862.7) A religião do Reino é pessoal, individual; os frutos, os resultados, são da família, são sociais. Jesus nunca deixou de exaltar o individual como sagrado, em contraste com a comunidade. Mas ele também reconheceu que o homem desenvolve o seu caráter por meio do serviço não-egoísta; que desdobra a sua natureza moral por meio da relação do amor aos semelhantes.
170:3.11 (1862.8) Ao ensinar que o Reino é interior, exaltando o individual, Jesus deu um golpe de misericórdia na velha sociedade, inaugurando uma nova dispensação de verdadeira retidão social. O mundo conheceu ainda pouquíssimo dessa nova ordem de sociedade, porque se recusou a praticar os princípios dos ensinamentos sobre o Reino do céu. Quando este Reino, de preponderância espiritual, vier à Terra, não se manifestará simplesmente na melhora das condições sociais e materiais, traduzir-se-á mais por meio da glória dos valores espirituais, elevados e enriquecidos, que são característicos de uma era, a qual se avizinha, de melhores relações humanas e de realizações espirituais mais avançadas.
170:4.1 (1862.9) Jesus nunca deu uma definição precisa do Reino. Em certo momento ele discorreria sobre uma característica do Reino e, em uma outra hora, ele falaria sobre um aspecto diferente da irmandade do Reino de Deus nos corações dos homens. No decurso do sermão dessa tarde de sábado, Jesus destacou nada mais do que cinco fases, ou épocas, do Reino, e que são:
170:4.2 (1862.10) 1. A experiência pessoal interior da vida espiritual na amizade do crente individual com Deus, o Pai.
170:4.3 (1863.1) 2. A irmandade crescente dos crentes, na palavra de Deus; os aspectos sociais da moral mais elevada e da ética viva, resultantes do Reino, da predominância do espírito de Deus nos corações dos crentes individuais.
170:4.4 (1863.2) 3. A irmandade supramortal dos seres espirituais invisíveis que prevalece na Terra e nos céus, o Reino supra-humano de Deus.
170:4.5 (1863.3) 4. A perspectiva de uma realização mais integral da vontade de Deus, o avanço para o alvorecer de uma nova ordem social em conseqüência de um vivenciar espiritual mais aperfeiçoado — a próxima era para o homem.
170:4.6 (1863.4) 5. O Reino na sua plenitude, a idade espiritual futura de luz e vida na Terra.
170:4.7 (1863.5) E por isso devemos sempre examinar o ensinamento do Mestre, para nos certificarmos a respeito de qual dessas cinco fases pode estar referindo-se quando faz uso do termo Reino do céu. Por meio desse processo de modificar gradativamente a vontade do homem e de influenciar desse modo as decisões humanas, Michael e os seus colaboradores também estão gradativa, mas certamente, modificando todo o curso da evolução humana, sob vários aspectos, inclusive o social.
170:4.8 (1863.6) O Mestre, nessa ocasião, colocou ênfase nos cinco pontos seguintes, como representantes cardinais dos aspectos do evangelho do Reino:
170:4.9 (1863.7) 1. A predominância do individuo.
170:4.10 (1863.8) 2. A vontade como fator determinante na experiência humana.
170:4.11 (1863.9) 3. A comunhão espiritual com Deus, o Pai.
170:4.12 (1863.10) 4. As satisfações supremas do serviço amoroso do homem.
170:4.13 (1863.11) 5. A transcendência do espiritual sobre o material na personalidade humana.
170:4.14 (1863.12) Este mundo nunca experimentou seriamente, nem sincera ou honestamente, essas idéias dinâmicas e esses ideais divinos da doutrina de Jesus sobre o Reino do céu. Mas não devíeis ficar desencorajados por causa do progresso aparentemente lento da idéia do Reino em Urântia. Lembrai-vos de que a ordem da evolução progressiva está sujeita a mudanças periódicas súbitas e inesperadas, tanto no mundo material quanto no espiritual. Assim, pois, a auto-outorga de Jesus, como um Filho encarnado, foi um acontecimento estranho e inesperado na vida espiritual do mundo. E também não devíeis, ao procurardes pela manifestação do Reino, durante esta idade atual, cometer o erro fatal de deixar de efetivar o estabelecimento dele dentro das vossas próprias almas.
170:4.15 (1863.13) Conquanto Jesus haja feito referência a uma fase futura do Reino e tenha sugerido, em inúmeras ocasiões, que esse acontecimento poderia surgir como uma parte de uma crise mundial; e embora ele tenha prometido, de um modo muito seguro, em várias ocasiões, retornar, em alguma época, a Urântia, deveria ficar registrado que ele nunca condicionou uma dessas idéias necessariamente à outra. Ele prometeu uma nova revelação do Reino na Terra, para alguma época futura; e também prometeu voltar a este mundo pessoalmente em alguma época; mas não disse que esses dois acontecimentos eram sinônimos. De tudo o que sabemos, essas promessas podem, ou não, referir-se ao mesmo evento.
170:4.16 (1863.14) Os seus apóstolos e discípulos, com toda certeza, estabeleceram um vínculo entre esses dois ensinamentos. Quando o Reino não se materializou como eles esperavam, e então ao relembrarem-se do ensinamento do Mestre a respeito de um Reino futuro e relembrando-se da sua promessa de vir novamente, eles precipitaram-se na conclusão de que essas promessas referiam-se a um evento idêntico; e, por isso, eles viveram na esperança de uma segunda vinda imediata dele, para estabelecer o Reino na sua plenitude em poder e glória. Assim, as gerações sucessivas de crentes viveram na Terra, alimentando também essa mesma esperança inspiradora, porém decepcionante.
170:5.1 (1864.1) Havendo resumido os ensinamentos de Jesus sobre o Reino do céu, estamos autorizados a narrar certas idéias que se tornaram vinculadas ao conceito do Reino, e a engajarmo-nos em uma previsão profética do Reino tal como poderia evoluir em idade que virá.
170:5.2 (1864.2) Durante os primeiros séculos da propaganda cristã, a idéia do Reino do céu foi fortemente influenciada pelas noções do idealismo grego, que se espalhavam rapidamente então, a idéia do natural enquanto sombra do espiritual — do temporal como a sombra do eterno no tempo.
170:5.3 (1864.3) Mas os grandes passos que marcaram o transplante dos ensinamentos de Jesus, de um solo judeu para um solo gentio, foram dados quando o Messias do Reino tornou-se o Redentor da igreja, uma organização religiosa e social que crescia por causa das atividades de Paulo e dos seus sucessores, baseada nos ensinamentos de Jesus, suplementadas pelas idéias de Filo e pelas doutrinas persas do bem e do mal.
170:5.4 (1864.4) As idéias e os ideais de Jesus, incorporados aos ensinamentos sobre o Reino, o evangelho, quase deixaram de ser realizados, pois os seus seguidores distorciam progressivamente os seus pronunciamentos. O conceito do Reino, do Mestre, foi notavelmente modificado por duas grandes tendências:
170:5.5 (1864.5) 1. Os crentes judeus persistiam em considerá-lo como o Messias. Eles acreditavam que Jesus retornaria de fato, e muito em breve, para estabelecer um reino mundial e mais ou menos material.
170:5.6 (1864.6) 2. Os cristãos gentios começaram muito cedo a aceitar as doutrinas de Paulo, que levavam cada vez mais à crença geral de que Jesus era o Redentor dos filhos da igreja, que seria a sucedânea institucional do conceito inicial da irmandade puramente espiritual no Reino.
170:5.7 (1864.7) A igreja, como uma conseqüência social do Reino, teria sido plenamente natural e até mesmo desejável. O mal da igreja não veio da sua existência, mas antes do fato de haver ela suplantado, quase completamente, o conceito do Reino trazido por Jesus. A igreja, institucionalizada, de Paulo tornou-se uma substituta virtual para o Reino do céu proclamado por Jesus.
170:5.8 (1864.8) Não duvideis, contudo: esse mesmo Reino do céu que o Mestre ensinou, como existindo dentro do coração do crente, ainda será proclamado a esta igreja cristã, e a todas as outras religiões, raças e nações na Terra — bem como a todos os indivíduos.
170:5.9 (1864.9) O Reino, como ensinado por Jesus, o ideal espiritual de retidão do indivíduo e o conceito da divina comunhão do homem com Deus, foi gradualmente engolido pela concepção mística da pessoa de Jesus como um Criador-Redentor e dirigente espiritual de uma comunidade religiosa socializada. Desse modo uma igreja formal e institucional tornou-se a substituta para a irmandade do Reino, conduzida individualmente pelo espírito.
170:5.10 (1864.10) A igreja foi um resultado, social inevitável e útil, da vida de Jesus e dos seus ensinamentos; a tragédia consistiu no fato de que essa reação social aos ensinamentos do Reino tivesse desalojado e suplantado tão completamente o conceito espiritual do verdadeiro Reino, como Jesus ensinou-o e viveu-o.
170:5.11 (1865.1) O reino, para os judeus, era a comunidade israelita; para os gentios, tornou-se a igreja cristã. Para Jesus o Reino era o conjunto daqueles indivíduos que haviam professado a sua fé na paternidade de Deus, proclamando assim a sua dedicação a fazer a vontade de Deus de coração, e, pois, tornando-se membros da irmandade espiritual dos homens.
170:5.12 (1865.2) O Mestre compreendeu integralmente que alguns resultados sociais apareceriam no mundo em conseqüência da disseminação do evangelho do Reino; contudo, a sua intenção era de que todas essas manifestações sociais desejáveis devessem aparecer como conseqüências inevitáveis inconscientes, ou frutos naturais, dessa experiência interior pessoal dos crentes individuais, em uma comunidade puramente espiritual e na comunhão com o espírito divino que reside em todos esses crentes e que os anima.
170:5.13 (1865.3) Jesus previu que uma organização social ou igreja sucederia ao progresso do Reino espiritual verdadeiro, e por isso é que ele nunca se opôs a que os apóstolos praticassem o rito do batismo de João. Ele ensinou que a alma verdadeiramente amante da verdade, aquela que tem fome e sede de retidão, e de Deus, é admitida no Reino espiritual pela fé; ao mesmo tempo os apóstolos ensinavam que esse crente é admitido dentro da organização social dos discípulos por intermédio do rito exterior do batismo.
170:5.14 (1865.4) Quando os seguidores mais próximos de Jesus reconheceram que haviam fracassado parcialmente na realização do ideal, de Jesus, do estabelecimento do Reino nos corações dos homens, por meio da orientação e do predomínio exercido pelo espírito do crente individual, eles trataram de impedir que o seu ensinamento ficasse totalmente perdido, substituindo o ideal do Mestre, sobre o Reino, pela criação gradativa de uma organização social visível, a igreja cristã. E ao concretizaram esse programa de substituição, com a finalidade de manter uma coerência e prover um reconhecimento do ensinamento do Mestre a respeito do fato do Reino, levaram adiante a idéia de estabelecer o Reino no futuro. A igreja, tão logo ficou bem estabelecida, começou a ensinar que na realidade o Reino iria surgir no apogeu da era cristã, com a segunda vinda de Cristo.
170:5.15 (1865.5) Desse modo o Reino transformou-se no conceito de uma era, na idéia de uma visitação futura e no ideal da redenção final dos santos do Altíssimo. Os primeiros cristãos (e a maioria dos cristãos posteriores), em geral, perderam de vista a idéia de Pai-e-filho, incorporada ao ensinamento de Jesus sobre o Reino, ao substituírem- na pela bem organizada comunidade social da igreja. Em suma, a igreja transformou-se principalmente em uma fraternidade social que, efetivamente, deslocou e substituiu o conceito e o ideal de Jesus de uma irmandade espiritual.
170:5.16 (1865.6) O conceito ideal de Jesus não teve nenhum êxito em impor-se; mas, sobre a fundação que são a vida e os ensinamentos pessoais do Mestre, Paulo fez a construção de uma sociedade que, suplementando-se pelos conceitos gregos e persas, da vida eterna, e acrescida da doutrina de Filo, sobre o temporal em contraste com o espiritual, se tornou uma das sociedades humanas mais progressivas, como jamais existiu em Urântia.
170:5.17 (1865.7) O conceito de Jesus ainda está vivo nas religiões avançadas do mundo. A igreja cristã de Paulo é a sombra socializada e humanizada daquilo que Jesus tinha a intenção de que o Reino do céu fosse — e do que ainda, muito certamente, será. Paulo e os seus sucessores, em parte, transferiram as questões da vida eterna do indivíduo para a igreja. Cristo, assim, transformou-se em um dirigente da igreja, mais do que o irmão mais velho de cada indivíduo crente na família do Pai no Reino. Paulo e os seus contemporâneos aplicaram todas as implicações espirituais da palavra de Jesus, a respeito de si próprio e do indivíduo crente, à igreja como um grupo de crentes; e, ao fazer isso, eles deram um golpe mortal no conceito elaborado por Jesus, de que o Reino divino estaria no coração do crente individual.
170:5.18 (1866.1) E assim, durante séculos, a igreja cristã trabalhou sob uma situação bastante embaraçosa; pois ousou trazer a si os poderes misteriosos e os privilégios do Reino; poderes e privilégios estes que podem ser exercidos e experimentados apenas entre Jesus e os seus irmãos espirituais de crença. E assim torna-se claro que ser um membro da igreja não significa necessariamente estar em comunhão com o Reino; este é espiritual, a igreja é principalmente social.
170:5.19 (1866.2) Mais cedo ou mais tarde um outro João Batista, maior ainda, deverá surgir e proclamar que “o Reino de Deus está à mão” — querendo com isso referir-se a um retorno ao conceito altamente espiritual de Jesus, o qual proclamou que o Reino é a vontade do seu Pai no céu, dominante e transcendente, no coração daquele que crê — e fazendo tudo isso sem referir-se, de nenhum modo, nem à igreja visível na Terra nem à antecipada segunda vinda do Cristo. É necessário que haja um renascimento dos ensinamentos verdadeiros de Jesus; uma reafirmação que desfaça o trabalho dos seus primeiros seguidores, que acabaram criando um sistema sociofilosófico de crença em torno do fato da permanência de Michael na Terra. Em pouco tempo o ensinamento dessa história sobre Jesus quase suplantou a pregação de Jesus sobre o Reino. Assim, uma religião histórica veio a substituir o ensinamento no qual Jesus tinha combinado as idéias morais e os ideais espirituais mais elevados do homem com a esperança mais sublime do homem quanto ao futuro — a vida eterna. E essa é a boa-nova da palavra sobre o Reino.
170:5.20 (1866.3) O ensinamento de Jesus possuía muitas facetas diferentes; por isso, em uns poucos séculos, os estudantes dos registros desses ensinamentos dividiram-se em tantos cultos e seitas. Essa subdivisão lastimável, dos crentes cristãos, resulta da incapacidade de distinguir, nos ensinamentos múltiplos do Mestre, a unidade divina da sua incomparável vida. Algum dia, entretanto, aqueles que acreditam, verdadeiramente, em Jesus não estarão assim divididos espiritualmente nas suas atitudes, perante aqueles que não crêem. Podemos sempre ter diferenças de compreensão intelectual e de interpretação, e até níveis variados de graus de socialização, mas a falta de fraternidade espiritual não apenas é indesculpável como é repreensível.
170:5.21 (1866.4) Não vos equivoqueis! Há, nos ensinamentos de Jesus, uma natureza eterna que não permitirá que eles permaneçam infrutíferos para sempre nos corações dos homens que pensam. O Reino, como Jesus o concebeu, fracassou amplamente na Terra; no momento presente, uma igreja exterior tomou o seu lugar; mas devíeis compreender que essa igreja é apenas um estágio larvar do Reino espiritual obstruído; e que tal igreja irá conduzir o Reino ao longo dessa era material e até uma dispensação mais espiritual, na qual os ensinamentos do Mestre podem desfrutar de uma oportunidade mais plena para desenvolver-se. Assim a chamada igreja cristã torna-se a crisálida dentro da qual o Reino, segundo o conceito de Jesus, está agora adormecido. O Reino da irmandade divina ainda está vivo e, com certeza, finalmente irá sair dessa longa submersão, tal uma borboleta que por fim emerge, de uma criatura menos atraente, como um desdobramento da beleza, e fruto de um desenvolvimento metamórfico.
O Livro de Urântia
Documento 171
171:0.1 (1867.1) UM DIA após o memorável sermão sobre “O Reino do céu”, Jesus anunciou que ele e os apóstolos partiriam para a Páscoa em Jerusalém no dia seguinte, visitando, no caminho, numerosas cidades no sul da Peréia.
171:0.2 (1867.2) A elocução sobre o Reino e o anúncio de que ele estava indo para a Páscoa deixaram todos os seus seguidores pensando que ele estava indo a Jerusalém para inaugurar o reino temporal da supremacia judaica. Não importa o que Jesus haja dito sobre o caráter não-material do Reino, ele não podia extrair das mentes dos seus ouvintes judeus a idéia de que o Messias estava a ponto de estabelecer alguma espécie de governo nacionalista com sede em Jerusalém.
171:0.3 (1867.3) O que Jesus disse no sermão desse sábado apenas teve o efeito de confundir a maioria dos seus seguidores, poucos ficaram esclarecidos com o discurso do Mestre. Os líderes entenderam alguma coisa dos seus ensinamentos a respeito do Reino interior, “o Reino do céu dentro de vós”, mas eles também sabiam que ele havia falado sobre um outro reino futuro, e era para estabelecer este reino que eles acreditavam que ele agora ia a Jerusalém. E todos ficaram desapontados quanto às suas expectativas, quando Jesus foi rejeitado pelos judeus e, mais tarde, quando Jerusalém foi literalmente destruída, pois eles ainda apegavam-se às suas esperanças, acreditando sinceramente que o Mestre em breve retornaria ao mundo, com um grande poder e em uma glória majestosa, para estabelecer o reino prometido.
171:0.4 (1867.4) Nesse domingo à tarde, Salomé, a mãe de Tiago e de João Zebedeu, veio a Jesus com os seus dois filhos apóstolos e, do mesmo modo que alguém se aproxima de um potentado oriental, ela buscou ter, adiantadamente, a promessa de Jesus de conceder-lhe qualquer pedido que ela pudesse fazer. Mas o Mestre não queria prometer nada; em vez disso, perguntou a ela: “O que queres que eu faça por ti?” Então, Salomé respondeu: “Mestre, agora que tu estás indo a Jerusalém a fim de estabelecer o reino, eu pediria a ti, adiantadamente, que me prometesse, para estes meus dois filhos, dar-lhes honras contigo, fazendo deles, no teu reino, os que se sentarão um à tua mão direita e o outro à tua mão esquerda”.
171:0.5 (1867.5) Depois de ouvir o pedido de Salomé, Jesus disse: “Mulher, tu não sabes o que pedes”. E então, olhando profundamente nos olhos dos dois apóstolos que buscavam honrarias, disse: “Porque eu vos conheci e amei há muito tempo; porque eu vivi mesmo na casa da vossa mãe; porque André vos designou para estar comigo todo o tempo, por tudo isso, permitistes à vossa mãe vir a mim secretamente, fazendo esse pedido inconveniente? Deixai que eu vos pergunte, então: Sois capazes de beber da taça que eu estou a ponto de beber?” E, sem hesitar um instante para pensar, Tiago e João responderam: “Sim, Mestre, somos capazes”. Disse Jesus: “Eu me entristeço, pois vós não sabeis por que vamos a Jerusalém; eu sofro porque não compreendeis a natureza do meu Reino, eu me desaponto porque trazeis a vossa mãe para fazer esse pedido a mim, eu sei, todavia, que me amais dentro dos vossos corações; assim, declaro, que ireis de fato beber da minha taça de amargura e que compartilhareis da minha humilhação, mas, quanto a se sentar à minha mão direita e à minha mão esquerda, não me cabe conceder. Tais honrarias são reservadas para aqueles que foram designados pelo meu Pai”.
171:0.6 (1868.1) A essa altura alguém havia contado sobre tal conversa a Pedro e aos outros apóstolos, e eles ficaram bastante indignados de que Tiago e João houvessem buscado ser os preferidos, a eles, e que secretamente tivessem levado a própria mãe a fazer tal pedido. Quando eles começaram a discutir entre si, Jesus reuniu- os todos e disse: “Vós compreendeis bem com que prepotência os governantes dos gentios tratam os seus súditos, e como aqueles que são grandes exercem a autoridade. Mas não será assim no Reino do céu. Quem quiser ser grande dentre vós, que antes se torne o vosso servidor. Aquele que quiser ser o primeiro no Reino, que se torne o vosso ministrador. Eu declaro-vos que o Filho do Homem não veio para que lhe fosse ministrado, mas para ministrar; e eu vou a Jerusalém a fim de dar a minha vida, para cumprir a vontade do Pai e para servir aos meus irmãos”. Ao ouvirem essas palavras, os apóstolos retiraram-se para orar a sós. Naquela tarde, em conseqüência dos esforços de Pedro, Tiago e João desculparam- se adequadamente perante os dez e voltaram às boas graças dos seus irmãos.
171:0.7 (1868.2) Ao pedir lugares à mão direita e à mão esquerda de Jesus, em Jerusalém, os filhos de Zebedeu mal imaginavam que, em menos de um mês, o seu querido e bem-amado Mestre, estaria dependurado numa cruz romana, com um ladrão moribundo, de um lado, e um outro transgressor ainda, do outro lado. E a mãe deles, que estava presente à crucificação, lembrava-se bem do pedido tolo que havia feito a Jesus em Pela a respeito das honras, que tão insensatamente buscara para os seus filhos apóstolos.
171:1.1 (1868.3) Na manhã de segunda-feira, 13 de março, Jesus e os seus doze apóstolos despediram- se finalmente do acampamento de Pela, partindo para a sua viagem pelas cidades do sul da Peréia, onde condiscípulos ligados a Abner estavam trabalhando. Eles passaram mais de duas semanas em conversas com os setenta e então foram diretamente até Jerusalém, para a Páscoa.
171:1.2 (1868.4) Quando o Mestre deixou Pela, os discípulos, acampados com os apóstolos, em um total de cerca de mil pessoas, seguiram-no. Quase a metade desse grupo deixou-o no vau do rio Jordão, na estrada para Jericó, quando souberam que ele estava dirigindo-se para Hesbom e, depois que ele havia pregado o sermão sobre “Avaliando o Custo”, foram para Jerusalém. A outra metade seguiu-o durante duas semanas, visitando as cidades no sul da Peréia.
171:1.3 (1868.5) A maior parte dos seguidores imediatos de Jesus compreendeu, de um modo geral, que o acampamento em Pela havia sido abandonado, mas eles pensaram que isso indicava realmente que o seu Mestre afinal estava com a intenção de ir a Jerusalém e fazer valer as suas pretensões ao trono de Davi. Uma grande maioria dos seus seguidores nunca foi capaz de captar nenhum outro conceito do Reino do céu; não importava o que Jesus lhes ensinasse, eles não abandonariam essa idéia judaica de um reino.
171:1.4 (1868.6) Agindo sob as instruções do apóstolo André, Davi Zebedeu encerrou o acampamento dos visitantes em Pela, na quarta-feira, 15 de março. Nesse momento quase quatro mil visitantes residiam ali, e isso não incluía as mais de mil pessoas que permaneceram com os apóstolos, naquilo que era conhecido como o acampamento dos instrutores, e que foram para o sul com Jesus e os doze. Apesar do contragosto de fazê-lo, Davi vendeu todo o equipamento para numerosos compradores e seguiu com os fundos para Jerusalém, entregando o dinheiro subseqüentemente a Judas Iscariotes.
171:1.5 (1869.1) Davi esteve presente em Jerusalém durante a trágica última semana, levando a sua mãe consigo, de volta a Betsaida, depois da crucificação. Enquanto esperava por Jesus e pelos apóstolos, Davi hospedou-se na casa de Lázaro, em Betânia, e ficou profundamente perturbado pela maneira com que os fariseus haviam começado a perseguir Lázaro e a atormentá-lo, desde a sua ressurreição. André tinha instruído Davi a parar com o serviço dos mensageiros; e isso foi interpretado por todos como uma indicação inicial de que o Reino iria logo ser estabelecido em Jerusalém. Davi viu-se sem um emprego; e havendo quase decidido a tornar-se o defensor voluntário de Lázaro, aconteceu que o objeto da sua solicitude indignada fugiu às pressas para a Filadélfia. Em conseqüência, algum tempo depois da ressurreição de Jesus e também depois da morte da sua mãe, Davi dirigiu-se para a Filadélfia, havendo primeiro ajudado Marta e Maria a vender as suas propriedades; e lá, em associação com Abner e Lázaro, Davi passou o restante da sua vida, tornando-se o supervisor financeiro de todos aqueles grandes interesses do Reino, que teve o seu centro na Filadélfia durante a vida de Abner.
171:1.6 (1869.2) Pouco tempo depois da destruição de Jerusalém, a Antioquia tornou-se a sede do cristianismo paulino, enquanto a Filadélfia permaneceu como o centro do Reino do céu abneriano. Da Antioquia, a versão paulina dos ensinamentos de Jesus e sobre Jesus expandiu-se para todo o mundo ocidental; da Filadélfia, os missionários da versão abneriana do Reino do céu expandiram-se pela Mesopotâmia e pela Arábia, até tempos posteriores, quando, sem fazer concessões a outras religiões, esses emissários dos ensinamentos de Jesus foram subjugados pelo crescimento súbito do islamismo.
171:2.1 (1869.3) Quando Jesus e o grupo de quase mil seguidores chegaram ao vau de Betânia, no rio Jordão, algumas vezes chamado de Betabara, os seus discípulos começaram a compreender que ele não estava indo diretamente a Jerusalém. Enquanto, hesitantes, debatiam entre si próprios, Jesus subiu em uma imensa pedra e pronunciou aquele discurso que se tornou conhecido como “Avaliando o Custo”. O Mestre disse:
171:2.2 (1869.4) “De agora em diante, vós que quereis seguir-me, deveis aceitar pagar o preço da dedicação sincera a fazer a vontade do meu Pai. Se quiserdes ser meus discípulos deveis estar dispostos a abandonar pai, mãe, esposa, filhos, irmãos e irmãs. Se um de vós quiser agora ser meu discípulo, deverá estar disposto a abandonar até mesmo a sua vida, exatamente como o Filho do Homem está a ponto de oferecer a sua vida para completar a missão de cumprir a vontade do Pai na Terra e na carne.
171:2.3 (1869.5) “Se não estiverdes dispostos a pagar o preço integral, dificilmente podereis ser discípulos meus. Antes de continuardes, todos vós deveríeis assentar para avaliar o que pode custar ser meu discípulo. Qual de vós quererá assumir a construção de uma torre de vigia nas suas terras, sem antes avaliar o custo, para ver se possui dinheiro suficiente para completar a obra? Se errar ao calcular esse custo, depois que houver lançado a fundação, poderá descobrir que não é capaz de terminar aquilo que começou e, desse modo, todos os vizinhos irão debochar dele, dizendo: ‘Vede, esse homem começou a construir, mas não foi capaz de terminar a sua obra’. E, então, qual rei se prepara para fazer uma guerra contra um outro rei e não se senta e pede conselho sobre se será capaz, com dez mil homens apenas, de fazer frente ao outro que tem vinte mil homens? Se o rei não tem recursos para enfrentar seu inimigo, estando despreparado, ele envia um embaixador a esse outro rei, mesmo estando a uma grande distância, para pedir os termos da paz.
171:2.4 (1870.1) “Agora, então, cada um de vós deve sentar e avaliar o custo de ser discípulo meu. De agora em diante, não podereis mais seguir-nos, ouvindo o ensinamento e presenciando os trabalhos; ser-vos-á exigido enfrentar perseguições amargas e prestar testemunho do evangelho mesmo sob desapontamentos arrasadores. Se não estiverdes dispostos a renunciar a tudo o que sois e dedicar tudo o que possuirdes, então não sois dignos de ser meus discípulos. Se já houverdes conquistado a vós mesmos, dentro dos próprios corações, não precisais ter nenhum medo de que deva ser necessária uma vitória aparente, quando o Filho do Homem for rejeitado pelos sacerdotes principais e saduceus, e acabar sendo entregue nas mãos de incrédulos zombeteiros.
171:2.5 (1870.2) “Agora, deveis examinar a vós próprios para saber os motivos que tendes para ser meus discípulos. Se buscais honras e glórias, se estiverdes voltados para as coisas terrenas, então sois como o sal quando ele perdeu o seu sabor. E, quando aquele cujo valor está no seu poder de salgar, perde o seu sabor, com o que então se deve temperar? Tal condimento tornou-se inútil; serve apenas para ser jogado no lixo. E, pois, eu já vos preveni que voltásseis para as vossas casas em paz, se não estiverdes dispostos a beber comigo da taça que está sendo preparada. De novo e de novo eu vos disse que o meu Reino não é deste mundo, mas vós não quereis acreditar em mim. Aquele que tem ouvidos que ouça o que eu digo”.
171:2.6 (1870.3) Imediatamente depois de dizer essas palavras e fazendo os doze levantarem- se, Jesus partiu a caminho de Hesbon, seguido por cerca de quinhentas pessoas. Depois de uma breve demora, a outra metade da multidão tomou o caminho de Jerusalém. Os seus apóstolos, junto com os principais discípulos, pensaram muito sobre essas palavras, mas eles ainda se apegaram à crença de que, depois desse breve período de adversidade e de provação, o reino seria certamente estabelecido e, de um certo modo, de acordo com as esperanças acalentadas tão longamente por eles.
171:3.1 (1870.4) Durante mais de duas semanas, Jesus e os doze, seguidos por uma multidão de várias centenas de discípulos, viajaram pelo sul da Peréia, visitando todas as cidades em que os setenta possuíam obras. Muitos gentios viviam nessa região e, posto que poucos iriam à festa de Páscoa em Jerusalém, os mensageiros do Reino continuaram imediatamente com a sua obra de ensinar e de pregar.
171:3.2 (1870.5) Jesus encontrou-se com Abner em Hesbon; e André ordenou que os trabalhos dos setenta não fossem interrompidos pela festa da Páscoa; Jesus aconselhou aos mensageiros que continuassem os seus trabalhos, a despeito do que estava para acontecer em Jerusalém. Ele também aconselhou Abner a permitir que o corpo de mulheres fosse até Jerusalém para a Páscoa, segundo a decisão individual de cada uma. E essa foi a última vez que Abner viu Jesus na carne. A sua despedida de Abner foi: “Meu filho, eu sei que tu te manterás fiel ao Reino; e oro ao Pai para conceder-te a sabedoria a fim de que tu possas amar e compreender os teus irmãos”.
171:3.3 (1870.6) Enquanto viajavam de cidade em cidade, um grande número de seus seguidores desertou para ir a Jerusalém, de modo que, no momento em que Jesus partiu para a Páscoa, o número daqueles que seguiam junto com ele, dia a dia, havia minguado para menos de duzentas pessoas.
171:3.4 (1871.1) Os apóstolos compreenderam que Jesus estava indo a Jerusalém para a Páscoa. Sabiam que o sinédrio enviara uma mensagem a toda terra de Israel declarando que ele fora condenado a morrer e ordenando que qualquer pessoa que soubesse do seu paradeiro informasse ao sinédrio; e ainda, a despeito de tudo isso, eles não ficaram tão alarmados, como aconteceu quando ele anunciou- lhes na Filadélfia que estava indo a Betânia para ver Lázaro. Essa mudança de atitude, passando de um medo intenso para um estado de expectativa silenciosa, era, sobretudo, em vista da ressurreição de Lázaro. Eles haviam chegado à conclusão de que Jesus poderia, em uma emergência, afirmar o seu poder divino e levar os seus inimigos à vergonha. Essa esperança, combinada à fé mais profunda e madura na supremacia espiritual do seu Mestre, era responsável pela coragem exterior demonstrada pelos seus seguidores diretos, que agora se preparavam para ir com ele a Jerusalém a fim de enfrentar a declaração pública do sinédrio de que ele devia morrer.
171:3.5 (1871.2) A maioria dos apóstolos, e mesmo muitos dos seus discípulos mais próximos, não acreditava na possibilidade de que Jesus morresse; pensando que sendo ele “a ressurreição e a vida”, eles consideravam-no imortal e já triunfante sobre a morte.
171:4.1 (1871.3) Na quarta-feira, 29 de março, ao anoitecer, Jesus e os seus seguidores acamparam em Lívias, a caminho de Jerusalém, depois de ter completado a sua campanha nas cidades do sul da Peréia. Foi durante essa noite, em Lívias, que Simão zelote e Simão Pedro, havendo conspirado para que lhes fossem entregues em mãos, nesse local, mais de cem espadas, receberam e distribuíram essas armas a todos os que as aceitassem e que as usassem escondidas sob os mantos. Simão Pedro estava ainda portando a sua espada, na noite da traição ao Mestre no jardim.
171:4.2 (1871.4) Na quinta-feira pela manhã, bem cedo, antes dos outros despertarem, Jesus chamou André e disse: “Desperta os teus irmãos! Tenho algo a dizer a eles”. Jesus sabia sobre as espadas e quais dos seus apóstolos as tinham recebido e estavam portando tais armas, mas nunca revelou ter conhecimento dessas coisas. Depois de André haver despertado os seus amigos e de estarem todos reunidos, Jesus disse: “Meus filhos, haveis estado comigo por um bom tempo; e eu ensinei-vos muito do que é necessário a estes tempos, mas eu gostaria agora de prevenir-vos para que não ponhais a vossa confiança nas incertezas da carne, nem nas fraquezas da defesa humana contra as provações e testes que temos diante de nós. Eu vos reuni aqui, apenas nós, para que possa dizer-lhes claramente uma vez mais que estamos indo a Jerusalém, onde, como sabeis, o Filho do Homem já foi condenado à morte. E, novamente, vos estou dizendo que o Filho do Homem será entregue às mãos dos sacerdotes principais e dirigentes religiosos; e que eles o condenarão e então o colocarão nas mãos dos gentios. E, assim, zombarão do Filho do Homem, até mesmo cuspirão nele e o açoitarão, e o levarão à morte. E quando matarem o Filho do Homem, não vos consterneis, pois eu vos declaro que ao terceiro dia ele ressuscitará. Cuidai de vós mesmos e lembrai-vos daquilo sobre o que eu vos preveni”.
171:4.3 (1871.5) E novamente os apóstolos ficaram assombrados, atordoados; mas não chegaram a tomar as suas palavras literalmente; não puderam entender que o Mestre estivesse querendo dizer exatamente o que havia dito. Estavam tão cegos pela crença persistente em um reino temporal sobre a Terra, com quartéis centrais em Jerusalém, que simplesmente não podiam — não queriam — permitir a si próprios aceitar as palavras de Jesus como sendo literais. Naquele dia eles ponderaram sobre tudo o que o Mestre pudesse haver desejado expressar com pronunciamentos tão estranhos. Mas nenhum deles ousou fazer-lhe uma pergunta a respeito dessas afirmações. Só depois da sua morte, é que esses apóstolos desconcertados despertaram para a compreensão de que o Mestre lhes havia dito, clara e diretamente, em antecipação à sua crucificação.
171:4.4 (1872.1) Foi em Lívias, pouco depois do desjejum, que alguns fariseus amistosos chegaram até Jesus e disseram: “Foge depressa dessas paragens, pois Herodes, tal como fez a João, agora pretende matar-te. Ele teme um levante do povo e decidiu matar-te. Nós trazemos este aviso para que possas escapar”.
171:4.5 (1872.2) E isso era parcialmente verdade. A ressurreição de Lázaro havia amedrontado e alarmado Herodes e, sabendo que o sinédrio ousara condenar Jesus, mesmo antes de um julgamento, Herodes decidiu matar Jesus ou expulsá-lo dos seus domínios. Ele preferia realmente a segunda opção, pois temia tanto a Jesus que esperava não ser obrigado a executá-lo.
171:4.6 (1872.3) Quando Jesus ouviu o que os fariseus tinham a dizer, ele respondeu: “Bem sei do medo que Herodes tem deste evangelho do Reino. Não vos enganeis, contudo, ele desejaria muito que o Filho do Homem fosse a Jerusalém para sofrer e morrer nas mãos dos sacerdotes principais; apenas que havendo manchado as suas mãos com o sangue de João, ele não sente nenhuma ansiedade de tornar- se responsável pela morte do Filho do Homem. Ide e dizei àquela raposa que o Filho do Homem prega na Peréia hoje, que amanhã irá para a Judéia e que, depois de alguns dias, terá concluído a sua missão na Terra, com perfeição, e estará preparado para ascender ao Pai”.
171:4.7 (1872.4) Então, voltando-se aos seus apóstolos, Jesus disse: “Desde os tempos da antiguidade, os profetas têm perecido em Jerusalém, e será apenas conveniente que o Filho do Homem vá até a cidade da casa do Pai para ser oferecido como preço do fanatismo humano e como resultado do preconceito religioso e da cegueira espiritual. Ó Jerusalém, Jerusalém, tu que matas os profetas e apedrejas os instrutores da verdade! Por quantas vezes eu reuni os teus filhos do mesmo modo que uma galinha reúne a ninhada sob as suas asas, mas não queres que eu faça isso! Vê, a tua casa está a ponto de te deixar desolada! Tu desejarás muitas vezes ver-me, mas não verás. Tu, então, irás procurar-me, mas não me encontrarás”. E, quando terminou de falar, ele voltou-se para aqueles que estavam ao seu lado e disse: “Vamos então, apesar de tudo, a Jerusalém, assistir à Páscoa e fazer o que nos convém, a fim de satisfazermos a vontade do Pai nos céus”.
171:4.8 (1872.5) Era um grupo confuso e desnorteado de crentes aquele que seguiu Jesus até Jericó, nesse dia. Nas declarações de Jesus sobre o Reino, os apóstolos podiam discernir apenas aquela nota de triunfo final; eles não se dispunham a chegar a compreender os avisos de um revés iminente. Quando Jesus falou de “ressuscitar ao terceiro dia”, eles interpretaram essa afirmação como significando um triunfo certo de um reino, que viria imediatamente depois de uma desagradável escaramuça preliminar com os líderes religiosos judeus. O “terceiro dia” era uma expressão judaica comum, que significava “em breve” ou “logo depois”. Quando Jesus falou de “ressuscitar”, eles pensaram que ele referia-se à “ressurreição do reino”.
171:4.9 (1872.6) Jesus havia sido aceito por esses crentes como o Messias, e os judeus sabiam pouco ou nada sobre o sofrimento de um Messias. Eles não compreenderam que Jesus estava para realizar, com a sua morte, muitas coisas que nunca poderiam ter sido realizadas em sua vida. Do mesmo modo que a ressurreição de Lázaro animou os apóstolos a entrar em Jerusalém, a memória da perspectiva da transfiguração foi o que sustentou o Mestre nesse período de provações da sua auto-outorga.
171:5.1 (1873.1) No final da tarde de quinta-feira, 30 de março, Jesus e os seus apóstolos, à frente de um grupo de duzentos seguidores, se aproximaram dos muros de Jericó. Quando chegavam perto do portão da cidade, encontraram-se com uma multidão de mendigos, entre eles um certo Bartimeu, um ancião que era cego desde a sua juventude. Esse mendigo cego havia ouvido sobre Jesus e sabia tudo sobre a cura do cego Josias em Jerusalém. E nada sabia da última visita de Jesus a Jericó até que tivesse ido a Betânia. Bartimeu resolvera não permitir a passagem de Jesus por Jericó sem pedir-lhe pela restauração da sua visão.
171:5.2 (1873.2) As novas da aproximação de Jesus haviam sido anunciadas em Jericó, e centenas de habitantes afluíram para encontrá-lo. Quando a grande multidão retornou acompanhando o Mestre à cidade, Bartimeu, ouvindo o pesado tropel do povo, soube que algo inusitado estava ocorrendo e, assim, perguntou àqueles que estavam perto dele sobre o que estava acontecendo. E um dos mendigos respondeu: “Jesus de Nazaré está passando”. Quando Bartimeu ouviu dizer que Jesus estava por perto, levantou a sua voz e começou a gritar bem alto: “Jesus, Jesus, tem misericórdia de mim!” E, como ele continuasse a gritar cada vez mais alto, alguns daqueles que estavam perto de Jesus foram até ele e o repreenderam, pedindo-lhe que mantivesse a tranqüilidade; mas foi inútil; ele apenas gritava mais e mais alto.
171:5.3 (1873.3) Ao ouvir o cego gritando, Jesus parou. E quando o viu, ele disse aos seus amigos: “Trazei o homem a mim”. E então foram até Bartimeu e disseram: “Alegra-te; vem conosco, pois o Mestre te chama”. Quando Bartimeu ouviu essas palavras, colocou de lado o seu manto e pulou para o centro da estrada; e aqueles que estavam por perto guiaram-no até Jesus. Dirigindo-se a Bartimeu, Jesus disse: “O que queres que eu faça por ti?” Então o cego respondeu: “Eu gostaria de recuperar a visão”. E quando Jesus ouviu esse pedido e percebeu a sua fé, disse: “Recuperarás a tua visão; toma o teu caminho; a tua fé te curou”. Imediatamente Bartimeu recuperou a sua visão, e permaneceu perto de Jesus, glorificando a Deus, até que o Mestre partisse, no dia seguinte, para Jerusalém; e então ele ficou diante da multidão declarando a todos como a sua visão foi recuperada em Jericó.
171:6.1 (1873.4) Quando a procissão do Mestre entrou em Jericó, o sol estava quase se pondo e ele demonstrava disposição de permanecer ali naquela noite. Enquanto Jesus passava diante da casa da alfândega, aconteceu que Zaqueu, o dirigente publicano e coletor dos impostos, encontrava-se ali e desejava muito ver Jesus. Esse dirigente publicano era bastante rico e com freqüência ouvira falar sobre o profeta da Galiléia. Havia decidido que verificaria que tipo de homem era Jesus, na próxima vez que ele tivesse a oportunidade de visitar Jericó; e, desse modo, Zaqueu tratou de abrir caminho na multidão, mas ela era muito numerosa, e, sendo de estatura baixa, ele não podia ver por sobre as cabeças. E assim o chefe publicano seguiu a multidão até que todos chegaram perto do centro da cidade, não muito longe de onde ele vivia. Quando percebeu que não seria capaz de penetrar na multidão, e pensando que Jesus pudesse atravessar a cidade sem parar, ele correu adiante e subiu em um plátano cujos galhos estendidos avançavam por cima da estrada. Sabia que dali teria uma boa visão do Mestre, quando ele passasse. E não se desapontou, pois enquanto passava, Jesus parou e, olhando para Zaqueu, disse: “Apressa-te, Zaqueu, e desce, pois esta noite eu devo hospedar-me na tua casa”. E quando Zaqueu ouviu essas palavras surpreendentes, ele quase caiu da árvore na sua pressa de descer e, indo a Jesus, ele expressou o seu grande júbilo pelo fato de que o Mestre queria pernoitar na sua casa.
171:6.2 (1874.1) E foram imediatamente à casa de Zaqueu; e aqueles que viviam em Jericó ficaram muito surpresos de que Jesus consentisse em ficar na casa do dirigente publicano. E, enquanto o Mestre e os seus apóstolos estavam com Zaqueu diante da porta da casa, um dos fariseus de Jericó, que se encontrava ali por perto, disse: “Vede como este homem foi alojar-se com um pecador, um filho apóstata de Abraão, e que é um extorquidor e um ladrão do seu próprio povo”. E quando Jesus ouviu isso, ele olhou para Zaqueu e sorriu. Então Zaqueu subiu em um tamborete e disse: “Homens de Jericó, ouvi-me! Eu posso ser um publicano e um pecador, mas o grande Instrutor veio hospedar-se na minha casa; e, antes que ele entre, eu digo-vos que eu vou dar a metade de todos os meus bens aos pobres e, a começar de amanhã, se eu tiver exigido algo injusto de qualquer homem, eu devolverei em quádruplo. Vou buscar a minha salvação com todo o meu coração e aprender a agir com retidão aos olhos de Deus”.
171:6.3 (1874.2) Depois que Zaqueu terminou de falar, Jesus disse: “Hoje a salvação chegou a esta casa, e tu te tornaste verdadeiramente um filho de Abraão”. Voltando-se para a multidão reunida em torno deles, Jesus disse: “E não vos espanteis pelo que vos digo, nem vos ofendais com o que fazemos, pois eu tenho sempre declarado que o Filho do Homem veio para buscar e para salvar aquilo que estava perdido”.
171:6.4 (1874.3) Eles alojaram-se na casa de Zaqueu durante a noite. Na manhã seguinte levantaram- se, e dirigiram-se a Betânia, pela “estrada dos ladrões”, a caminho da Páscoa em Jerusalém.
171:7.1 (1874.4) Jesus distribuía alegria em todos os lugares por onde passava. Estava cheio de graça e de verdade. Os seus seguidores nunca cessavam de admirar-se com as palavras agradáveis que vinham da sua boca. Podeis cultivar a gentileza, mas a amabilidade e a doçura são o aroma da amizade que emana de uma alma saturada de amor.
171:7.2 (1874.5) A bondade sempre leva ao respeito, mas, quando é desprovida da graça, muitas vezes repele o afeto. A bondade é universalmente atraente apenas quando é cheia de graça. A bondade torna-se eficaz apenas quando é atraente.
171:7.3 (1874.6) Jesus realmente compreendeu os homens; e assim pôde manifestar uma simpatia verdadeira e demonstrar uma compaixão sincera. Mas ele raramente permitia-se a piedade. Enquanto a sua compaixão era sem limites, a sua simpatia demonstrava ser prática, pessoal e construtiva. Nunca a sua familiaridade com o sofrimento gerou indiferença, e ele era capaz de ministrar às almas afligidas sem aumentar a sua piedade.
171:7.4 (1874.7) Jesus podia ajudar tanto os homens porque ele amava-os muito sinceramente. De fato ele amava a cada homem, cada mulher e cada criança. E podia ser um amigo tão verdadeiro por causa do seu notável discernimento interior — ele conhecia muito profundamente o que se passava no coração e na mente do homem. Era um observador interessado e penetrante; bastante hábil para compreender a necessidade dos homens, e sagaz para detectar as aspirações humanas.
171:7.5 (1874.8) Jesus nunca se deixava tomar pela pressa. Tinha tempo para confortar os seus semelhantes “enquanto passava”. E sempre fez os seus amigos sentirem-se à vontade. Era um ouvinte encantador. E nunca tentava sondar de modo indiscreto as almas dos seus companheiros. Quando ele confortava as almas famintas e ministrava às almas sedentas, aqueles que recebiam a sua misericórdia não sentiam nem um pouco estar confessando-se a ele, mas sentiam que estavam conversando com ele. A confiança que nele era ilimitada, porque percebiam que também ele lhes dedicava uma profunda fé.
171:7.6 (1875.1) Nunca parecia estar curioso sobre as pessoas, e nunca manifestava o desejo de dirigi-las, administrá-las ou investigá-las. Ele inspirava uma confiança profunda e uma coragem robusta em todos que desfrutavam da sua companhia. Quando sorria diante de um homem, aquele mortal experimentava uma capacidade maior para resolver os seus múltiplos problemas.
171:7.7 (1875.2) Jesus amava tanto os homens, e tão sabiamente, que nunca hesitou em ser severo com eles, quando a ocasião demandava tal disciplina. E freqüentemente começava a ajudar uma pessoa pedindo a ajuda dela. Desse modo ele suscitava o seu interesse, recorrendo ao que de melhor existe na natureza humana.
171:7.8 (1875.3) O Mestre podia discernir a fé salvadora na grosseira superstição da mulher que buscava a cura tocando na barra do seu manto. Ele estava sempre pronto e disposto a interromper um sermão ou a deter uma multidão enquanto ministrava às necessidades de uma única pessoa, ainda que fosse uma criança pequena. Grandes coisas aconteciam, não apenas porque as pessoas tinham fé em Jesus, mas também porque Jesus tinha muita fé nelas.
171:7.9 (1875.4) A maior parte das coisas realmente importantes que Jesus disse ou fez parecia acontecer casualmente, “enquanto ele passava”. Pouco houve do lado profissional, do bem-planejado, ou do premeditado na ministração terrena do Mestre. Ele dispensava e espalhava saúde e felicidade, natural e graciosamente, na sua jornada pela vida. Era literalmente certo que, “ele caminhava fazendo o bem”.
171:7.10 (1875.5) E cabe aos seguidores do Mestre, em todas as idades, aprender a ministrar à medida que “passam” — para fazer o bem, sem egoísmo, enquanto vão cumprindo os seus deveres diários.
171:8.1 (1875.6) Eles não saíram de Jericó senão perto do meio-dia, pois estiveram acordados até tarde na noite anterior, enquanto Jesus ensinava a Zaqueu e à sua família o evangelho do Reino. O grupo parou para almoçar quase a meio caminho da estrada ascendente para Betânia, enquanto a multidão passava para ir a Jerusalém, não sabendo que Jesus e os apóstolos iam permanecer essa noite no monte das Oliveiras.
171:8.2 (1875.7) À diferença da parábola dos talentos, que se destinava a todos os discípulos, a parábola das minas foi contada mais restritivamente aos apóstolos e foi amplamente baseada na experiência de Arquelau e na sua tentativa inútil de alcançar o governo do reino da Judéia. Esta é uma das poucas parábolas do Mestre que se baseia em um personagem real da história. Não era de se estranhar que eles tivessem pensado em Arquelau, porquanto a casa de Zaqueu em Jericó estava muito próxima do adornado palácio de Arquelau, e o seu aqueduto corria ao lado da estrada pela qual eles tinham saído de Jericó.
171:8.3 (1875.8) Disse Jesus: “Pensais que o Filho do Homem vai a Jerusalém para receber um reino, mas vos declaro que estais fadados ao desapontamento. Não vos lembrais de um certo príncipe que foi a um país distante a fim de receber para si um reino, mas, mesmo antes dele retornar, os cidadãos da sua província, que já o haviam rejeitado nos seus corações, enviaram um embaixador atrás dele, para dizer: ‘Não queremos que este homem reine sobre nós’? Da mesma maneira que este rei foi rejeitado para o governo temporal, o Filho do Homem será rejeitado no governo espiritual. E novamente eu declaro que o meu Reino não é deste mundo; mas se ao Filho do Homem houvesse sido concedido o governo espiritual desse povo, ele teria aceitado tal Reino das almas dos homens e teria reinado sobre o domínio dos corações humanos. Não obstante haverem rejeitado o meu governo espiritual sobre eles, eu voltarei, para receber de outros, este Reino do espírito que agora me é negado. Vós vereis o Filho do Homem ser rejeitado hoje, mas, em uma outra idade, aquilo que agora os filhos de Abraão rejeitam, será recebido e exaltado.
171:8.4 (1876.1) “E, agora, como o nobre homem rejeitado dessa parábola, eu gostaria de chamar diante de mim meus doze servidores, administradores especiais, para entregar nas mãos de cada um a soma de uma mina, e seria bom admoestar-vos para que todos prestem bastante atenção às minhas instruções a fim de que possais negociar diligentemente com o capital que vos foi confiado durante a minha ausência, para que tenhais como justificar a vossa administração quando eu voltar, pois então será exigida de vós uma prestação de contas.
171:8.5 (1876.2) “E, mesmo se este Filho rejeitado não retornar, um outro Filho será enviado para receber este Reino, e esse Filho então chamará a todos vós para receber o vosso relatório de administração e para ficar alegre com os vossos ganhos.
171:8.6 (1876.3) “Quando esses administradores foram reunidos, subseqüentemente, para uma prestação de contas, o primeiro adiantou-se e disse: ‘Amo, com vossa mina eu fiz mais dez minas’. E o seu senhor disse-lhe: ‘Bem feito; sois um bom servidor. Por haverdes demonstrado fidelidade nessa questão eu dar-te-ei autoridade sobre dez cidades’. E o segundo veio, e disse: ‘A vossa mina, deixada comigo, Amo, fez cinco minas’. E o senhor disse: ‘Do mesmo modo eu fá-lo-ei dirigente de cinco cidades’. E assim foram os outros, até o último dos servidores o qual, ao ser chamado, reportou-se: ‘Amo, veja, aqui está a tua mina, que mantive com segurança enrolada neste guardanapo. E fiz isso por temor; eu acreditava que fosses pouco razoável, vendo que recolhes de onde nada depositaste e que procuras colher onde não semeaste’. Então disse o senhor: ‘Tu, servidor negligente e infiel, te julgarei segundo tua própria boca. Tu sabias que eu colho onde aparentemente não semeei e, portanto, tu sabias que essa conta seria exigida de ti. Sabendo disso, deverias ao menos ter dado o meu dinheiro a um banqueiro, para que no meu retorno pudesse eu tê-lo com os juros adequados’.
171:8.7 (1876.4) “E então o governante disse àqueles que aguardavam: ‘Tirai o dinheiro deste preguiçoso e dai àquele que tem dez minas’. E quando eles lembraram ao senhor que o primeiro servidor já tinha dez minas, ele disse: ‘A todo aquele que tem será dado mais, mas daqueles que não têm, mesmo aquilo que têm, ser-lhes- á tirado’”.
171:8.8 (1876.5) E então os apóstolos buscaram saber a diferença entre o significado dessa parábola e o daquela parábola anterior dos talentos, mas Jesus apenas diria, em resposta às muitas perguntas: “Ponderai bem essas palavras nos vossos corações, para que cada um de vós encontre o seu verdadeiro significado”.
171:8.9 (1876.6) Foi Natanael que tão bem ensinou o significado dessas duas parábolas nos anos seguintes, reunindo os seus ensinamentos nestas conclusões:
171:8.10 (1876.7) 1. A aptidão é a medida prática das oportunidades da vida. Vós nunca sereis considerados responsáveis pela realização daquilo que está além da vossa aptidão.
171:8.11 (1876.8) 2. A fidelidade é a medida infalível da confiabilidade humana. Aquele que é fiel nas coisas pequenas também deverá demonstrar fidelidade em tudo que seja compatível com os seus dons.
171:8.12 (1876.9) 3. O Mestre concede uma recompensa menor pela fidelidade menor, quando há igualdade de oportunidades.
171:8.13 (1877.1) 4. Ele concede uma recompensa igual por uma fidelidade igual, quando há menor oportunidade.
171:8.14 (1877.2) Quando terminaram o almoço, e depois que a multidão de seguidores havia ido para Jerusalém, Jesus, permanecendo diante dos apóstolos, à sombra de uma saliência de rocha ao lado da estrada, com dignidade jovial e com uma majestade plena de graça, apontou com o dedo para o oeste, dizendo: “Vinde, meus irmãos, entremos em Jerusalém, para receber ali o que espera por nós; assim cumpriremos a vontade do Pai celeste em todas as coisas”.
171:8.15 (1877.3) E assim Jesus e os seus apóstolos retomaram essa viagem, a última que o Mestre faria a Jerusalém à semelhança da carne do homem mortal.
O Livro de Urântia
Documento 172
172:0.1 (1878.1) JESUS e os apóstolos chegaram a Betânia pouco depois das quatro horas, na sexta-feira à tarde, 31 de março, do ano 30 d.C. Lázaro, as suas irmãs e os amigos deles aguardavam. E, já que tanta gente vinha durante todo o dia, para falar com Lázaro sobre a sua ressurreição, Jesus foi informado de que haviam sido feitos arranjos para que se alojasse com um crente da vizinhança, um certo Simão, o qual, desde a morte do pai de Lázaro, passou a ser o principal cidadão da pequena aldeia.
172:0.2 (1878.2) Naquela tarde, Jesus recebeu muitos visitantes, e a gente comum de Betânia e Betfagé deu o melhor de si para fazê-lo sentir-se bem-vindo. Embora muitos pensassem que agora Jesus estava indo para Jerusalém, em um total desafio ao decreto de morte do sinédrio, para proclamar-se rei dos judeus, a família de Betânia — Lázaro, Marta e Maria — compreendia mais profundamente que o Mestre não era aquela espécie de rei; e eles sentiram vagamente que esta poderia ser a sua última visita a Jerusalém e a Betânia.
172:0.3 (1878.3) Os sacerdotes principais estavam informados de que Jesus alojara-se em Betânia, mas julgaram que seria melhor não tentar apanhá-lo dentre os seus amigos; decidiram esperar a sua vinda a Jerusalém. Jesus sabia sobre tudo isso, mas se encontrava esplendidamente calmo; os seus amigos nunca o haviam visto mais tranqüilo e amável; mesmo os apóstolos estavam espantados de que ele estivesse tão despreocupado, sendo que o sinédrio havia convocado todo o mundo judeu a entregá-lo nas suas mãos. Enquanto o Mestre dormia, naquela noite, os apóstolos velavam por ele, dois a dois, e muitos deles estavam armados com espadas. Bem cedo, nessa manhã, eles foram acordados por centenas de peregrinos que vieram de Jerusalém, mesmo sendo um dia de sábado, para ver Jesus e Lázaro; o mesmo que Jesus havia ressuscitado dos mortos.
172:1.1 (1878.4) Os peregrinos vindos de fora da Judéia, bem como as autoridades judaicas, se haviam perguntado: “O que acha? Jesus virá para a festa?” Portanto, quando o povo ouviu dizer que Jesus estava em Betânia, ficou contente, os sacerdotes principais e os fariseus, todavia, se revelaram um tanto perplexos. Estavam contentes de tê-lo sob a sua jurisdição, mas ficaram um pouco desconcertados com a ousadia dele; lembraram-se de que, na sua visita anterior a Betânia, Lázaro havia ressuscitado dos mortos, e Lázaro estava transformando-se em um grande problema para os inimigos de Jesus.
172:1.2 (1878.5) Depois da festa do sábado, à tarde, seis dias antes da Páscoa, toda Betânia e Betfagé juntaram-se para celebrar a chegada de Jesus, com um banquete público na casa de Simão. Essa ceia deu-se em honra de Jesus e de Lázaro, e foi oferecida em desafio ao sinédrio. Marta orientou o serviço da comida; a sua irmã Maria estava entre as mulheres espectadoras, pois era contra o costume dos judeus que uma mulher tivesse assento em um banquete público. Os agentes do sinédrio encontravam-se presentes, mas eles temiam apreender Jesus no meio dos seus amigos.
172:1.3 (1879.1) Jesus conversou com Simão sobre o Joshua de outrora, cujo nome era homônimo seu; e contou como Joshua e os israelitas haviam vindo a Jerusalém, passando por Jericó. Ao comentar sobre a lenda da queda das paredes de Jericó, Jesus disse: “Eu não me preocupo com paredes de tijolos e de pedra; mas gostaria que as paredes do preconceito, da presunção e do ódio desmoronassem diante desta pregação sobre o amor que o Pai tem por todos os homens”.
172:1.4 (1879.2) O banquete continuou de um modo bastante alegre e normal, afora o fato de que todos os apóstolos estavam mais sérios do que de costume. Jesus encontrava- se excepcionalmente alegre e tinha estado brincando com as crianças até o momento de dirigir-se à mesa.
172:1.5 (1879.3) Nada de extraordinário aconteceu até perto do final do festim, quando Maria, a irmã de Lázaro, saiu do grupo das mulheres espectadoras e, indo até onde Jesus estava reclinado como hóspede de honra, pôs-se a abrir um grande frasco de alabastro de um ungüento muito raro e caro; e, depois de ungir a cabeça do Mestre, começou a ungir os seus pés e logo tomou os próprios cabelos para, com eles, enxugar-lhe os pés. Toda a casa começou a preencher-se com o odor do ungüento, e todos os presentes assombraram-se com o que Maria estava fazendo. Lázaro nada disse; mas quando algumas das pessoas murmuraram, mostrando indignação por um ungüento tão caro ser utilizado assim, Judas Iscariotes deu alguns passos até onde André estava reclinado e disse: “Por que não se teria vendido esse ungüento para dedicar o dinheiro a alimentar os pobres? Devias falar com o Mestre para que ele repreenda tal desperdício”.
172:1.6 (1879.4) Jesus, sabendo o que eles pensavam e ouvindo o que diziam, colocou a sua mão sobre a cabeça de Maria, que estava ajoelhada a seu lado e, com uma expressão bondosa no rosto, ele disse: “Deixai-a em paz, todos vós. Por que a importunais por isso, vendo que ela fez uma coisa boa, segundo o seu coração? A vós, que murmurais e que dizeis que esse ungüento deveria ter sido vendido para que o dinheiro fosse dado aos pobres, deixai que eu diga que tendes os pobres sempre convosco, de modo que podeis ministrar a eles a qualquer momento que parecer conveniente para vós; mas eu não estarei sempre convosco, em breve irei para junto do meu Pai. Essa mulher há muito guarda esse ungüento para o meu corpo, quando for enterrado, e agora que lhe pareceu bom fazer esta unção, em antecipação à minha morte, a ela não lhe será negada essa satisfação. Com isso, Maria lança a sua reprovação a todos vós, pois com esse ato ela evidencia fé no que eu disse sobre a minha morte e ascensão até meu Pai no céu. Essa mulher não será reprovada pelo que faz esta noite; entretanto, antes, eu digo a vós que, nas idades que virão, em todos os lugares por onde esse evangelho for pregado, o que ela fez será comentado em memória dela”.
172:1.7 (1879.5) Por causa dessa repreensão, que foi tomada como uma reprovação pessoal, Judas Iscariotes finalmente decidiu buscar vingança para as suas mágoas. Muitas vezes ele alimentou esse tipo de idéia subconscientemente, mas agora ousava ter esses pensamentos perversos na sua mente, de modo aberto e consciente. E muitos outros convivas encorajaram-no nessa atitude, pois o custo desse ungüento equivalia a uma soma igual aos ganhos de um homem durante um ano — o suficiente para dar pão a cinco mil pessoas. Maria, todavia, amava Jesus; e havia adquirido esse ungüento precioso, com o qual embalsamar o seu corpo na morte, pois acreditara nas palavras dele, quando Jesus avisou- lhes de antemão que iria morrer; e então não se lhe podia recusar nada por haver mudado de idéia e decidido fazer essa oferta ao Mestre enquanto estava vivo.
172:1.8 (1879.6) Tanto Lázaro quanto Marta sabiam que Maria vinha há muito tempo economizando o dinheiro com o qual comprar esse frasco de óleo de nardo, e eles aprovavam sinceramente que ela agisse, como o seu coração desejava, pois tinham posses e podiam facilmente arcar com uma tal oferta.
172:1.9 (1880.1) Quando os sacerdotes principais ouviram sobre esse jantar para Jesus e Lázaro, em Betânia, eles começaram a aconselhar-se entre si quanto ao que deveria ser feito com Lázaro. E decidiram imediatamente que Lázaro também devia morrer, concluindo, não sem acerto, que seria inútil levar Jesus à morte, caso permitissem que Lázaro, que havia sido ressuscitado dos mortos, vivesse.
172:2.1 (1880.2) Nesse domingo pela manhã, no magnífico jardim de Simão, o Mestre reuniu os doze apóstolos à volta de si para dar-lhes as instruções finais e preparatórias para entrarem em Jerusalém. Disse-lhes que provavelmente daria várias palestras e ensinaria muitas lições antes de voltar para o Pai, mas aconselhou aos apóstolos absterem-se de fazer qualquer trabalho público durante a permanência, em Jerusalém, nessa Páscoa. Ele instruiu-lhes para que ficassem perto dele e para que “vigiassem e orassem”. Jesus sabia que muitos dos seus apóstolos e mesmo seguidores imediatos, então, portavam espadas escondidas consigo, mas ele não fez menção a esse fato.
172:2.2 (1880.3) As instruções dessa manhã abrangiam um breve resumo das suas ministrações, desde o dia da ordenação de todos, perto de Cafarnaum, até esse dia em que todos se preparavam para entrar em Jerusalém. Os apóstolos ouviram em silêncio; e não fizeram perguntas.
172:2.3 (1880.4) Cedo, naquela manhã, Davi Zebedeu havia passado a Judas os fundos obtidos com a venda dos petrechos do acampamento de Pela, e Judas, por sua vez, havia colocado a maior parte desse dinheiro nas mãos de Simão, o anfitrião deles, para que o guardasse, como antecipação às demandas da entrada deles em Jerusalém.
172:2.4 (1880.5) Depois da conferência com os apóstolos, Jesus manteve uma conversa com Lázaro e instruiu-lhe que evitasse sacrificar a sua vida ao espírito de vingança do sinédrio. Em obediência a essa admoestação, poucos dias depois Lázaro fugiu para a Filadélfia, antes que os oficiais do sinédrio enviassem homens para prendê-lo.
172:2.5 (1880.6) De um certo modo, todos os seguidores de Jesus perceberam a crise iminente, mas, em vista da alegria inusitada e do bom humor excepcional do Mestre foram impedidos de compreender a seriedade dessa crise.
172:3.1 (1880.7) Betânia distava cerca de três quilômetros do templo e, meia hora depois da uma, naquela tarde de domingo, Jesus ficou pronto para partir rumo à Jerusalém. Tinha sentimentos de afeto profundo por Betânia e pelo seu povo simples. Nazaré, Cafarnaum e Jerusalém haviam-no rejeitado, mas Betânia o havia aceito e acreditado nele. E foi nessa pequena aldeia, onde quase todos os homens, mulheres e crianças eram crentes, que ele escolheu efetuar a obra mais poderosa da sua auto-outorga na Terra, a ressurreição de Lázaro. Jesus não ressuscitou Lázaro para que os aldeões pudessem crer, e sim porque eles já criam.
172:3.2 (1880.8) Durante toda a manhã, Jesus pensou sobre a sua entrada em Jerusalém. Até esse momento, ele havia sempre tentado impedir toda aclamação pública para si, como Messias, mas agora era diferente; aproximava-se o fim da sua carreira na carne, a sua morte havia sido decretada pelo sinédrio e nenhum mal poderia advir por ele permitir aos seus discípulos dar livre expressão aos próprios sentimentos, exatamente como poderia ocorrer se ele tivesse escolhido fazer uma entrada formal e pública na cidade.
172:3.3 (1881.1) Jesus não se decidiu por fazer essa entrada pública em Jerusalém como um último apelo ao favorecimento popular, nem como uma tentativa final de obter o poder. Nem o fez, de todo, para satisfazer às aspirações humanas dos seus discípulos e apóstolos. Jesus não abrigava nenhuma das ilusões de um sonhador fantasioso; ele sabia muito bem qual seria o desenlace dessa visita.
172:3.4 (1881.2) Tendo decidido fazer uma entrada pública em Jerusalém, o Mestre viu-se frente à necessidade de escolher um método adequado de executar essa resolução. Jesus pensou sobre todas as muitas chamadas profecias messiânicas, as mais e as menos contraditórias, mas parecia haver apenas uma que seria apropriada para ele seguir. A maior parte dessas declarações proféticas retratava o rei como um filho e sucessor de Davi, um audaz e enérgico libertador temporal de todo o Israel, do jugo do domínio estrangeiro. Mas havia uma passagem nas escrituras, algumas vezes associada ao Messias por aqueles que se atinham mais ao conceito espiritual da sua missão; e Jesus considerou que poderia utilizar coerentemente essa passagem como uma orientação para a entrada que projetava fazer em Jerusalém. Essa escritura encontra-se em Zacarias, e afirma: “Regozijai-vos grandemente, ó filha de Sion, dai gritos, ó filha de Jerusalém. Contemplai, o vosso rei vem a vós. Ele é justo e traz a salvação. Ele vem como alguém humilde, montado em um asno, em um jumento, filho de uma asna”.
172:3.5 (1881.3) Um rei guerreiro sempre entraria em uma cidade montado em um cavalo; um rei, em uma missão de paz e de amizade, sempre entraria montado em um asno. Jesus não queria entrar em Jerusalém como um homem montado em um cavalo, mas queria entrar pacificamente e com boa vontade, montado em um jumento, como o Filho do Homem.
172:3.6 (1881.4) Durante muito tempo, Jesus havia tentado, por meio de ensinamentos diretos, inculcar nos seus apóstolos e discípulos a idéia de que o seu Reino não era deste mundo, que era uma questão puramente espiritual; mas não havia conseguido êxito no seu esforço. Agora, queria tentar realizar, mediante um gesto de apelo simbólico, o que não havia alcançado por meio de um ensinamento claro e pessoal. Em vista disso, imediatamente depois do almoço, Jesus chamou Pedro e João, e, depois de ordenar-lhes que fossem a Betfagé, uma aldeia vizinha, um pouco afastada da estrada principal e a uma pequena distância a nordeste de Betânia, disse-lhes: “Ide a Betfagé e, ao chegardes ao cruzamento dos caminhos, encontrareis o jumento de uma asna, amarrado ali. Soltai o jumento e trazei-no convosco. Se alguém vos perguntar por que fazeis isso, dizei meramente: ‘O Mestre tem necessidade dele’”. E, quando os dois apóstolos foram a Betfagé, como o Mestre lhes havia instruído, eles acharam o jumento atado perto da sua mãe, no caminho aberto e perto de uma casa, em uma esquina. Quando Pedro começou a desamarrar o jumento, o seu proprietário veio e perguntou por que faziam aquilo e, quando Pedro respondeu-lhe que Jesus havia mandado que o fizesse, o homem disse: “Se o vosso Mestre é Jesus da Galiléia, que ele tenha o jumento”. E assim voltaram trazendo consigo o asno.
172:3.7 (1881.5) A essa altura, várias centenas de peregrinos haviam-se ajuntado em torno de Jesus e dos seus apóstolos. Desde o meio daquela manhã, os visitantes que passavam, a caminho da Páscoa, tinham ficado ali. Nesse meio tempo, Davi Zebedeu e alguns dos seus antigos companheiros mensageiros tomaram a si a incumbência de ir depressa a Jerusalém, onde eficazmente difundiram, entre as multidões de peregrinos visitantes nos templos, a notícia de que Jesus de Nazaré estava fazendo uma entrada triunfal na cidade. E, desse modo, vários milhares desses visitantes acudiram em massa para saudar esse profeta, autor de prodígios, de quem tanto se falava; e que alguns acreditavam ser o Messias. Essa multidão, saindo de Jerusalém, encontrou Jesus e a outra multidão que entrava na cidade, pouco depois de haver passado sobre o cume do monte das Oliveiras e começado a descida para a cidade.
172:3.8 (1882.1) Quando a procissão saiu de Betânia, havia um grande entusiasmo em meio à multidão festiva de discípulos, crentes e peregrinos visitantes; muitos procedentes da Galiléia e Peréia. Pouco antes de partirem, as doze integrantes do grupo original das mulheres, acompanhadas de alguns dos seus amigos, chegaram e juntaram-se a essa procissão única que se movia alegremente na direção da cidade.
172:3.9 (1882.2) Antes de partirem, os gêmeos Alfeus puseram os seus mantos no jumento e seguraram-no, enquanto o Mestre subia nele. À medida que a procissão movia-se para o topo do monte das Oliveiras, a multidão festiva jogava peças de roupa no chão e segurava os ramos das árvores próximas, para fazer um tapete de honra ao asno que trazia o Filho real, o Messias prometido. Enquanto a multidão feliz movia-se na direção de Jerusalém, todos começaram a cantar, ou a gritar em uníssono o salmo: “Hosana ao filho de Davi; abençoado é ele que vem em nome do Senhor. Hosana nas alturas. Abençoado seja o Reino que vem do céu”.
172:3.10 (1882.3) Jesus mantinha-se alegre e jovial, durante o trajeto, até chegarem ao cume do monte das Oliveiras, de onde se tinha uma visão plena das torres do templo; e o Mestre deteve ali a procissão; e um grande silêncio apoderou-se de todos, quando o viram chorando. Baixando o olhar sobre a vasta multidão que vinha da cidade para saudá-lo, o Mestre, com muita emoção e com uma voz chorosa, disse: “Ó Jerusalém, se tivesses apenas sabido, tu também, ao menos neste teu dia, as coisas que pertencem à tua paz, e que tu poderias tão livremente ter tido! Mas agora essas glórias estão a ponto de serem ocultadas dos teus olhos. Tu estás a ponto de rejeitar o Filho da paz e dar as tuas costas ao evangelho da salvação. Em breve virão os dias em que os teus inimigos abrirão uma trincheira em torno de ti e te assediarão por todos os lados; e irão destruir-te por completo, de modo que não ficará pedra sobre pedra. Tudo isso acontecerá a ti porque tu não reconheceste o momento da tua visitação divina. Estás a ponto de rejeitar a dádiva de Deus; e todos os homens te rejeitarão”.
172:3.11 (1882.4) Quando ele terminou de falar, eles começaram a descer o monte das Oliveiras e em breve a multidão de visitantes, que havia vindo de Jerusalém, juntou-se a eles, agitando no ar os ramos de palmas, gritando hosanas e expressando de outras maneiras o seu regozijo e a boa irmandade. O Mestre não havia planejado que essas multidões viessem de Jerusalém para encontrá-los; aquilo tinha sido obra de outras pessoas. Ele nunca premeditou nada que fosse ostensivo ou dramático.
172:3.12 (1882.5) Junto com a multidão, que afluía para dar as boas-vindas ao Mestre, vieram também vários dos fariseus e outros inimigos de Jesus. Estavam tão perturbados por essa súbita e inesperada explosão de aclamação popular que temeram prendê-lo, pois uma ação assim poderia precipitar uma revolta aberta da população. Eles temiam em muito a atitude do grande número de visitantes, que haviam ouvido falar bastante de Jesus e que, vários deles, acreditavam nele.
172:3.13 (1882.6) Ao aproximar-se de Jerusalém, a multidão tornou-se mais expressiva, tanto que alguns dos fariseus adiantaram-se, indo até Jesus, para dizer: “Instrutor, deverias repreender os teus discípulos e exortá-los a comportarem-se mais convenientemente”. Jesus respondeu: “Conveniente é que esses filhos dêem as suas boas-vindas ao Filho da Paz, que foi rejeitado pelos principais sacerdotes. Inútil seria pará-los, pois, no seu lugar, essas pedras ao longo da estrada começariam a gritar”.
172:3.14 (1882.7) Os fariseus apressaram-se para ir à frente da procissão e voltar ao sinédrio, que então estava reunido no templo; e eles relataram aos seus amigos: “Vede, tudo o que fazemos não serve de nada; estamos sendo confundidos por esse galileu. O povo ficou louco por causa dele; se não pararmos esses ignorantes, todo o mundo o seguirá”.
172:3.15 (1883.1) Realmente não cabia atribuir um significado mais profundo a essa explosão superficial e espontânea de entusiasmo popular. Essas boas-vindas, embora tenham sido alegres e sinceras, não indicavam qualquer convicção verdadeira ou profunda nos corações dessa multidão festiva. Essas mesmas multidões ver-se- iam igualmente dispostas a rejeitar Jesus rapidamente, mais tarde, nessa mesma semana, quando o sinédrio tivesse tomado uma posição firme e decidida contra ele, e quando eles ficassem desiludidos — quando eles entendessem que Jesus não iria estabelecer o Reino de acordo com as expectativas nutridas durante tanto tempo por eles.
172:3.16 (1883.2) Toda a cidade, contudo, via-s fortemente agitada, a um ponto em que todos perguntavam: “Quem é este homem?” E a multidão respondia: “Este é o profeta da Galiléia, Jesus de Nazaré”.
172:4.1 (1883.3) Enquanto os gêmeos Alfeus devolviam o jumento ao seu proprietário, Jesus e os dez apóstolos destacavam-se dos seus seguidores imediatos e davam uma volta pelo templo, vendo os preparativos para a Páscoa. Nenhuma tentativa foi feita para molestar Jesus, pois o sinédrio temia muito o povo; e essa era, afinal, uma das razões que Jesus tinha tido para permitir que a multidão o aclamasse assim. Os apóstolos pouco compreenderam que era essa a única forma humana de proceder, que poderia ter sido eficaz para impedir a prisão imediata de Jesus, ao entrar na cidade. O Mestre desejava dar aos habitantes de Jerusalém, aos notáveis bem como aos humildes e às dezenas de milhares de visitantes da Páscoa, mais essa última oportunidade de ouvir o evangelho e receber o Filho da paz, se assim o quisessem.
172:4.2 (1883.4) E agora, que a tarde caía e as multidões partiam em busca de alimentos, Jesus e os seus seguidores diretos foram deixados a sós. Que dia estranho havia sido aquele! Os apóstolos estavam pensativos, mas nada diziam. Nunca, em todos os anos da sua associação com Jesus, haviam presenciado um dia como aquele. Por um momento sentaram-se perto do tesouro do templo, observando o povo jogar ali as suas contribuições: os ricos pondo muito na caixa coletora e todos dando de acordo com as suas posses. Ao final chegou ali uma viúva pobre, miseravelmente vestida, e eles perceberam que ela jogara duas moedas (pequenas peças de cobre) na corneta. E então Jesus disse, chamando a atenção dos apóstolos para a viúva: “Guardai bem o que acabastes de ver. Esta pobre viúva jogou ali mais do que todos os outros, pois todos os outros puseram lá uma pequena fração do seu supérfluo, como dádiva, mas esta pobre mulher, mesmo estando em necessidade, deu tudo o que tinha, até mesmo aquilo de que necessitava”.
172:4.3 (1883.5) Enquanto a tarde caía, eles caminharam pelas praças do templo em silêncio e, após Jesus haver observado essas cenas familiares, uma vez mais, relembrando as suas emoções de visitas passadas, não se esquecendo das primeiras, ele disse: “Vamos a Betânia para descansar”. Jesus, junto com Pedro e João, foram para a casa de Simão, enquanto os outros apóstolos alojaram-se com os seus amigos em Betânia e Betfagé.
172:5.1 (1883.6) Nesse domingo à tarde, ao voltarem a Betânia, Jesus caminhou à frente dos apóstolos. Nenhuma palavra foi pronunciada até que eles separaram-se, depois de chegarem à casa de Simão. Jamais doze seres humanos experimentaram emoções tão diversas e inexplicáveis, como as que surgiam agora nas mentes e nas almas desses embaixadores do Reino. Esses robustos galileus encontravam-se confusos e desconcertados; não sabiam o que esperar, em seguida; estavam surpresos demais para sentir medo. Nada sabiam dos planos do Mestre para o dia seguinte, e não fizeram perguntas. Foram para os seus alojamentos, ainda que não dormissem muito, exceto os gêmeos. Contudo, não montaram uma guarda armada para Jesus na casa de Simão.
172:5.2 (1884.1) André estava profundamente desnorteado, quase confuso. Foi o único apóstolo que não tentou avaliar seriamente a explosão popular de aclamação. Seu pensamento estava por demais ocupado, com a responsabilidade de dirigente do corpo apostólico, para dar uma atenção mais séria ao sentido ou à significação dos altos hosanas da multidão. André estava ocupado dando atenção a alguns dos seus companheiros que, ele temia, se pudessem deixar levar pelas próprias emoções durante a agitação, particularmente Pedro, Tiago, João e Simão zelote. Durante esse dia e nos dias imediatamente seguintes, André foi dominado por sérias dúvidas, mas nunca transmitiu qualquer dessas apreensões aos seus colegas apóstolos. Encontrava-se preocupado com a atitude de alguns dentre os doze os quais ele sabia estarem armados com espadas; mas não sabia que o seu próprio irmão, Pedro, portava tal arma. E assim a procissão a Jerusalém causou uma impressão relativamente superficial sobre André; ele estava preocupado demais com as responsabilidades do seu cargo para ser afetado por outras coisas.
172:5.3 (1884.2) Simão Pedro inicialmente ficou muito impressionado com a manifestação popular de entusiasmo; no entanto ele estava consideravelmente equilibrado, no momento em que retornaram para Betânia, naquela noite. Pedro simplesmente não podia imaginar o que o Mestre pretendia fazer. Estava terrivelmente desapontado com o fato de Jesus não haver reforçado essa onda de favorecimento popular, com alguma espécie de pronunciamento. Pedro não conseguia compreender por que Jesus não falou à multidão quando eles chegaram ao templo, nem ao menos permitiu que um dos apóstolos se dirigisse à multidão. Pedro era um grande pregador, e ficava desgostoso por perder uma audiência tão grande, receptiva e entusiasta. Ele gostaria tanto de ter pregado o evangelho do Reino àquela multidão ali, na praça do templo; o Mestre, todavia, havia proibido especialmente que eles fizessem qualquer pregação ou dessem ensinamentos, enquanto estivessem em Jerusalém, nessa semana de Páscoa. A reação, à procissão espetacular, ao chegar à cidade foi desastrosa segundo Simão Pedro; à noite ele estava comportado, mas tomado por uma tristeza inexprimível.
172:5.4 (1884.3) Para Tiago Zebedeu, esse domingo foi um dia de perplexidade e de profundo embaraço; ele não podia captar o significado daquilo que estava acontecendo; não podia compreender o propósito do Mestre ao permitir as aclamações desvairadas e então se recusar a dizer sequer uma palavra ao povo, quando chegaram ao templo. Quando a procissão ia, monte das Oliveiras abaixo, em direção a Jerusalém, mais especificamente quando passou pelos milhares de peregrinos que afluíam para dar as boas-vindas ao Mestre, Tiago encontrava-se cruelmente dilacerado por emoções conflitantes de exaltação e de satisfação, pelo que ele viu e pelo profundo sentimento de medo quanto ao que aconteceria no momento em que chegassem ao templo. E, então, ficou abatido e dominado pelo desapontamento, quando Jesus desceu do jumento e caminhou comodamente pelas praças do templo. Tiago não podia compreender a razão para se jogar fora uma oportunidade tão magnífica de proclamar o Reino. À noite, a sua mente ficou fortemente presa nas garras de uma incerteza angustiante e horrível.
172:5.5 (1884.4) João Zebedeu chegou perto de compreender por que Jesus havia feito aquilo; ao menos em parte ele captava o significado espiritual dessa suposta entrada triunfal em Jerusalém. À medida que a multidão movia-se na direção do templo, e à medida que João contemplou o seu Mestre, assentado sobre o jumento, ele lembrou-se de ouvir uma certa vez Jesus citar a passagem da escritura, na declaração de Zacarias, que descrevia a vinda do Messias como um homem de paz que, montado em um asno, entrava em Jerusalém. E João, ao revirar essa escritura na sua mente, começou a compreender a significação simbólica desse cortejo de domingo à tarde. Ao menos ele captou, do significado dessa escritura, o suficiente para capacitá-lo a desfrutar do episódio de algum modo e para impedir que ficasse por demais deprimido ao final, aparentemente sem propósito, da procissão triunfal. João possuía um tipo de mente que de modo natural inclinava- se para sentir e pensar por meio de símbolos.
172:5.6 (1885.1) Filipe estava inteiramente transtornado pelo inesperado e pela espontaneidade daquela explosão. Ele não podia ordenar suficientemente os seus pensamentos, enquanto descia o monte das Oliveiras, a ponto de chegar a uma opinião determinada sobre o que aquela manifestação poderia significar. De um certo modo, ele desfrutou do espetáculo já que era em honra ao seu Mestre. No momento em que chegaram ao templo, ele ficou perturbado pelo pensamento de que Jesus pudesse possivelmente pedir-lhe que alimentasse a multidão, e tanto assim que a conduta de Jesus, ao afastar-se comodamente da multidão, e que desapontou tão sofridamente à maioria dos apóstolos, havia sido um grande alívio para Filipe. As multidões, algumas vezes, haviam sido uma grande provação para o administrador dos doze. Depois de aliviar-se desses medos pessoais, quanto às necessidades materiais das multidões, Filipe juntou-se a Pedro na expressão de desapontamento, por nada haver sido feito para dar ensinamentos à multidão. Naquela noite, Filipe pôs-se a refletir sobre essas experiências e foi tentado a duvidar de toda idéia do Reino; ele imaginou honestamente o que podiam significar todas essas coisas, mas não expressou as suas dúvidas a ninguém; ele amava demais a Jesus. E tinha uma grande fé pessoal no Mestre.
172:5.7 (1885.2) À parte os aspectos simbólicos e proféticos, Natanael chegou o mais próximo possível de compreender as razões que o Mestre tinha para angariar o apoio popular dos peregrinos da Páscoa. Ele estivera pensando, antes de chegarem ao templo, que, sem o aspecto convincente daquela entrada em Jerusalém, Jesus teria sido preso pelos oficiais do sinédrio e jogado na prisão, no momento em que se atrevesse a entrar na cidade. E, portanto, ele não estava nem um pouco surpreso de que o Mestre não fizera nenhum uso das multidões alegres, depois de penetrar paredes adentro da cidade e de ter assim impressionado tão poderosamente os líderes judeus a ponto de fazê-los absterem-se de colocá-lo imediatamente na prisão. Compreendendo a verdadeira razão pela qual o Mestre teria entrado na cidade dessa maneira, Natanael naturalmente seguiu adiante mais equilibrado e menos perturbado e desapontado, do que os outros apóstolos, pela conduta subseqüente de Jesus. Natanael depositava grande confiança no entendimento de Jesus a respeito dos homens, tanto quanto na sua sagacidade e habilidade para lidar com as situações difíceis.
172:5.8 (1885.3) Mateus, a princípio, esteve confuso por causa da manifestação espetacular. Ele não captou o significado daquilo que os seus olhos estavam vendo, até que também ele se lembrasse da escritura de Zacarias, em que o profeta havia aludido ao júbilo de Jerusalém, porque o seu rei viera trazer a salvação, montado em um jumento de asno. Enquanto a procissão rumava em direção à cidade, dirigindo- se logo para o templo, Mateus ficou extasiado; ele estava seguro de que algo extraordinário aconteceria, quando o Mestre chegasse ao templo, à frente dessa multidão aclamadora. Quando um dos fariseus zombou de Jesus, dizendo: “Olhai, todo mundo, vide quem vem lá; o rei dos judeus montado em um asno!”, Mateus só conseguiu não lhe pôr as mãos em cima a custo de um grande esforço. Nenhum dos doze estava mais deprimido, no caminho de volta para Betânia, naquele entardecer. Junto com Simão Pedro e Simão zelote, Mateus experimentava uma tensão nervosa a mais alta e, à noite, estava em um estado de exaustão total. Mas pela manhã Mateus ficou mais animado; afinal, ele sabia ser um bom perdedor.
172:5.9 (1886.1) Tomé era o homem mais desnorteado e perplexo de todos os doze. Durante a maior parte do tempo apenas limitou-se a seguir os demais, contemplando o espetáculo e perguntando-se honestamente qual poderia ser o motivo do Mestre ao participar de uma manifestação tão peculiar. No fundo do seu coração ele considerava toda a representação um pouco infantil, se não absolutamente tola. Ele nunca havia visto Jesus fazer nada semelhante e não sabia como explicar a sua estranha conduta nessa tarde de domingo. No momento em que eles chegaram ao templo, Tomé havia deduzido que o propósito dessa manifestação popular era amedrontar o sinédrio de um tal modo que não ousasse prender imediatamente o Mestre. No caminho de volta para Betânia, Tomé pensou muito, mas nada disse. Na hora de deitarem-se, a habilidade do Mestre em organizar a entrada tumultuada em Jerusalém havia começado a exercer um apelo ao seu senso de humor, e ele estava contente e aliviado por tal reação.
172:5.10 (1886.2) Esse domingo começou por ser um grande dia para Simão zelote. Ele teve visões de feitos maravilhosos em Jerusalém, nos próximos poucos dias, e nisso ele tinha razão, mas Simão sonhara com o estabelecimento de um novo governo nacional dos judeus, com Jesus no trono de Davi. Simão via os nacionalistas entrando em ação tão logo esse reino fosse anunciado, e ele próprio no comando supremo das forças militares reunidas do novo reino. A caminho do monte das Oliveiras, visualizou mesmo o sinédrio e todos os seus simpatizantes mortos antes do entardecer daquele dia. Acreditara realmente que algo grandioso ia acontecer. Ele havia sido o homem mais barulhento de toda a multidão. Às cinco horas daquela tarde ele era um apóstolo silencioso, abatido e desiludido. E nunca se recuperou totalmente da depressão que se estabeleceu nele, como resultado do choque desse dia; ao menos não até muito depois da ressurreição do Mestre.
172:5.11 (1886.3) Para os gêmeos Alfeus esse foi um dia perfeito. Eles realmente desfrutaram desse dia todo o tempo, e, não estando presentes durante o tempo da visita tranqüila ao templo, se livraram bem do anticlímax que foi o alvoroço popular. Certamente não poderiam compreender o comportamento abatido dos apóstolos, quando regressaram a Betânia naquela noite. Na memória dos gêmeos este viria a ser sempre o dia, aqui na Terra, em que eles estiveram o mais perto do céu. Esse dia havia sido o ponto mais alto de toda a sua carreira como apóstolos. E a memória da euforia dessa tarde de domingo sustentou-os durante toda a tragédia dessa semana memorável, até a hora da crucificação. Foi uma entrada a mais digna de um rei, que podia ser imaginada pelos gêmeos; e eles desfrutaram de cada momento do espetáculo. E aprovaram absolutamente tudo o que viram, conservando tudo na memória por muito tempo.
172:5.12 (1886.4) De todos os apóstolos, Judas Iscariotes foi o mais adversamente afetado por essa procissão de entrada em Jerusalém. A sua mente estava desagradavelmente agitada por causa da repreensão feita pelo Mestre, no dia anterior, em relação à unção realizada por Maria, na festa na casa de Simão. Judas estava desgostoso com todo o espetáculo. Parecia-lhe infantil, se não de fato ridículo. E, à medida que esse apóstolo vingativo presenciava os acontecimentos dessa tarde de domingo, para ele Jesus parecia assemelhar-se mais a um palhaço do que a um rei. Ele ressentia-se sinceramente com todo o espetáculo. E compartilhava da visão dos gregos e dos romanos, que desprezavam qualquer um que consentisse em montar num asno ou no jumento de uma mula. No momento em que a procissão triunfal entrou na cidade, Judas decidiu abandonar a idéia de um tal reino; e quase resolveu desistir de todas as absurdas tentativas de estabelecer o Reino do céu. No entanto, logo se lembrou da ressurreição de Lázaro e de muitas outras coisas, decidindo-se a ficar com os doze, ao menos por mais um dia. Além disso, levava a bolsa, e não iria desertar com os fundos apostólicos no seu poder. No caminho de volta a Betânia, naquela noite, a sua conduta não parecia estranha, já que todos os apóstolos estavam igualmente abatidos e silenciosos.
172:5.13 (1887.1) Judas deixou-se influenciar tremendamente pela zombaria dos seus amigos saduceus. Nenhum outro fator isolado exerceu uma influência tão poderosa sobre ele, na sua determinação final de abandonar Jesus e os companheiros apóstolos, como um certo episódio que ocorreu exatamente no momento em que Jesus chegara ao portão da cidade: um saduceu proeminente (um amigo da família de Judas) apressou-se até ele, com um espírito zombeteiro e, batendo- lhe nas costas, dissera: “Por que um rosto tão preocupado, meu bom amigo? Te anima e te junte a todos nós enquanto aclamamos a esse Jesus de Nazaré, que entra pelos portões de Jerusalém montado em um asno, como o rei dos judeus”. Judas nunca se havia retraído diante da perseguição, mas ele não podia suportar esse tipo de ridicularização. Ao seu sentimento de vingança, nutrido já há tanto tempo, somava-se agora esse medo fatal do ridículo, esse sentimento terrível e temível que é estar envergonhado do seu Mestre e dos seus companheiros apóstolos. No seu coração, esse embaixador ordenado do Reino era já um desertor; restava-lhe apenas encontrar alguma desculpa plausível para romper abertamente com o Mestre.
O Livro de Urântia
Documento 173
173:0.1 (1888.1) NESSA segunda-feira pela manhã, bem cedo, tal como havia sido combinado de antemão, Jesus e os apóstolos reuniram-se na casa de Simão, em Betânia e, após uma troca de idéias breve, partiram para Jerusalém. Os doze mantiveram-se estranhamente silenciosos enquanto caminhavam para o templo; não se haviam recuperado da experiência do dia anterior. Estavam expectantes, temerosos e profundamente afetados por um certo sentimento de distância que tinha a sua origem na mudança de tática adotada pelo Mestre, combinada com a sua instrução para que não se engajassem em nenhum ensinamento público durante essa semana de Páscoa.
173:0.2 (1888.2) Enquanto esse grupo descia o monte das Oliveiras, Jesus indo à frente e os apóstolos seguindo imediatamente atrás, em silêncio meditativo, um único pensamento preponderava nas mentes de todos, exceto de Judas Iscariotes, o qual era: o que o Mestre fará hoje? O único pensamento que absorvia Judas era: O que farei? Devo continuar com Jesus e os meus companheiros, ou devo retirarme? E se eu resolver abandonar tudo, como vou fazer esse rompimento?
173:0.3 (1888.3) Por volta de nove horas dessa bela manhã, esses homens chegaram ao templo. Foram imediatamente para a ampla praça onde Jesus ensinara tão freqüentemente e, após saudar os crentes que o aguardavam, Jesus subiu em uma das plataformas para os instrutores e começou a falar à multidão que se reunia. Os apóstolos mantiveram-se a uma curta distância e esperaram os acontecimentos.
173:1.1 (1888.4) Um imenso tráfico comercial havia surgido em função dos serviços, das cerimônias e do culto no templo. Era o comércio que provia os animais adequados aos vários sacrifícios. Embora fosse permitido que os fiéis trouxessem o próprio animal do sacrifício, persistia o fato de que esse animal devesse estar livre de toda “mancha” no sentido dado pela lei levítica e segundo a interpretação dos inspetores oficiais do templo. Muitos dos fiéis haviam passado pela humilhação de ter o seu animal supostamente perfeito rejeitado pelos examinadores do templo. Por isso tornou-se uma prática comum comprar, no templo, os animais para o sacrifício e, embora houvesse vários postos perto do monte das Oliveiras onde pudessem ser comprados, havia-se tornado moda comprar esses animais diretamente dos cercados do templo. Gradualmente cresceu o costume de se vender todas as espécies de animais de sacrifício nas praças do templo. E, assim, passou a existir um negócio extenso, no qual lucros enormes eram auferidos. Uma parte desses ganhos era reservada ao tesouro do templo; a maior parte, contudo, ia indiretamente para as mãos das famílias dos altos sacerdotes no poder.
173:1.2 (1888.5) Essa venda de animais no templo prosperou porque, quando o fiel comprava um tal animal, embora o preço fosse tão mais alto, nenhuma taxa mais tinha de ser paga; e o fiel podia estar seguro de que o sacrifício proposto não seria rejeitado sob o pretexto de que o animal possuiria defeitos técnicos ou imaginários. De quando em quando, um sistema de preços exorbitantes era praticado para com a gente comum, especialmente durante as grandes festas nacionais. Em outros momentos, os sacerdotes de maior cobiça chegavam a cobrar o equivalente a uma semana de trabalho por um par de pombas, o qual poderia bem ser vendido ao pobre por uns poucos centavos. Os “filhos de Anás” haviam começado já a estabelecer os seus bazares nos recintos do templo; aqueles mesmos mercados de gêneros que perduraram até o momento em que foram, afinal, destruídos pelos populares, três anos antes da destruição do próprio templo.
173:1.3 (1889.1) O tráfico de animais e de outras mercadorias para o sacrifício, entretanto, não era o único modo pelo qual se profanava as praças do templo. Nessa época havia se fomentado um sistema extenso de intercâmbio bancário e comercial, que foi levado até para dentro dos recintos do templo. E tudo isso acontecera do seguinte modo: durante a dinastia dos asmoneanos, os judeus cunhavam as suas próprias moedas de prata, e, havendo sido estabelecida a prática de exigir- se que os tributos no valor de meio siclo, ao templo, todas as outras taxas do templo eram pagas nessa moeda judaica. Tal regulamentação tornava necessário que se licenciassem cambistas para converter as muitas moedas em circulação, na Palestina e em outras províncias do império romano, por esse siclo ortodoxo de cunhagem judaica. A taxa do templo, por pessoa, pagável por todos, exceto pelas mulheres, escravos e menores, era de meio siclo, uma moeda de aproximadamente um centímetro de diâmetro e larga espessura. Na época de Jesus os sacerdotes estavam isentos também do pagamento das taxas do templo. E, desse modo, entre os dias 15 e 25 do mês anterior à Páscoa, os cambistas autorizados instalavam os seus postos nas principais cidades da Palestina, com o propósito de fornecer ao povo judeu a moeda adequada para pagar as taxas do templo quando estivesse em Jerusalém. Depois desse período de dez dias, os cambistas iam para Jerusalém e continuavam com as suas mesas de câmbio nas praças do templo. Era-lhes permitido cobrar uma comissão equivalente a três ou quatro cêntimos pela troca de uma moeda cujo valor era de cerca de dez cêntimos, e caso uma moeda de maior valor fosse oferecida para a troca, era-lhes permitido cobrar em dobro. Do mesmo modo esses banqueiros do templo recebiam com lucros pela troca de qualquer dinheiro destinado à compra de animais para sacrifício, ou destinado ao pagamento de votos e oferendas.
173:1.4 (1889.2) Esses cambistas do templo não apenas efetuavam os negócios bancários pelo lucro no câmbio, de mais de vinte moedas diferentes, que os peregrinos visitantes traziam periodicamente a Jerusalém, mas também participavam de todas as outras espécies de transações pertinentes ao negócio bancário. E, tanto o tesouro do templo quanto os seus dirigentes, lucravam tremendamente com essas atividades comerciais. Não era incomum que o tesouro do templo guardasse o equivalente a mais de dez milhões de dólares, enquanto a gente comum definhava na pobreza e continuava a pagar arrecadações injustas.
173:1.5 (1889.3) Nessa segunda-feira pela manhã, em meio à multidão barulhenta de cambistas, de mercadores e de vendedores de gado, Jesus tentou ensinar o evangelho do Reino do céu. E não era ele o único a ressentir-se dessa profanação do templo; a gente comum, especialmente de visitantes judeus de províncias estrangeiras, também se ressentia sinceramente dessa profanação especulativa da casa nacional do seu culto. Nessa época, o próprio sinédrio mantinha as suas reuniões regulares em uma sala cercada por todo esse murmúrio e confusão de comércio e de câmbio.
173:1.6 (1890.1) No momento em que Jesus estava para começar a falar, duas coisas aconteceram que prenderam a sua atenção. Na mesa de dinheiro de um cambista por perto, havia surgido uma discussão violenta e calorosa, sobre uma comissão excessivamente elevada, cobrada a um judeu de Alexandria, enquanto ao mesmo tempo a atmosfera ali foi rompida pelos mugidos de uma manada de uns cem bois os quais estavam sendo conduzidos de um setor dos currais para outro. Quando se deteve, contemplando, silenciosa e pensativamente, essa cena de comércio e confusão, Jesus observou, perto de si, um cândido galileu, um homem com quem ele certa vez havia falado em Irom, sendo ridicularizado e empurrado por uns judeus arrogantes e pretensiosamente metidos a superiores; e, tudo isso combinado, produziu um dos estranhos acessos periódicos de indignação emotiva na alma de Jesus.
173:1.7 (1890.2) Para assombro dos seus apóstolos, que estavam por perto, e que se abstiveram de participar naquilo que logo aconteceu, Jesus desceu da plataforma de instrutor e dirigiu-se ao garoto que estava conduzindo o gado pela praça, tomou dele o chicote de cordas e rapidamente tirou os animais do templo. Isso, todavia, não foi tudo; a passos largos, e majestosamente, diante do olhar assombrado dos milhares de pessoas reunidas na praça do templo, Jesus dirigiu-se ao curral mais distante e pôs-se a abrir as porteiras de todos os currais e a colocar para fora os animais aprisionados. Nesse momento os peregrinos ali reunidos ficaram exaltados e, em uma gritaria tumultuada, foram até os bazares e começaram a virar as mesas dos cambistas. Em menos de cinco minutos, todo o comércio foi varrido do templo. No instante em que os guardas romanos da vizinhança surgiram em cena, tudo já havia sido aquietado e a multidão já se encontrava comportada; e Jesus, voltando à plataforma do orador, disse à multidão: “Vós testemunhastes, neste dia, o que está escrito nas escrituras: ‘A minha casa será chamada de uma casa de oração para todas as nações, mas fizestes dela um covil de ladrões’”.
173:1.8 (1890.3) Antes, contudo, de Jesus poder dizer outras palavras mais, a grande multidão irrompeu em hosanas de louvação e, logo em seguida, um grande grupo de jovens, saindo da multidão, cantou hinos de gratidão, por os mercadores profanos e usurários haverem sido expulsos do templo sagrado. Nesse momento alguns dos sacerdotes tinham chegado ao local, e um deles disse a Jesus: “Não ouvis o que os filhos dos levitas dizem?” E o Mestre respondeu: “Nunca lestes: ‘da boca das crianças e dos lactentes a louvação saiu perfeita?’” Durante todo o restante daquele dia, enquanto Jesus ensinava, os guardas colocados pelo povo vigiavam em cada arco de entrada, e não permitiriam que ninguém levasse sequer uma vasilha vazia pelas praças do templo.
173:1.9 (1890.4) Quando os principais sacerdotes e os escribas ouviram contar sobre esses acontecimentos, ficaram sem fala. Quanto mais temiam o Mestre, mais ficavam determinados a destruí-lo. Mas se sentiam confusos. Não sabiam como executar a sua sentença de morte, por temeram bastante as multidões, que agora expressavam abertamente a sua aprovação pela expulsão dos especuladores profanos. E, durante todo esse dia, um dia de paz e de tranqüilidade nas praças do templo, o povo ouviu aquele ensinamento e manteve-se literalmente suspenso pelas palavras do Mestre.
173:1.10 (1890.5) Essa ação surpreendente de Jesus estava além da compreensão dos seus apóstolos. Eles ficaram tão desconcertados pela ação repentina e inesperada do seu Mestre, que permaneceram agrupados, durante todo o episódio, perto da plataforma do orador; e não levantaram sequer um dedo para ajudar nessa limpeza do templo. Se esse acontecimento espetacular tivesse ocorrido no dia anterior, no momento da chegada triunfal de Jesus ao templo, no término da sua tumultuada procissão pelos portões da cidade, todo o tempo aclamado em altos brados, a multidão teria estado pronta para tudo; mas, vindo como veio, ninguém se encontrava absolutamente preparado para participar.
173:1.11 (1891.1) Essa purificação do templo mostra a atitude do Mestre para com a comercialização das práticas da religião, bem como a sua abominação por todas as formas de injustiças e de extorsão dos pobres e dos ignorantes. O episódio demonstra também que Jesus não via com aprovação a renúncia de empregar a força para proteger a maioria de um certo grupo humano qualquer, contra as práticas desleais e escravizadoras de minorias injustas, as quais podem entrincheirar- se por detrás do poder político, financeiro ou eclesiástico. Não se deve permitir que homens astuciosos, perversos e artificiosos organizem-se para a exploração e opressão daqueles que, por causa do seu idealismo, não estão dispostos a recorrer à força para se autoproteger ou para a execução dos seus projetos dignos de louvor.
173:2.1 (1891.2) A entrada triunfal em Jerusalém, no domingo, intimidara tanto os líderes judeus que eles se abstiveram de prender Jesus. Hoje, essa purificação espetacular do templo, do mesmo modo, adiou efetivamente a prisão do Mestre. Dia a dia, os dirigentes dos judeus tornavam-se cada vez mais determinados a destruí-lo, mas ficavam perturbados por dois medos, que conspiraram para retardar a hora de desferir o golpe. Os principais sacerdotes e os escribas não estavam dispostos a prender Jesus em público, por medo de que a multidão se voltasse contra eles na fúria do ressentimento; eles também temiam a possibilidade de terem de convocar os guardas romanos para sufocar uma revolta popular.
173:2.2 (1891.3) Na sessão do sinédrio, ao meio-dia, ficou decidido por unanimidade que Jesus devia ser rapidamente destruído, já que nenhum amigo do Mestre comparecera a essa reunião. Contudo, não conseguiram chegar a um consenso quanto ao momento e à maneira de prendê-lo. Finalmente concordaram em apontar cinco grupos para se misturarem ao povo e, então, buscar enredá-lo nos próprios ensinamentos ou, de algum outro modo, colocá-lo em descrédito perante aqueles que ouviam o seu ensinamento. E, assim, por volta das duas horas, quando Jesus mal havia iniciado a sua palestra sobre “A Liberdade da Filiação”, um grupo desses anciães de Israel abriu caminho até perto de Jesus e, interrompendo-o da maneira costumeira, fizeram esta pergunta: “Com qual autoridade tu fazes essas coisas? Quem te deu essa autoridade?”
173:2.3 (1891.4) Era de todo próprio que os dirigentes do templo e os oficiais do sinédrio judeu devessem fazer essa pergunta a qualquer um que presumisse ensinar e atuar de modo extraordinário, como havia sido característico de Jesus, especialmente no que concernia à sua conduta recente de retirar todo o comércio do templo. Esses comerciantes e cambistas operavam todos com a licença direta dos dirigentes mais altos; e uma percentagem dos seus ganhos, supunha-se, ia diretamente para o tesouro do templo. Não vos esqueçais de que autoridade era a senha para todo o mundo judeu. Os profetas estavam sempre suscitando problemas posto que, tão ousadamente, presumiam ensinar, sem autoridade, sem terem sido devidamente instruídos nas academias rabínicas e sem serem ordenados regularmente pelo sinédrio. A falta dessa autoridade, em pregações públicas pretensiosas, era considerada como indicadora de atrevimento ignorante ou de rebelião aberta. Nessa época, apenas o sinédrio poderia ordenar um ancião ou um instrutor; e a cerimônia para tal havia de ter lugar na presença de pelo menos três pessoas que tivessem sido assim anteriormente ordenadas. Tal ordenação conferia o título de “rabino” ao instrutor e também o qualificava para atuar como juiz, “obrigando ou desobrigando as questões que poderiam ser levadas a ele para julgamento”.
173:2.4 (1892.1) Nessa hora da tarde, os dirigentes do templo vieram perante Jesus, não apenas desafiando o seu ensinamento, mas também os seus atos. Jesus bem sabia que esses mesmos homens há muito vinham afirmando publicamente que a sua autoridade para ensinar era satânica, e que todas as suas obras poderosas haviam sido realizadas pelo poder do príncipe dos demônios. O Mestre, por conseguinte, começou a sua resposta à pergunta deles devolvendo-lhes uma contrapergunta. Disse Jesus: “Eu gostaria de fazer-lhes uma pergunta que, se me responderdes, eu da mesma forma dir-vos-ei por meio de qual autoridade eu faço essas obras. De quem provém o batismo de João? João obteve a sua autoridade dos céus ou dos homens?”
173:2.5 (1892.2) E quando os seus interrogadores ouviram isso, retiraram-se de lado para aconselharem-se entre si quanto à resposta que deveriam dar. Haviam pensado em embaraçar Jesus diante da multidão, mas agora se encontravam muito mais confundidos diante de todos que estavam reunidos naquele momento na praça do templo. E a derrota deles tornou-se ainda mais aparente quando voltaram dizendo a Jesus: “A respeito do batismo de João, não podemos responder; não sabemos”. E assim responderam ao Mestre após haverem argumentado entre si: se dissermos que vinha do céu, então ele nos perguntará por que não acreditamos nele, e, talvez, ainda acrescente que recebeu a sua autoridade de João; e se dissermos que provinha dos homens, então a multidão poderia voltar-se contra nós, pois a maioria deles sustenta que João foi um profeta. Desse modo eles viram-se obrigados, perante Jesus e o povo, a confessar que, mesmo sendo instrutores e líderes religiosos de Israel, não podiam (ou não queriam) expressar uma opinião sobre a missão de João. E depois que eles falaram, Jesus, abaixando os olhos até eles, disse: “Eu, tampouco, dir-vos-ei por autoridade de quem eu faço essas coisas”.
173:2.6 (1892.3) Jesus nunca teve a intenção de recorrer à autoridade de João; João nunca fora ordenado pelo sinédrio. A autoridade de Jesus estava nele próprio e na supremacia eterna do seu Pai.
173:2.7 (1892.4) Ao empregar esse método para lidar com os seus adversários, Jesus não teve a intenção de evadir-se da pergunta. A princípio poderia parecer que ele fosse culpado de uma evasiva magistral, mas isso não aconteceu. Jesus nunca se dispôs a tirar uma vantagem injusta, nem mesmo dos seus inimigos. Na sua evasiva aparente, ele realmente ofereceu a todos os seus ouvintes a resposta à pergunta dos fariseus sobre a autoridade que estava por trás da sua missão. Eles haviam afirmado que Jesus atuava pela autoridade do príncipe dos demônios. E ele havia repetidamente dito que todos os seus ensinamentos e obras vinham do poder e da autoridade do seu Pai nos céus. E a isso os líderes judeus recusaram-se aceitar; e buscavam acossá-lo, levando-o a admitir que era um instrutor irregular, já que nunca havia sido sancionado pelo sinédrio. Ao responder a eles como o fez, embora sem pretender que a sua autoridade viesse de João, ele satisfez ao povo com a conclusão de que o esforço dos seus inimigos, para pegá-lo em uma armadilha, efetivamente havia recaído sobre eles próprios e os desacreditava aos olhos de todos ali presentes.
173:2.8 (1892.5) E tal genialidade do Mestre, para lidar com os seus adversários, era o que os deixava com tanto medo dele. E não tentaram mais perguntar nada naquele dia; retiraram-se para aconselhar-se ainda mais entre si. O povo, contudo, não demorou em discernir a desonestidade e a insinceridade nessas perguntas feitas pelos dirigentes judeus. Mesmo a gente comum não podia deixar de diferençar entre a majestade moral do Mestre e a hipocrisia insidiosa dos seus inimigos. Contudo, a limpeza do templo havia levado os saduceus a unirem-se aos fariseus, no aperfeiçoamento do plano para destruir Jesus. E os saduceus agora representavam a maioria no sinédrio.
173:3.1 (1893.1) Enquanto os capciosos fariseus permaneciam ali diante de Jesus, em silêncio, ele abaixou os olhos para encará-los e dizer: “Posto que tendes dúvidas sobre a missão de João e já que estais coligados, em inimizade, contra os ensinamentos e obras do Filho do Homem, prestai atenção à parábola que irei contar-vos: Um certo dono de terras, grande e respeitado, possuía dois filhos e, desejando a ajuda dos seus filhos na administração das suas extensas propriedades, veio até um deles e disse: ‘Filho, vá trabalhar hoje no meu vinhedo’. E esse filho irrefletido respondeu ao pai dizendo: ‘Eu não irei’; mas arrependeu-se depois e foi. Quando se encontrou com o filho mais velho, disse-lhe do mesmo modo: ‘Filho, vá trabalhar no meu vinhedo’. E esse filho, hipócrita e infiel, respondeu: ‘Sim, meu pai, eu irei’. Mas quando o seu pai distanciou-se, ele não foi. Deixe que eu vos pergunte, qual desses filhos realmente fez a vontade do seu pai?”
173:3.2 (1893.2) E o povo falou em uma só voz, dizendo: “O primeiro filho”. E então Jesus disse: “Assim é; e agora eu declaro que publicanos e prostitutas, ainda que pareçam negar-se ao chamado de arrependimento, verão o erro do seu caminho e irão para o Reino de Deus, antes de vós, que têm grandes pretensões de servir ao Pai nos céus, mas que recusais a fazer as obras do Pai. Não fostes vós, fariseus e escribas, que crestes em João, mas foram, sim, os publicanos e os pecadores; e vós não acreditais nos meus ensinamentos, mas o povo comum ouve as minhas palavras com contentamento”.
173:3.3 (1893.3) Jesus não desprezou os fariseus e os saduceus pessoalmente. Ele buscou desacreditar, na verdade, os seus sistemas de ensino e de prática. Ele não foi hostil a nenhum homem, mas, em tudo isso, ocorre um choque inevitável entre uma religião nova e viva, do espírito, e a religião velha, da cerimônia, da tradição e da autoridade.
173:3.4 (1893.4) Os doze apóstolos, durante todo esse tempo, permaneceram perto do Mestre; mas, de nenhum modo participaram desses atos. Cada um dos doze reagia, de uma maneira própria e peculiar, aos acontecimentos desses últimos dias na ministração de Jesus na carne; e cada um deles, igualmente, permaneceu obediente ao comando, do Mestre, para que se abstivesse de qualquer ensinamento e pregação públicos durante essa semana de Páscoa.
173:4.1 (1893.5) Quando os principais fariseus e escribas, que haviam procurado envolver Jesus com as suas perguntas, terminaram de ouvir a história dos dois filhos, retiraram-se para um novo aconselhamento; e o Mestre, voltando a sua atenção para a multidão atenta, contou uma outra parábola:
173:4.2 (1893.6) “Havia um homem bom que era dono de uma propriedade e que plantou um vinhedo. Colocou uma cerca em volta da plantação, cavou uma vala para prensar uva e construiu uma torre-de-vigia para os guardas. Então, deixou o vinhedo para uns arrendatários, enquanto saiu em uma longa viagem a um outro país. Quando a estação das frutas se aproximou, ele enviou serviçais aos arrendatários, para receber o aluguel. Todavia, eles consultaram entre si e recusaram-se a dar àqueles serviçais as frutas que deviam ao senhor deles; além disso, agredindo os serviçais, bateram em um deles, apedrejaram outro e mandaram os outros embora, de mãos vazias. Quando o proprietário soube de tudo isso, enviou outros serviçais, de maior confiança, para negociar com esses arrendatários perversos; a estes, eles feriram e trataram também de modo vergonhoso. E então o proprietário enviou o seu serviçal favorito, o seu administrador; e eles mataramno. E ainda, com toda a paciência e indulgência, ele despachou muitos outros serviçais; mas a nenhum eles receberiam. Em alguns, eles bateram; a outros eles os mataram. E quando o proprietário se viu tratado dessa maneira, decidiu enviar o seu filho para lidar com esses arrendatários ingratos, dizendo a si próprio: ‘Eles podem destratar os meus serviçais, mas certamente demonstrarão respeito pelo meu filho amado’. Mas, quando esses arrendatários perversos e sem arrependimento viram o filho, eles raciocinaram entre si: ‘Este é o herdeiro; vinde, vamos matá-lo e então a herança será nossa’. E assim eles agarraram-no e, depois de jogá-lo para fora do vinhedo, eles o mataram. Quando o senhor daquele vinhedo souber como eles rejeitaram e mataram o seu filho, o que ele fará àqueles homens ingratos e perversos?”
173:4.3 (1894.1) Ao ouvirem essa parábola e a pergunta que Jesus havia feito, alguns em meio ao povo responderam: “Ele irá destruir esses homens miseráveis e arrendará o seu vinhedo a outros agricultores honestos, que lhe entregarão as frutas na estação certa”. Quando alguns entre os que estavam ouvindo, perceberam que essa parábola referia-se à nação judaica, ao tratamento que ela havia dispensado aos profetas e à rejeição iminente de Jesus e do evangelho do Reino, eles disseram com tristeza: “Que Deus proíba que continuemos a fazer essas coisas”.
173:4.4 (1894.2) Jesus viu um grupo de saduceus e fariseus abrindo caminho na multidão; e, então, parou um pouco, até que eles chegassem perto dele, quando então disse: “Vós sabeis como os vossos pais rejeitaram os profetas; e bem sabeis que, no vosso coração, já decidistes rejeitar o Filho do Homem”. Na ocasião, olhando de modo perscrutador para esses sacerdotes e anciães que permaneciam na sua frente, Jesus disse: “Já lestes nas escrituras sobre a pedra que os construtores rejeitaram e que, quando o povo a descobriu, foi convertida na pedra angular? Assim, uma vez mais eu vos previno de que, se continuardes a rechaçar a esse evangelho, em breve o Reino de Deus será tirado de vós e dado a um povo disposto a receber as boas-novas e a conceber os frutos do espírito. E há um mistério a respeito dessa pedra, pois aquele que cai sobre ela, ainda que se rompa em pedaços, será salvo; mas aquele, sobre o qual essa pedra cair, será convertido em pó e as suas cinzas jogadas aos quatro ventos”.
173:4.5 (1894.3) Ao ouvirem essas palavras, os fariseus compreenderam que Jesus referia-se a eles próprios e aos outros líderes judeus. Eles desejavam ardentemente prendê-lo ali e naquele momento, mas temiam a multidão. Contudo, estavam tão enraivecidos com as palavras do Mestre que se retiraram e organizaram outro conselho, entre eles, para saber como poderiam levá-lo à morte. E, naquela noite, os saduceus e os fariseus uniram as mãos para planejar pegá-lo no dia seguinte.
173:5.1 (1894.4) Após haverem-se retirado, os escribas e os dirigentes, Jesus dirigiu-se uma vez mais à multidão reunida e contou a parábola da festa de casamento. Ele disse:
173:5.2 (1894.5) “O Reino do céu pode ser comparado a um certo rei que fez uma festa de casamento para o seu filho e despachou mensageiros para chamar todos aqueles que haviam sido previamente convidados para a festa, dizendo: ‘Tudo está pronto para a ceia de casamento no palácio do rei’. Nisso, muitos daqueles que haviam prometido comparecer, desta vez negaram-se a ir. Quando o rei soube dessas recusas ao seu convite, enviou outros servos e mensageiros, dizendo-lhes: ‘Comunicai a todos aqueles que foram convidados, para virem, pois, eis que o meu jantar está pronto. Os meus bois e os animais mais gordos foram mortos, e tudo está mais que pronto para a celebração do casamento vindouro do meu filho’. E novamente os convidados negligentes fizeram pouco desse chamado do seu rei, e tomaram os seus caminhos; um foi para a fazenda, outro para a cerâmica e outros para as suas mercadorias. Outros, ainda, não contentes em menosprezar assim o convite do rei, em uma rebelião aberta, pegaram os seus mensageiros, maltratando-os vergonhosamente e matando mesmo alguns deles. Quando percebeu que os hóspedes selecionados, até mesmo aqueles que haviam aceitado o seu convite anterior e que haviam prometido comparecer às festas das bodas, por fim rejeitaram esse convite e em rebelião atacaram e mataram os mensageiros escolhidos, o rei ficou extremamente encolerizado. E, então, esse rei insultado instruiu os seus exércitos e os exércitos dos seus aliados para que destruíssem os assassinos rebeldes e incendiassem a sua cidade.
173:5.3 (1895.1) “Depois de haver punido os que haviam desdenhado seu convite, escolheu ainda um outro dia para a festa de casamento e disse aos seus mensageiros: ‘Aqueles primeiros convidados para o casamento não são dignos; ide, pois, agora, às encruzilhadas das estradas e mesmo além das fronteiras da cidade e, a quantos encontrardes, convidai-os, ainda que sejam estrangeiros, para vir e comparecer a essa festa de bodas’. E, então, esses servidores foram às estradas e locais fora de rota, reunindo tantos quantos encontraram, bons e maus, ricos e pobres, de modo que, afinal, a sala de casamento ficasse repleta de convivas dispostos. Quando tudo se encontrava pronto, o rei veio estar com os convidados e, para sua surpresa, viu um homem sem a roupa nupcial. Havendo fornecido livremente as roupas das bodas a todos os convidados, o rei disse dirigindo-se a esse homem: ‘Amigo, como podes vir à sala dos convidados, em tal ocasião, sem uma roupa de casamento?’ E esse homem desprevenido ficou calado. Então, disse o rei aos serviçais: ‘Expulsem da minha casa este convidado sem consideração. E que ele compartilhe da sorte de todos os outros que desprezaram a minha hospitalidade, rejeitando o meu chamado. Não terei aqui ninguém, a não ser aqueles que se regozijam de aceitar o meu convite, e que me honram ao vestir as roupas de convidados gratuitamente oferecidas a todos’”.
173:5.4 (1895.2) Depois de contar essa parábola, Jesus estava a ponto de despedir a multidão, quando um crente comiserado, abrindo caminho por entre os grupos, até chegar a ele, perguntou: “Mas, Mestre, como saberemos sobre essas coisas? Como estaremos prontos para o convite do rei? Que sinal tu darás para que saibamos que és o Filho de Deus?” E quando o Mestre ouviu isso, ele disse: “Apenas um sinal vos será dado”. E então, apontando para o próprio corpo, ele continuou: “Destruí este templo, e em três dias eu o levantarei”. Mas eles não o compreenderam e, enquanto dispersavam-se conversaram entre si, dizendo: “Este templo está sendo construído há quase cinqüenta anos, e ele ainda diz que o destruirá e o reconstruirá em três dias”. Mesmo os seus apóstolos não compreenderam o significado dessa afirmação, mas, posteriormente, depois da sua ressurreição, eles recordaram-se do que Jesus havia dito.
173:5.5 (1895.3) Por volta de quatro horas, nessa tarde, Jesus acenou para os seus apóstolos e indicou que desejava deixar o templo e ir a Betânia para a sua refeição e para descansar naquela noite. Na subida do monte das Oliveiras, Jesus indicou a André, a Filipe e a Tomé que, no dia seguinte, deveriam estabelecer um acampamento mais próximo da cidade, para poderem ocupá-lo durante o restante da semana da Páscoa. Em cumprimento a essa instrução, na manhã seguinte, colocaram as suas tendas em uma ravina inclinada que dominava o parque de acampamento público do Getsêmani, em um pequeno terreno que pertencia a Simão de Betânia.
173:5.6 (1896.1) E, novamente, era um grupo de judeus silenciosos, aquele que subiu a rampa oeste do monte das Oliveiras, nesse domingo à noite. Esses doze homens, como nunca antes, começavam a sentir que alguma coisa trágica estava para advir. Embora a dramática purificação do templo, durante aquela manhã, houvesse renovado as esperanças de ver o Mestre impor-se, manifestando os seus altos poderes, os acontecimentos de toda a tarde resultaram mais em um anticlímax apenas, pois indicavam todos uma rejeição certa dos ensinamentos de Jesus, da parte das autoridades judaicas. Os apóstolos, que estavam já tomados pela dúvida, se viram presos pela forte garra de uma incerteza terrível. Deram-se conta de que uns poucos e curtos dias, apenas, interpunham-se entre os acontecimentos do dia que passava e o colapso de uma fatalidade iminente. Todos sentiam alguma coisa terrível por acontecer, mas não sabiam o que esperar. E foram para os seus vários locais de descanso, mas pouco dormiram. Até mesmo os gêmeos Alfeus, afinal, foram despertados para a compreensão de que os acontecimentos da vida do Mestre estavam rapidamente atingindo a sua culminação final.
O Livro de Urântia
Documento 174
174:0.1 (1897.1) POR VOLTA das sete horas, nessa terça-feira pela manhã, Jesus encontrou- se com os apóstolos, o corpo de mulheres e ainda uns vinte e quatro outros discípulos proeminentes, na casa de Simão. Nessa reunião ele despediu-se de Lázaro, passando-lhe a instrução que o levou a fugir logo para a Filadélfia, na Peréia, onde mais tarde ligou-se ao movimento missionário cuja sede situava- se naquela cidade. Jesus também disse adeus ao idoso Simão; e deu o seu conselho de despedida ao corpo de mulheres, nunca mais se dirigindo de novo a elas formalmente.
174:0.2 (1897.2) Nessa manhã, Jesus saudou cada um dos doze com palavras pessoais. A André ele disse: “Não te desanimes com os acontecimentos que temos pela frente. Mantém um controle firme dos teus irmãos e cuida para que não te vejam abatido”. A Pedro, ele disse: “Não ponhas a tua confiança na força do teu braço, nem nas armas de aço. Estabelece-te nas fundações espirituais das rochas eternas”. A Tiago, Jesus disse: “Não hesites por causa das aparências externas. Permanece firme na tua fé; e logo saberás da realidade daquilo em que crês”. A João, ele disse: “Sê gentil; ama até mesmo os teus inimigos; sê tolerante. E lembra-te de que eu confiei muitas coisas a ti”. A Natanael, Jesus disse: “Não julgues pelas aparências; permanece firme na tua fé, quando tudo parecer desabar; sê fiel à tua missão como embaixador do Reino”. A Filipe, ele disse: “Permanece impassível diante dos acontecimentos que agora são iminentes. Mantém-te inabalado, mesmo quando não puderes ver o caminho. Sê leal ao teu juramento de consagração”. A Mateus, ele disse: “Não te esqueças da misericórdia que te recebeu no Reino. Que nenhum homem te trapaceie quanto à tua recompensa eterna. Do mesmo modo que resististe às inclinações da natureza mortal, esteja disposto a ser imperturbável”. A Tomé, ele disse: “Não importa quão difícil possa ser, agora deverás caminhar pela fé e não apenas pelo que os teus olhos vêem. Não duvides de que sou capaz de terminar a obra que iniciei; nem de que finalmente ainda verei todos os meus fiéis embaixadores, no futuro do Reino”. Para os gêmeos Alfeus, ele disse: “Não vos deixeis subjugar pelas coisas que não podeis compreender. Sede fiéis ao afeto dos vossos corações e não depositeis a vossa confiança nos grandes homens, nem na atitude inconstante do povo. Permanecei junto aos vossos irmãos”. A Simão zelote, ele disse: “Simão, tu podes estar despedaçado pelo desapontamento, mas o teu espírito elevar-se-á acima de tudo o que suceder. O que não conseguiste aprender de mim, o meu espírito te ensinará. Busca as realidades verdadeiras do espírito e cessa de atrair-te para as sombras do irreal e do material”. E, para Judas Iscariotes, ele disse: “Judas, eu tenho te amado e tenho orado para que ames os teus irmãos. Não te canses de fazer o bem; e eu gostaria de prevenir-te para que tomes cuidado com os trajetos escorregadios da adulação e com os dardos envenenados do medo de ser ridicularizado”.
174:0.3 (1897.3) E quando concluiu essas saudações, partiu para Jerusalém com André, Pedro, Tiago e João, enquanto os outros apóstolos ocupavam-se de estabelecer o acampamento do Getsêmani, para onde dirigir-se-iam nessa noite e onde instalariam a sede-central para o restante da vida do Mestre na carne. Na metade da descida do monte das Oliveiras, Jesus parou e conversou por mais de uma hora com os quatro apóstolos.
174:1.1 (1898.1) Pedro e Tiago haviam-se empenhado, durante vários dias, em discutir as suas diferenças de opinião sobre os ensinamentos do Mestre a respeito do perdão do pecado. Ambos concordaram em expor a questão a Jesus; e Pedro aproveitou essa ocasião como uma oportunidade apropriada para obter o conselho do Mestre. Assim, Simão Pedro interrompeu a conversa sobre as diferenças entre a louvação e a adoração, perguntando: “Mestre, Tiago e eu não temos a mesma idéia a respeito dos teus ensinamentos sobre o perdão do pecado. Conforme Tiago, tu ensinas que o Pai nos perdoa mesmo antes de lhe pedirmos; e eu sustento que o arrependimento e a confissão devem preceder o perdão. Qual de nós está certo? O que dizes?”
174:1.2 (1898.2) Depois de um breve silêncio, Jesus olhou de modo significativo para todos os quatro e respondeu: “Meus irmãos, vos equivocais nas vossas opiniões, porque não compreendeis a natureza das relações íntimas e amorosas entre a criatura e o Criador, entre homem e Deus. Não captastes a simpática compaixão que o sábio pai nutre pelo seu filho imaturo e, mesmo, algumas vezes equivocado. De fato, é questionável que pais inteligentes e afetuosos sejam algum dia chamados a perdoar a um filho normal comum. As relações de entendimento ligadas às atitudes de amor impedem eficazmente todos os distanciamentos que mais tarde requerem o reajuste pelo arrependimento da parte do filho, para ter o perdão do pai.
174:1.3 (1898.3) “Uma parte de todo pai vive no filho. O pai desfruta de prioridade e superioridade na compreensão, em todas questões ligadas à relação filho-pai. O pai é capaz de perceber a imaturidade do filho à luz da maturidade paterna mais elevada, da experiência amadurecida de companheiro com mais idade. No caso do filho terreno e do Pai celeste, o Pai divino possui a compaixão de um modo infinito e divino, bem como capacidade de entendimento por meio do amor. O perdão divino é inevitável, inerente e inalienável à compreensão infinita de Deus, no seu conhecimento perfeito de tudo que concerne ao julgamento equivocado e à escolha errônea do filho. A justiça divina é tão eternamente equânime, que infalivelmente vem junto com a misericórdia da compreensão.
174:1.4 (1898.4) “Quando um homem sábio compreende os impulsos interiores dos semelhantes, ele há de amá-los. E quando amais o vosso irmão, já o perdoastes. Essa capacidade de compreender a natureza do homem e de perdoar seus erros aparentes é divina. Sendo pais sábios, desse modo, ireis amar e compreender vossos filhos, e até perdoá-los, quando um desentendimento transitório aparentemente vos houver separado. O filho, por ser imaturo e por faltar-lhe um entendimento mais pleno, da profundidade da relação filho-pai, freqüentemente é possuído por um sentimento de culpa pelo seu distanciamento da aprovação completa do pai; mas o pai verdadeiro não toma consciência de tal separação. O pecado é uma experiência da consciência da criatura, não é parte da consciência de Deus.
174:1.5 (1898.5) “A vossa incapacidade ou falta de disposição de perdoar os vossos semelhantes é a medida da vossa imaturidade, do vosso insucesso em alcançar a compaixão amadurecida, a compreensão e o amor. Vós mantendes rancores e nutris idéias de vingança na proporção direta da vossa ignorância sobre a natureza interior e as verdadeiras aspirações dos vossos filhos e vossos semelhantes. O amor é uma realização do impulso divino interno da vida. Ele baseia-se na compreensão, nutre-se do serviço não-egoísta e aperfeiçoa-se na sabedoria”.
174:2.1 (1899.1) Na segunda-feira à noitinha foi realizado um conselho do sinédrio com uns cinqüenta outros líderes selecionados entre escribas, fariseus e saduceus. Essa assembléia chegou ao consenso geral de que seria perigoso prender Jesus em público, por causa da sua influência sobre os sentimentos do povo comum. E também a opinião da maioria foi a de que um certo esforço deveria ser feito a fim de desacreditá-lo aos olhos da multidão, antes que fosse preso e trazido a julgamento. E, assim, vários grupos de homens eruditos foram designados para estarem disponíveis na manhã seguinte, no templo, a fim de preparar armadilhas para ele, com perguntas difíceis, e buscar embaraçá-lo de outros modos perante o povo. Finalmente, fariseus, saduceus e, mesmo, herodianos estavam todos unidos nesse esforço para desacreditar Jesus aos olhos das multidões da Páscoa.
174:2.2 (1899.2) Na terça-feira pela manhã, quando Jesus chegou à praça do templo e começou a ensinar, mal havia dito umas poucas palavras quando um grupo de estudantes mais jovens, das academias, o qual havia sido ensaiado com esse propósito, adiantou-se, e o seu porta-voz dirigiu-se a Jesus: “Mestre, sabemos que és um instrutor íntegro, como sabemos que tu proclamas os caminhos da verdade, e que serves apenas a Deus; que não temes a nenhum homem e não tens preferência por nenhuma pessoa. Somos apenas estudantes e gostaríamos de saber a verdade sobre uma questão que nos perturba; a nossa dificuldade é esta: é lícito que devamos pagar o tributo a César? Devemos pagar ou não devemos pagar?” Jesus, percebendo a hipocrisia e a artimanha deles, lhes disse: “Por que vindes assim para tentar-me? Mostrai-me o dinheiro do tributo e eu vos responderei”. E quando eles lhe entregaram um denário, ele examinou-o e disse: “Esta moeda traz a imagem e a subscrição de quem?” E, então, lhe responderam: “De César”. E Jesus disse: “Dai a César as coisas que são de César, e dai a Deus as coisas que são de Deus”.
174:2.3 (1899.3) Depois de responder assim, a esses jovens escribas e aos seus cúmplices herodianos, eles retiraram-se da sua presença; e o povo, mesmo os saduceus, apreciou o desconforto em que ficaram. Mesmo os jovens que haviam participado dessa armadilha maravilharam-se bastante com a sagacidade inesperada da resposta do Mestre.
174:2.4 (1899.4) No dia anterior, os dirigentes haviam tentado uma armadilha para pegá-lo diante da multidão, em questões sobre a autoridade eclesiástica, e, havendo fracassado, agora buscavam envolvê-lo em uma discussão lesiva sobre a autoridade civil. Tanto Pilatos quanto Herodes estavam em Jerusalém nesse momento; assim, os inimigos de Jesus conjecturaram que, se ele ousasse prevenir contra o pagamento do tributo a César, poderiam ir imediatamente perante as autoridades romanas e acusá-lo de sedição. Se aconselhasse, com todas as letras, o pagamento do tributo, por outro lado, previu com acerto, um tal pronunciamento feriria em muito o orgulho nacional dos seus ouvintes judeus, afastando de si toda a boa-vontade e a simpatia da multidão.
174:2.5 (1899.5) Em tudo, os inimigos de Jesus foram derrotados, posto que um regulamento bem conhecido do sinédrio, feito para orientar os judeus dispersos entre as nações gentias, dizia que “o direito de cunhar moedas traz consigo o direito de coletar impostos”. Desse modo Jesus escapou de cair na armadilha deles. Se tivesse respondido “não” à pergunta deles teria sido equivalente a incitar a rebelião; se tivesse respondido “sim”, teria chocado o arraigado sentimento nacionalista daquela época. O Mestre não fugiu da pergunta; meramente empregou a sabedoria de uma resposta ambivalente. Jesus nunca se mostrava evasivo, era sempre sábio para lidar com aqueles cuja intenção fosse fustigá-lo e destruí-lo.
174:3.1 (1900.1) Antes que Jesus pudesse começar o seu ensinamento, outro grupo se adiantou para fazer perguntas, desta vez eram os eruditos e astutos saduceus. O porta-voz deles, aproximando-se de Jesus, disse: “Mestre, Moisés disse que se um homem casado morresse, sem deixar filhos, o seu irmão deveria ficar com a viúva, engendrando assim uma descendência para o irmão morto. Pois bem, agora aconteceu um caso em que um certo homem que tinha seis irmãos morreu sem deixar filhos; o seu segundo irmão ficou com a sua esposa, mas logo também morreu, não deixando filhos. Do mesmo modo, o irmão seguinte tomou a mulher, mas também morreu, não deixando prole. E assim foi, até que todos os seis irmãos haviam ficado com a mulher, e todos os seis morreram sem deixar filhos. E então, depois de todos eles, a própria mulher morreu. Agora, o que gostaríamos de perguntar é o seguinte: Na ressurreição ela será esposa de quem, já que todos os sete irmãos a tiveram?”
174:3.2 (1900.2) Jesus sabia, e também o povo, que esses saduceus não estavam sendo sinceros ao fazer essa pergunta, porque não era provável que um tal caso realmente ocorresse; além do que, essa prática dos irmãos de um homem morto, na busca de dar-lhe filhos, era praticamente uma letra morta entre os judeus. Jesus, entretanto, condescendeu em responder à pergunta maliciosa deles. Ele disse: “Todos vós vos enganais ao fazer tal pergunta, porque não conheceis nem as escrituras, nem o poder vivo de Deus. Sabeis que os filhos deste mundo podem casar e ser dados em matrimônio; mas não pareceis compreender que aqueles que são considerados dignos de alcançar os mundos que estão por vir, depois de passarem pela ressurreição dos justos, nem se casam nem são dados em matrimônio. Aqueles que experimentam a ressurreição dos mortos são mais como os anjos do céu, e nunca morrem. Esses ressuscitados são eternamente filhos de Deus; eles são filhos da luz, ressuscitados, para progredirem na vida eterna. E, até mesmo o vosso pai Moisés compreendeu isso, pois, em relação à suas experiências com o ramo em chamas, ele ouviu o Pai dizer: ‘Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaac, e o Deus de Jacó’. E assim, junto com Moisés, eu declaro que o meu Pai não é o Deus dos mortos, mas dos vivos. Nele todos vós viveis, reproduzis e possuis a vossa existência mortal”.
174:3.3 (1900.3) Quando Jesus acabou de responder a essas questões, os saduceus retiraram- se e alguns dos fariseus tanto esqueceram de si que exclamaram: “É verdade, é verdade, Mestre, respondeste bem a esses saduceus descrentes”. Os saduceus não ousaram fazer-lhe mais perguntas, e a gente comum ficou maravilhada com a sabedoria do ensinamento de Jesus.
174:3.4 (1900.4) No seu encontro com os saduceus, Jesus apenas recorreu a Moisés porque essa seita político-religiosa só reconhecia a validade de cinco dos chamados Livros de Moisés; eles não aceitavam que os ensinamentos dos profetas fossem admissíveis como base dos dogmas da doutrina. O Mestre, na sua resposta, embora afirmasse positivamente o fato da sobrevivência das criaturas mortais, por meio da técnica da ressurreição, não aprovou, em nenhum sentido, as crenças farisaicas na ressurreição literal do corpo humano. O ponto que Jesus desejou enfatizar foi o de o Pai haver dito: “Eu Sou o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó; e não Eu fui o Deus deles”.
174:3.5 (1900.5) Os saduceus haviam pensado em sujeitar Jesus à influência desmoralizante do ridículo, sabendo muito bem que a perseguição em público, sem dúvida, acarretaria mais simpatia para ele, nas mentes da multidão.
174:4.1 (1901.1) Outro grupo de saduceus havia sido instruído a fazer perguntas embaraçosas a Jesus, sobre os anjos, mas, quando viram a sorte dos camaradas que haviam tentado jogá-lo na armadilha, com as perguntas a respeito da ressurreição, decidiram sabiamente ficar em paz e retiraram-se sem nada perguntar. O plano pré-concebido dos fariseus, escribas, saduceus e herodianos, em aliança, consistia em preencher o dia inteiro com esse tipo de perguntas, esperando, com elas, desacreditar Jesus perante o povo e, ao mesmo tempo, impedir efetivamente que ele tivesse tempo para a proclamação dos seus ensinamentos perturbadores.
174:4.2 (1901.2) Então os grupos de fariseus adiantaram-se para fazer as tais perguntas embaraçosas e o porta-voz deles, sinalizando para Jesus, disse: “Mestre, eu sou um jurista, e gostaria de perguntar-te qual é o mandamento mais importante, na tua opinião?” Jesus respondeu: “Não há senão um mandamento, que é o maior de todos. E este mandamento é: ‘Ouve, ó Israel, o Senhor, nosso Deus, o Senhor é um; e tu amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração e com toda a tua alma, toda a tua mente e toda a tua força’. Esse é o primeiro e o grande mandamento. E o segundo mandamento é como o primeiro; na verdade, brota diretamente dele, e é: ‘Tu amarás ao teu próximo como a ti mesmo’. Não há nenhum outro mandamento maior do que esses; sobre esses dois mandamentos se apóiam toda a lei e os profetas”.
174:4.3 (1901.3) Quando o jurista percebeu que Jesus havia respondido, não apenas de acordo com o mais elevado conceito da religião judaica, mas também com sabedoria à vista da multidão reunida, ele julgou que, como prova de coragem, valia mais que ele louvasse abertamente à resposta do Mestre. E então ele disse: “Na verdade, Mestre, tu disseste bem que Deus é um, e que não há nenhum além dele; e que amar a Deus no fundo do coração, com todo o entendimento e força, e também amar o semelhante, como a si próprio, é o primeiro grande mandamento; e nós concordamos que esse grande mandamento é muito mais importante do que todo holocausto e sacrifício”. Quando o jurista respondeu assim prudentemente, Jesus, olhando-o de cima, disse: “Meu amigo, percebo que não estás longe do Reino de Deus”.
174:4.4 (1901.4) Jesus dissera a verdade ao afirmar a esse jurista: “Não estás muito longe do Reino”, pois, naquela mesma noite, indo ao acampamento do Mestre, perto do Getsêmani, ele professou a sua fé no evangelho do Reino e foi batizado por Josias, um dos discípulos de Abner.
174:4.5 (1901.5) Dois ou três outros grupos de escribas e fariseus presentes haviam tido a intenção de fazer perguntas, mas, ou foram desarmados pela resposta de Jesus ao jurista, ou foram intimidados pelo desapontamento de todos aqueles que haviam tentado enganá-lo com armadilhas. Depois disso, homem algum ousou fazer-lhe mais perguntas em público.
174:4.6 (1901.6) Quando percebeu que não mais lhe fariam perguntas e como o meio-dia estava próximo, Jesus não retomou o seu ensinamento, contentando-se em fazer aos fariseus, e aos aliados deles, meramente uma pergunta. Disse Jesus: “Posto que não apresentais mais questões, eu gostaria de propor uma: O que pensais do Libertador? Isto é, de quem ele é filho?” Após uma breve pausa, um dos escribas respondeu: “O Messias é filho de Davi”. E posto que Jesus sabia que se havia discutido muito, mesmo entre os seus próprios discípulos, sobre ser ele ou não filho de Davi, ele fez mais uma pergunta: “Se o Libertador, de fato, é o filho de Davi, como é que, no Salmo que creditais a Davi, ele próprio, falando do espírito, diz: ‘O Senhor disse ao meu senhor, assenta-te à minha mão direita até que eu ponha os teus inimigos como banqueta para os teus pés.’ Se Davi chama a si próprio de Senhor, como ele pode ser o seu filho?”. Embora os dirigentes, escribas e sacerdotes principais não dessem nenhuma resposta a essa pergunta, eles abstiveram-se também de propor outras perguntas que servissem como armadilhas. Nunca responderam a essa pergunta que Jesus lhes fez, mas, depois da morte do Mestre, tentaram escapar da dificuldade mudando a interpretação desse salmo, de modo a fazê-lo referir-se a Abraão em lugar do Messias. Outros procuraram escapar do dilema negando que Davi fosse o autor desse salmo, chamado de messiânico.
174:4.7 (1902.1) Um momento antes, os fariseus haviam desfrutado da maneira pela qual os saduceus tinham sido silenciados pelo Mestre; agora os saduceus deliciavam-se com o fracasso dos fariseus; mas essa rivalidade era apenas momentânea; eles esqueceram-se rapidamente dessas diferenças tradicionais, unindo-se no esforço de dar um fim aos ensinamentos e às obras de Jesus. Mas em todas essas experiências a gente comum ouviu Jesus com contentamento.
174:5.1 (1902.2) Por volta do meio-dia, enquanto se ocupava comprando os suprimentos para o novo acampamento, o qual estava sendo instalado naquele dia, perto do Getsêmani, Filipe foi abordado por uma delegação de estrangeiros, um grupo de crentes gregos da Alexandria, Atenas e Roma, cujo porta-voz disse ao apóstolo: “Tu foste indicado a nós por aqueles que te conhecem e, assim sendo, viemos a ti, senhor, com o pedido de ver Jesus, o teu Mestre”. Tomado de surpresa, por encontrar esses gentios gregos proeminentes e indagadores na praça do mercado e, posto que Jesus havia recomendado tão explicitamente a todos os doze que não se engajassem em qualquer ensinamento público durante a semana de Páscoa, Filipe ficou um pouco confuso quanto à forma certa de lidar com essa questão. Ele havia ficado desconcertado, também, porque esses homens eram gentios estrangeiros. Se fossem judeus, ou gentios da vizinhança, ele não teria hesitado tanto. E o que fez foi o seguinte: pediu a esses gregos que permanecessem exatamente onde estavam. E quando se apressou, saindo dali, eles supuseram que tivesse ido à procura de Jesus, mas, na realidade, ele correu para a casa de José, onde sabia que André e os outros apóstolos estavam almoçando, e, chamando André lá fora, explicou-lhe o propósito da sua vinda, e então, acompanhado de André, ele voltou até onde os gregos esperavam.
174:5.2 (1902.3) Já que Filipe havia quase que terminado a compra de suprimentos, ele e André retornaram, com os gregos, à casa de José, onde Jesus os recebeu; e eles assentaram-se perto dele, enquanto falava aos seus apóstolos e a um certo número de discípulos importantes, reunidos para esse almoço. Disse Jesus:
174:5.3 (1902.4) “Meu Pai enviou-me a este mundo para revelar a Sua bondade e o Seu amor aos filhos dos homens; mas aqueles, para quem eu vim antes, se recusaram a receber-me. Verdade é que muitos de vós crestes no meu evangelho por vós próprios, mas os filhos de Abraão e os seus líderes estão a ponto de rejeitar-me e, ao fazê-lo, irão rejeitar a Ele que me enviou. Eu tenho proclamado abertamente o evangelho da salvação a esse povo, disse-lhe sobre a filiação com alegria, com liberdade e uma vida mais abundante no espírito. E pois o meu Pai realizou várias obras maravilhosas para esses filhos dos homens tiranizados pelo medo. Mas o profeta Isaías referiu-se verdadeiramente a esse povo quando escreveu: ‘Senhor, quem acreditou nos nossos ensinamentos? E a quem o Senhor foi revelado?’ De fato, os líderes do meu povo cegaram deliberadamente os próprios olhos para não verem; e endureceram os próprios corações para não acreditarem e assim não puderam ser salvos. Em todos esses anos eu tenho buscado curá-los pelas suas descrenças, para que possam receber a salvação eterna do Pai. Sei que nem todos falharam para comigo; alguns de vós de fato crestes na minha mensagem. Nesta sala, agora, estão uns vinte homens que antes foram membros do sinédrio, ou altos membros nos conselhos da nação; mesmo que alguns de vós ainda evitais a confissão aberta da verdade, para que não vos expulsem da sinagoga. Alguns de vós sois tentados a amar a glória dos homens mais do que a glória de Deus. Mas me vejo obrigado a mostrar paciência para convosco, pois temo pela segurança e lealdade, até mesmo, de alguns daqueles que estiveram por tanto tempo perto de mim, e que viveram tão próximos e ao meu lado.
174:5.4 (1903.1) “Nesta sala de banquete percebo estarem reunidos judeus e gentios em números quase iguais, e eu gostaria de dirigir-me a vós como o primeiro e o último dos grupos aos quais eu posso instruir nos assuntos do Reino, antes de ir para o meu Pai”.
174:5.5 (1903.2) Esses gregos haviam, fielmente, ouvido os ensinamentos de Jesus no templo. Na segunda-feira à noite eles tiveram uma conversa, na casa de Nicodemos, que perdurou até o amanhecer do dia, e levou trinta deles a escolherem entrar no Reino.
174:5.6 (1903.3) Enquanto encontrava-se diante deles, nesse exato momento, Jesus pôde perceber o fim de uma dispensação e o começo de outra. Voltando a sua atenção para os gregos, o Mestre disse:
174:5.7 (1903.4) “Aquele que crê neste evangelho, não crê meramente em mim mas Naquele que me enviou. Quando olhais para mim, vedes não apenas o Filho do Homem, mas também Aquele que me enviou. Eu sou a luz do mundo; e quem crer no meu ensinamento não mais permanecerá na escuridão. Se vós, gentios, ouvirdes a mim, recebereis as palavras da vida e entrareis imediatamente na liberdade jubilosa da verdade da filiação a Deus. Se os meus semelhantes e compatriotas judeus escolherem rejeitar-me e recusar os meus ensinamentos, eu não os julgarei, pois não vim para julgar o mundo, mas para oferecer-lhe a salvação. Aqueles que rejeitarem a mim e se recusarem a receber o meu ensinamento, entretanto, serão, na época devida, levados a julgamento pelo meu Pai e por aqueles que Ele houver apontado para julgar os que rejeitam a dádiva da misericórdia e as verdades da salvação. Lembrai-vos, todos vós, de que não falo por mim, mas declarei fielmente a vós o que o Pai mandou que eu revelasse aos filhos dos homens. E essas palavras que o Pai mandou que eu dissesse ao mundo são palavras de verdade divina, misericórdia perene e vida eterna.
174:5.8 (1903.5) “Tanto aos judeus quanto aos gentios declaro que é chegada a hora em que o Filho do Homem será glorificado. Bem sabeis que, a menos que um grão de trigo caia na terra e morra, ele permanecerá solitário; contudo, se morre em solo bom, brota de novo para a vida e gera muitos frutos. Aquele que ama egoisticamente sua própria vida corre o perigo de perdê-la, mas aquele que está disposto a dar a própria vida por minha causa e pela causa dessa nova palavra de Deus, desfrutará de uma existência mais abundante na Terra e, no céu, da vida eterna. Se me seguirdes verdadeiramente, mesmo depois que eu tiver ido para meu Pai, tornar-vos-eis meus discípulos e servidores sinceros dos vossos semelhantes mortais.
174:5.9 (1903.6) “Sei que se aproxima a minha hora, e estou inquieto. Percebo que o meu povo está determinado a desprezar o Reino, mas rejubilo-me de receber esses gentios buscadores da verdade que vieram aqui hoje perguntando sobre o caminho da luz. O meu coração dói, entretanto, pelo meu povo; e a minha alma está angustiada pelo que me espera. O que posso dizer, quando olho à frente e vejo o que está para suceder a mim? Devo dizer: Pai, salva-me dessa hora terrível? Não! Com esse mesmo propósito eu vim ao mundo, e, até mesmo, cheguei a esta hora. Devo antes falar, e orar, para que vos unais a mim: Pai, glorificado seja o vosso nome; seja feita a vossa vontade”.
174:5.10 (1904.1) Quando Jesus disse isso, o Ajustador Personalizado, residente nele antes mesmo da época do seu batismo, apareceu à sua frente, e Jesus fez, bem perceptivelmente, uma pausa, enquanto esse espírito, agora mais poderoso, representando o Pai, dirigiu-se a Jesus de Nazaré, dizendo: “Por muitas vezes Eu glorifiquei o Meu nome nas tuas outorgas, e O glorificarei uma vez mais”.
174:5.11 (1904.2) Conquanto os judeus e os gentios ali reunidos não ouvissem nenhuma voz, eles não puderam deixar de perceber que o Mestre havia feito uma pausa na sua fala enquanto uma mensagem vinha até ele, de alguma fonte supra-humana. Cada um dos homens disse àquele que estava ao seu lado: “Um anjo falou com ele”.
174:5.12 (1904.3) Então, Jesus continuou a explicar: “Tudo isso aconteceu, não por minha causa, mas pela vossa. Eu sei, com toda certeza, que o Pai irá receber-me e aceitar a minha missão em vosso favor, mas é necessário que sejais encorajados e preparados para a prova de fogo que vos espera. Deixai-me assegurar-vos de que a vitória finalmente irá coroar os nossos esforços unidos de iluminar e liberar a humanidade. A velha ordem está levando-se a julgamento; eu derrubei o Príncipe deste mundo; e todos os homens tornar-se-ão livres pela luz do espírito que verterei sobre toda a carne, depois que eu tiver ascendido ao meu Pai no céu.
174:5.13 (1904.4) “E, agora, declaro-vos que, se eu for elevado na Terra e nas vossas vidas, atrairei todos os homens para mim e para a fraternidade do meu Pai. Haveis acreditado que o Libertador iria residir para sempre na Terra, mas eu declaro que o Filho do Homem será rejeitado pelos homens, e retornará para o Pai. Por pouco tempo mais permanecerei convosco; apenas por pouco tempo a luz da vida estará com essa geração cheia de trevas. Caminhai, enquanto ainda tendes essa luz, para que a escuridão e a confusão vindouras não vos colha de surpresa. Aquele que caminha na escuridão não sabe para onde vai; mas se vós escolherdes caminhar na luz, tornar-vos-eis de fato filhos libertados de Deus. E, agora, vinde todos vós comigo para irmos de volta ao templo e para que eu diga palavras de adeus aos principais sacerdotes, escribas, fariseus, saduceus, herodianos e aos dirigentes ignorantes de Israel”.
174:5.14 (1904.5) Tendo assim falado, Jesus conduziu a todos pelas ruas estreitas de Jerusalém, de volta ao templo. Haviam acabado de ouvir o Mestre dizer que deveria ser esse o seu discurso de despedida no templo, e eles o seguiram em silêncio e meditando profundamente.
O Livro de Urântia
Documento 175
175:0.1 (1905.1) POUCO depois das duas horas da tarde dessa terça-feira, Jesus, acompanhado de onze dos apóstolos, de José de Arimatéia, dos trinta gregos e de alguns outros discípulos, chegou ao templo e começou a pronunciar o seu último discurso nas praças do edifício sagrado. Esse discurso estava destinado a ser o seu último apelo ao povo judeu e a acusação final aos seus inimigos veementes e supostos destruidores — escribas, fariseus, saduceus e os principais sacerdotes de Israel. Durante a manhã os vários grupos haviam tido uma oportunidade de fazer perguntas a Jesus, nessa tarde ninguém fez a ele nenhuma pergunta.
175:0.2 (1905.2) Quando o Mestre começou a falar, a praça do templo estava calma e ordeira. Os cambistas e os mercadores não haviam ousado entrar novamente no templo, desde que os haviam expulsado Jesus e a multidão agitada, no dia anterior. Antes de dar início ao discurso, Jesus olhou com ternura para a audiência ali, que muito em breve ouviria a sua fala de despedida pública e de misericórdia à humanidade, combinada com a última das suas denúncias aos falsos instrutores e fanáticos dirigentes dos judeus.
175:1.1 (1905.3) “Durante esse longo tempo em que estive convosco, percorrendo o país de um lado a outro, de cima a baixo, proclamando o amor do Pai aos filhos dos homens, muitos têm visto a luz e, pela fé, têm entrado no Reino do céu. Em acréscimo a esse ensinamento e pregação, o Pai tem feito muitas obras maravilhosas, chegando mesmo a ressuscitar da morte. Muitos doentes e aflitos foram curados porque creram; mas toda essa proclamação da verdade e curas de doenças não abriram os olhos daqueles que se recusam a ver a luz e que estão determinados a rejeitar esse evangelho do Reino.
175:1.2 (1905.4) “De todos os modos compatíveis com a vontade do meu Pai, eu e meus apóstolos temos feito todo o possível para viver em paz com nossos irmãos, para estar em conformidade com os quesitos razoáveis das leis de Moisés e das tradições de Israel. Persistentemente temos buscado a paz, mas os líderes de Israel não a querem. Ao rejeitar a verdade de Deus e a luz do céu, eles alinham-se com o erro e as trevas. Não pode haver paz entre a luz e as trevas, a vida e a morte, a verdade e o erro.
175:1.3 (1905.5) “Muitos de vós tendes ousado crer nos meus ensinamentos e já entrastes no júbilo e na liberdade da consciência da filiação a Deus. E vós sereis testemunhas de que eu ofereci, a toda a nação judaica, essa mesma filiação a Deus, mesmo àqueles homens que agora buscam a minha destruição. E, ainda agora, o meu Pai gostaria de receber esses instrutores cegos e líderes hipócritas, se apenas eles se voltassem para Ele aceitando a Sua misericórdia. Mesmo agora, ainda não é tarde demais para esse povo receber a palavra do céu e dar as boas-vindas ao Filho do Homem.
175:1.4 (1906.1) “Por muito tempo meu Pai tem tratado esse povo com misericórdia. Temos enviado nossos profetas para ensinar e prevenir-vos, geração após geração, e tendes assassinado esses instrutores enviados do céu. E agora vossos voluntariosos altos sacerdotes e teimosos dirigentes continuam fazendo essa mesma coisa. Do mesmo modo que Herodes levou João à morte, agora vos preparais para destruir o Filho do Homem.
175:1.5 (1906.2) “Enquanto houver uma possibilidade de os judeus se voltarem para meu Pai e buscarem a salvação, o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó manterá suas mãos misericordiosas estendidas para vós; mas, quando tiverdes enchido a vossa taça de impenitência e rejeitado a misericórdia do meu Pai, de um modo definitivo, essa nação ficará abandonada aos próprios conselhos e, rapidamente, chegará a um fim inglório. Esse povo foi convocado para tornar-se a luz do mundo, para anunciar a glória espiritual de uma raça conhecedora de Deus, mas, até agora, vos distanciastes tanto do cumprimento de vossos privilégios divinos, que vossos líderes estão a ponto de cometer a loucura suprema de todos os tempos, pois estão à beira de rejeitar finalmente a dádiva de Deus a todos os homens e para todos os tempos — a revelação do amor, do Pai dos céus, a todas Suas criaturas na Terra.
175:1.6 (1906.3) “E, quando rejeitardes esta revelação de Deus para o homem, o Reino do céu será dado a outros povos, àqueles que o receberão com alegria e júbilo. Em nome do Pai que me enviou eu, solenemente, previno-vos sobre estardes a ponto de perder a vossa posição de portadores da verdade eterna e de custódios da lei divina em todo o mundo. Estou, exatamente agora, oferecendo-vos a última oportunidade de apresentar-vos para o arrependimento, de expressar a vossa intenção de buscar Deus, de todo o vosso coração, e de entrar como crianças pequenas, e com uma fé sincera, na segurança e na salvação do Reino do céu.
175:1.7 (1906.4) “O meu Pai tem trabalhado, durante muito tempo, para vossa salvação e eu desci para viver entre vós e mostrar-vos pessoalmente o caminho. Muitos dentre os judeus e samaritanos e, mesmo entre os gentios, creram no evangelho do Reino; todavia aqueles que deveriam ser os primeiros a apresentar-se para aceitar a luz do céu, sem se perturbar, recusaram-se a crer na revelação da verdade de Deus — Deus revelado ao homem e o homem elevado até Deus.
175:1.8 (1906.5) “Nesta tarde os meus apóstolos encontram-se aqui, em silêncio, diante de vós, e logo ouvireis as suas vozes fazendo soar o chamado da salvação e o desejo de todos unirem-se ao Reino do céu, como filhos do Deus vivo. E agora eu chamo os meus discípulos crentes no evangelho do Reino, bem como os mensageiros invisíveis que estão ao lado deles, para testemunhar que eu ofereci uma vez mais, a Israel e aos seus dirigentes, a libertação e a salvação. E todos vós podeis observar como a misericórdia do Pai foi desprezada e os mensageiros da verdade rejeitados. Eu advirto-vos, contudo, de que esses escribas e fariseus ainda se sentam no lugar de Moisés e, portanto, até que os Altíssimos, que governam no reino dos homens, não tenham demolido essa nação e destruído o lugar desses dirigentes, eu vos peço que coopereis com esses anciães de Israel. Não vos está sendo pedido que vos unais a eles nos seus planos de destruir o Filho do Homem, mas para tudo que está relacionado à paz de Israel deveis submeter-vos a eles. Em todas essas questões, fazei o que quer que eles vos peçam e observai as partes essenciais da lei, mas não vos baseeis nas más ações deles. Lembrai-vos que o pecado desses dirigentes é que eles dizem o que é bom, mas não o realizam. Vós bem sabeis que esses líderes atam cargas pesadas aos vossos ombros, cargas sofridas de se levar, e sabeis que eles não levantarão sequer um dedo para ajudar-vos a arcar com essas pesadas cargas. Eles têm-vos oprimido com cerimônias e vos têm escravizado pelas tradições.
175:1.9 (1907.1) “Ademais, esses dirigentes centrados em si mesmos deliciam-se em fazer suas boas obras de modo a atrair sobre si a atenção dos homens. Eles alargam seus filactérios e dilatam as fronteiras da presença dos seus uniformes oficiais. Anseiam pelos lugares mais importantes nas festas e exigem os assentos principais nas sinagogas. Cobiçam saudações laudatórias nas praças dos mercados e desejam ser designados como rabi por todos os homens. E, mesmo buscando toda essa honraria dos homens, eles apoderam-se secretamente das casas das viúvas e tiram proveito dos serviços do templo sagrado. Por pretensão, esses hipócritas fazem longas orações em público e dão esmolas para chamar a atenção dos semelhantes.
175:1.10 (1907.2) “Embora devais honrar vossos dirigentes e reverenciar os instrutores, não deveríeis chamar a nenhum homem de Pai no sentido espiritual, pois há Aquele que é o vosso Pai, e que é o próprio Deus. Não deveríeis também tentar dominar vossos irmãos no Reino. Lembrai-vos, eu ensinei que aquele que quer ser o maior entre vós deveria tornar-se servidor de todos. Se presumirdes exaltar a vós próprios perante Deus, certamente sereis humilhados; mas aquele que se humilha, verdadeiramente, por certo será exaltado. Buscai na vossa vida cotidiana, não a autoglorificação, mas a glória de Deus. Subordinai inteligentemente vossas próprias vontades à vontade do Pai nos céus.
175:1.11 (1907.3) “Não interpreteis mal as minhas palavras. Eu não desejo o mal a esses sacerdotes principais e dirigentes que ainda agora buscam a minha destruição; não tenho nenhuma indisposição para com esses escribas e fariseus que rejeitam os meus ensinamentos. Sei que muitos de vós credes secretamente e sei que vós ireis professar abertamente a vossa sujeição ao Reino quando vier a minha hora. Mas como os vossos rabinos justificarão a si próprios, já que professam conversar com Deus e em seguida têm a presunção de rejeitar e de destruir aquele que vem para revelar o Pai aos mundos?
175:1.12 (1907.4) “Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas! Fecharíeis as portas do Reino do céu no rosto de homens sinceros, porque os consideram iletrados segundo as manias da vossa educação. Recusais entrar no Reino e, ao mesmo tempo, fazeis tudo ao vosso alcance para impedir os outros de entrar. Dais as costas para as portas da salvação e lutais contra todos que querem entrar por elas.
175:1.13 (1907.5) “Ai de vós, escribas e fariseus, porque sois hipócritas! Na verdade, abraçais a terra e o mar para fazer um prosélito, mas, depois de serdes bem-sucedidos, não ficais contentes enquanto não conseguirdes que ele fique duas vezes pior do que era quando filho pagão.
175:1.14 (1907.6) “Ai de vós, sacerdotes principais e dirigentes, que tomais as propriedades dos pobres e exigis o pagamento de impostos pesados daqueles que gostariam de servir a Deus, como eles julgam que Moisés mandou! Vós que recusais mostrar misericórdia, podeis esperar misericórdia nos mundos que virão?
175:1.15 (1907.7) “Ai de vós, falsos instrutores, guias cegos! O que pode ser esperado de uma nação quando cegos guiam cegos? Ambos irão cair no fosso da destruição.
175:1.16 (1907.8) “Ai de vós que dissimulais, quando fazeis um juramento! Sois trapaceiros, pois ensinais que um homem pode jurar pelo templo e violar seu juramento; mas aquele que jurar pelo ouro do templo deve manter o seu juramento. Sois tolos e cegos. Nem mesmo coerentes sois na vossa desonestidade, pois é maior o ouro, ou o templo que supostamente santificou o ouro? Vós também ensinais que se um homem jura pelo altar, isso não vale nada; mas , se alguém jura pela oferenda que está sobre o altar, então é tido como um devedor. De novo sois cegos para a verdade, pois qual é maior: a oferenda ou o altar que santifica a doação? Como podeis justificar tal hipocrisia e desonestidade à vista do Deus do céu?
175:1.17 (1908.1) “Ai de vós, escribas e fariseus e outros hipócritas que asseguram o dízimo da menta, do anis e do cominho e, ao mesmo tempo, desconsiderais as questões de mais peso da lei — fé, misericórdia e juízo! Se fôsseis razoáveis, cuidaríeis de um, mas não teríeis abandonado os outros. Sois realmente guias cegos e educadores estúpidos; filtrais os mosquitos e engolis o camelo.
175:1.18 (1908.2) “Ai de vós, escribas, fariseus e hipócritas! Pois sois escrupulosos ao limpar o lado de fora da taça e do prato, quando lá dentro permanece a sujeira da extorsão, dos excessos e da tapeação. Sois espiritualmente cegos. Não reconheceis quão melhor seria primeiro limpar o lado de dentro da taça, pois, assim, aquilo que derrama limparia por si o lado de fora? Réprobos perversos! Executais os atos exteriores da vossa religião para estar em conformidade com a letra da vossa interpretação da lei de Moisés, enquanto vossas almas estão impregnadas de iniqüidade e repletas de assassinatos.
175:1.19 (1908.3) “Ai de todos vós que rejeitais a verdade e desprezais a misericórdia! Muitos de vós sois como os sepulcros esbranquiçados, que por fora parecem belos, mas por dentro estão cheios de ossos de homens mortos e de toda sorte de podridão. E ainda assim, vós, que rejeitais conscientemente o conselho de Deus, mostrais- vos externamente aos homens como santos e justos, mas por dentro vossos corações estão cheios de hipocrisia e de iniqüidade.
175:1.20 (1908.4) “Ai de vós, falsos guias de uma nação! Haveis construído um monumento para os profetas martirizados de outrora, enquanto fazeis complôs para destruir aquele de quem eles falaram. Ornais as tumbas dos justos e vos gabais de que, caso tivésseis vivido na época dos vossos pais, não teríeis matado os profetas; mas, então, apesar desse pensamento presunçoso, estais prontos a assassinar aquele de quem os profetas falaram, o Filho do Homem. Porquanto fazeis essas coisas, dais vós mesmos o testemunho de que sois filhos perversos daqueles que mataram os profetas. Ide, então, e preenchei até transbordar a taça da vossa condenação!
175:1.21 (1908.5) “Ai de vós, filhos do mal! João chamou-vos, com razão, de filhotes de víboras e eu pergunto: como podereis escapar do julgamento que João pronunciou sobre vós?
175:1.22 (1908.6) “Mesmo agora, porém, eu ainda vos ofereço misericórdia e perdão em nome do meu Pai; ainda agora ofereço a mão amorosa da fraternidade eterna. O meu Pai enviou homens sábios e profetas a vós e, a alguns, vós os perseguistes e a outros assassinastes. Então apareceu João, proclamando a vinda do Filho do Homem, e a ele destruístes após muitos haverem acreditado no seu ensinamento. E, agora, estais prestes a derramar mais sangue inocente. Não compreendeis que um dia terrível de prestação de contas virá, em que o Juiz de toda a Terra exigirá desse povo que explique por que rejeitou, perseguiu e destruiu todos esses mensageiros dos céus? Não compreendeis que devereis prestar contas desse sangue justo derramado, desde o primeiro profeta morto na época de Zacarias, assassinado entre o santuário e o altar? E se continuardes no vosso caminho de perversidades, essa prestação de contas pode ser exigida ainda dessa mesma geração.
175:1.23 (1908.7) “Ó Jerusalém, ó filhos de Abraão, que apedrejastes os profetas e assassinastes os instrutores que vos foram enviados, mesmo agora eu gostaria de reunir vossos filhos como uma galinha reúne seus pintos sob as asas, mas não quereis!
175:1.24 (1908.8) “E, agora, despeço-me de vós. Ouvistes a minha mensagem e tomastes a vossa decisão. Aqueles que creram no meu evangelho estão agora a salvo no Reino de Deus. A vós que escolhestes rejeitar a dádiva de Deus, eu digo que não mais me vereis ensinando no templo. A minha obra em vosso favor está feita. Vede, agora saio com os meus filhos, e a vossa casa é deixada para vós, em desolação!”
175:1.25 (1908.9) E, então, o Mestre sinalizou aos seus seguidores para que saíssem do templo.
175:2.1 (1909.1) O fato de que, um dia, os líderes espirituais e educadores religiosos da nação judaica tivessem rejeitado os ensinamentos de Jesus e conspirado para provocar a sua morte cruel, de nenhum modo afeta a condição de qualquer indivíduo judeu perante Deus. E isso não deveria levar aqueles que se professam seguidores do Cristo a manter preconceitos contra o judeu como um semelhante mortal seu. Os judeus, como uma nação, como um grupo sociopolítico, pagaram plenamente o terrível preço de rejeitar o Príncipe da Paz. Há muito tempo eles deixaram de ser os portadores espirituais da verdade divina para as raças da humanidade, mas isso não se constitui em uma razão válida para que o indivíduo descendente desses antigos judeus deva ser levado a sofrer as perseguições que têm sido feitas a eles por professos seguidores, intolerantes, indignos e fanáticos, de Jesus de Nazaré, pois foi, ele próprio, um judeu por nascimento.
175:2.2 (1909.2) Muitas vezes, essa perseguição e esse ódio desmedidos aos judeus modernos, tão contrários ao modelo crístico, findaram no sofrimento e na morte de alguns indivíduos judeus inocentes e inofensivos, cujos antepassados, nos tempos de Jesus, aceitaram de coração o seu evangelho e morreram sem vacilar por aquela verdade em que acreditavam tão sinceramente. Que arrepio de horror passa pelos seres celestes quando eles observam os seguidores professos de Jesus dedicando- se a perseguir, a atormentar e mesmo a assassinar os descendentes mais recentes de Pedro, Filipe, Mateus e outros judeus palestinos que tão gloriosamente entregaram as suas vidas como os primeiros mártires do evangelho do Reino celeste!
175:2.3 (1909.3) Quão cruel e irracional é obrigar crianças inocentes a sofrer pelos pecados dos seus progenitores, por delitos que elas ignoram totalmente, e pelos quais elas não poderiam de nenhum modo ser responsabilizadas! E cometer tais atos perversos em nome de alguém que ensinou os seus discípulos a amar até mesmo aos próprios inimigos! Tornou-se necessário, nesta narrativa da vida de Jesus, retratar o modo com o qual alguns dos seus compatriotas judeus rejeitaram- no e conspiraram para provocar a sua morte ignominiosa; mas gostaríamos de advertir a todos que lêem esta narrativa, que a apresentação de um tal relato histórico, de nenhum modo, justifica o ódio injusto, nem perdoa a atitude mental sem eqüidade, que tantos cristãos professos têm mantido para com os indivíduos judeus, durante muitos séculos. Os crentes do Reino, aqueles que seguem os ensinamentos de Jesus, devem cessar de maltratar o indivíduo judeu como se ele fosse culpado pela rejeição e pela crucificação de Jesus. O Pai e o seu Filho Criador nunca deixaram de amar os judeus. Deus não tem preferências por pessoas, e a salvação existe para todos os judeus como também para os gentios.
175:3.1 (1909.4) A mais fatídica reunião do sinédrio foi convocada para as oito horas dessa noite de terça-feira. Em muitas ocasiões anteriores, essa corte suprema da nação judaica havia informalmente decretado a morte de Jesus. Muitas vezes esse augusto corpo dirigente havia determinado colocar um paradeiro na sua obra, mas nunca antes haviam eles resolvido colocá-lo na prisão e provocar a sua morte a todo e qualquer custo. Era um pouco antes da meia-noite dessa terça-feira, 4 de abril, do ano 30 a.C., quando o sinédrio, como estava então constituído, votou, unânime e oficialmente, decidindo impor a sentença de morte tanto a Jesus quanto a Lázaro. Essa foi a resposta ao último apelo do Mestre aos dirigentes dos judeus, e tal apelo havia sido feito no templo, por ele, apenas umas poucas horas antes, e representava a reação de ressentimento amargo, deles, para com a última acusação vigorosa de Jesus a esses mesmos sacerdotes principais, saduceus e fariseus impenitentes. A aprovação da sentença de morte (antes mesmo do julgamento), dada ao Filho de Deus, era a réplica dada pelo sinédrio à última oferta de misericórdia celeste jamais estendida à nação judaica, como tal.
175:3.2 (1910.1) Desse momento em diante os judeus foram deixados a sós, para que terminassem o seu breve e curto tempo de vida nacional, entre as nações de Urântia, plenamente de acordo com a sua condição puramente humana. Israel havia repudiado o Filho do mesmo Deus que fizera uma aliança com Abraão; e, assim, o plano de fazer dos filhos de Abraão os portadores da luz da verdade para o mundo havia sido abalado. A aliança divina havia sido anulada; e o fim da nação hebraica aproximava-se rapidamente.
175:3.3 (1910.2) Os oficiais do sinédrio receberam a ordem de prender Jesus, cedo, na manhã seguinte; no entanto, com instruções de que ele não deveria ser detido em público. Foi-lhes instruído que planejassem pegá-lo secretamente, de preferência à noite e de maneira repentina. Compreendendo que ele poderia não voltar naquele dia (quarta-feira) para ensinar no templo, eles instruíram a esses oficiais do sinédrio que “o trouxessem perante a alta corte judaica, um pouco antes da meia-noite da quinta-feira”.
175:4.1 (1910.3) Quando da conclusão do último discurso de Jesus no templo, uma vez mais, os apóstolos ficaram confusos e consternados. Antes de o Mestre iniciar a sua terrível denúncia aos dirigentes judeus, Judas havia voltado ao templo, de modo que todos os doze ouviram essa segunda metade do último discurso de Jesus no templo. É de se lamentar que Judas Iscariotes não tenha podido ouvir a primeira metade, a que oferecia a misericórdia, dessa fala de despedida. Ele não ouvira a última oferta de misericórdia aos dirigentes judeus, porque ainda estava em conferência com um certo grupo de parentes e amigos saduceus, com os quais havia almoçado e conversado sobre a maneira mais adequada de desligar-se de Jesus e dos seus companheiros apóstolos. E foi enquanto ouvia a acusação final feita pelo Mestre, aos líderes e dirigentes judeus, que Judas se decidiu, final e completamente, por abandonar o movimento do evangelho e lavar as suas mãos quanto ao empreendimento inteiro. Entretanto ele deixou o templo em companhia dos doze, foi com eles ao monte das Oliveiras, onde, com os companheiros apóstolos, ouviu àquele discurso fatídico sobre a destruição de Jerusalém e sobre o fim da nação judaica, e permaneceu com eles naquela noite de terça-feira, no novo acampamento perto do Getsêmani.
175:4.2 (1910.4) A multidão que ouviu Jesus, de um apelo misericordioso aos líderes judeus, passar àquela súbita e severa reprimenda, que beirava à denúncia implacável, estava atônita e desconcertada. Naquela noite, enquanto o sinédrio reunia-se para dar a Jesus a sentença de morte, e, enquanto o Mestre ficava sentado com os seus apóstolos e alguns dos seus discípulos no monte das Oliveiras, predizendo a morte da nação judaica, toda Jerusalém estava entregue à discussão séria e reprimida de uma única questão: “O que farão com Jesus?”
175:4.3 (1910.5) Na casa de Nicodemos, mais de trinta judeus proeminentes, crentes secretos do Reino, encontraram-se e debateram sobre o curso, que deveriam seguir, no caso de advir uma ruptura aberta com o sinédrio. Todos os presentes concordaram que fariam um reconhecimento público da sua fidelidade ao Mestre, exatamente no momento em que ficassem sabendo da sua prisão. E foi exatamente isso o que fizeram.
175:4.4 (1911.1) Os saduceus, que agora predominavam no sinédrio, controlando-o, estavam desejosos de livrar-se de Jesus pelas razões seguintes:
175:4.5 (1911.2) 1. Eles temiam que a predileção popular crescente, dedicada pela multidão a Jesus, ameaçasse colocar em perigo a existência da nação judaica, por um possível envolvimento com as autoridades romanas.
175:4.6 (1911.3) 2. O zelo de Jesus pelas reformas no templo afetou diretamente as suas rendas, a limpeza do templo prejudicou os seus bolsos.
175:4.7 (1911.4) 3. Eles sentiam-se responsáveis pela preservação da ordem social, e temiam as conseqüências da expansão posterior da nova e estranha doutrina de Jesus sobre a irmandade dos homens.
175:4.8 (1911.5) Os fariseus tinham motivos diferentes para querer ver Jesus sendo levado à morte. Eles temiam-no porque:
175:4.9 (1911.6) 1. Ele estava empenhado em fazer oposição ao domínio tradicional que eles mantinham sobre o povo. Os fariseus, sendo ultraconservadores, ressentiram-se amargamente dos ataques, supostamente radicais, ao seu prestígio consolidado de educadores religiosos.
175:4.10 (1911.7) 2. Eles sustentavam que Jesus violava a lei; que ele demonstrou uma grande desconsideração pelo sábado e por inúmeras outras exigências legais e cerimoniais.
175:4.11 (1911.8) 3. Eles acusavam-no de blasfêmia porque ele referia-se a Deus como ao seu Pai.
175:4.12 (1911.9) 4. E agora eles estavam profundamente enraivecidos com ele, por causa da parte final da sua elocução de despedida, com amargas denúncias, pronunciada naquele mesmo dia no templo.
175:4.13 (1911.10) O sinédrio, havendo formalmente decretado a morte de Jesus, e havendo emitido ordens para a sua prisão, suspendeu a reunião nessa terça-feira, quase à meia-noite, após concordar em reunir-se às dez horas da manhã seguinte, na casa de Caifás, o sumo sacerdote, com o propósito de formular as acusações sob as quais Jesus deveria ser levado a julgamento.
175:4.14 (1911.11) Um grupo pequeno de saduceus havia proposto factualmente que eles se desfizessem de Jesus por meio de um assassinato, mas os fariseus negaram-se terminantemente a aprovar tal procedimento.
175:4.15 (1911.12) E essa era a situação em Jerusalém e entre os homens, nesse dia memorável, enquanto, ao mesmo tempo, um vasto concurso de seres celestes pairava sobre essa grave cena na Terra, ansiosos, todos, por fazerem algo para ajudar o seu amado Soberano. Todavia, estavam impotentes para agir, efetivamente, pois se viam refreados pelos seus superiores no comando.
O Livro de Urântia
Documento 176
176:0.1 (1912.1) NESSA terça-feira à tarde, quando Jesus e os apóstolos passaram diante do templo, a caminho do campo do Getsêmani, Mateus chamou a atenção para a construção do templo e disse: “Mestre, observa esta espécie de edifícios. Vês as pedras maciças e os belos adornos; é possível que estes edifícios sejam destruídos?” Enquanto caminhavam em direção às Oliveiras, Jesus disse: “Vês estas pedras e este templo maciço? Em verdade, em verdade, eu vos digo: nos dias que breve virão, não será deixada pedra sobre pedra. Elas serão todas derrubadas”. Essas observações, descrevendo a destruição do templo sagrado, despertaram a curiosidade dos apóstolos à medida que caminhavam atrás do Mestre; eles não podiam conceber nenhum acontecimento, a não ser o fim do mundo, que ocasionasse a destruição do templo.
176:0.2 (1912.2) Para evitar as multidões, ao passar pelo vale do Cedrom a caminho do Getsêmani, Jesus e os seus colaboradores pensavam em escalar a ladeira do monte das Oliveiras até uma certa altura e depois seguir uma trilha até o seu campo particular perto do Getsêmani, localizado a uma pequena distância acima da área do campo público. Quando estavam para deixar a estrada que ia para Betânia, eles observaram o templo, glorificado pelos raios do sol que se punha; e, enquanto subiam o monte, iam vendo as luzes da cidade e contemplaram a beleza do templo iluminado; e lá, sob a luz suave da lua cheia, Jesus e os doze assentaram-se. O Mestre falou-lhes, e logo Natanael fez esta pergunta: “Dize-nos, Mestre, como saberemos que esses acontecimentos estão próximos?”
176:1.1 (1912.3) Ao responder à pergunta de Natanael, Jesus disse: “Sim, eu falarei sobre o tempo em que esse povo haverá preenchido a sua taça de iniqüidade, quando a justiça descerá rapidamente sobre esta cidade de nossos pais. Eu devo deixar- vos em breve e irei para meu Pai. Depois que eu deixar-vos, cuidai para que nenhum homem vos engane, pois muitos virão como libertadores e arrastarão muitos outros ao erro. Quando escutardes das guerras e rumores de guerras, não vos perturbeis, pois, apesar de todas essas coisas estarem por acontecer, o fim de Jerusalém ainda não é iminente. Não deveríeis perturbar-vos por causa da fome ou terremotos; nem deveríeis preocupar-vos se fordes entregues às autoridades civis nem se fordes perseguidos por causa do evangelho. Sereis expulsos da sinagoga e colocados em prisões por minha causa; e a alguns de vós eles matarão. Quando fordes levados perante os governadores e legisladores, será para dar um testemunho da vossa fé e mostrar a vossa firmeza no evangelho do Reino. E, quando fordes colocados perante os juízes, não vos inquieteis de antemão sobre aquilo que deveríeis dizer, pois o espírito vos ensinará, exatamente naquela hora, sobre o que devereis responder aos vossos adversários. Nesses dias de adversidade, até mesmo os vossos parentes, sob a liderança daqueles que houverem rejeitado o Filho do Homem, irão conduzi-los à prisão e à morte. Durante um certo tempo, podereis ser odiados por todos os homens por minha causa, mas mesmo nessas perseguições eu não vos abandonarei; o meu espírito não vos desertará. Sede pacientes! Não duvideis de que o evangelho do Reino triunfará sobre todos os inimigos e que, finalmente, será proclamado a todas as nações”.
176:1.2 (1913.1) Jesus fez uma pausa enquanto olhava para a cidade abaixo. O Mestre compreendeu que a rejeição do conceito espiritual do Messias e a determinação de apegarem-se com persistência e cegueira a uma missão material para o Libertador esperado, em breve, iriam levar os judeus a um conflito direto com os poderosos exércitos romanos; e essa luta iria resultar apenas na derrocada final e completa da nação judaica. Quando rejeitou a sua outorga espiritual e se recusou receber a luz do céu, do modo como brilhou tão misericordiosamente sobre todos, o seu povo estava selando a condenação de si próprios como um povo independente e sem a sua missão espiritual especial na Terra. E os próprios líderes judeus posteriormente reconheceram que havia sido essa idéia terrena do Messias que, direta e finalmente, conduziu à turbulência a qual trouxe a destruição deles.
176:1.3 (1913.2) Já que Jerusalém estava para tornar-se o berço dos primeiros movimentos dos evangelhos, Jesus não quis que os seus educadores e pregadores perecessem na ruína terrível do povo judeu, junto com a destruição de Jerusalém; e por isso deu essas instruções aos seus seguidores. Jesus estava preocupado com a possibilidade de que alguns dos seus discípulos viessem a se envolver nas revoltas que logo aconteceriam e que assim perecessem durante a queda de Jerusalém.
176:1.4 (1913.3) E então André perguntou: “Mas, Mestre, se a cidade sagrada e o templo estão para ser destruídos, e se tu não estiveres aqui para orientar-nos, quando devemos abandonar Jerusalém?” Jesus disse: “Podeis permanecer na cidade depois que eu tiver partido e mesmo durante esses duros tempos de perseguição amarga, mas, quando finalmente virdes Jerusalém sendo ocupada pelos exércitos romanos, depois da revolta dos falsos profetas, então, sabereis que a desolação de Jerusalém é iminente; e, pois, deveis fugir para as montanhas. Que ninguém que esteja na cidade, nem em seus arredores, permaneça para salvar nada, nem aqueles que estiverem fora, que não ousem entrar lá. Haverá uma grande atribulação, pois esses serão os dias da vingança dos gentios. Depois que houverdes abandonado a cidade, esse povo desobediente irá cair no fio da espada e será levado à prisão em todas as nações, e assim Jerusalém será esmagada pelos gentios. Nesse meio tempo, eu previno-vos, não vos deixeis enganar. Se algum homem aproximar- se de vós dizendo: ‘Olhai, aqui está o Libertador’; ou: ‘Olhai, lá está ele’; não deveis acreditar, pois muitos educadores falsos surgirão e muitos homens serão levados de roldão, mas não deveis deixar-vos enganar, pois sobre tudo isso eu vos preveni de antemão”.
176:1.5 (1913.4) Os apóstolos sentaram-se em silêncio sob a luz da lua durante um tempo considerável, enquanto essas predições surpreendentes do Mestre afundavam- se nas suas mentes confusas. E foi praticamente por causa desse aviso que o grupo inteiro de crentes e discípulos, quando apareceram as primeiras tropas dos romanos, abandonou Jerusalém, encontrando um abrigo seguro ao norte, em Pela.
176:1.6 (1913.5) Mesmo depois desse aviso explícito, muitos dos seguidores de Jesus interpretaram essas previsões como se elas se referissem às mudanças que obviamente ocorreriam em Jerusalém, quando do reaparecimento do Messias, resultando no estabelecimento da Nova Jerusalém e na ampliação da cidade, para que se transformasse na capital do mundo. Nas suas mentes, esses judeus estavam determinados a associar a destruição do templo com o “fim do mundo”. Eles acreditavam que essa Nova Jerusalém abrangeria toda a Palestina; e que ao fim do mundo seguir-se-ia o surgimento imediato dos “novos céus e da nova Terra”. E assim, então, não era estranho que Pedro dissesse: “Mestre, sabemos que todas as coisas passarão quando os novos céus e a nova Terra surgirem, mas como saberemos quando vós ireis retornar para que tudo isso se cumpra?”
176:1.7 (1914.1) Ao ouvir isso, Jesus ficou pensativo por algum tempo e então disse: “Vós errais sempre, pois estais sempre tentando ligar o novo ensinamento ao antigo; vós estais determinados a compreender de um modo errado todo o meu ensinamento; vós insistis em interpretar o evangelho de acordo com as vossas crenças já estabelecidas. Entretanto, vou tentar esclarecer-vos”.
176:2.1 (1914.2) Em várias oportunidades, Jesus havia feito afirmações as quais levaram os seus ouvintes a inferir que, embora tivesse a intenção de deixar este mundo em breve, ele voltaria muito certamente para consumar o trabalho do Reino do céu. À medida que, nos seus seguidores, aumentou a convicção de que ele estava para deixá-los, elevou-se também a de que, depois que tivesse partido deste mundo, mais do que natural seria, para todos os crentes, manterem-se apegados às promessas de que ele retornaria. A doutrina da segunda vinda de Cristo tornou-se, assim, logo incorporada aos ensinamentos dos cristãos, e quase toda a geração posterior de discípulos tem acreditado devotamente nessa verdade e aguardado confiantemente essa vinda, em alguma época.
176:2.2 (1914.3) Já que deviam separar-se do seu Educador e Mestre, então, esses primeiros discípulos e apóstolos tinham mais motivos ainda para agarrarem-se àquela promessa de retorno; e eles não tardaram em ligar a destruição prevista de Jerusalém, atrelando-a à segunda vinda prometida. E continuaram a interpretar assim as suas palavras, apesar dos esforços especiais do Mestre, durante essa noite de instrução no monte das Oliveiras, para impedir exatamente esse erro.
176:2.3 (1914.4) Continuando a responder à pergunta de Pedro, Jesus disse: “Por que supondes ainda que o Filho do Homem deva sentar-se no trono de Davi; e por que esperais ver cumpridos os sonhos materiais dos judeus? Já não vos disse, todos esses anos, que o meu Reino não é deste mundo? As coisas que estais agora desprezando estão chegando a um fim; mas que isto seja um novo começo do qual o evangelho do Reino possa sair para todo o mundo; e que seja a salvação levada a todos os povos. E, quando o Reino houver chegado à plena fruição, podeis estar seguros de que o Pai no céu não deixará de contemplar-vos com uma revelação ainda maior da verdade e uma demonstração mais elevada de retidão, pois Ele já outorgou a este mundo aquele que se tornou o príncipe das trevas e em seguida deu-lhe Adão, que foi seguido por Melquisedeque e, agora, nestes dias, deu-lhe o Filho do Homem. E, assim, o Pai irá continuar a manifestar Sua misericórdia e demonstrar Seu amor, até mesmo a este mundo escuro e mau. E assim também eu, depois que meu Pai investir-me de todo o poder e autoridade, continuarei junto de vós na vossa sorte e prosseguirei guiando-vos nos assuntos do Reino, por intermédio da presença do meu espírito que em breve será vertido sobre toda a carne. Embora mesmo estando assim em espírito presente entre vós, eu prometo também que, algum dia, eu retornarei a este mundo onde vivi esta vida na carne e onde tive a experiência de simultaneamente revelar Deus ao homem e de conduzir o homem a Deus. Muito em breve devo deixar-vos e retomar o trabalho que o Pai confiou às minhas mãos; entretanto, tende bastante coragem, pois eu voltarei dentro de algum tempo. Nesse ínterim, o meu Espírito da Verdade, para um universo, irá confortar-vos e guiar-vos.
176:2.4 (1915.1) “Agora me vedes na fraqueza da carne, mas, quando eu voltar, será em poder e em espírito. O olho da carne contempla o Filho do Homem na carne, mas apenas o olho do espírito verá o Filho do Homem glorificado pelo Pai e surgindo na Terra, em seu próprio nome.
176:2.5 (1915.2) “A época da volta do Filho do Homem, todavia, é conhecida apenas nos conselhos do Paraíso, nem mesmo os anjos dos céus sabem quando isso ocorrerá. Contudo, vós deveríeis entender que, quando este evangelho do Reino houver sido proclamado a todo o mundo, para a salvação de todos povos, e, quando o tempo tiver alcançado sua plenitude, o Pai vos enviará uma outra outorga dispensacional, ou então o Filho do Homem retornará para julgar a idade.
176:2.6 (1915.3) “E agora a respeito das atribulações de Jerusalém, sobre as quais vos falei, mesmo esta geração não passará antes que minhas palavras se cumpram; mas a respeito da época do retorno do Filho do Homem, ninguém no céu ou na Terra pode presumir falar. Mas deveríeis ser sábios a respeito do amadurecimento de uma idade; deveríeis estar alerta para discernir os sinais dos tempos. Vós sabeis que, quando a figueira mostra seus tenros galhos e folhas, é porque o verão está próximo. Do mesmo modo, quando o mundo tiver passado pelo longo inverno de mentalidade materialista e já discernirdes a vinda da primavera espiritual de uma nova dispensação, deveríeis saber que se aproxima o verão de uma nova visitação.
176:2.7 (1915.4) “E, pois, qual é o significado do ensinamento que tem a ver com a vinda dos Filhos de Deus? Não percebeis que, quando cada um de vós for chamado a abandonar a sua vida de luta e passar pelo portal da morte, então estareis na presença imediata do julgamento e face a face com os fatos de uma nova dispensação de serviço, no plano eterno do Pai infinito? O que todo mundo deve encarar como um fato real, ao final de uma idade, vós, como indivíduos, deveis, cada um, com toda certeza encarar como uma experiência pessoal, quando alcançardes o fim da vossa vida natural e passardes a confrontar-vos com as condições e as demandas inerentes à próxima revelação na progressão eterna dentro do Reino do Pai”.
176:2.8 (1915.5) Dentre todos os discursos que o Mestre fez para os seus apóstolos, nenhum se tornou tão confuso nas suas mentes como o pronunciado nessa terça-feira à noite, no monte das Oliveiras, a respeito das duas questões que consistiram na destruição de Jerusalém e na sua própria segunda vinda. E os escritos subseqüentes baseados nas memórias sobre o que havia sido dito pelo Mestre, nessa ocasião extraordinária, não concordam entre si. Conseqüentemente, como os registros foram deixados em branco, no que dizia respeito à grande parte do que havia sido dito naquela noite de terça-feira, muitas tradições surgiram; e, logo no alvorecer do segundo século, um apocalipse judeu sobre o Messias, escrito por um homem chamado Selta, que era ligado à corte do imperador Calígula, foi integrado ao evangelho de Mateus e, subseqüentemente, acrescentado (em parte) aos registros de Marcos e Lucas. Foi desses escritos de Selta que a parábola das dez virgens apareceu. Nenhuma parte do registro dos evangelhos jamais sofreu erros, na sua construção, geradores de tanta confusão como o do ensinamento dessa noite. Mas o apóstolo João nunca se deixou confundir desse modo.
176:2.9 (1915.6) Ao retomarem a sua marcha para o campo, esses treze homens mantiveram- se sem falar e sob uma grande tensão emocional. Judas havia finalmente confirmado a sua decisão de abandonar aquele grupo. Era tarde quando Davi Zebedeu, João Marcos e alguns dos discípulos principais acolheram Jesus, e os doze, no novo campo; os apóstolos, contudo, não quiseram dormir, queriam saber mais sobre a destruição de Jerusalém, sobre a partida do Mestre e sobre o fim do mundo.
176:3.1 (1916.1) Enquanto cerca de vinte deles se reuniam em torno da fogueira do campo, Tomé perguntou: “Já que irás retornar para completar o trabalho do Reino, qual deverá ser a nossa atitude enquanto estiveres ausente para ocupar-te dos assuntos do Pai?” Contemplando-os sob a luz do fogo, Jesus respondeu:
176:3.2 (1916.2) “E até mesmo tu, Tomé, não compreendeste o que eu venho dizendo. Não tenho eu ensinado a vós, todo esse tempo, que a vossa ligação com o Reino é espiritual e individual; uma questão totalmente de experiência pessoal com o espírito, por meio da compreensão e pela fé de que todos vós sois filhos de Deus? O que mais posso dizer? A queda de nações, o colapso de impérios, a destruição de judeus descrentes, o fim de uma idade e, mesmo, o fim do mundo; o que essas coisas têm a ver com aquele que crê neste evangelho, e com aquele que guardou sua vida na certeza do Reino eterno? Vós, que sois conhecedores de Deus e acreditais no evangelho, já recebestes a certeza da vida eterna. Desde que vossas vidas tenham sido vividas no espírito e para o Pai, nada pode causar preocupações sérias a vós. Construtores do Reino, cidadãos acreditados dos mundos celestes, não vos deveis deixar perturbar por altercações temporais ou cataclismos terrestres. Em que vos importa, a vós que credes nesse evangelho do Reino, se caírem as nações, se terminarem as idades ou se todas as coisas visíveis se colidirem, porquanto sabeis que a vossa vida é uma dádiva do Filho, e que é eternamente segura no Pai? Tendo vivido a vida temporal pela fé e tendo colhido os frutos do espírito pela retidão no serviço e no amor dos vossos semelhantes, vós podeis olhar confiantes para o futuro do vosso próximo passo, na carreira eterna, com a mesma fé na sobrevivência que vos levou ao fim da vossa aventura primeira e terrena de filiação a Deus.
176:3.3 (1916.3) “Cada geração de crentes deveria continuar seu trabalho, em vista do possível retorno do Filho do Homem, exatamente como todo indivíduo crente leva adiante o trabalho da sua vida, em vista da inevitável e sempre iminente morte natural. Uma vez que tiverdes estabelecido, pela fé, a vós próprios como filhos de Deus, nada mais importa no que diz respeito à certeza da sobrevivência. Mas não cometais erros! A fé na sobrevivência é uma fé viva e manifesta-se cada vez mais nos frutos do espírito divino que a inspirou, pela primeira vez, do fundo do coração humano. Já aceitastes a filiação ao Reino celeste, uma vez, mas isso não vos irá salvar, se houver rejeição consciente e persistente da verdade, pois esta tem a ver com a fecundidade espiritual progressiva dos filhos de Deus na carne. Vós, que estivestes comigo, cuidando dos assuntos do Pai na Terra, deveis, agora mesmo, desertar o Reino se achardes que não podeis amar o caminho de servir ao Pai, servindo à humanidade.
176:3.4 (1916.4) “Enquanto indivíduos e como uma geração de crentes, escutai-me, contar uma parábola: Havia um certo grande homem que, antes de sair para uma longa viagem a um outro país, chamou seus servos de confiança diante de si e passou às mãos deles todos os seus bens. A um ele deu cinco talentos, deu dois a outro e ainda a um outro deu um talento. E assim ele fez com o grupo inteiro de honrados servidores; a cada um confiando seus bens de acordo com as capacitações variadas deles; e então partiu de viagem. Depois que o senhor partiu, seus serviçais puseram-se a trabalhar para ganhar lucros sobre os bens confiados a eles. Imediatamente, aquele que tinha recebido cinco talentos começou a negociá-los e, em breve, fez um lucro de outros cinco talentos. Da mesma maneira, aquele que tinha recebido dois talentos, ganhou logo mais dois. E, assim, todos servidores proporcionaram ganhos ao seu senhor, exceto aquele que havia recebido apenas um talento. Este, por sua vez, cavou sozinho um buraco na terra, escondendo ali o dinheiro do seu senhor. Em breve o senhor daqueles serviçais retornou inesperadamente e chamou-os para um acerto de contas. Quando todos se encontravam diante do seu senhor, aquele que havia recebido cinco talentos adiantou-se com o dinheiro que lhe havia sido confiado e trouxe ainda cinco talentos mais, dizendo: ‘Senhor, me destes cinco talentos para investir, e eu estou contente de apresentar cinco outros talentos como ganho meu’. E então o seu senhor lhe disse: ‘Muito bem feito, meu bom e fiel servidor, tu foste fiel para algumas coisas; e agora eu vou colocar outras tantas sob os teus cuidados; entra e partilha da alegria do seu senhor’. E então aquele que havia recebido os dois talentos adiantou-se dizendo: ‘Senhor, entregastes dois talentos nas minhas mãos; e, olhai, ganhei esses outros dois talentos’. E o senhor disse a ele: ‘Tu fizeste bem, bom e fiel servidor; tu também foste fiel em umas tantas coisas, e agora te entrego muitas; entra na alegria do teu senhor’. E então veio para prestar contas o que tinha recebido um talento. Esse serviçal adiantou-se dizendo: ‘Senhor, eu vos conheço e sei que sois um homem astucioso, e que esperais ganhos onde vós não trabalhastes pessoalmente; portanto, eu fiquei temeroso de arriscar aquilo que a mim foi confiado. Escondi com segurança o vosso talento debaixo da terra; aqui está ele; agora tendes o que vos pertence’. Mas o senhor respondeu-lhe: ‘Tu és um serviçal indolente e folgado. Pelas tuas próprias palavras, confessas que sabias que eu iria exigir de ti uma prestação de contas com um lucro razoável, tal como os que os teus diligentes companheiros servidores me prestaram neste dia. Tendo conhecimento disso, deverias, portanto, ter ao menos colocado o meu dinheiro nas mãos dos banqueiros, para que no meu retorno eu pudesse recebê-lo de volta com alguns juros’. E então esse senhor disse ao administrador chefe: ‘Tira o talento das mãos desse servidor, que não sabe extrair proveito de nada, e dá-o ao que tem dez talentos’.
176:3.5 (1917.1) “Àqueles que já possuem, mais será dado e terão em abundância; mas, até mesmo aquilo que tem, será tirado daquele que não possui. Não podeis permanecer passivos, nos assuntos do Reino eterno. Meu Pai exige que todos seus filhos cresçam na graça e no conhecimento da verdade. Vós, que sabeis dessas verdades, deveis fazer crescer os frutos do espírito e manifestar uma devoção crescente ao serviço desinteressado dos vossos semelhantes, que também são servidores. E lembrai-vos, de tudo o que ministrares ao menor dos meus irmãos, a mim é que esse serviço estará sendo prestado.
176:3.6 (1917.2) “E assim é que deveríeis cuidar dos negócios do Pai, agora e para sempre; e eternamente mesmo. Continuai até que eu venha. Cuidai com fidelidade daquilo que vos for confiado, e assim estareis prontos para a prestação de contas da morte. E tendo vivido assim, para glória do Pai e satisfação do Filho, entrareis com alegria e com um júbilo extremamente grande no serviço eterno do Reino perpétuo”.
176:3.7 (1917.3) A verdade está viva; o Espírito da Verdade está sempre conduzindo os filhos da luz para novos Reinos de realidade espiritual e de serviço divino. A verdade não lhes foi dada para que vós a cristalizásseis em formas estabelecidas, seguras e honradas. Vós deveis elevar tanto a vossa revelação da verdade, quando ela passar pela vossa experiência pessoal, que aquela beleza nova e os reais ganhos espirituais se tornem abertos a todos aqueles que contemplam os vossos frutos espirituais e que, em conseqüência disso, sejam conduzidos a glorificar o Pai que está no céu. Apenas os que servem com fidelidade e que assim crescem no conhecimento da verdade, e que, por meio dela, desenvolvem a capacidade da apreciação divina das realidades espirituais, podem esperar “entrar completamente no júbilo do seu Senhor”. Que triste visão, para as gerações sucessivas de seguidores professos de Jesus, ter de dizer, a respeito da administração que fizeram da verdade divina: “Aqui, Mestre, está a verdade que vós colocastes em nossas mãos há cem ou mil anos. Não perdemos nada; preservamos fielmente tudo o que nos destes; não permitimos que fossem feitas mudanças naquilo que nos ensinastes; aqui está a verdade que nos destes”. Mas um tal pretexto para a indolência espiritual nunca irá justificar o servidor que não trouxe outras verdades perante o Mestre. De acordo com a verdade entregue nas vossas mãos é que o Mestre da verdade irá exigir uma prestação de contas.
176:3.8 (1918.1) No próximo mundo, ser-vos-á pedida uma prestação de contas sobre os dons recebidos e o que deles foi feito neste mundo. Sejam poucos ou muitos os talentos inerentes, deveis aguardar um acerto justo e misericordioso. Se os dons houverem sido usados apenas com propósitos e fins egoístas e nenhum pensamento houver sido concedido ao dever mais elevado de obter uma colheita maior dos frutos do espírito, como eles se manifestam no serviço sempre em expansão dos homens e na adoração de Deus, esses administradores egoístas devem aceitar as conseqüências da sua escolha deliberada.
176:3.9 (1918.2) Exatamente como todos mortais egoístas, foi aquele servidor infiel com o único talento, pois jogou a culpa da sua própria preguiça no seu senhor. E muito propenso a pôr a culpa nos outros, fica o homem quando se depara com os fracassos causados por si próprio, muitas vezes, colocando a culpa sobre quem menos a merecia!
176:3.10 (1918.3) Disse Jesus, naquela noite, quando iam repousar: “Gratuitamente vós recebestes a verdade do céu e, portanto, gratuitamente vós a deveis dar e, ao ser dada, essa verdade irá multiplicar-se e mostrar a luz que cresce da graça que salva, do modo mesmo como vós a ministrais”.
176:4.1 (1918.4) Dentre todos os ensinamentos do Mestre, nenhum deles tem sido tão mal compreendido como a sua promessa de voltar algum dia pessoalmente a este mundo. Não é estranho que Michael devesse estar interessado em retornar algum dia ao planeta em que experimentou a sua sétima e última auto-outorga, como um mortal deste reino. É simplesmente natural acreditar que Jesus de Nazaré, agora governante soberano de um vasto universo, esteja interessado em retornar, não apenas uma, mas muitas vezes mesmo, ao mundo onde viveu uma vida tão única e onde, finalmente, conquistou do Pai, para si próprio, o outorgamento ilimitado de poder e autoridade sobre o universo. Urântia será eternamente uma das sete esferas de natividade de Michael, no serviço de ganhar a soberania do universo.
176:4.2 (1918.5) Em numerosas ocasiões, e para muitos indivíduos, Jesus declarou a sua intenção de retornar a este mundo. Como os seus seguidores se despertaram para o fato de que o seu Mestre não iria atuar como um libertador temporal, e quando ouviram as suas previsões sobre a destruição de Jerusalém e a queda da nação judaica, muito naturalmente começaram a associar o seu retorno prometido a esses acontecimentos catastróficos. Mas, os exércitos romanos demoliram os muros de Jerusalém, destruindo o templo e dispersando os judeus da Judéia; e como, ainda então, o Mestre não se havia revelado em poder e glória, os seus seguidores começaram a formular aquela crença que finalmente associava a segunda vinda de Cristo com o fim dos tempos, e mesmo com o fim do mundo.
176:4.3 (1918.6) Jesus prometeu fazer duas coisas depois que ascendesse até o Pai, e depois que todo o poder no céu e na Terra tivesse sido colocado nas suas mãos. Prometeu, primeiro, enviar ao mundo, e no seu lugar, um outro instrutor, o Espírito da Verdade; e isso ele fez no Dia de Pentecostes. E, segundo, prometeu muito certamente, aos seus seguidores, que retornaria pessoalmente algum dia a este mundo. Mas ele não disse como, onde, nem quando iria re-visitar este planeta, que foi o da sua experiência de auto-outorga na carne. Numa ocasião ele deixou subentendido que, conquanto o olho da carne pudesse havê-lo contemplado, quando ele viveu aqui na carne, no seu retorno (pelo menos em uma das suas possíveis visitas), ele seria discernido apenas pelos olhos da fé espiritual.
176:4.4 (1919.1) Muitos de nós inclinamos-nos a crer que Jesus retornará a Urântia diversas vezes durante as eras que virão. Não temos a sua promessa específica de que fará todas essas visitas, mas parece muito provável que, trazendo entre os seus títulos do universo o de Príncipe Planetário de Urântia, por muitas vezes, ele visitará o mundo cuja conquista conferiu um título tão único a ele.
176:4.5 (1919.2) Nós acreditamos de um modo muito firme que Michael virá de novo pessoalmente a Urântia, mas não temos a menor idéia de quando ou de que maneira escolherá fazer isso. Será que o seu segundo advento na Terra está marcado para ocorrer junto com o julgamento final desta era presente, seja com ou sem o aparecimento interligado de um Filho Magisterial? Será que ele virá junto com o término de alguma era posterior de Urântia? Virá sem anúncio e como um acontecimento isolado? Não sabemos. De uma coisa apenas estamos seguros: de que, quando ele retornar, todo o mundo saberá disso, provavelmente, pois ele deverá vir como o governante supremo de um universo e não anonimamente como uma obscura criança em Belém. Mas se todos os olhos deverão contemplá-lo, e se apenas os olhos espirituais poderão discernir a sua presença, então, esse advento deverá ainda ser postergado em muito.
176:4.6 (1919.3) Portanto, vós faríeis muito bem em desassociar o retorno pessoal do Mestre, à Terra, de toda e qualquer época ou evento estabelecido. Estamos certos apenas de uma coisa: Ele prometeu voltar. Nenhuma idéia temos sobre quando ele irá cumprir essa promessa, nem em combinação com qual acontecimento isso dar- se-á. Até onde sabemos, ele poderá aparecer na Terra a qualquer dia, e poderá não vir até que tenham passado as eras, umas após outras, e que hajam sido devidamente julgadas pelo corpo dos seus irmãos, os Filhos do Paraíso.
176:4.7 (1919.4) O segundo advento de Michael na Terra é um acontecimento de um valor sentimental imenso, tanto para os seres intermediários quanto para os humanos; por outro lado, contudo, ele não seria de importância no momento presente para os intermediários, e não seria de importância prática maior para os seres humanos do que algo como o evento comum da morte natural, que precipita tão subitamente o homem mortal no abraço imediato daquela sucessão de eventos no universo, que o levam diretamente à presença desse mesmo Jesus, o governante soberano do nosso universo. Os filhos da luz estão todos destinados a vê-lo, e não tem a menor importância se nós formos até ele, ou se, por acaso, ele vier primeiro a nós. Estejais, portanto, sempre prontos para recebê-lo na Terra, como ele está pronto para acolher-vos no céu. Aguardamos a sua vinda gloriosa, ou as suas vindas repetidas mesmo, com muita confiança, mas ignoramos completamente o como, o quando, e em ligação a qual evento ele poderá surgir.
O Livro de Urântia
Documento 177
177:0.1 (1920.1) QUANDO o trabalho de ensinar ao povo dava-lhes uma folga, o costume de Jesus e dos seus apóstolos era descansar das suas atividades às quartas-feiras. Em particular nessa quarta-feira eles tomaram o desjejum um pouco mais tarde do que de costume, e o acampamento encontrava-se invadido por um silêncio agourento; pouco foi dito durante a primeira parte da refeição matinal. Finalmente Jesus falou: “Desejo que descanseis por hoje. Tirai o tempo para pensar sobre tudo o que aconteceu, desde que viemos para Jerusalém, e para meditar sobre o que temos pela frente e sobre tudo o que eu já vos esclareci com clareza. Assegurai-vos de que a verdade esteja nas vossas vidas; e que diariamente ireis crescer em graça”.
177:0.2 (1920.2) Após o desjejum o Mestre informou a André que tinha a intenção de ausentar- se durante aquele dia e sugeriu que fosse permitido aos apóstolos passar o tempo de acordo com a própria escolha, exceto que sob nenhuma circunstância deveriam passar pelos portões de Jerusalém.
177:0.3 (1920.3) Quando estava pronto para ir sozinho às colinas, Davi Zebedeu aproximou- se dele, dizendo: “Bem sabeis, Mestre, que os fariseus e os dirigentes buscam destruir-te, e ainda assim estás pronto para ir até as colinas sozinho. Fazer isso é loucura; e, portanto, eu vou enviar três homens bem preparados contigo, para cuidar de que nenhum mal te seja feito”. Jesus olhou para os três galileus fortes e bem armados e disse a Davi: “A tua intenção é boa, mas tu te equivocas ao não compreender que o Filho do Homem não necessita de ninguém para defendê-lo. Nenhum homem colocará as mãos em mim até a hora em que eu estiver pronto para entregar a minha vida, em conformidade com a vontade do meu Pai. Esses homens não podem acompanhar-me. Eu desejo ir só, para poder comungar com o Pai”.
177:0.4 (1920.4) Ao ouvir essas palavras, Davi e os seus guardas armados retiraram-se; mas, quando Jesus saiu só, João Marcos adiantou-se com uma pequena cesta contendo comida e água e sugeriu que, se a intenção dele era ficar fora o dia inteiro, ele poderia sentir fome. O Mestre sorriu para João e abaixou a mão para pegar a cesta.
177:1.1 (1920.5) Jesus estava para pegar a cesta de lanche da mão de João, quando o jovem aventurou-se a dizer: “Mas, Mestre, é possível que abandones a cesta no chão, enquanto ficas de lado para orar, e que sigas sem ela. Além disso, se eu fosse junto para carregar o lanche, ficarias mais livre para adorar; e eu por certo me manterei em silêncio. Não farei perguntas e permanecerei perto da cesta quando tu te separares para orar a sós”.
177:1.2 (1920.6) Enquanto dizia essas coisas, cuja temeridade surpreendeu alguns dos ouvintes por ali, João teve a audácia de segurar a cesta. E lá ficaram eles, João e Jesus, ambos segurando a cesta. Mas logo o Mestre soltou-a e, olhando para baixo até o rapaz, disse: “Já que desejas ir comigo de todo o teu coração, isso não te será negado. Iremos juntos e teremos uma boa conversa. Tu podes perguntar-me qualquer coisa que surja no teu coração, e nos confortaremos e nos consolaremos mutuamente. Podes começar levando o lanche e, quando cansares, eu te ajudarei. Então me segue”.
177:1.3 (1921.1) Jesus só retornou ao acampamento naquela tarde depois do pôr-do-sol. O Mestre passou o último dia de tranqüilidade na Terra conversando com esse jovem faminto da verdade; e falando com o seu Pai do Paraíso. Esse acontecimento tornou-se conhecido no alto como “o dia que um jovem passou com Deus, nas colinas”. Essa ocasião exemplifica para sempre a boa vontade do Criador de confraternizar-se com a criatura. Mesmo um adolescente, se o desejo do seu coração é realmente supremo, pode atrair a atenção, desfrutar da companhia plena de amor do Deus de um universo e experimentar verdadeiramente o inesquecível êxtase de estar a sós com Deus nas colinas; e durante um dia inteiro. E essa foi a experiência única de João Marcos, nessa quarta-feira nas colinas da Judéia.
177:1.4 (1921.2) Jesus conversou muito com João, falando livremente sobre os assuntos deste mundo e do próximo. João disse a Jesus sobre o quanto ele lamentara não ter tido idade suficiente para ser um dos apóstolos e expressou o seu grande reconhecimento por ter-lhe sido permitido seguir sempre com eles, exceto na viagem à Fenícia, desde a primeira pregação dos apóstolos no vau do Jordão, perto de Jericó. Jesus advertiu ao rapaz para não se desencorajar com os acontecimentos iminentes e assegurou-lhe de que ele viveria para tornar-se um mensageiro poderoso do Reino.
177:1.5 (1921.3) João Marcos ficaria sempre emocionado com a lembrança desse dia com Jesus nas colinas, e nunca se esqueceria da recomendação final do Mestre, feita quando eles estavam para voltar ao acampamento do Getsêmani, com o seguinte teor: “Bem, João, tivemos uma boa conversa, um dia de descanso verdadeiro, mas procura não contar a nenhum homem as coisas que eu disse”. E João Marcos nunca revelou nada do que havia sucedido nesse dia que ele passou com Jesus nas colinas.
177:1.6 (1921.4) Durante as poucas horas que restavam da vida terrena de Jesus, João Marcos nunca permitiu que o Mestre saísse da sua vista por muito tempo. O garoto estava sempre escondido por perto; e só adormecia depois que Jesus dormia.
177:2.1 (1921.5) No transcurso das conversas com João Marcos nesse dia, Jesus passou um tempo considerável comparando as experiências das infâncias e adolescências de ambos. Embora os pais de João possuíssem mais bens deste mundo do que os pais de Jesus, ambos haviam passado por muitas experiências bastante semelhantes na infância. Jesus disse muitas coisas que ajudaram João a entender melhor os seus pais e outros membros da sua família. Quando o jovem perguntou ao Mestre como podia saber que ele se tornaria um “mensageiro poderoso do Reino”, Jesus disse:
177:2.2 (1921.6) “Sei que te mostrarás leal ao evangelho do Reino porque posso confiar na tua fé e no amor que tens atualmente, já que essas qualidades são baseadas em uma educação, vinda da tua casa, desde bem cedo. Tu és o produto de um lar em que os pais têm uma afeição mútua sincera e onde não te amaram em excesso, de modo a exaltar prejudicialmente a tua idéia da própria importância. Nem a tua personalidade sofreu deformação em conseqüência das manobras sem amor na luta dos teus pais, um contra o outro, para ganhar a tua confiança e lealdade. Tu desfrutaste daquele amor paternal que assegura uma autoconfiança louvável e que fomenta sentimentos normais de segurança. Mas foste também afortunado, porque os teus pais tinham de sabedoria tanto quanto de amor, e foi a sabedoria que os levou a negar-te a maior parte das satisfações e muitos dos luxos que a riqueza pode comprar, pois eles te enviaram para a escola da sinagoga junto com os teus amigos da vizinhança, e eles também te encorajaram a aprender como viver neste mundo permitindo-te que tivesses uma experiência original. Tu vieste, com o teu jovem amigo Amós, até o Jordão, onde pregávamos e os discípulos de João batizavam. Os dois quiseram acompanhar-nos. Quando voltaste para Jerusalém, os teus pais consentiram; os pais de Amós recusaram-se a dar o consentimento; eles amavam tanto o filho que negaram a ele a experiência abençoada que tu tiveste, e da qual ainda desfrutas hoje. Amós poderia ter fugido de casa, e poderia ter-se juntado a nós, mas se o fizesse ele teria ferido o amor e sacrificado a lealdade. Ainda que esse caminho tivesse sido sábio, teria sido um preço terrível a ser pago pela experiência, pela independência e pela liberdade. Pais sábios, como os teus, cuidam de que os seus filhos não tenham que ferir o amor, nem abafar a lealdade, para desenvolver uma independência e desfrutar de uma liberdade revigorantes, quando chegam à tua idade.
177:2.3 (1922.1) “O amor, João, é a realidade suprema do universo quando é dado por seres infinitamente sábios; mas, do modo como se manifesta na experiência de pais mortais, ele apresenta um traço perigoso muitas vezes semi-egoísta. Quando casares e tiveres que criar os próprios filhos, assegura-te de que teu amor seja aconselhado pela sabedoria e guiado pela inteligência.
177:2.4 (1922.2) “O teu jovem amigo Amós acredita neste evangelho do Reino tanto quanto tu, mas não posso confiar totalmente nele; não estou certo do que ele fará, nos anos que virão. A vida dele na infância não se deu de um modo tal a produzir uma pessoa totalmente confiável. Amós é muito semelhante a um dos apóstolos que não teve uma educação normal, afetuosa e sábia em casa. Toda a tua vida futura será mais feliz e confiável porque passaste os teus primeiros oito anos em um lar normal e bem regrado. Tu possuis um caráter forte e bem integrado porque cresceste em um lar onde predominava o amor e reinava a sabedoria. Uma educação assim na infância produz um tipo de lealdade que me assegura que tu irás continuar no caminho em que começaste”.
177:2.5 (1922.3) Por mais de uma hora Jesus e João continuaram essa conversa sobre a vida no lar. O Mestre prosseguiu explicando a João como uma criança é totalmente dependente dos seus pais e da vida ligada ao lar, para todos os seus conceitos iniciais sobre todas as coisas intelectuais, sociais, morais e mesmo espirituais, pois a família representa para a criança pequena tudo o que ela pode conhecer primeiramente, tanto das relações humanas, quanto das divinas. A criança deve tirar dos cuidados da mãe as suas primeiras impressões sobre o universo; ela é totalmente dependente do pai terreno para formar as suas primeiras idéias do Pai celeste. A vida subseqüente da criança torna-se feliz ou infeliz, fácil ou difícil, segundo a sua vida mental e emocional inicial, e é condicionada por essas relações sociais e espirituais no lar. Toda a vida de um ser humano é influenciada enormemente por aquilo que acontece durante os primeiros anos de sua existência.
177:2.6 (1922.4) Acreditamos sinceramente que o evangelho contido nos ensinamentos de Jesus, baseados que são na relação pai-filho, dificilmente poderá desfrutar de uma aceitação mundial até o momento em que a vida familiar, dos povos civilizados modernos, abranja mais amor e mais sabedoria. Não obstante os pais deste século possuírem um grande conhecimento e uma verdade maior, para melhorar o lar e enobrecer a vida no lar, continua sendo uma verdade que, para educar os meninos e as meninas, poucos lares modernos são bons quanto o foram os lares de Jesus na Galiléia e de João Marcos na Judéia, se bem que a aceitação do evangelho de Jesus tenha como resultado um aperfeiçoamento imediato da vida no lar. A vida baseada no amor de um lar sábio e na devoção leal da verdadeira religião exercem uma profunda influência mútua e recíproca. A vida em um lar assim intensifica a religião, e a religião genuína sempre glorifica o lar.
177:2.7 (1923.1) É bem verdade que muitas influências, atrofiadas e repreensíveis, exatamente como outras tendências restritivas desses antigos lares judeus hajam já sido eliminadas virtualmente em muitos dos lares modernos mais bem regrados. Há, de fato, uma independência mais espontânea e mais liberdade pessoal; essa liberdade, todavia, não é contida pelo amor, nem motivada pela lealdade, nem orientada pela disciplina inteligente da sabedoria. Enquanto ensinamos as crianças a orar, “Pai nosso que estais no céu”, uma grande responsabilidade recai sobre todos os pais terrenos, de viver e ordenar os seus lares para que a palavra pai fique conservada condignamente nas mentes e nos corações de todas as crianças em crescimento.
177:3.1 (1923.2) Os apóstolos passaram a maior parte do dia caminhando pelo monte das Oliveiras e conversando com os discípulos que estavam acampados com eles, mas no início da tardinha ficaram muito desejosos de ver Jesus retornar. Com o decorrer do dia, inquietaram-se cada vez mais quanto à segurança dele; e, sem ele, sentiram-se inexprimivelmente sós. Houve muito debate durante o dia sobre se se deveria ter permitido ao Mestre sair sozinho pelas colinas, acompanhado apenas por um garoto de recados. Embora nenhum homem exprimisse abertamente os seus pensamentos, não havia nenhum entre eles, salvo Judas Iscariotes, que não preferisse estar no lugar de João Marcos.
177:3.2 (1923.3) Foi no meio da tarde que Natanael fez o seu discurso sobre “O Desejo Supremo”, para cerca de meia dúzia de apóstolos e meia dúzia de discípulos; concluindo o discurso desta forma: “O que há de errado com a maioria de nós é que nos entregamos apenas com a metade do nosso coração. Não amamos ao Mestre como ele nos ama. Se quiséssemos todos, tanto quanto João Marcos, ir junto, ele certamente nos teria levado a todos. Ficamos quietos; já o rapaz aproximou- se do Mestre e ofereceu-lhe a cesta e, quando o Mestre pegou-a, o jovem não a soltou. E assim o Mestre nos deixou aqui, enquanto foi para as colinas com a cesta, o rapaz e tudo”.
177:3.3 (1923.4) Por volta de quatro horas, alguns corredores chegaram até Davi Zebedeu, trazendo-lhe notícias da sua mãe em Betsaida e da mãe de Jesus. Vários dias antes, Davi havia concluído que os sacerdotes principais e os dirigentes iam matar Jesus. Davi sabia que eles estavam determinados a destruir o Mestre, e achava-se convencido de que Jesus não iria exercer o seu poder divino para salvar- se, nem permitir aos seus seguidores que empregassem força em sua defesa. Tendo chegado a essas conclusões, ele não perdeu tempo e despachou um mensageiro até a sua mãe, instando-lhe para que viesse imediatamente a Jerusalém e que trouxesse Maria, a mãe de Jesus, e todos os membros da família dele.
177:3.4 (1923.5) A mãe de Davi fez como o filho lhe havia pedido, e agora os corredores voltavam a Davi trazendo a notícia de que a sua mãe e toda a família de Jesus estavam a caminho de Jerusalém, e deveriam chegar no final do dia seguinte ou na manhã subseqüente. Já que Davi tinha feito isso por sua própria iniciativa, ele pensou que seria prudente guardar consigo essa informação. E não contou a ninguém, portanto, que a família de Jesus estava a caminho de Jerusalém.
177:3.5 (1924.1) Pouco depois do meio-dia, mais de vinte daqueles gregos que tinham estado com Jesus e os doze, na casa de José de Arimatéia, chegaram ao acampamento; e Pedro e João passaram várias horas em conversa com eles. Esses gregos, ou ao menos alguns deles, estavam bastante avançados nos conhecimentos do Reino, tendo sido instruídos por Rodam, em Alexandria.
177:3.6 (1924.2) Naquela noite, depois de retornar ao acampamento, Jesus conversou com os gregos, e ele teria ordenado esses vinte gregos, tal como havia feito com os setenta, não tivesse sido pelo fato de que uma ação assim teria deixado os seus apóstolos e muitos dos seus discípulos principais bastante perturbados.
177:3.7 (1924.3) Enquanto tudo isso acontecia no acampamento, em Jerusalém os sacerdotes principais e os anciães ficaram surpreendidos por Jesus não ter voltado para falar às multidões. Na verdade, no dia anterior, quando deixou o templo, ele disse: “Entregue a vós fica a vossa própria casa, em desolação”. Mas eles não podiam entender por que ele estava disposto a renunciar à vantagem tão grande que tinha conseguido em vista da atitude amistosa da multidão. Embora eles temessem que ele fosse instigar na multidão um tumulto, as últimas palavras do Mestre diante dela tinham sido uma exortação para que ficasse, de todas as maneira razoáveis, em conformidade com a autoridade daqueles “que se colocavam no assento de Moisés”. Era um dia movimentado na cidade, pois simultaneamente preparavam-se para a Páscoa e aperfeiçoavam os seus planos para destruir Jesus.
177:3.8 (1924.4) Não veio muita gente ao acampamento, pois o seu estabelecimento tinha sido mantido como um segredo bem guardado por todos aqueles que sabiam da importância de ficar lá, para Jesus, em vez de ir a Betânia todas as noites.
177:4.1 (1924.5) Pouco depois de Jesus e João Marcos haverem deixado o acampamento, Judas Iscariotes desapareceu de perto dos seus irmãos, não retornando senão no final da tarde. Esse apóstolo confuso e descontente foi até Jerusalém, não obstante o pedido específico do seu Mestre para que se abstivessem todos de entrar nos seus portões. Ele foi até lá, às pressas, para comparecer ao encontro com os inimigos de Jesus, na casa de Caifás, o sumo sacerdote. Tratava-se de uma reunião informal do sinédrio e havia sido marcada para pouco depois das dez horas, naquela manhã. Essa reunião foi convocada para discutir-se a natureza das acusações que seriam apresentadas contra Jesus e para decidir-se sobre o procedimento a ser empregado para trazê-lo perante as autoridades romanas, com o propósito de assegurar a confirmação civil necessária para a sentença de morte já decretada por eles.
177:4.2 (1924.6) No dia anterior, Judas havia revelado a alguns dos seus parentes e amigos saduceus da família do seu pai, que chegara à conclusão de que, não obstante ser um sonhador bem-intencionado e idealista, Jesus não era o libertador esperado de Israel. Judas declarou que gostaria muito de encontrar o jeito de retirar-se de uma maneira honrosa do movimento. Os seus amigos asseguraram- lhe, de um modo lisonjeiro para ele, que a sua retirada seria saudada pelos dirigentes judeus como um grande acontecimento, e que nenhuma recompensa ficaria exagerada para ele. Eles levaram-no a acreditar que, incontinenti, iria receber altas honrarias do sinédrio e que, ao final, ele ficaria em uma posição de apagar o estigma da sua bem-intencionada, mas “infeliz ligação com os galileus incultos”.
177:4.3 (1924.7) Judas não podia de fato crer que as poderosas obras do Mestre tivessem sido realizadas pelo poder do príncipe dos demônios, e agora estava plenamente convencido de que Jesus não exerceria nenhum poder para se auto-engrandecer; e, finalmente, se achava convicto de que Jesus permitir-se-ia ser destruído pelos dirigentes judeus. E que, quanto a ele próprio, não poderia ele resistir ao pensamento humilhante de ser identificado com um movimento derrotado. Judas recusava-se a alimentar a idéia de que aquele era um fracasso apenas aparente. Ele entendia profundamente o caráter firme do seu Mestre e a agudeza da sua mente majestosa e misericordiosa, e ainda assim ele recebia com prazer, se bem que parcialmente, a sugestão de um dos seus parentes, de que Jesus, conquanto fosse um fanático bem-intencionado, provavelmente não estivesse com a mente sã, pois que dera sempre a impressão de ser uma pessoa estranha e mal-compreendida.
177:4.4 (1925.1) E agora, mais do que nunca, Judas sentia-se estranhamente ressentido de que Jesus nunca o tivesse designado para uma posição de maior dignidade. Durante todo esse tempo ele havia apreciado a honra de ser o tesoureiro apostólico, agora, no entanto, ele começava a sentir que não tinha sido valorizado; e que não teve reconhecimento pelas suas capacidades. E, de súbito, ele estava tomado de indignação com o fato de que Pedro, Tiago e João tivessem sido honrados pela ligação estreita com Jesus e, nesse momento, quando se encontrava a caminho da casa do alto sacerdote, tinha a mente preocupada mais com uma revanche com Pedro, Tiago e João, do que com qualquer pensamento de trair Jesus. Mas, acima de tudo, exatamente então, um pensamento novo e dominante começou a ocupar o primeiro plano da sua mente consciente: ele tinha planejado conseguir honrarias para si próprio e, caso isso pudesse ser conseguido simultaneamente com uma revanche contra aqueles que tinham contribuído para o maior desapontamento da sua vida, tanto melhor. Ele estava tomado por uma conspiração terrível, formada de confusão, de orgulho, de desespero e de resolução. E, assim, pois, deve ficar claro que não foi por dinheiro que Judas pôs-se então a caminho da casa de Caifás, para preparar a traição a Jesus.
177:4.5 (1925.2) Quando Judas aproximou-se da casa de Caifás, ele chegou à decisão final de abandonar Jesus e os seus companheiros apóstolos; e, tendo assim decidido desertar a causa do Reino do céu, ele determinou-se a assegurar para si próprio a maior parte possível daquela honra e glória que, logo no início, ao identificar- se com Jesus e o novo evangelho do Reino, pensara que lhe caberia algum dia. Todos os apóstolos, alguma vez, compartilharam dessa ambição com Judas; no entanto, com o passar do tempo, eles aprenderam a admirar a verdade e a amar Jesus, pelo menos mais do que Judas amou.
177:4.6 (1925.3) O traidor foi apresentado a Caifás e aos dirigentes judeus pelo seu primo, o qual explicou que Judas, depois de descobrir o seu erro de se ter deixado desviar pelo ensinamento hábil de Jesus, havia chegado a ponto de desejar fazer uma renúncia pública e formal da sua ligação com o galileu e, ao mesmo tempo, pedir o seu restabelecimento na confiança e na fraternidade dos seus irmãos judeus. Esse porta-voz de Judas continuou a explicar que Judas reconhecia como melhor, para a paz de Israel, se Jesus fosse tomado em custódia, e por isso, e como evidência do seu arrependimento de ter participado de um tal movimento equivocado e como prova da sua sinceridade ao voltar aos ensinamentos de Moisés, ele vinha para oferecer-se ao sinédrio como alguém que podia arranjar, com o capitão que tinha as ordens de prender Jesus, para que ele fosse tomado em custódia tranqüilamente, evitando assim qualquer perigo de agitar as multidões ou a necessidade de adiar a sua prisão para depois da Páscoa.
177:4.7 (1925.4) Quando esse primo terminou de falar, ele apresentou Judas, que, aproximando- se do sumo sacerdote, disse: “Tudo o que o meu primo prometeu, eu farei, mas o que estais dispostos a dar-me por esse serviço?” Judas não parecia discernir o olhar de desdém e mesmo de repugnância que vinha à face do orgulhoso e desumano Caifás; o coração de Judas estava todo voltado para a própria glória, almejando satisfazer a exaltação de si próprio.
177:4.8 (1926.1) E Caifás abaixou então o seu olhar até o traidor, enquanto dizia: “Judas, vai ao capitão da guarda e arranja com aquele oficial para que tragam o teu Mestre a nós nesta noite ou na noite de amanhã e, quando ele houver sido entregue por ti nas nossas mãos, receberás tua recompensa por esse serviço”. Quando Judas ouviu isso, saiu da presença dos sacerdotes principais e dos dirigentes para conferenciar, com o capitão da guarda do templo, sobre a maneira pela qual Jesus devia ser apreendido. Judas sabia que Jesus estava ausente do acampamento naquele momento e não fazia idéia da hora em que ele voltaria naquela noite e, pois, assim, eles concordaram entre si em prender Jesus na noite seguinte (de quinta-feira), depois que o povo de Jerusalém e todos os peregrinos visitantes estivessem recolhidos para dormir.
177:4.9 (1926.2) Judas retornou para os seus colegas no acampamento, intoxicado por pensamentos de grandeza e glória como há muito tempo não os tivera. Ele havia-se alistado junto a Jesus, esperando algum dia tornar-se um grande homem naquele novo Reino. Ao final entendeu que não existia nenhum reino tal como ele tinha antevisto. Mas rejubilava-se por ter sido tão sagaz em trocar o seu desencanto por não ter alcançado a glória antecipada em um novo reino, pela realização imediata de honra e de recompensa na velha ordem, que, agora, acreditava que sobreviveria; ele estava certo de que ela iria destruir Jesus e a tudo o que ele representava. Na sua última motivação de intenção consciente, a traição de Judas a Jesus foi um ato covarde de um desertor egoísta, cujo único pensamento era a sua própria segurança e glorificação, não importando quais resultados pudessem advir da sua conduta, para com o seu Mestre e os seus antigos companheiros.
177:4.10 (1926.3) Mas foi sempre exatamente assim. Judas tinha há muito tempo engajado- se nessa consciência deliberada, persistente, egoísta e vingativa de construir de forma progressiva na sua mente e colocar no seu coração esses desejos de ódio e de mal, de vingança e de deslealdade. Jesus amou e confiou em Judas, do mesmo modo que amou e confiou nos outros apóstolos, mas Judas não conseguiu desenvolver uma confiança leal, nem experimentou retribuir com um amor de todo o seu coração. E quão perigosa a ambição pode tornar-se, uma vez que esteja totalmente casada com o egoísmo e sob a motivação suprema de uma vingança sombria e longamente contida! Que coisa esmagadora é a decepção nas vidas daquelas pessoas tolas que, ao fixarem as suas vistas nos atrativos obscuros e evanescentes do tempo, se tornam cegas para as realizações superiores e mais reais, de alcance permanente, nos mundos eternos dos valores divinos e das realidades espirituais verdadeiras. Na sua mente Judas ansiava por honras terrenas, e chegou a amar esse desejo de todo o seu coração; os outros apóstolos, do mesmo modo, ansiaram por essa mesma honra mundana nas suas mentes, mas com os seus corações eles amaram Jesus e estavam dando o melhor de si para aprender a amar as verdades que ele lhes ensinou.
177:4.11 (1926.4) Naquele momento, Judas não se deu conta disso, mas tinha sido subconscientemente um crítico de Jesus, desde que João Batista fora decapitado por Herodes. No fundo do seu coração, Judas sempre se ressentiu do fato de Jesus não ter salvado João. Não vos deveis esquecer de que Judas havia sido discípulo de João, antes de tornar-se seguidor de Jesus. Todos esses acúmulos de ressentimentos humanos e de decepções amargas guardados por Judas na sua alma, sob as vestes do ódio, estavam agora bem organizados na sua mente subconsciente, e prontos para emergir e tragá-lo tão logo ele ousasse separar-se da influência protetora dos seus irmãos, expondo a si próprio, ao mesmo tempo, às insinuações espertas e aos escárnios agudos dos inimigos de Jesus. Todas as vezes que Judas permitiu que as suas esperanças soassem alto, e que Jesus realizava ou dizia algo para fazê-las despencarem-se, sempre, era deixada no coração de Judas uma cicatriz de ressentimento amargo; e, como essas cicatrizes multiplicaram-se rapidamente, o coração, tão freqüentemente ferido, perdeu toda a afeição real por aquele que havia infligido essa experiência desagradável a uma personalidade bem-intencionada, mas covarde e egocêntrica. Judas não deu por si, mas ele era um covarde. E, desse modo, ele estava sempre inclinado a considerar a covardia como sendo o que, freqüentemente, levava Jesus a recusar-se a agarrar o poder ou a glória quando eles aparentemente estavam a um fácil alcance. E todo homem mortal sabe plenamente bem que o amor, ainda que tendo sido genuíno, pode, por meio da decepção, do ciúme e de um contínuo ressentimento, ser transformado finalmente em ódio verdadeiro.
177:4.12 (1927.1) Afinal, os sacerdotes principais e os anciães puderam respirar tranqüilamente por umas poucas horas. Eles não teriam que prender Jesus em público, e a garantia de Judas, como um aliado traidor, assegurava que Jesus não escaparia da jurisdição deles, como o tinha conseguido tantas vezes no passado.
177:5.1 (1927.2) Pelo fato de ser quarta-feira, aquela noite no acampamento foi de reunião social. O Mestre empenhava-se em alegrar os seus apóstolos abatidos, embora isso fosse quase impossível. Todos começavam a compreender que acontecimentos desconcertantes e arrasadores estavam na iminência de acontecer. Eles não podiam estar alegres, mesmo quando o Mestre recordou os anos repletos de uma associação afetuosa e de acontecimentos. Jesus inquirira cuidadosamente sobre as famílias de todos os apóstolos e, olhando para Davi Zebedeu, perguntou se alguém tinha notícias recentes da mãe dele e da sua irmã mais jovem, ou de outros membros da família. Davi olhou para os próprios pés; teve medo de responder.
177:5.2 (1927.3) Essa foi a ocasião em que Jesus advertiu aos seus seguidores para que tomassem cuidado com o apoio das multidões. Recordou as suas experiências na Galiléia, quando, muitas vezes, grandes multidões de pessoas que os seguiram com entusiasmo mas, de súbito, ardentemente, voltavam-se contra eles e retornavam aos seus caminhos antigos de crença e de vida. E então ele disse: “E assim, não deveis permitir que fiqueis decepcionados com as grandes multidões, as quais já nos ouviram no templo e aparentemente demonstraram acreditar nos nossos ensinamentos. Essas multidões escutam a verdade e acreditam nela, superficialmente, com suas mentes, mas poucas pessoas dentre elas permitem que a palavra da verdade se lhes alcance, com raízes vivas, o coração. Aqueles que conhecem o evangelho apenas pela mente, não o havendo experimentado no coração, não podem ser confiáveis para dar apoio quando vierem os verdadeiros problemas. Quando os dirigentes dos judeus entrarem num acordo para destruir o Filho do Homem, e quando derem sua estocada uníssona, vereis a multidão fugir em desânimo ou então ficar atônita, em silêncio, enquanto esses dirigentes enlouquecidos e cegos conduzem à morte os instrutores da verdade do evangelho. E, então, quando a adversidade e a perseguição descerem sobre vós, outros existirão ainda, os quais julgais serem amantes da verdade, que se dispersarão e alguns renunciarão ao evangelho e desertar-vos-ão. Alguns que estiveram bem perto de nós já decidiram desertar. Vós descansastes hoje em preparação para os tempos que virão em breve. Vigiai, pois, e orai, para que amanhã possais estar fortalecidos para os dias que temos pela frente”.
177:5.3 (1927.4) A atmosfera do acampamento estava carregada de uma tensão inexplicável. Mensageiros em silêncio iam e vinham, comunicando-se apenas com Davi Zebedeu. Antes de terminar a noitinha, alguns sabiam que Lázaro havia fugido, apressadamente, de Betânia. João Marcos permanecia sinistramente silencioso, após retornar ao acampamento, não obstante tivesse passado o dia inteiro na companhia do Mestre. Cada esforço para persuadi-lo a falar apenas indicava claramente que Jesus tinha dito a ele para nada contar.
177:5.4 (1928.1) Mesmo o bom humor do Mestre e a sua sociabilidade inusitada amedrontavam a todos. Todos sentiam a aproximação certa de um isolamento terrível que, eles compreendiam, cairia sobre eles com uma rapidez esmagadora e um terror inescapável. Vagamente pressentiam o que viria, e nenhum deles se achava preparado para enfrentar a prova. O Mestre tinha estado fora o dia inteiro; e eles haviam sentido a sua falta muito intensamente.
177:5.5 (1928.2) Essa quarta-feira à noite marcou o ponto mais baixo do status espiritual deles, até a hora real da morte do Mestre. Embora o dia seguinte estivesse um dia mais próximo da trágica sexta-feira; ainda assim, Jesus estava entre eles; e todos puderam passar por aquelas horas ansiosas um pouco mais condignamente.
177:5.6 (1928.3) Era um pouco antes da meia-noite quando Jesus, sabendo que esta seria a última noite que ele passaria dormindo junto à sua família escolhida na Terra, disse, ao dispersar a todos para dormir: “Ide, para o vosso sono, meus irmãos, e a paz esteja convosco até que nos levantemos amanhã, um dia a mais para fazer a vontade do Pai e experimentar a alegria de saber que somos filhos Seus”.
O Livro de Urântia
Documento 178
178:0.1 (1929.1) JESUS havia planejado passar essa quinta-feira, o seu último dia livre, como um Filho divino encarnado, na Terra, com os seus apóstolos e uns poucos discípulos leais e devotados. Logo após a hora do desjejum, nessa bela manhã, o Mestre conduziu-os a um local retirado, a pouca distância acima do acampamento e, ali, lhes ensinou muitas novas verdades. Embora Jesus tenha feito outros discursos aos apóstolos durante as primeiras horas da tarde naquele dia, essa conversa de antes do meio-dia de quinta-feira foi a sua fala de despedida aos vários grupos do acampamento, de apóstolos e discípulos escolhidos, tanto judeus quanto gentios. Todos os doze estavam presentes, salvo Judas. Pedro e vários dos apóstolos notaram a ausência dele, e alguns até pensaram que Jesus o tinha enviado à cidade para cuidar de alguma questão, provavelmente para acertar os detalhes da celebração vindoura da Páscoa. Judas não retornou ao acampamento senão no meio da tarde, pouco antes de Jesus conduzir os doze a Jerusalém para compartilharem da Última Ceia.
178:1.1 (1929.2) Jesus falou para cerca de cinqüenta dos seus seguidores de confiança, durante quase duas horas, e respondeu a umas tantas perguntas a respeito da relação entre o Reino do céu e os reinos deste mundo, a respeito da relação entre a filiação a Deus e a cidadania nos governos terrenos. Este discurso, junto com as suas respostas, pode ser resumido e reescrito, em linguagem moderna, da seguinte maneira:
178:1.2 (1929.3) Os reinos deste mundo, sendo materiais, podem freqüentemente considerar que seja necessário empregar a força física para a execução das suas leis e para a manutenção da ordem. No Reino do céu os verdadeiros crentes não recorrerão ao emprego da força física. O Reino do céu, sendo uma fraternidade espiritual dos filhos nascidos do espírito de Deus, pode apenas ser promulgado pelo poder do espírito. Essa distinção de procedimento refere-se às relações do Reino dos crentes com o reino do governo secular e não anula o direito que os grupos sociais de crentes têm de manter a ordem nas suas fileiras e de administrar a disciplina junto a membros rebeldes e indignos.
178:1.3 (1929.4) Nada há de incompatível entre a filiação ao Reino espiritual e a cidadania no governo secular ou civil. É dever do crente conferir a César as coisas que são de César e a Deus as coisas que são de Deus. Não pode haver qualquer desacordo entre esses dois quesitos, um sendo material e o outro espiritual, a menos que aconteça que algum César presuma usurpar as prerrogativas de Deus e exija que lhe sejam conferidas uma homenagem espiritual e a suprema adoração. Num tal caso vós adorareis apenas a Deus e, ao mesmo tempo, buscareis esclarecer a esses dirigentes terrenos mal orientados, para conduzi-los, desse modo, também ao reconhecimento do Pai no céu. Não deveríeis prestar culto espiritual a dirigentes terrenos nem empregar as forças físicas dos governos terrenos, cujos dirigentes possam em algum tempo tornar-se crentes, no trabalho de fazer progredir a missão do Reino espiritual.
178:1.4 (1930.1) A filiação ao Reino, do ponto de vista da civilização em avanço, deveria ajudar a fazer de vós cidadãos ideais dos reinos deste mundo, pois a fraternidade e o serviço são pedras fundamentais do evangelho do Reino. O chamado de amor do Reino espiritual deveria mostrar-se como sendo o destruidor eficiente do instinto de ódio dos cidadãos descrentes e belicosos dos reinos primitivos. Mas esses filhos de mentes materialistas, vivendo nas trevas, nunca saberão da vossa luz espiritual para a verdade, a menos que vos aproximeis bastante deles naquele serviço social generoso que vem naturalmente como o fruto do espírito o qual cresce na experiência de vida de todo indivíduo que crê.
178:1.5 (1930.2) Como homens mortais e materiais, vós sois de fato cidadãos dos reinos terrestres e devereis ser cidadãos bons, e tanto melhor que vos tenhais tornado filhos renascidos do espírito do Reino do céu. Como filhos esclarecidos pela fé e de espíritos liberados do Reino celeste, vós estais diante da responsabilidade dupla do dever para com o homem e do dever para com Deus e, ao mesmo tempo, voluntariamente, assumis uma terceira e sagrada obrigação: o serviço à irmandade dos crentes que conhecem a Deus.
178:1.6 (1930.3) Vós não podeis cultuar os vossos dirigentes temporais, e não deveríeis empregar o poder temporal para dar apoio ao progresso do Reino espiritual; mas deveríeis manifestar, do mesmo modo, a ministração justa de serviço de amor aos crentes e descrentes. No evangelho do Reino reside o poderoso Espírito da Verdade, e em breve eu verterei esse espírito sobre toda a carne. Os frutos do espírito, do vosso serviço dedicado e sincero, são uma poderosa alavanca social para elevar as raças, tirando-as das trevas, e esse Espírito da Verdade tornar-se- á o vosso ponto de apoio para a multiplicação do vosso poder.
178:1.7 (1930.4) Dai mostras de sabedoria e manifestai sagacidade no vosso trato com os dirigentes civis descrentes. Para melhor discernimento, mostrai-vos hábeis em remover as diferenças menores e em ajustar os pequenos mal-entendidos. De todos os modos possíveis — em tudo que não exija o sacrifício da vossa lealdade espiritual aos dirigentes do universo — , buscai viver pacificamente com todos os homens. Sede sempre sábios como as serpentes, e inofensivos como os pombos.
178:1.8 (1930.5) Deveríeis transformar-vos nos melhores cidadãos para o governo secular, como conseqüência de tornar-vos filhos esclarecidos do Reino; de um tal modo que os dirigentes dos governos terrenos tornem-se melhores nos assuntos civis por acreditarem neste evangelho do Reino celeste. A atitude do serviço desinteressado ao homem e a adoração inteligente a Deus deveriam fazer, de todos os crentes do Reino, melhores cidadãos deste mundo, enquanto a atitude de cidadania honesta e de devoção sincera ao próprio dever temporal deveriam ajudar a fazer desse cidadão um indivíduo mais facilmente alcançável pelo chamado do espírito à filiação ao Reino celeste.
178:1.9 (1930.6) Se os dirigentes do governo terreno buscarem exercer a autoridade de ditadores religiosos, vós que credes neste evangelho, não podereis esperar nada mais do que complicações, perseguição e mesmo a morte. Mas a própria luz que trouxerdes ao mundo e mesmo o modo pelo qual vós sofrereis e morrereis por este evangelho do Reino irão, por si próprios, finalmente iluminar todo o mundo e resultar em uma separação gradativa entre a política e a religião. A pregação persistente deste evangelho do Reino irá, algum dia, trazer uma libertação nova a todas as nações e, também, uma liberdade intelectual e religiosa inacreditável.
178:1.10 (1931.1) Sob as perseguições que logo virão, feitas por aqueles que odeiam este evangelho de alegria e liberdade, vós florescereis e o Reino prosperará. Contudo, estareis sob um grave perigo em épocas subseqüentes, quando a maior parte dos homens falará favoravelmente aos crentes do Reino, e muitos que ocupam altas posições nominalmente aceitarão o evangelho do Reino celeste. Aprendei a ser fiéis ao Reino, mesmo em tempos de paz e prosperidade. Não tenteis os anjos que vos supervisionam a conduzir-vos por caminhos de tribulações, como uma disciplina de amor designada a salvar as vossas almas que vagueiam despreocupadas.
178:1.11 (1931.2) Lembrai-vos que tendes a missão de pregar este evangelho do Reino — o desejo supremo de cumprir a vontade do Pai combinado à suprema alegria da realização pela fé da filiação a Deus — e não deveis permitir que nenhuma coisa distraia a vossa devoção a esse dever. Deixai que toda a humanidade se beneficie do transbordamento da vossa amorosa ministração espiritual, da comunhão intelectual esclarecedora e do serviço social que eleva; mas não deveria ser permitido a nenhum desses trabalhos humanitários, nem a todos eles, tomar o lugar da proclamação do evangelho. Essas ministrações poderosas são os subprodutos sociais das ministrações e transformações, ainda mais poderosas e sublimes, formadas no coração do crente do Reino, pelo Espírito da Verdade vivo, pela compreensão e a realização pessoal de que a fé, em um homem nascido do espírito, confere a garantia da fraternidade viva com o Deus eterno.
178:1.12 (1931.3) Não deveis buscar promulgar a verdade nem estabelecer a retidão pelo poder dos governos civis, ou pela aplicação das leis seculares. Vós podeis trabalhar sempre para persuadir às mentes dos homens, mas não deveis jamais ousar obrigá-los. Não vos deveis esquecer da grande lei da justiça humana que eu vos ensinei na forma positiva: fazei aos homens aquilo que gostaríeis que os homens fizessem a vós.
178:1.13 (1931.4) Quando um crente do Reino é convocado para servir ao governo civil, que ele preste esse serviço como um cidadão temporal de tal governo; esse crente, todavia, deveria mostrar no seu serviço civil todas as qualidades ordinárias da cidadania, tais como estas tiverem sido realçadas pelo esclarecimento espiritual resultante da ligação social enobrecedora da mente do homem mortal com o espírito residente do Deus eterno. Se os descrentes podem qualificar-se como servidores civis superiores, vós devíeis questionar seriamente se as raízes da verdade no vosso coração não morreram pela falta da água viva da comunhão espiritual combinada com o serviço social. A consciência da filiação a Deus deveria estimular toda a vida de serviço de cada homem, mulher e criança que se tiver tornado um possuidor de um estímulo assim poderoso para todos os poderes inerentes a uma personalidade humana.
178:1.14 (1931.5) Não deveis ser místicos passivos nem ascetas insípidos; não deveríeis transformar- vos em sonhadores, nem em andarilhos que, indolentemente, confiam em uma Providência fictícia que proporciona até as necessidades da vida. Em verdade, deveis ser doces no vosso trato com os mortais equivocados, pacientes no vosso intercâmbio com os homens ignorantes e indulgentes sob provocações; mas vós também deveis ser valentes na defesa da retidão, poderosos na promulgação da verdade e dinâmicos na pregação deste evangelho do Reino, até os confins da Terra.
178:1.15 (1931.6) Este evangelho do Reino é uma verdade viva. Eu vos disse que é como o fermento na massa, como o grão da semente de mostarda; e agora eu declaro que é como a semente do ser vivo, que, de geração para geração, ao mesmo tempo em que permanece sendo a mesma semente viva, se desdobra infalivelmente em novas manifestações e cresce aceitavelmente nos canais de uma nova adaptação às necessidades e condições peculiares de cada geração sucessiva. A revelação que fiz a vós é uma revelação viva, e eu desejo que produza frutos apropriados em cada indivíduo e em cada geração, de acordo com as leis do crescimento espiritual, do desenvolvimento e do aperfeiçoamento adaptado. De geração para geração, este evangelho deve mostrar uma vitalidade crescente e exibir maior profundidade de poder espiritual. Não se deve permitir que se torne meramente uma memória sagrada, uma mera tradição sobre mim e sobre os tempos que agora vivemos.
178:1.16 (1932.1) E não vos esqueçais: Não fizemos nenhum ataque direto às pessoas, nem às autoridades daqueles que tomam o assento de Moisés; apenas oferecemos a eles a nova luz, que eles rejeitaram tão vigorosamente. Apenas os atacamos com a denúncia da sua deslealdade espiritual às mesmas verdades que eles professam ensinar e salvaguardar. Entramos em conflito com esses líderes estabelecidos e dirigentes reconhecidos, apenas quando eles se opuseram diretamente à pregação do evangelho do Reino aos filhos dos homens. E, mesmo agora, não somos nós que os atacamos, mas são eles que buscam a nossa destruição. Não vos esqueçais de que a vossa missão é apenas sair pregando as boas-novas. Não deveis atacar os caminhos antigos; vós sois hábeis para pôr o fermento da nova verdade no meio das velhas crenças. Deixai que o Espírito da Verdade faça o seu próprio trabalho. Deixai que a controvérsia venha apenas quando aqueles que desprezam a verdade forçarem-na entre vós. No entanto, quando o descrente disposto vos atacar, não hesiteis em permanecer na defesa vigorosa da verdade que vos salvou e santificou.
178:1.17 (1932.2) Ao longo das vicissitudes da vida, lembrai-vos sempre de amar-vos uns aos outros. Não luteis com os homens, nem mesmo com os descrentes. Mostrai misericórdia mesmo àqueles que abusam de vós com desprezo. Demonstrai ser cidadãos leais, artesãos probos, vizinhos dignos de louvor, membros devotados da família, pais compreensivos e crentes sinceros na fraternidade do Reino do Pai. E o meu espírito pairará sobre vós, agora e mesmo até o fim do mundo.
178:1.18 (1932.3) Quando Jesus concluiu o seu ensinamento, era quase uma hora, e eles foram imediatamente de volta para o acampamento, onde Davi e os seus amigos estavam com o almoço pronto à espera deles.
178:2.1 (1932.4) Poucos dentre os ouvintes do Mestre foram capazes de entender sequer parte da sua alocução de antes do meio-dia. De todos os que o ouviram, os gregos foram os que mais compreenderam. Mesmo os onze apóstolos ficaram desorientados com as alusões aos reinos políticos do futuro e às sucessivas gerações de crentes do Reino. Os mais devotados seguidores de Jesus não conseguiram conciliar o fim iminente da sua ministração terrena com essas referências a um futuro expandido de atividades do evangelho. Alguns desses crentes judeus estavam começando a sentir que a grande tragédia da Terra estava para acontecer, mas eles não podiam reconciliar um desastre tão iminente com a atitude pessoal alegremente indiferente do Mestre, nem com o seu discurso de antes do meio- dia, no qual repetidamente ele aludia às transações futuras do Reino celeste, que se estenderiam a vastos intervalos de tempo e que abrangiam relações com muitos e sucessivos reinos temporais na Terra.
178:2.2 (1932.5) Nesse dia, por volta do meio-dia, todos os apóstolos e discípulos estavam sabendo da fuga apressada de Lázaro de Betânia. Eles começaram a sentir a inflexível determinação dos dirigentes judeus de exterminar Jesus e os seus ensinamentos.
178:2.3 (1932.6) Davi Zebedeu, por intermédio do trabalho dos seus agentes secretos em Jerusalém, estava plenamente avisado sobre o progresso do plano para prender e matar Jesus. E sabia de tudo sobre o papel de Judas nessa conspiração, mas não revelou esse conhecimento aos outros apóstolos, nem a qualquer dos discípulos. Pouco depois do almoço, Davi levou Jesus a um local isolado e ousou perguntar-lhe se ele sabia — mas não foi adiante com a sua pergunta. O Mestre, segurando a sua mão, refreou-o, dizendo: “Sim, Davi, eu sei de tudo e sei que tu sabes; no entanto, cuida de nada dizer a nenhum homem. Apenas não duvides, no teu próprio coração, de que a vontade de Deus prevalecerá no fim”.
178:2.4 (1933.1) Essa conversa com Davi foi interrompida com a chegada de um mensageiro da Filadélfia trazendo notícias de Abner, que sabendo da conspiração para matar Jesus, perguntava se devia partir para Jerusalém. Esse corredor apressou- se a voltar para a Filadélfia com esta mensagem para Abner: “Continuai com o vosso trabalho. Se eu me separar de vós na carne, é apenas para que eu possa voltar em espírito. Eu não vos abandonarei. Estarei convosco até o fim”.
178:2.5 (1933.2) Nesse momento, Filipe veio ao Mestre e perguntou: “Mestre, vendo que a hora da Páscoa aproxima-se, onde desejarias que preparássemos o que há para comer?” E, quando ouviu a pergunta de Filipe, Jesus respondeu: “Vai e traze Pedro e João. E então eu darei a todos vós as instruções a respeito da ceia que faremos juntos nesta noite. Quanto à Páscoa, deverás considerá-la depois que tivermos feito isso”.
178:2.6 (1933.3) Quando ouviu o Mestre falar com Filipe sobre esses assuntos, Judas aproximou- se para poder ouvir a conversa deles. Mas Davi Zebedeu, que estava por perto, aproximou-se de Judas e entabulou uma conversa com ele, enquanto Filipe, Pedro e João foram para um lado a fim de conversar com o Mestre.
178:2.7 (1933.4) Disse Jesus aos três: “Ide imediatamente a Jerusalém e, ao passardes pelo portão, ireis encontrar um homem que traz consigo um cântaro de água. Ele falará convosco, e então vós o seguireis. Ele os levará a uma certa casa, ide com ele e perguntai ao bom homem daquela casa: ‘Onde é a sala de hóspedes em que o Mestre deve tomar a ceia com os seus apóstolos?’ E, após perguntado isso, esse dono da casa vos mostrará uma ampla sala no andar de cima, toda mobiliada e pronta para nós”.
178:2.8 (1933.5) Ao chegar à cidade os apóstolos encontraram o homem com o cântaro de água perto do portão e seguiram-no até a casa de João Marcos, onde o pai do rapaz os recebeu e mostrou-lhes a sala no andar de cima pronta para a ceia.
178:2.9 (1933.6) E tudo isso aconteceu em conseqüência de um entendimento ao qual chegaram o Mestre e João Marcos durante a tarde do dia anterior, quando estiveram a sós nas colinas. Jesus queria estar certo de ter essa última refeição sem ser perturbado, com os seus apóstolos. E, acreditando que Judas poderia armar com os seus inimigos para levá-lo, se soubesse de antemão do local de encontro deles, então, fez esse arranjo em segredo com João Marcos. Desse modo, Judas só ficou sabendo do local de encontro mais tarde, quando chegou lá, em companhia de Jesus e dos outros apóstolos.
178:2.10 (1933.7) Davi Zebedeu tinha muitos assuntos para tratar com Judas e, desse modo este foi facilmente impedido de seguir Pedro, João e Filipe, como tanto desejaria ter feito. Quando Judas entregou a Davi uma certa soma de dinheiro para as provisões, Davi disse a ele: “Judas, não seria oportuno, dadas as circunstâncias, proporcionares um pouco de dinheiro, em adiantamento, pelas minhas necessidades reais?” E, depois de haver refletido por um momento, Judas respondeu: “Sim, Davi, acho que seria sábio. De fato, por causa das condições inquietantes em Jerusalém, julgo que seria melhor entregar-te todo o dinheiro. Eles conspiram contra o Mestre e, em caso de qualquer coisa acontecer a mim, tu não ficarás em dificuldade”.
178:2.11 (1934.1) E, assim, Davi recebeu todo o fundo do caixa apostólico e os recibos de todo dinheiro em depósito. Os apóstolos só souberam dessa transação na noite do dia seguinte.
178:2.12 (1934.2) Era por volta de quatro e meia da tarde quando os três apóstolos voltaram e informaram a Jesus que tudo estava pronto para a ceia. O Mestre imediatamente preparou-se para levar os seus doze apóstolos até a trilha para a estrada de Betânia e até Jerusalém. E essa foi a última caminhada que ele fez com todos os doze juntos.
178:3.1 (1934.3) Buscando novamente evitar as multidões, passando pelo vale do Cedrom, indo para frente e para trás, entre o parque do Getsêmani e Jerusalém, Jesus e os doze caminharam pelo lado oeste do monte das Oliveiras, para alcançar a estrada que, de Betânia, levava até a cidade. À medida que se aproximaram do local em que Jesus havia parado, na tarde anterior, para discursar sobre a destruição de Jerusalém, pararam inconscientemente e, em silêncio, olharam lá embaixo para a cidade. Sendo um pouco cedo e desde que não queria passar pela cidade antes do entardecer, Jesus disse aos seus seguidores:
178:3.2 (1934.4) “Assentai-vos e descansai, enquanto eu converso convosco sobre tudo que em breve irá acontecer. Por todos esses anos tenho vivido convosco como irmãos, ensinei-vos a verdade a respeito do Reino celeste e revelei-vos os mistérios dele. E o meu Pai realmente fez muitas obras maravilhosas relacionadas à minha missão na Terra. Tendes sido testemunhas de tudo e tomastes parte na experiência de trabalhar junto com Deus. E, agora, dareis o testemunho de que vos avisei há algum tempo, de que devo em breve voltar à obra que o Pai me consagrou para realizar; tenho-vos dito claramente que vos devo deixar no mundo para continuar o trabalho do Reino. Foi com esse propósito que me afastei convosco nas montanhas de Cafarnaum. A experiência que tivestes comigo, deveis agora estar prontos para compartilhá-la com outros. Como o Pai enviou-me a este mundo, e estou pronto para enviar-vos adiante para que me representeis e termineis a obra inicada por mim.
178:3.3 (1934.5) “Contemplai esta cidade com tristeza, pois ouvistes as minhas palavras contando sobre o fim de Jerusalém. E vos preveni de antemão, para que não pereçais na sua destruição, pois assim retardaríeis a proclamação do evangelho do Reino. Do mesmo modo eu vos previno para que tomeis o cuidado de não vos expor desnecessariamente ao perigo, quando vierem buscar o Filho do Homem. Eu preciso ir, mas vós devereis permanecer e dar testemunho deste evangelho quando eu tiver ido e, do mesmo modo, instruí que Lázaro fugisse da ira dos homens, para que pudesse viver e tornar conhecida a glória de Deus. Se a vontade do Pai for que eu parta, nada do que podeis fazer frustrará o plano divino. Tomai cuidado convosco, para que eles não vos matem também. Que as vossas almas sejam valentes na defesa do evangelho, pelo poder do espírito, mas não sejais levados a cometer tolices tentando defender o Filho do Homem. Não preciso de nenhuma defesa vinda da mão do homem; os exércitos celestes estão à disposição, neste mesmo instante, mas estou determinado a fazer a vontade do meu Pai no céu e, portanto, devemos submeter-nos àquilo que está para vir.
178:3.4 (1934.6) “Quando virdes esta cidade destruída, não vos esqueçais de que entrastes já na vida eterna a serviço eterno do Reino celeste sempre em avanço, e mesmo no céu dos céus. Deveis saber que, no universo do meu Pai e tanbém no meu, existem muitas moradas; e que uma revelação aguarda pelos filhos da luz, revelação de cidades cujo construtor é Deus, e mundos cujo hábito de vida é a retidão e alegria da verdade. Eu trouxe a vós, aqui na Terra, o Reino do céu; mas declaro que todos vós que entrardes nele e permanecerdes nele pela fé, certamente ascendereis aos mundos no alto, pelo serviço vivo à verdade, e assentar-vos-eis comigo no Reino espiritual do nosso Pai. Mas deveis primeiro criar coragem e completar a obra que iniciastes comigo. Deveis primeiro passar por muitas atribulações e resistir a muitas tristezas — e essas provações já estão caindo sobre nós — e, quando houverdes terminado a vossa obra na Terra, devereis vir para a minha alegria, do mesmo modo que eu já haverei terminado a obra do meu Pai na Terra e estarei na iminência de voltar para o Seu abraço”.
178:3.5 (1935.1) Depois de haver dito isso, Jesus levantou-se, e todos seguiram-no, pelo monte das Oliveiras abaixo, rumo à cidade. Nenhum dos apóstolos, exceto três deles, sabiam para onde estavam indo, enquanto passavam pelas ruas estreitas sob a escuridão da noite. As multidões apertavam-nos, mas ninguém os reconheceu, nem sabia que o Filho de Deus estava passando por ali, a caminho do último encontro mortal com os seus embaixadores escolhidos do Reino. Nem os apóstolos sabiam que um dentre eles havia já abraçado uma conspiração para atraiçoar o Mestre, e que o entregaria nas mãos dos seus inimigos.
178:3.6 (1935.2) João Marcos os havia acompanhado por todo o caminho até a cidade e, após haverem seguido portão da cidade adentro, apressou-se por uma outra viela, de modo que já estava esperando para dar-lhes as boas-vindas à casa do seu pai, quando eles lá chegavam.
O Livro de Urântia
Documento 179
179:0.1 (1936.1) DURANTE a tarde dessa quinta-feira, quando Filipe lembrou ao Mestre sobre a aproximação da Páscoa e perguntou a respeito dos seus planos para essa celebração, Jesus tinha em mente a ceia de Páscoa que se devia realizar na noite do dia seguinte, sexta-feira. O costume era começar as preparações para a celebração da Páscoa nunca depois do meio-dia do dia anterior. E, já que os judeus consideravam o dia como começando no entardecer, isso significava que a ceia do sábado de Páscoa seria celebrada na sexta-feira à noite, um pouco antes da meia-noite.
179:0.2 (1936.2) Os apóstolos ficaram, portanto, inteiramente sem entender o anúncio do Mestre de que eles iriam celebrar a Páscoa um dia antes. E pensaram, ao menos alguns deles, que ele sabia que seria preso antes do momento da ceia da Páscoa, na noite de sexta-feira, e que por isso estava convidando-os para uma ceia especial nessa quinta-feira à noite. Outros pensaram que essa seria meramente uma ocasião especial que devia preceder a celebração corriqueira da Páscoa.
179:0.3 (1936.3) Os apóstolos sabiam que Jesus havia celebrado outras Páscoas sem o cordeiro; eles sabiam que ele não participava pessoalmente de qualquer serviço de sacrifício do sistema judeu. Por várias vezes ele havia partilhado do cordeiro pascal como um convidado, mas sempre, quando ele era o anfitrião, nenhum cordeiro era servido. Não teria sido uma grande surpresa para os apóstolos verem o cordeiro suprimido mesmo na noite de Páscoa e, posto que essa ceia estava sendo celebrada um dia antes, a ausência de um cordeiro passou despercebida.
179:0.4 (1936.4) Após receber os cumprimentos de boas-vindas, dados pelo pai e pela mãe de João Marcos, os apóstolos foram imediatamente para a sala de cima, enquanto Jesus permanecia embaixo para falar com a família Marcos.
179:0.5 (1936.5) Combinou-se de antemão que o Mestre iria celebrar essa ocasião apenas com os seus doze apóstolos; e, portanto, nenhum serviçal foi chamado para servi-los.
179:1.1 (1936.6) Quando os apóstolos foram conduzidos ao andar de cima, por João Marcos, eles viram uma sala ampla e confortável, completamente mobiliada para a ceia; e observaram que o pão, o vinho, a água e as ervas estavam todos prontos em uma extremidade da mesa. A não ser pela extremidade na qual foram colocados o pão e o vinho, essa longa mesa estava cercada de treze divãs para reclinar, exatamente como aconteceria em uma celebração da Páscoa na casa de uma família judaica de boa posição.
179:1.2 (1936.7) Ao entrarem nessa sala do andar de cima, todos os doze perceberam, perto da porta, os cântaros de água, as bacias e as toalhas para a lavação dos seus pés poeirentos; e, já que nenhum criado havia sido providenciado para prestar esse serviço, os apóstolos começaram a entreolhar-se logo que João Marcos os deixou, e cada qual passou a pensar com ele mesmo: quem lavará os nossos pés? E cada um do mesmo modo pensou que não seria ele próprio quem iria atuar como servo dos outros.
179:1.3 (1937.1) Enquanto estavam ali, com os seus corações agitados e debatendo em seus assentos, eles olharam o arranjo dos assentos junto à mesa e perceberam que o divã mais alto, do anfitrião, tinha um assento à direita e mais onze, dispostos em volta da mesa até o lado oposto a esse segundo assento de honra à direita do anfitrião.
179:1.4 (1937.2) Eles esperavam que o Mestre chegasse a qualquer momento, mas estavam em um dilema quanto a se assentar ou esperar a sua vinda e depender de que ele lhes designasse os lugares. Enquanto hesitavam, Judas avançou sobre o assento de honra, à esquerda do anfitrião, indicando que tinha a intenção de reclinar- se ali como o convidado preferido. Esse ato de Judas provocou imediatamente uma disputa acirrada entre os outros apóstolos. Mal havia Judas apossado-se do assento de honra e João Zebedeu pretendeu o próximo assento de distinção, aquele à direita do anfitrião. Simão Pedro ficou tão furioso com essa pretensão de escolha de posições de Judas e de João que, sob o olhar enraivecido dos outros apóstolos, dando a volta na mesa, encaminhou-se para tomar o assento no divã mais baixo, no final da ordem de assentos e exatamente em frente ao assento escolhido por João Zebedeu. Desde que os outros se tinham apoderado dos assentos altos, Pedro pensou em escolher o mais baixo, e ele o fez, não meramente em protesto contra o orgulho inconveniente dos seus irmãos, mas com a esperança de que Jesus, quando viesse e o visse no lugar de menos honra, o chamasse para um lugar de mais honra, desalojando assim um daqueles que haviam tido a presunção de dar a si próprio certa honra.
179:1.5 (1937.3) Com as posições mais altas e as mais baixas assim ocupadas, o restante dos apóstolos escolheu lugares, alguns perto de Judas e alguns perto de Pedro, até que todos estavam nos seus lugares. Eles estavam sentados à mesa em forma de U, nesses divãs reclinados, na seguinte ordem: à direita do Mestre, João; à esquerda, Judas, Simão zelote, Mateus, Tiago Zebedeu, André, os gêmeos Alfeus, Filipe, Natanael, Tomé e Simão Pedro.
179:1.6 (1937.4) Estavam juntos para celebrar ali, ao menos em espírito, uma instituição que antecedia mesmo a Moisés e que se referia aos tempos em que os seus pais eram escravos no Egito. Nessa ceia, que foi o último encontro com Jesus, apesar de um quadro tão solene, sob a liderança de Judas, os apóstolos foram levados uma vez mais a dar vazão à sua antiga predileção pelas honrarias, pela preferência e pela exaltação pessoal.
179:1.7 (1937.5) Quando o Mestre apareceu na porta, eles ainda empenhavam-se em lançar recriminações irritadas; e ali o Mestre permaneceu por um momento, enquanto uma expressão de desapontamento lentamente surgia no seu rosto. Sem comentários Jesus foi para o seu lugar e não perturbou a disposição dos assentos ocupados.
179:1.8 (1937.6) Estavam agora prontos para começar a ceia, exceto que os seus pés ainda estavam por lavar e que o humor deles era qualquer coisa de nada agradável. Quando o Mestre chegou, estavam ainda empenhados em fazer observações pouco elogiosas entre si, para não mencionar nada sobre os pensamentos de alguns que haviam tido o controle emocional suficiente para abster-se de expressar publicamente os seus sentimentos.
179:2.1 (1937.7) Por alguns instantes, após o Mestre haver ido para o seu lugar, nem uma palavra foi dita. Jesus olhou para todos e aliviou a tensão com um sorriso para dizer: “Eu desejei muito compartilhar esta Páscoa convosco. Uma vez mais gostaria de cear convosco, antes do meu sofrimento e, compreendendo que a minha hora chegou, eu organizei esta ceia convosco nesta noite, pois, no que concerne ao amanhã, estamos todos na mão do Pai, cuja vontade eu vim cumprir. Eu não comerei convosco novamente até que vos assenteis comigo no Reino que o meu Pai me dará quando eu tiver concluído o que Ele enviou-me para fazer neste mundo”.
179:2.2 (1938.1) Após o vinho e a água haverem sido misturados, trouxeram o cálice a Jesus, que, ao recebê-lo da mão de Tadeu, segurou-o, enquanto oferecia agradecimentos. E, quando acabou de fazer o agradecimento, ele disse: “Tomai deste cálice e compartilhai-o entre vós e, quando beberdes dele, compreendereis que eu não beberei de novo convosco do fruto da vinha, pois esta é a nossa Última Ceia. Quando nos assentarmos novamente deste modo, será no Reino que virá”.
179:2.3 (1938.2) Jesus começou assim a falar aos seus apóstolos, porque sabia que a sua hora havia chegado. Compreendeu que aquele era o momento em que devia voltar ao Pai; e que a sua obra na Terra estava quase concluída. O Mestre sabia que havia revelado o amor do Pai na Terra e proclamado a Sua misericórdia à humanidade; e que havia completado aquilo que tinha vindo fazer no mundo, até mesmo receber todo o poder e autoridade no céu e na Terra. Sabia também que Judas Iscariotes havia decidido finalmente que o entregaria, naquela noite, nas mãos dos seus inimigos. Jesus compreendia inteiramente que essa entrega traidora era o trabalho de Judas, mas que também agradava a Lúcifer, a Satã e a Caligástia, o príncipe das trevas. Jesus, todavia, não temia a nenhum dos que buscavam sua derrota espiritual, como não temia àqueles que iriam encarregar- se da sua morte física. O Mestre não tinha senão uma ansiedade, e esta era quanto à segurança e salvação dos seus seguidores escolhidos. E assim, com o pleno conhecimento de que o Pai havia colocado todas as coisas sob a Sua autoridade, o Mestre agora se preparava para colocar em prática a parábola do amor fraterno.
179:3.1 (1938.3) Depois de beber o primeiro cálice da Páscoa, era do costume judeu que o anfitrião saísse da mesa e lavasse as próprias mãos. Mais tarde, durante a refeição e depois da segunda taça, todos os convidados também deviam levantar-se e lavar as próprias mãos. Já que os apóstolos sabiam que o seu Mestre nunca observava esses ritos do cerimonial de lavar as mãos, ficaram curiosos para saber qual a intenção tinha quando, após haverem eles compartilhado desse primeiro cálice, ele se levantou da mesa e silenciosamente foi até perto da porta, onde tinham sido colocados os cântaros de água, as bacias e as toalhas. E aquela curiosidade chegou ao assombro quando viram o Mestre retirar o seu manto externo, guarnecer-se com uma toalha, e começar a jogar água em uma das bacias para o lava-pés. Imaginai o assombro desses doze homens, que se haviam há pouco recusado a lavar os pés uns dos outros, e que haviam entrado naquelas disputas inconvenientes das posições de honra à mesa, quando eles viram-no tomar a direção da extremidade não ocupada da mesa, indo para o assento mais baixo da festa, onde Simão Pedro estava reclinado, e, ajoelhando-se na atitude de um servo, preparar-se para lavar os pés de Simão. Quando o Mestre ajoelhou- se, todos os doze se levantaram ao mesmo tempo como se fossem um só; até mesmo o traidor Judas esqueceu-se da sua infâmia, por um momento, enquanto levantava-se com os seus companheiros apóstolos nessa expressão de surpresa, de respeito e de total assombro.
179:3.2 (1938.4) Lá se encontrava Simão Pedro, olhando para baixo, vendo o rosto voltado para cima do seu Mestre. Jesus não disse nada; não era necessário que ele dissesse. A sua atitude revelava plenamente que estava disposto a lavar os pés de Simão Pedro. Não obstante a sua fragilidade da carne, Pedro amava o Mestre. Esse pescador galileu foi o primeiro ser humano a crer de todo o coração na divindade de Jesus e a fazer uma confissão pública dessa crença. E Pedro nunca havia duvidado realmente da natureza divina do Mestre. E, posto que Pedro reverenciava e honrava a Jesus no seu coração, não era estranho que a sua alma se ressentisse com o pensamento de Jesus ajoelhado lá diante dele, na humilde atitude de um servo e propondo-se a lavar os seus pés, como o faria um escravo. Logo que Pedro acalmou-se o suficiente para dirigir-se ao Mestre, ele expressou os sentimentos que passavam pelo coração de todos os seus companheiros apóstolos.
179:3.3 (1939.1) Após alguns momentos, nesse grande embaraço, Pedro perguntou: “Mestre, realmente pretendes lavar os meus pés?” E então, olhando no rosto de Pedro, Jesus respondeu: “Tu podes não compreender plenamente o que eu estou na iminência de fazer, mas no futuro tu saberás o significado de todas essas coisas”. Então Simão Pedro, suspirando profundamente, disse: “Mestre, nunca lavarás os meus pés!” E cada um dos apóstolos acenou com a sua aprovação à firme declaração de Pedro, recusando-se a permitir que Jesus se humilhasse, assim, diante deles.
179:3.4 (1939.2) O apelo dramático dessa cena inusitada, a princípio, tocou até o coração de Judas Iscariotes; mas, quando o seu intelecto vaidoso fez um julgamento do espetáculo, ele concluiu que esse gesto de humildade era apenas mais um episódio para provar conclusivamente que Jesus nunca se qualificaria para ser o Libertador de Israel, e que ele não havia cometido nenhum erro com a decisão de desertar a causa do Mestre.
179:3.5 (1939.3) Enquanto, estupefatos, todos continham a respiração, Jesus disse: “Pedro, eu declaro que, se eu não lavar os teus pés, tu não terás nenhuma participação comigo na obra que eu estou na iminência de realizar”. Quando Pedro ouviu essa declaração, combinada ao fato de que Jesus continuava ajoelhado, lá, aos seus pés, ele tomou uma dessas decisões de aquiescência cega, de submissão ao desejo de alguém a quem ele respeitava e amava. E como começou a surgir em Simão Pedro a compreensão de que, ligada a essa ação proposta de serviço, estava alguma significação que determinava a ligação futura com a obra do Mestre, ele não apenas reconciliou-se com o pensamento de permitir a Jesus lavar os seus pés, como, à sua maneira característica e impetuosa, ele disse: “Então, Mestre, lava não apenas os meus pés mas também as minhas mãos e a minha cabeça”.
179:3.6 (1939.4) Ao começar a lavar os pés de Pedro, o Mestre disse: “Aquele que já está limpo necessita apenas que tenha os seus pés lavados. Vós que sentais comigo nesta noite estais limpos — não todos, contudo. Mas o pó dos vossos pés deveria ter sido lavado antes de vos sentardes para a refeição comigo. E, além disso, eu gostaria de prestar esse serviço a vós, tal como uma parábola para ilustrar o significado de um novo mandamento que eu em breve dar-vos-ei”.
179:3.7 (1939.5) De um modo semelhante, o Mestre contornou a mesa, em silêncio, lavando os pés dos seus doze apóstolos, não fazendo exceção nem de Judas. Quando terminou de lavar os pés dos doze, Jesus recolocou a sua túnica, voltou ao seu lugar de anfitrião e, depois de olhar para os seus desnorteados apóstolos, disse:
179:3.8 (1939.6) “Realmente podeis compreender o que eu fiz para vós? Vós me chamais de Mestre, e estais certos, pois eu o sou. Se, então, o Mestre lavou os vossos pés, por que não estáveis dispostos a lavar os pés uns dos outros? Que lição deveríeis aprender dessa parábola na qual o Mestre, com tão boa disposição, faz o serviço que os seus irmãos não queriam fazer uns para os outros? Em verdade, em verdade, eu vos digo: Um servo não é maior do que o seu senhor; nem aquele que é enviado é maior do que aquele que o envia. Vós vistes o caminho do serviço pela minha vida entre vós, e abençoados sois vós que tereis a coragem graciosa de servir. Mas por que sois tão lentos para aprender que o segredo da grandeza no Reino espiritual não é como os métodos do poder no mundo material?
179:3.9 (1940.1) “Nesta noite, quando eu entrei nesta sala, não vos contentando em recusar por orgulho a lavar-vos os pés uns dos outros, também caístes na disputa de quem deveria ter os lugares de honra à minha mesa. Tais honras são buscadas pelos fariseus e pelos filhos deste mundo, e não devia ser assim, todavia, entre os embaixadores do Reino celeste. Não sabeis que não pode haver lugares preferenciais à minha mesa? Acaso não compreendeis que eu amo a cada um de vós como amo todos os outros? Não sabeis que o lugar mais perto de mim, como os homens encaram essas honras, pode não significar nada no que diz respeito à vossa posição no Reino do céu? Sabeis que os reis dos gentios têm a soberania sobre os seus súditos, enquanto aqueles que exercem essa autoridade, algumas vezes, são chamados de benfeitores. Mas não será assim no Reino do céu. Aquele que quer ser grande entre vós, que se torne como que o mais jovem; enquanto aquele que quer ser o dirigente, que se transforme em alguém que serve. Quem é o maior, aquele que se senta para comer, ou aquele que serve? Não é comumente considerado maior aquele que se senta para comer? Mas vós ireis observar que eu fico entre vós como aquele que serve. Se quiserdes tornar- vos os meus companheiros de serviço fazendo a vontade do Pai, no Reino que está por vir, sentar-vos-eis comigo no poder, fazendo também a vontade do Pai na glória futura”.
179:3.10 (1940.2) Quando Jesus terminou de falar, os gêmeos Alfeus trouxeram o pão e o vinho com as ervas amargas e a pasta de frutas secas, como o próximo prato da Última Ceia.
179:4.1 (1940.3) Por alguns minutos os apóstolos comeram em silêncio, mas, sob a influência do comportamento jovial do Mestre, logo foram levados a conversar e a refeição passou a transcorrer como se nada de fora do comum houvesse acontecido que interferisse no bom humor e na harmonia social dessa ocasião extraordinária. Depois de algum tempo, mais ou menos na metade da segunda parte da refeição, Jesus, olhando-os a todos, disse: “Eu declarei a vós o quanto eu desejava realizar esta ceia convosco e, sabendo como as forças do mal e das trevas conspiraram para a morte do Filho do Homem, eu determinei compartilhar esta ceia convosco, nesta sala secreta, e um dia antes da Páscoa, pois eu não mais estarei convosco amanhã a esta hora. Eu já vos disse repetidamente que devo retornar ao Pai. Agora a minha hora chegou; e não se faria necessário que um de vós me traísse entregando-me nas mãos dos meus inimigos”.
179:4.2 (1940.4) Quando os doze ouviram isso, tendo sido tirado deles muito da sua segurança e autoconfiança, com a parábola do lava-pés e com o discurso subseqüente do Mestre, eles começaram a olhar uns para os outros, enquanto em tom desconcertado perguntavam hesitantes: “Serei eu?” E então, quando eles todos se haviam perguntado isso, Jesus disse: “Já que é preciso que eu vá para o Pai, não havia a necessidade de que um de vós se tornasse um traidor, para que a vontade do Pai fosse cumprida. Isso é devido à maturação do fruto do mal, escondido no coração daquele que não conseguiu amar a verdade com toda a sua alma. Quão enganador é o orgulho intelectual que precede a queda espiritual! Um amigo meu de muitos anos, que ainda agora compartilha comigo do meu pão, está prestes a trair-me, este mesmo que agora coloca a sua mão junto comigo no prato”.
179:4.3 (1940.5) E quando Jesus acabou de dizer isso, eles começaram novamente a perguntar: “Serei eu?” E Judas, assentado à esquerda do Mestre, de novo perguntou: “Serei eu?” Jesus, segurando o pão no prato das ervas, passou-o a Judas, dizendo: “Tu o disseste”. Os outros, entretanto, não ouviram Jesus falar a Judas. João, que estava reclinado no divã à mão direita de Jesus, inclinou-se para perguntar ao Mestre: “Quem é? Deveríamos saber quem é que se mostrou infiel à confiança nele depositada”. Jesus respondeu: “Eu já vos disse, o mesmo a quem eu dei o pão empastado”. Era tão natural, entretanto, o anfitrião assim passar um pedaço de pão àquele que se assentava próximo a ele à esquerda, que nenhum deles notou isso, ainda que o Mestre tivesse dito tão claramente. Mas Judas estava dolorosamente consciente do significado das palavras do Mestre ligadas ao seu ato, tornando-se temeroso de que os seus irmãos estivessem agora também cientes de que era ele o traidor.
179:4.4 (1941.1) Pedro encontrava-se bastante agitado com aquilo que havia sido dito e, inclinando- se para a frente sobre a mesa, dirigiu-se a João: “Pergunte-lhe quem é; ou, se ele tiver dito a ti, dize-me quem é o traidor”.
179:4.5 (1941.2) Jesus colocou um fim àqueles sussurros dizendo: “Entristeço-me de que esse mal tenha acontecido e até este momento eu esperei que o poder da verdade pudesse triunfar sobre o engano causado pelo mal, mas essas vitórias não são ganhas sem a fé do amor sincero à verdade. Eu gostaria de não ter de dizer essas coisas, nesta que é a nossa Última Ceia, mas desejei prevenir-vos sobre esses sofrimentos e, desse modo, preparar-vos para o que nos espera. Eu vos disse isso porque desejo que vos lembreis, depois que eu me for, de que eu sabia sobre todas essas conspirações maldosas, e que vos preveni sobre a traição feita contra mim. E tudo isso eu faço apenas para que sejais fortalecidos contra as tentações e provações que estão pela frente”.
179:4.6 (1941.3) Depois de falar assim, Jesus, inclinando-se para o lado de Judas, disse: “O que decidiste fazer, faze-o rapidamente”. E quando Judas ouviu essas palavras, ele levantou-se da mesa e apressadamente deixou a sala, saindo pela noite a fim de executar o que havia decidido cumprir. Quando os outros apóstolos viram Judas apressar-se e sair depois que Jesus falou com ele, pensaram que ele havia saído à procura de algo complementar para a ceia, ou para cuidar de alguma mensagem para o Mestre, pois supunham que ele ainda estivesse com a bolsa.
179:4.7 (1941.4) Jesus sabia agora que nada poderia ser feito para impedir que Judas se tornasse um traidor. Ele começara com doze — agora estava com onze. Escolhera seis dentre esses apóstolos, e ainda que Judas estivesse entre aqueles indicados pelos próprios apóstolos escolhidos inicialmente, mesmo assim o Mestre aceitara- o, e havia, até esta mesma hora, feito tudo o que era possível para santificá-lo e salvá-lo, do mesmo modo que havia trabalhado para a paz e a salvação dos outros.
179:4.8 (1941.5) Essa ceia, com os seus episódios de ternura e com os seus toques de brandura, foi o último apelo de Jesus ao desertor Judas; mas esse apelo resultou em vão. Uma vez que o amor esteja realmente morto, a advertência, mesmo quando ministrada da maneira mais cuidadosa e transmitida com o espírito mais bondoso, via de regra, apenas intensifica o ódio e acende a determinação maldosa de efetuar integralmente os próprios projetos egoístas.
179:5.1 (1941.6) Quando lhe trouxeram o terceiro cálice de vinho, o “cálice da bênção”, Jesus levantou-se do divã e, tomando o cálice nas suas mãos, abençoou-o, dizendo: “Tomai deste cálice, todos vós, e bebei dele. Este será o cálice da lembrança de mim. Este é o cálice da bênção de uma nova dispensação de graça e verdade. E será, para vós, o emblema do outorgamento e da ministração do divino Espírito da Verdade. E eu não beberei novamente deste cálice convosco até que, em uma nova forma, possa beber convosco no Reino eterno do Pai”.
179:5.2 (1942.1) Os apóstolos todos sentiram que alguma coisa de fora do ordinário estava acontecendo, enquanto bebiam desse cálice da bênção em reverência profunda e em perfeito silêncio. A velha Páscoa comemorava a emergência dos seus pais, de um estado de escravidão racial para a liberdade individual; agora o Mestre estava instituindo uma nova ceia da lembrança como um símbolo da nova dispensação, na qual o indivíduo escravizado emerge do aprisionamento ao cerimonialismo e ao egoísmo, para a alegria espiritual da fraternidade e da irmandade dos filhos libertados do Deus vivo.
179:5.3 (1942.2) Quando terminaram de beber dessa nova taça da lembrança, o Mestre tomou do pão e, após dar as graças, partiu-o em pedaços e, mandando que o passassem adiante, disse: “Tomai este pão da lembrança e comei-o. Eu vos disse que sou o pão da vida. E este pão da vida é a vida unida do Pai e do Filho, em uma só dádiva. A palavra do Pai, como revelada no Filho, é de fato o pão da vida”. Depois de haverem comido do pão da lembrança, o símbolo da palavra viva da verdade encarnada à semelhança da carne mortal, todos se sentaram.
179:5.4 (1942.3) Ao organizar esta ceia de lembrança, o Mestre, como era sempre do seu hábito, recorreu a parábolas e a símbolos. Ele empregou símbolos porque queria ensinar algumas grandes verdades espirituais, de uma tal maneira que tornasse difícil para os sucessores apegarem-se a interpretações precisas e significados definidos para as suas palavras. Desse modo ele buscou impedir gerações sucessivas de cristalizarem o seu ensinamento e de ligarem os seus significados espirituais às correntes mortas da tradição pelo dogma. Ao estabelecer a única cerimônia ou sacramento ligado à missão de toda a sua vida, Jesus tomou um grande cuidado em sugerir os seus significados mais do que em comprometer-se com definições precisas. Ele não queria destruir o conceito individual de comunhão divina, estabelecendo uma forma precisa; nem desejava limitar a imaginação espiritual do crente, paralisando-a formalmente. Ele buscava mais deixar livre a alma do homem renascido, nas asas jubilosas de uma liberdade espiritual nova e viva.
179:5.5 (1942.4) Não obstante o esforço do Mestre, de estabelecer assim esse novo sacramento da lembrança, aqueles que o seguiram, nos séculos seguintes se encarregaram de opor-se a que o seu desejo expresso fosse efetivamente satisfeito, naquilo em que o simbolismo espiritual simples daquela noite na carne teria sido reduzido a interpretações precisas e submetido à precisão quase matemática de uma fórmula estabelecida. De todos os ensinamentos de Jesus, nenhum se tornou mais padronizado pela tradição.
179:5.6 (1942.5) Essa ceia da lembrança, quando compartilhada por aqueles que são crentes dos Filhos e conhecedores de Deus, não precisa ter quaisquer das interpretações malfeitas e pueris dos homens ligadas ao seu simbolismo, a respeito do significado da divina presença, pois em todas essas ocasiões o Mestre está presente realmente. A ceia da lembrança é um encontro simbólico do crente com Michael. Quando vós vos tornais assim conscientes do espírito, o Filho está realmente presente, e o seu espírito confraterniza-se com o fragmento residente do seu Pai.
179:5.7 (1942.6) Após haverem entrado em meditação, por alguns momentos, Jesus continuou falando: “Quando fizerdes essas coisas, relembrai-vos da vida que eu vivi na Terra entre vós e rejubilai, pois eu devo continuar a viver na Terra convosco, servindo por vosso intermédio. Como indivíduos, não tenhais entre vós disputas sobre quem será o maior. Sede como irmãos. E, quando o Reino crescer e abranger grandes grupos de crentes, do mesmo modo deveríeis abster-vos de disputas pela grandeza e de buscar a preferência entre tais grupos”.
179:5.8 (1943.1) E essa ocasião grandiosa teve lugar na sala do andar superior da casa de um amigo. Nem a ceia nem a casa apresentavam qualquer forma sagrada de consagração cerimonial. A ceia da lembrança foi organizada sem a sanção eclesiástica.
179:5.9 (1943.2) Depois que Jesus estabeleceu assim a ceia da lembrança, ele disse aos apóstolos: “E, sempre que fizerdes isso, fazei em lembrança de mim. E quando vos lembrardes de mim, primeiro olhai para a minha vida na carne, lembrai-vos de que eu estive certa vez entre vós e, então, pela fé, podeis saber que todos vós ireis algum dia cear comigo no Reino eterno do Pai. Esta é a nova Páscoa, que eu deixo convosco; a da memória à minha vida de auto-outorga, a palavra da verdade eterna; e do meu amor por vós, da efusão do meu Espírito da Verdade sobre toda a carne”.
179:5.10 (1943.3) E concluíram essa celebração da velha Páscoa, que, sem derramamento do sangue de sacrifício, estabelecia a inauguração da nova ceia da lembrança, cantando todos juntos o salmo cento e dezoito.
O Livro de Urântia
Documento 180
180:0.1 (1944.1) NA CONCLUSÃO da Última Ceia, após cantarem o salmo, os apóstolos pensaram que Jesus tivesse a intenção de voltar imediatamente ao acampamento, mas ele indicou-lhes que deveriam sentar-se. Disse o Mestre:
180:0.2 (1944.2) “Lembrai-vos de quando vos enviei sem bolsa ou carteira e até mesmo avisei que não levásseis nenhuma roupa extra; e lembrareis bem que nada vos faltou. Mas agora estais em tempos turbulentos. Não podeis mais depender da boa vontade das multidões. De agora em diante, aquele que tiver uma bolsa, que a leve consigo. Quando sairdes para o mundo proclamando este evangelho, façais as provisões para o vosso sustento como achardes melhor. Eu vim para trazer a paz, mas ela não surgirá ainda por muito tempo.
180:0.3 (1944.3) “Chegou a hora do Filho do Homem ser glorificado, e o Pai será glorificado em mim. Meus amigos, devo ficar convosco apenas por pouco tempo mais. Em breve buscareis por mim, mas não me encontrareis, pois estou indo para um lugar onde vós não podeis ir, neste momento. Mas quando tiverdes acabado a vossa obra na Terra, como agora eu completei a minha, então vireis a mim do mesmo modo que agora eu me preparo com a finalidade de ir para o meu Pai. Muito em breve eu vou deixar-vos e não me vereis mais na Terra; todavia, todos vós me vereis na idade que virá, quando ascenderdes ao Reino que o meu Pai me deu”.
180:1.1 (1944.4) Após alguns momentos de conversa informal, Jesus levantou-se e disse: “Quando interpretei para vós uma parábola, indicando como deveríeis estar dispostos a servir uns aos outros, disse que desejava prover-vos com um novo mandamento e, agora que estou para deixar-vos, gostaria de fazer isso. Conheceis bem o mandamento que indica que deveis amar-vos uns aos outros, que ameis vosso semelhante como a vós próprios. Mas não estou plenamente satisfeito, nem mesmo com tal devoção sincera da parte dos meus filhos. Gostaria de ver-vos praticando atos ainda maiores de amor no Reino da fraternidade crente. E assim vos dou este novo mandamento: Amai uns aos outros como eu vos amei. E amando, assim, uns aos outros, todos os homens saberão que sois meus discípulos.
180:1.2 (1944.5) “Ao dar-vos esse novo mandamento, não coloco nenhum peso novo sobre as vossas almas; trago, sim, a vós, uma nova alegria, tornando possível que experimenteis um novo prazer de conhecer a delícia de dar afeição do vosso coração aos vossos semelhantes. Estou na iminência de experimentar uma alegria suprema na dádiva da minha afeição a vós e aos vossos companheiros mortais, mesmo passando por um sofrimento exterior,.
180:1.3 (1944.6) “Quando vos convido a amar uns aos outros, como eu vos amei, apresento a medida suprema da afeição verdadeira, pois um amor maior do que este nenhum homem pode ter: o de dar a sua vida pelos seus amigos. Sois vós os meus amigos; e continuareis sendo meus amigos se estiverdes dispostos a fazer o que vos ensinei. Me chamais de Mestre, mas não vos chamo de servos. Se apenas amardes uns aos outros, como eu vos estou amando, sereis meus amigos e sempre declararei o que o Pai revela a mim.
180:1.4 (1945.1) “Não fostes meramente vós que me escolhestes, eu também vos escolhi; e ordenei- vos que saísseis pelo mundo para colher o fruto do serviço de amor aos vossos semelhantes, do mesmo modo que eu vivi entre vós e vos revelei o Pai. O Pai e eu trabalharemos ambos convosco, e vós experimentareis a plenitude divina da alegria se apenas obedecerdes ao meu mandamento para que amai uns aos outros, do mesmo modo que eu vos amei”.
180:1.5 (1945.2) Se quiserdes compartilhar a alegria do Mestre, deveis compartilhar o seu amor. E compartilhar o seu amor significa que compartilhastes o seu serviço. Essa experiência de amor não vos liberta das dificuldades deste mundo, não cria um novo mundo, mas muito certamente faz do velho um novo mundo.
180:1.6 (1945.3) Tende sempre em mente: É a lealdade, não o sacrifício, que Jesus pede. A consciência do sacrifício implica a ausência daquele afeto de todo o coração, que haveria feito desse serviço de amor uma alegria suprema. A idéia do dever significa que tendes a mente voltada para o servir e que, pois, falta a emoção poderosa de fazer o vosso serviço como um amigo e para um amigo. O impulso da amizade transcende todas as convicções do dever, e o serviço de um amigo para um amigo nunca pode ser chamado de sacrifício. O Mestre ensinou aos apóstolos que eles são filhos de Deus. Ele chamou-os de irmãos; e, agora, antes que ele parta, chama-os de seus amigos.
180:2.1 (1945.4) Então Jesus, levantando-se novamente, continuou ensinando aos seus apóstolos: “Eu sou a vinha verdadeira e o meu Pai é o cultivador. Sou a vinha, e vós sois os ramos. E o Pai exige de mim apenas que vós deis muitos frutos. A vinha é podada apenas para que aumente a frutificação dos seus ramos. Cada ramo que sai de mim, sem dar nenhum fruto, o Pai o cortará. Todo ramo que gera frutos, o Pai o limpará para que possa conceber mais frutos. Vós já estais limpos por intermédio da palavra que pronunciei, mas deveis continuar a ser limpos. Deveis habitar em mim, e eu em vós; o ramo morrerá se separar-se da vinha. Como o ramo não pode dar fruto a menos que habite na vinha, assim, também vós não podereis produzir os frutos do serviço do amor, a menos que habiteis em mim. Lembrai-vos: Sou a vinha verdadeira, e vós sois os ramos vivos. Aquele que vive em mim, e que nele eu vivo, dará muitos frutos do espírito e experimentará a alegria suprema de produzir essa colheita espiritual. Se mantiverdes comigo essa ligação espiritual viva, dareis frutos abundantes. Se habitardes em mim e se as minhas palavras viverem em vós, sereis capazes de comungar livremente comigo e, então, o meu espírito vivo pode infundir-se em vós para que possais pedir tudo o que o meu espírito quer, e cumprir tudo com a segurança de que o Pai nos concederá o nosso pedido. Nisto o Pai é glorificado: pois a vinha tem muitos ramos vivos, e cada ramo dá muitos frutos. E, quando o mundo vir esses ramos frutificando — os meus amigos que se amam uns aos outros, como eu os amei — , todos os homens saberão que vós sois verdadeiramente os meus discípulos.
180:2.2 (1945.5) “Como o Pai me amou, assim eu vos amei. Vivei no meu amor como eu vivo no amor do Pai. Se fizerdes como eu vos ensinei, vós residireis no meu amor como eu tenho mantido a palavra do Pai e eternamente moro no Seu amor”.
180:2.3 (1946.1) Os judeus há muito ensinaram que o Messias seria “um talo que surgiria da videira” dos ancestrais de Davi e, em comemoração a esse velho ensinamento, um grande emblema da uva e da sua vinha decorava a entrada do templo de Herodes. Todos os apóstolos relembraram essas coisas enquanto o Mestre lhes falava, nessa noite, na sala do andar de cima.
180:2.4 (1946.2) Mas um grande pesar mais tarde acompanhou a interpretação errônea das conclusões do Mestre a respeito da prece. Teria havido pouca dificuldade sobre esses ensinamentos se as suas palavras exatas houvessem sido lembradas e, posteriormente, registradas com fidelidade. Mas, quando o registro foi efetuado, os crentes finalmente consideravam a prece, em nome de Jesus, como uma espécie de magia suprema, pensando que pudessem chegar a receber do Pai qualquer coisa que pedissem. Durante séculos, almas honestas continuaram a fazer naufragar a própria fé, lançando-a contra esse obstáculo. Quanto tempo demorará, ao mundo dos crentes, até que se compreenda a prece, não como um procedimento destinado a obter-se o que se quer, e sim como um programa para entrar no caminho de Deus, uma experiência para aprender como reconhecer e executar a vontade do Pai? É inteiramente verdadeiro que, quando a vossa vontade tiver sido verdadeiramente alinhada com a Dele, podereis pedir qualquer coisa concebida nessa união de vontades, e será concedida. E tal união de vontades é efetuada por meio de Jesus, como a vida da vinha flui por meio dos ramos vivos.
180:2.5 (1946.3) Quando existe essa conexão viva entre a divindade e a humanidade, ainda que a humanidade ore de modo impensado e ignorante pela despreocupação egoísta e por realizações vaidosas, só poderia haver uma resposta divina: que os talos dos ramos vivos dêem mais e maiores frutos do espírito. Quando o ramo da videira está vivo, só pode haver uma resposta a todos os pedidos: que se produzam mais uvas. De fato, o ramo existe apenas para produzir uvas, e nada pode fazer além de gerar frutos, de produzir uvas. E assim o verdadeiro crente existe apenas com o propósito de conceber os frutos do espírito: amar o homem como ele próprio tem sido amado por Deus — que nos amemos uns aos outros, como Jesus nos amou.
180:2.6 (1946.4) E, quando a mão da disciplina do Pai é colocada sobre a videira, isso é feito por amor, com a finalidade de que os ramos possam dar muitos frutos. E um cultivador sábio corta fora apenas os ramos mortos e que não dão frutos.
180:2.7 (1946.5) Jesus teve grande dificuldade em levar até mesmo os seus apóstolos a reconhecerem que a prece é função da força do crente nascido do espírito, no Reino dominado pelo espírito.
180:3.1 (1946.6) Os onze mal haviam cessado as suas discussões sobre o discurso da videira e os ramos, quando o Mestre, indicando que estava desejoso de falar mais a eles e sabendo que o seu tempo era curto, disse: “Quando eu vos houver deixado, não vos desencorajeis com a inimizade do mundo. Não vos deixeis abater mesmo quando contra vós se voltarem os crentes medrosos, dando as mãos aos inimigos do Reino. Se o mundo vos odiar, devereis lembrar de que ele me odiou antes mesmo de odiar-vos. Se fôsseis deste mundo, então o mundo amaria o que é dele, mas porque não sois do mundo, este se recusa a vos amar. Estais neste mundo; contudo, vossas vidas não devem assumir os modos deste mundo. Escolhi-vos e tirei-vos do mundo para representardes o espírito de um outro mundo junto a este mesmo mundo no qual fostes escolhidos. Todavia lembrai-vos sempre das palavras que eu vos disse: O servo não é maior do que o mestre. Se ousarem perseguir-me, eles irão também vos perseguir. Se as minhas palavras ofendem os descrentes, as vossas palavras irão também ofender aqueles sem Deus. E tudo isso eles farão a vós porque não crêem em mim nem Nele que me enviou; e por isso sofrereis muitas coisas em nome do meu evangelho. Mas, quando estiverdes passando por essas tribulações, deveis lembrar-vos de que eu também sofri antes de vós por causa deste evangelho do Reino celeste.
180:3.2 (1947.1) “Muitos daqueles que vos atacarão são ignorantes da luz do céu, mas isso não é verdade sobre alguns dentre aqueles que nos perseguem. Se não tivéssemos ensinado a eles a verdade, eles poderiam fazer muitas coisas estranhas sem cair em condenação, mas agora, posto que eles conhecem a luz e presumem rejeitá-la, eles deixam de possuir desculpa para tal atitude. Aquele que odeia a mim odeia o meu Pai. Não pode ser de outro modo; a luz que, sendo aceita, vos salvaria, se for conscientemente rejeitada, apenas pode condenar-vos. E o que fiz eu a esses homens para que me odiassem com um ódio tão terrível? Nada, exceto oferecer- lhes a fraternidade na Terra e a salvação no céu. Mas não lestes na escritura onde está dito: ‘E eles me odiaram sem um motivo’?
180:3.3 (1947.2) “Contudo, não vos deixarei abandonados no mundo. Muito em breve, depois que tiver ido daqui, enviar-vos-ei um espírito ajudante. E tereis convosco aquele que tomará o meu lugar entre vós e continuará a ensinar sobre o caminho da verdade e irá até mesmo vos confortar.
180:3.4 (1947.3) “Não deixeis vossos corações se perturbarem. Credes em Deus e continuai acreditando também em mim. Ainda que eu tenha que vos deixar, não estarei longe de vós. Já vos falei do universo do meu Pai, no qual há muitos locais de permanência. Se isso não fosse verdade, eu não teria repetidamente dito nada a vós sobre os mesmos. Vou voltar para esses mundos de luz, estações no céu do Pai, para as quais vós algum dia ireis ascender. Desses locais vim para este mundo, e a hora agora é aquela em que devo retornar à obra do meu Pai nas esferas do alto.
180:3.5 (1947.4) “Se então eu for antes de vós para o Reino celeste do Pai, certamente eu irei mandar buscar-vos para que vós possais estar comigo nos lugares que foram preparados para os filhos mortais de Deus, antes que este mundo existisse. Ainda que tenha de deixar-vos, eu estarei presente junto a vós em espírito, e, finalmente, vós estareis comigo pessoalmente quando tiverdes ascendido até a mim no meu universo, do mesmo modo que eu estou na iminência de ascender ao meu Pai no Seu universo maior. E o que eu vos disse é verdadeiro e eterno, ainda que possais não o compreender totalmente. Eu vou para o Pai e, embora vós não possais seguir-me agora, certamente me seguireis nas idades que estão para vir”.
180:3.6 (1947.5) Quando Jesus sentou-se, Tomé levantou-se e disse: “Mestre, não sabemos para onde tu estás indo; e, desse modo, claro está que não sabemos o caminho. Mas nós te seguiremos assim mesmo, nesta noite, se nos ensinares o caminho”.
180:3.7 (1947.6) Depois de ouvir Tomé, Jesus respondeu: “Tomé, eu sou o caminho, a verdade e a vida. Nenhum homem vai ao Pai a não ser por meu intermédio. Todos aqueles que encontram o Pai, primeiro encontraram a mim. Se me conhecerdes, vós conhecereis o caminho até o Pai. E vós me conheceis sem dúvida, pois vivestes comigo e ainda agora podeis ver-me”.
180:3.8 (1947.7) Esse ensinamento, todavia, era profundo demais para muitos dos apóstolos, especialmente para Filipe, que, depois de trocar algumas palavras com Natanael, levantou-se e disse: “Mestre, mostra-nos o Pai, e tudo o que disseste ficará claro”.
180:3.9 (1947.8) E depois de Filipe ter dito isso, Jesus perguntou: “Filipe, por tanto tempo eu estive contigo e ainda sequer me conheces? De novo eu declaro: Aquele que me viu, terá visto o Pai. Como podes então pedir: Mostra-nos o Pai? Não acreditas que eu estou no Pai e que o Pai está em mim? Acaso não vos ensinei que as palavras que falo não são minhas palavras, mas palavras do Pai? Eu falo pelo Pai e não por mim mesmo. Estou neste mundo para fazer a vontade do Pai, e foi o que eu fiz. O meu Pai reside em mim e trabalha por meu intermédio. Acreditai em mim quando eu digo que o Pai está em mim, e que eu estou no Pai; ou então acreditai em nome da própria vida que eu vivi — a obra”.
180:3.10 (1948.1) Havendo o Mestre saído para refrescar-se e tomar água, os onze entraram em uma discussão animada sobre esses ensinamentos; e Pedro estava começando a entregar-se a um longo discurso quando Jesus retornou e chamou-os para sentarem- se.
180:4.1 (1948.2) Jesus continuou a ensinar, dizendo: “Quando eu tiver ido para o Pai, e depois que Ele houver aceitado plenamente a obra que fiz para vós na Terra, e após ter recebido a soberania final do meu próprio domínio, direi ao meu Pai: Tendo deixado os meus filhos sozinhos na Terra, a minha promessa é de enviar a eles um outro instrutor. E, quando o Pai aprová-lo, eu verterei o Espírito da Verdade sobre toda a carne. O espírito do meu Pai já está nos vossos corações e, quando chegar esse dia, vós ireis também me ter convosco, como agora tendes o Pai. Essa nova dádiva é o Espírito da Verdade viva. No início, os descrentes não ouvirão os ensinamentos desse espírito, mas todos os filhos da luz irão recebê-lo com alegria e no fundo do coração. E vós conhecereis esse espírito quando ele vier, como vós me conhecestes; e recebereis essa dádiva nos vossos corações, e ele residirá em vós. E, assim, percebereis que não hei de deixar-vos sem ajuda e sem guiamento. Eu não vos deixarei em desolação. Hoje posso estar convosco apenas pessoalmente. Nos tempos que virão eu estarei convosco, e com todos os outros homens que desejarem a minha presença, onde quer que estejais; e com cada um de vós ao mesmo tempo. Não conseguis discernir quão melhor é que eu vá embora; que eu vos deixe na carne para que eu possa estar convosco melhor e mais plenamente em espírito?
180:4.2 (1948.3) “Em poucas horas o mundo não me verá mais; porém, continuareis a conhecer- me em vossos corações, assim que eu enviar-vos este novo instrutor: o Espírito da Verdade. Do modo como vivi convosco pessoalmente, então viverei em vós; serei um com a vossa experiência pessoal no Reino do espírito. E quando isso vier a suceder vós sabereis certamente que estou no Pai e que, conquanto a vossa vida esteja oculta em mim como está o Pai, também eu estou em vós. Eu amei o Pai e mantive a Sua palavra; vós me amastes, e ireis manter a minha palavra. Como o meu Pai deu-me Seu espírito, também eu dar-vos-ei o meu espírito. E esse Espírito da Verdade, que vos outorgarei neste mundo, vos guiará e vos confortará e, finalmente, vos conduzirá a toda a verdade.
180:4.3 (1948.4) “Estou dizendo todas essas coisas a vós enquanto ainda estou convosco, a fim de que possais estar mais bem preparados para resistir às provações que, mesmo agora, já estão caindo sobre nós. E quando esse novo dia vier, vós estareis resididos pelo Filho tanto quanto pelo Pai. E essas dádivas do céu trabalharão sempre uma com a outra, como o Pai e eu temos trabalhado na Terra e diante dos vossos próprios olhos, como uma pessoa, o Filho do Homem. E esse espírito amigo trará à vossa lembrança tudo o que eu vos ensinei”.
180:4.4 (1948.5) Como o Mestre parou por um momento, Judas Alfeus ousou fazer uma das poucas perguntas que tanto ele quanto o seu irmão fizeram a Jesus em público. Disse Judas: “Mestre, tu sempre viveste entre nós como um amigo; como te conheceremos quando tu não mais te manifestares a nós, exceto por esse espírito? Se o mundo não te vir, como poderemos nós estar certos de que és tu? Como tu te mostrarás a nós?”
180:4.5 (1949.1) Jesus olhou para todos, sorriu e disse: “Meus filhinhos, eu estou indo embora, de volta para o meu Pai. Dentro de pouco tempo não me vereis como agora, em carne e osso. Dentro de pouco tempo eu enviarei a vós o meu espírito, que é exatamente como eu, exceto por esse corpo material. Este novo instrutor é o Espírito da Verdade que viverá em cada um de vós, nos vossos corações, e assim todos os filhos da luz serão como um e serão atraídos uns aos outros. E, desse modo, o meu Pai e eu seremos capazes de viver nas almas de cada um de vós e também nos corações de todos os outros homens que nos amam e que fazem esse amor tornar-se real nas suas experiências, amando-se mutuamente como eu agora vos amo”.
180:4.6 (1949.2) Judas Alfeus não compreendeu plenamente o que o Mestre disse, mas captou a promessa do novo instrutor e, pela expressão no rosto de André, ele percebeu que a sua pergunta tinha sido respondida satisfatoriamente.
180:5.1 (1949.3) O novo ajudante que Jesus prometeu enviar aos corações dos crentes, o qual ele iria verter e efundir sobre toda a carne, é o Espírito da Verdade. Essa dotação divina não é a letra nem a lei da verdade, nem deve funcionar na forma nem na expressão da verdade. O novo instrutor é a convicção da verdade, a consciência e a certeza dos verdadeiros significados nos níveis espirituais verdadeiros. E esse novo instrutor é o Espírito da Verdade viva e crescente, da verdade em expansão, em desdobramento e em adaptação.
180:5.2 (1949.4) A verdade divina é uma realidade viva discernida pelo espírito. A verdade existe apenas nos elevados níveis espirituais de compreensão da divindade e de consciência da comunhão com Deus. Vós podeis conhecer a verdade, e podeis viver a verdade; vós podeis experimentar um crescimento da verdade, na alma, e gozar da liberdade do seu esclarecimento na mente, mas vós não podeis aprisionar a verdade em fórmulas, códigos, credos nem nos padrões intelectuais de conduta humana. Ao fazerdes a formulação humana da verdade divina, rapidamente ela se desfaz. A salvação depois da morte da verdade aprisionada, mesmo no melhor dela, torna-se apenas um fato na realização de uma forma peculiar de sabedoria intelectual glorificada. Verdade estática é verdade morta, e apenas a verdade morta pode ser mantida como uma teoria. A verdade viva é dinâmica e apenas pode gozar de uma existência experiencial na mente humana.
180:5.3 (1949.5) A inteligência nasce de uma existência material que é iluminada pela presença da mente cósmica. A sabedoria abrange a consciência do conhecimento, elevado a novos níveis de significados e ativado pela presença, no universo, da dotação do ajudante da sabedoria. A verdade é um valor de realidade espiritual, experimentado apenas pelos seres dotados de um espírito que age em níveis supramateriais da consciência do universo, os quais, após a compreensão-realização da verdade, permitem ao espírito da ativação da verdade viver e reinar dentro das suas almas.
180:5.4 (1949.6) O verdadeiro discernimento interior do filho do universo busca o Espírito da Verdade, vivo em toda palavra de sabedoria. O indivíduo conhecedor de Deus está elevando constantemente a sabedoria aos níveis da verdade viva, de alcance divino; a alma que não progride espiritualmente está constantemente reduzindo a verdade viva, trazendo-a para os níveis mortos da sabedoria e para os domínios do mero conhecimento engrandecido.
180:5.5 (1949.7) A regra de ouro, quando despojada do discernimento interior supra-humano do Espírito da Verdade, transforma-se em nada mais que uma regra de conduta numa ética elevada. A regra de ouro, quando interpretada literalmente, pode tornar-se um instrumento de grande ofensa ao semelhante. Sem o discernimento espiritual da regra de ouro da sabedoria, vós poderíeis raciocinar que, posto que sois desejosos de que todos os homens digam a vós a verdade plena e franca das suas mentes, vós deveríeis, pois, plena e francamente, revelar o pensamento total da vossa mente aos vossos semelhantes. Essa interpretação não-espiritual da regra de ouro poderia resultar em infelicidades incontáveis e em um sem-fim de sofrimentos.
180:5.6 (1950.1) Algumas pessoas discernem e interpretam a regra de ouro como uma afirmação puramente intelectual de fraternidade humana. Outras experimentam essa expressão de relacionamento humano como uma gratificação emocional dos sentimentos de ternura da personalidade humana. Outros mortais reconhecem essa mesma regra de ouro como a unidade de medida de todas as relações sociais, o padrão da conduta social. Outros, ainda, consideram-na como sendo a prescrição positiva de um grande instrutor moral que incorporou, nessa afirmação, o mais elevado conceito de obrigação moral, no que diz respeito a todas as relações fraternais. Nas vidas de tais seres morais, a regra de ouro torna-se o centro sábio e a circunferência de toda a sua filosofia.
180:5.7 (1950.2) No Reino da fraternidade crente de amantes da verdade e de sabedores de Deus, essa regra de ouro assume qualidades vivas, de compreensão espiritual, naqueles níveis mais elevados de interpretação, os quais levam os filhos mortais de Deus a ver essa injunção do Mestre como exigindo deles que se relacionem com os seus semelhantes de um modo tal que eles recebam o bem mais elevado possível, como resultado do contato do crente com eles. Esta é a essência da verdadeira religião: que ames ao teu próximo como a ti mesmo.
180:5.8 (1950.3) A compreensão mais elevada, contudo, a interpretação mais verdadeira da regra de ouro consiste na consciência do Espírito da Verdade, da realidade duradoura e viva de uma tal declaração divina. O verdadeiro significado cósmico desta regra de relacionamento universal é revelado apenas na sua compreensão espiritual, na interpretação da lei de conduta feita pelo espírito do Filho, para o espírito do Pai que reside na alma do homem mortal. Quando tais mortais, guiados pelo espírito, compreendem o significado verdadeiro desta regra de ouro, eles preenchem-se, ao transbordamento, com a certeza da cidadania em um universo amigável, e os seus ideais da realidade espiritual apenas se satisfazem quando eles amam os seus semelhantes como Jesus nos amou a todos, e é esta a realidade da compreensão do amor de Deus.
180:5.9 (1950.4) Essa mesma filosofia da flexibilidade viva e da adaptabilidade cósmica, da verdade divina, às exigências individuais e à capacidade de cada filho de Deus, deve ser percebida antes que possais esperar compreender adequadamente o ensinamento e a prática do Mestre, quanto à não-resistência ao mal. O ensinamento do Mestre é basicamente um pronunciamento espiritual. Mesmo as implicações materiais da sua filosofia não podem ser de ajuda se consideradas independentemente das suas correlações espirituais. A essência da injunção do Mestre consiste na não-resistência de toda a reação egoísta, ao universo, combinada à realização dinâmica e progressiva até níveis probos de valores espirituais verdadeiros: a beleza divina, a bondade infinita e a verdade eterna — de conhecer Deus e de tornar-se cada vez mais semelhante a Ele.
180:5.10 (1950.5) O amor e a ausência de egoísmo devem estar submetidos a uma interpretação constante e vivamente readaptadora dos relacionamentos, de acordo com o guiamento do Espírito da Verdade. O amor deve, assim, captar os conceitos, sempre mutantes e em ampliação, do bem cósmico mais elevado para o indivíduo que é amado. E, então, o amor continua a assumir essa mesma atitude no que concerne a todos os outros indivíduos que possivelmente venham a ser influenciados pelo relacionamento crescente e vivo do amor, de um mortal guiado pelo espírito, aos outros cidadãos do universo. E toda essa adaptação viva de amor deve ser efetuada tanto à luz ambiente do mal presente, quanto à luz da meta eterna da perfeição do destino divino.
180:5.11 (1950.6) E assim devemos claramente reconhecer que nem a regra de ouro, nem o ensinamento da não-resistência podem jamais ser apropriadamente compreendidos como dogmas ou preceitos. Eles podem ser compreendidos apenas ao serem vividos, ao terem os seus significados realizados na compreensão e interpretação viva do Espírito da Verdade, que dirige o contato, pleno de amor, de um ser humano com outro.
180:5.12 (1951.1) E tudo isso indica claramente a diferença entre a velha religião e a nova. A velha religião ensinava o auto-sacrifício; a nova religião ensina apenas o auto- esquecimento, uma auto-realização maior conjugada a um serviço social de compreensão do universo. A velha religião era motivada pela consciência-medo; o novo evangelho do Reino é dominado pela convicção da verdade, pelo Espírito da Verdade eterna e universal. E nenhuma quantidade de piedade, nem de fidelidade a um credo, pode compensar a ausência, na experiência de vida dos crentes do Reino, daquela amizade espontânea, generosa e sincera que caracteriza os filhos, nascidos pelo espírito, do Deus vivo. Nem a tradição, nem um sistema cerimonial de adoração formal podem reparar a falta da compaixão genuína pelos nossos semelhantes.
180:6.1 (1951.2) Depois que Pedro, Tiago, João e Mateus haviam feito inúmeras perguntas ao Mestre, ele continuou o seu discurso de despedida dizendo: “E afirmo tudo isso diante de vós antes de deixar-vos, com a finalidade de que possais estar preparados para o que virá a vós e a fim de que não caiais em erro sério. As autoridades não ficarão contentes em colocar-vos meramente para fora das sinagogas; eu vos previno de que é chegada a hora em que aqueles que irão matar-vos pensarão estar prestando um serviço a Deus. E todas essas coisas eles farão a vós, e àqueles a quem vós conduzis ao Reino do céu, porque eles não conhecem o Pai. Eles recusaram-se a conhecer o Pai, ao recusarem-se a me receber; e eles recusam- se a me receber, quando eles vos rejeitam, porque tendes mantido o meu novo mandamento de amar-vos uns aos outros como eu próprio vos amei. Estou antecipando essas coisas a vós para que, quando a vossa hora vier, como a minha agora veio, possais estar fortalecidos no conhecimento de que tudo era sabido por mim; e de que o meu espírito estará convosco em todos os vossos sofrimentos pela minha causa e por causa do evangelho. Foi com esse propósito que eu estive falando tão claramente a vós desde o princípio. Eu vos preveni até mesmo de que os adversários de um homem podem estar dentre os da sua própria casa. Embora este evangelho do Reino nunca deixe de trazer uma grande paz à alma do indivíduo que crê, ele não trará paz à Terra até que o homem esteja disposto a crer de todo o coração no meu ensinamento, e a estabelecer a prática de fazer a vontade do Pai como o principal propósito, ao viver a vida mortal.
180:6.2 (1951.3) “Agora que vos estou deixando, vendo que é chegada a hora em que eu devo ir para o Pai, surpreendo-me com o fato de que nenhum de vós me haveis perguntado: Por que nos estás abandonando? Contudo, eu sei que fazeis essas perguntas nos vossos corações. E falarei a vós claramente, como um amigo a outro. É realmente proveitoso para vós que eu me vá. Se eu não for embora, o novo instrutor não poderá vir até os vossos corações. E eu devo despojar-me deste corpo mortal e ser restaurado no meu lugar no alto, antes de poder enviar o espírito instrutor para viver nas vossas almas e guiar os vossos espíritos à verdade. Quando o meu espírito vier residir em vós, ele iluminará a diferença, entre pecado e retidão, e capacitar-vos-á a discernir entre eles, com sabedoria, nos vossos corações.
180:6.3 (1951.4) “Eu ainda tenho muito a esclarecer, mas vós não podeis suportar nada mais, por agora. Todavia, quando vier, o Espírito da Verdade finalmente guiar-vos-á a toda a verdade, ao passardes pelas muitas moradas no universo do meu Pai.
180:6.4 (1951.5) “Esse espírito não falará por si próprio, mas irá declarar-vos aquilo que o Pai revelou ao Filho, mostrando-vos até mesmo as coisas que virão; ele glorificar-me-á como glorifiquei meu Pai. Esse espírito virá de mim e vos revelará a minha verdade. Tudo que o Pai tem sob o Seu domínio agora é meu; e é por isso que eu disse que esse novo instrutor tomaria aquilo que é meu para revelá-lo a vós.
180:6.5 (1952.1) “Muito em breve eu vos deixarei, mas por pouco tempo. E depois disso, quando me virdes novamente, eu estarei já a caminho do Pai e, pois, nem mesmo então me vereis por muito tempo”.
180:6.6 (1952.2) Enquanto Jesus parou por um momento, os apóstolos começaram a conversar uns com os outros: “O que é isso que ele está dizendo a nós? ‘Muito em breve eu vos deixarei’, e ‘Quando me virdes novamente não será por muito tempo, pois eu já estarei a caminho do Pai e, pois, nem mesmo então me vereis por muito tempo’. O que ele quer dizer com esse ‘muito em breve’ e ‘por muito tempo’? Nós não conseguimos compreender o que ele nos está dizendo”.
180:6.7 (1952.3) E, por que soubesse que eles faziam essas perguntas a si próprios, Jesus disse: “Estais perguntando lá dentro de vós sobre o que quis dizer quando afirmei que em breve eu não estaria mais convosco e que, quando me virdes novamente, eu já estarei a caminho do Pai? Eu vos disse claramente que o Filho do Homem deve morrer, mas ele ressuscitará. E, então, como não sabeis o significado das minhas palavras? Inicialmente ficareis tristes, porém, mais tarde, rejubilar- vos-eis junto com muitos dos que compreenderão tais coisas, depois que elas aconteceram. Uma mulher de fato sofre na hora do parto, mas, depois de dar à luz ao seu filho, imediatamente se esquece da angústia perante a alegria de saber que um ser humano nasceu para o mundo. E assim será com a vossa tristeza na hora da minha partida, mas eu vos verei de novo em breve e, então, a vossa tristeza transformar-se-á em júbilo; e, uma nova revelação virá a vós, a da salvação de Deus, que nenhum homem poderá tomar de vós. E todos os mundos serão abençoados com essa mesma revelação da vida de triunfo sobre a morte. Até então vós fizestes todos os vossos pedidos em nome do meu Pai. Quando me virdes novamente, vós podeis pedir em meu nome também, e eu vos ouvirei.
180:6.8 (1952.4) “Aqui na Terra eu vos ensinei por meio de provérbios e falei a vós por parábolas. E o fiz assim porque no espírito sois apenas como crianças, mas a época está chegando em que eu vos falarei claramente a respeito do Pai e do Seu Reino. E eu farei isso porque o próprio Pai vos ama e deseja ser revelado mais plenamente a vós. O homem mortal não pode ver o espírito do Pai; portanto eu vim ao mundo para mostrar o Pai aos vossos olhos de criaturas. Mas, quando tiverdes crescido para tornar-vos perfeitos em espírito, então vereis o Pai”.
180:6.9 (1952.5) Quando os onze ouviram-no falar, eles disseram uns aos outros: “Vede, ele fala claramente a nós. Certamente o Mestre veio de Deus. Mas por que ele diz que deve voltar ao Pai?” E Jesus viu que nem assim eles o haviam compreendido ainda. Esses onze homens não conseguiam escapar das suas idéias, longamente alimentadas dentro do conceito judeu do Messias. Quanto mais eles criam em Jesus como sendo o Messias, mais complicadas tornavam-se essas noções arraigadas a respeito do triunfo material glorioso do Reino na Terra.
O Livro de Urântia
Documento 181
181:0.1 (1953.1) APÓS a conclusão do discurso de despedida, feito aos onze, Jesus conversou informalmente com eles e relatou novamente muitas experiências que lhes diziam respeito como grupo e como indivíduos. Afinal, esses galileus estavam começando a perceber que o seu amigo e instrutor iria abandonálos e, nas suas esperanças, se agarravam à promessa de que, após um curto período de tempo, ele estaria de novo com eles; no entanto, estavam propensos a esquecer que essa visita de volta era também por pouco tempo. Muitos dos apóstolos e principais discípulos realmente pensavam que essa promessa de voltar por um período curto (o curto intervalo entre a ressurreição e a ascensão) indicava que Jesus estava indo embora para uma breve visita ao seu Pai, após a qual, voltaria para estabelecer o Reino. E essa interpretação das palavras de Jesus estava de acordo com as suas crenças preconcebidas, bem como com as suas esperanças ardentes. Desse modo, já que aquelas crenças de toda uma vida e as esperanças de ver os desejos satisfeitos pareciam coincidir, não ficou difícil para eles encontrarem uma interpretação para as palavras do Mestre que justificasse as suas aspirações intensas.
181:0.2 (1953.2) Após haverem analisado o discurso de despedida e de terem começado a assimilá-lo nas suas mentes, Jesus chamou novamente os apóstolos à ordem. e começou a fazer-lhes exortações e dar-lhes os conselhos finais.
181:1.1 (1953.3) Quando os onze tomaram seus assentos, Jesus permaneceu de pé e dirigiu-se a eles: “Permanecendo aqui convosco, na carne, não posso senão atuar apenas como um indivíduo em meio a vós ou no mundo inteiro. Mas, quando houver sido libertado dessa veste de natureza mortal, eu serei capaz de retornar como um espírito que residirá em cada um de vós e em todos os outros crentes deste evangelho do Reino. Desse modo o Filho do Homem tornar-se-á uma encarnação espiritual nas almas de todos os verdadeiros crentes.
181:1.2 (1953.4) “Quando houver voltado para viver em vós e trabalhar por vosso intermédio, poderei conduzir-vos melhor nesta vida e guiar-vos pelas várias moradas na vida futura, no céu dos céus. A vida, na criação eterna do Pai, não é um descanso sem fim, na indolência e sossego egoísta; mas é, antes, uma progressão incessante na graça, na verdade e na glória. Cada uma, entre as várias estações da casa do meu Pai, é um local de permanência para uma vida destinada a preparar- vos para a próxima, que está à frente. E assim os filhos da luz irão, de glória em glória, até alcançarem o estado divino no qual estarão espiritualmente perfeccionados, como o Pai é perfeito em todas as coisas.
181:1.3 (1953.5) “Se quiserdes seguir-me quando eu vos deixar, empreendei vossos esforços mais honestos para viver de acordo com o espírito dos meus ensinamentos e com o ideal da minha vida — fazer a vontade do meu Pai. Fazei isso, em vez de tentar imitar a minha vida natural na carne, como fui, por necessidade, solicitado a viver neste mundo.
181:1.4 (1954.1) “O Pai enviou-me a este mundo, no entanto apenas poucos de vós escolheram receber-me plenamente. Eu irei verter o meu espírito sobre toda a carne; mas nem todos os homens escolherão aceitar e receber esse novo instrutor como guia e conselheiro da alma. Todos que o receberem, entretanto, serão iluminados, purificados e confortados. E esse Espírito da Verdade tornar-se-á, neles, um poço de água viva, fazendo-os crescer para a vida eterna.
181:1.5 (1954.2) “E agora, estando para deixar-vos, eu gostaria de dizer-lhes palavras de conforto. Eu deixo a paz convosco; a minha paz eu dou-a a vós. Faço essas dádivas não como as daria o mundo — medindo-as — , eu dou a cada um de vós tudo o que podeis receber. Que os vossos corações não se perturbem, nem fiquem temerosos. Eu venci o mundo, e em mim todos vós ireis triunfar pela fé. Eu preveni-vos de que o Filho do Homem será morto, mas asseguro-vos de que eu retornarei antes de ir para o Pai, ainda que seja apenas por momentos. E, depois que tiver ascendido ao Pai, eu irei seguramente enviar o novo instrutor para estar convosco e residir nos vossos próprios corações. E, quando virdes tudo isso acontecer, não vos desanimeis, antes acreditai, porquanto de tudo isso sabíeis de antemão. Eu vos amei com um grande afeto, e não gostaria de abandonar-vos, mas é essa a vontade do Pai. A minha hora é chegada.
181:1.6 (1954.3) “Não duvideis de nenhuma dessas verdades, mesmo depois que estiverdes dispersos pelas perseguições e abatidos por causa de muitos sofrimentos. Quando sentirdes que estais sós no mundo, eu saberei do vosso isolamento, do mesmo modo que sabereis dos meus sofrimentos, quando estiverdes dispersos, todos vós, em caminhos diferentes, deixando o Filho do Homem nas mãos dos seus inimigos. Todavia eu nunca estou só; o Pai está sempre comigo. Mesmo em uma hora como esta, eu orarei por vós. E essas coisas todas eu as disse a vós para que possais ter paz e tê-la mais abundantemente. Neste mundo vós tereis tribulações, mas tendes coragem e alegria; eu triunfei no mundo e vos mostrei o caminho do júbilo e do serviço eterno”.
181:1.7 (1954.4) Jesus dá a paz àqueles que junto com ele fazem a vontade de Deus; esta paz, porém, não é da ordem das alegrias e satisfações deste mundo material. Os materialistas descrentes e os fatalistas apenas podem esperar gozar de duas espécies de paz e de conforto de alma: ou eles devem ser estóicos, possuídos de uma determinação de enfrentar, com uma resolução inquebrantável, o inevitável, e de resistir ao pior; ou devem ser otimistas, abandonando-se sempre à esperança que brota eternamente do peito humano, aspirando em vão ter uma paz que nunca realmente virá.
181:1.8 (1954.5) Uma certa quantidade de estoicismo e de otimismo é útil para viver a vida na Terra, mas nenhum dos dois nada tem a ver com aquela paz esplêndida que o Filho de Deus confere aos seus irmãos na carne. A paz que Michael dá aos seus filhos na Terra é aquela mesma paz que preencheu a sua própria alma quando ele próprio viveu a vida mortal na carne e neste mesmo mundo. A paz de Jesus é o júbilo e a satisfação de um indivíduo, conhecedor de Deus, que alcançou o triunfo de aprender plenamente como fazer a vontade de Deus, enquanto vivia a sua vida mortal na carne. A paz da mente de Jesus funda-se em uma fé humana absoluta na realidade do cuidado sábio e compassivo do Pai divino. Jesus teve dificuldades na Terra, foi até mesmo chamado impropriamente de “homem dos sofrimentos”, mas, em todas essas experiências, ele desfrutou do conforto daquela confiança que sempre lhe deu o poder de continuar com o seu propósito de vida, na certeza plena de que estava realizando a vontade do Pai.
181:1.9 (1954.6) Jesus foi determinado, persistente e profundamente devotado à realização da sua missão, mas não foi um estóico insensível e endurecido; ele sempre buscou os aspectos mais positivos das experiências da sua vida, contudo ele não foi um otimista cego que se enganava. O Mestre sabia de tudo o que o esperava, e era destemido. Após ter outorgado essa paz a cada um dos seus seguidores, ele podia dizer consistentemente: “Não deixe o teu coração perturbar-se, nem te deixe amedrontar”.
181:1.10 (1955.1) A paz de Jesus é, então, a paz e a firmeza de um filho que crê plenamente que a sua carreira pelo tempo e pela eternidade está segura e inteiramente sob os cuidados e a guarda de um espírito-Pai Todo-sábio, Todo-amoroso e Todo-Poderoso. E esta é, de fato, uma paz que transcende à compreensão da mente mortal, mas que pode ser gozada plenamente pelo coração humano crente.
181:2.1 (1955.2) O Mestre havia terminado de dar as suas instruções de despedida e de fazer as suas exortações finais aos apóstolos como um grupo. E então ele tratou de despedir-se individualmente e de dar a cada um uma palavra de conselho pessoal, junto com a sua bênção de despedida. Os apóstolos estavam ainda sentados à mesa, como quando inicialmente eles sentaram-se para compartilhar a Última Ceia e, à medida que o Mestre ia contornando a mesa e falando com eles, cada um punha-se de pé quando Jesus dirigia-se a ele.
181:2.2 (1955.3) A João, Jesus disse: “Tu, João, és o mais jovem dos meus irmãos. Tens estado muito próximo de mim e te amo com o mesmo amor que um pai tem para com os filhos; além de tudo, foste designado por André para ser um dos três que deveriam sempre estar perto de mim. E tens atuado por mim e deves continuar a atuar assim, em muitas questões que concernem à minha família terrena. E vou para o Pai, João, tendo a confiança plena de que continuarás a velar por aqueles que são os meus na carne. Vela para que a confusão atual deles a respeito da minha missão não impeça de nenhum modo que lhes estendas toda a simpatia, conselho e ajuda, como sabes que eu faria se fosse permanecer na carne. E, quando todos eles chegarem a ver a luz e entrarem integralmente no Reino, ainda que todos vós dêem jubilosas boas-vindas a eles, eu dependo de ti, João, para dar-lhes as boas-vindas por mim.
181:2.3 (1955.4) “E agora, ao entrar nas horas finais da minha carreira terrena, que tu permaneças por perto e disponível para que eu possa deixar contigo qualquer mensagem para a minha família terrena. No que diz respeito à obra colocada nas minhas mãos pelo Pai, agora ela se dá por terminada, exceto pela minha morte na carne; mas estou pronto para beber desse último cálice. Porém, quanto às responsabilidades passadas a mim por José, meu pai terreno, eu as tenho cumprido durante a minha vida, no entanto, devo depender de ti para atuar em meu lugar nessas questões. E te escolhi para fazer isso por mim, João, porque és o mais jovem e, sendo assim, viverá mais do que os outros apóstolos.
181:2.4 (1955.5) “Certa vez nós chamamos a ti e ao teu irmão de filhos do trovão. Tu começaste conosco muito autoritário e intolerante, mas mudaste bastante desde que quiseste que eu fizesse descer o fogo sobre as cabeças de descrentes impensados e ignorantes. E tu deves mudar ainda mais. Deverias transformar-te no apóstolo do novo mandamento que eu vos dei esta noite. Dedica a tua vida a ensinar aos teus irmãos a amarem-se mutuamente, como eu os amei”.
181:2.5 (1955.6) João Zebedeu permanecia na sala superior, com as lágrimas rolando pelo rosto e, olhando para o rosto do Mestre, então ele disse: “E assim eu farei, meu Mestre, mas como posso aprender a amar mais os meus irmãos?” E então Jesus respondeu: “Tu aprenderás a amar mais os teus irmãos quando conseguires aprender a amar mais o Pai no céu e após te haveres tornado realmente mais interessado no bem-estar deles, no tempo, assim como na eternidade. E todo esse interesse humano fica assegurado pela compaixão compreensiva, pelo serviço desinteressado e o perdão irrestrito. Nenhum homem deveria desdenhar-te pela tua juventude, e exorto-te a dar sempre a devida consideração ao fato de que a idade muitas vezes representa experiência, e que nada nos assuntos humanos pode tomar o lugar da experiência real. Esforça-te para conviver pacificamente junto com todos os homens, especialmente os teus amigos, na fraternidade do Reino celeste. E, João, lembra-te sempre, não lutes tanto com as almas que gostarias de ganhar para o Reino”.
181:2.6 (1956.1) E então o Mestre, contornando o próprio assento, parou um momento ao lado do lugar de Judas Iscariotes. Os apóstolos ficaram muito surpresos de que Judas não tivesse voltado antes, e estavam bastante curiosos para descobrir o significado do semblante triste de Jesus, enquanto ele permaneceu diante do assento vago do traidor. Mas nenhum deles, exceto, possivelmente, André, tinha a mais leve idéia de que o tesoureiro deles havia saído para trair o seu Mestre, como mais cedo naquela tarde e durante a ceia Jesus sugerira-lhes. Tantas coisas estavam acontecendo que, naquele momento, eles haviam-se esquecido completamente do anúncio feito pelo Mestre de que um deles iria traí-lo.
181:2.7 (1956.2) Nesse momento, Jesus foi até onde estava Simão zelote, que se levantou para ouvir esta exortação: “Tu és um verdadeiro filho de Abraão, mas quanto tempo eu gastei tentando fazer de ti um filho deste Reino celeste. Eu amo a ti e a todos os teus irmãos também. Sei que tu me amas, Simão, e também que amas ao Reino, mas ainda estás determinado a fazer este Reino vir de acordo com o teu desejo. Sei muito bem que irás finalmente captar a natureza espiritual e o significado do meu evangelho, e que irás fazer um trabalho valente na proclamação dele, mas fico angustiado com o que pode acontecer a ti quando eu partir. Gostaria de me regozijar de saber que não irias hesitar; e ficaria feliz se pudesse saber que, depois que eu for para o Pai, tu não deixarias de ser meu apóstolo, e que irias comportar-te aceitavelmente como um embaixador do Reino celeste”.
181:2.8 (1956.3) Mal Jesus acabou de falar a Simão zelote, quando o patriota ardente, secando os seus olhos, replicou: “Mestre, não tenhas nenhum temor pela minha lealdade. Eu dei as minhas costas a tudo aquilo a que eu pudesse dedicar na minha vida para o estabelecimento do teu Reino na Terra, e não hesitarei. Tenho sobrevivido a todos os desapontamentos até agora, e não te abandonarei”.
181:2.9 (1956.4) E, então, colocando sua mão no ombro de Simão, Jesus disse: “De fato, é reanimador ouvir-te falar assim, especialmente em um momento como este; mas, meu bom amigo, tu ainda não sabes do que estás falando. Nem por um momento, eu duvidaria da tua lealdade e da tua devoção; sei que não hesitarias em continuar na batalha e morrer por mim, como todos os outros também (eles acenaram em uma aprovação vigorosa), mas isso não será exigido de vós. E, repetidamente, tenho-te dito que o meu Reino não é deste mundo e que os meus discípulos não terão de lutar para que ele seja estabelecido. Eu te disse isso muitas vezes, Simão, mas te recusas a enfrentar a verdade. Não me preocupo com a tua lealdade a mim e ao Reino; estou, sim, preocupado com o que irás fazer quando eu me for pois, afinal, te despertarás para a compreensão de que não captaste o significado dos meus ensinamentos e de que deves ajustar as tuas concepções erradas à realidade de uma ordem mais espiritual de assuntos do Reino?”
181:2.10 (1956.5) Simão queria falar ainda mais, mas Jesus levantou a sua mão e, refreando- o, continuou a dizer: “Nenhum dos meus apóstolos é mais sincero e honesto de coração do que tu, e nenhum deles ficará tão perturbado e desalentado como tu, após a minha partida. Durante todo o teu desencorajamento, o meu espírito residirá dentro de ti, e os teus irmãos não te abandonarão. Não te esqueças daquilo que te ensinei a respeito da relação entre a cidadania na Terra e a filiação ao Reino espiritual do Pai. Pondera bem sobre tudo o que eu te disse quanto a dar a César as coisas que são de César e a Deus aquilo que é de Deus. Dedica a tua vida, Simão, a mostrar quão aceitavelmente o homem mortal pode cumprir a minha injunção a respeito do reconhecimento simultâneo do dever temporal aos poderes civis e do serviço espiritual na irmandade do Reino. Se fores instruído pelo Espírito da Verdade, nunca haverá conflito entre as exigências da cidadania na Terra e a filiação ao céu, a menos que os dirigentes temporais presumam exigir de ti a homenagem e o culto que pertencem a Deus.
181:2.11 (1957.1) “E agora, Simão, quando finalmente vires tudo isso, e depois que te vires livre da tua depressão e tiveres saído para proclamar este evangelho, com um grande poder, nunca te esqueças de que eu estive contigo, mesmo durante os teus momentos de desencorajamento, e que eu irei contigo até o fim mesmo. Tu serás meu apóstolo para sempre; e depois que te tornares disposto a ver com os olhos do espírito e estiveres mais disposto a submeter a tua vontade à vontade do Pai no céu, então tu voltarás a trabalhar como meu embaixador e ninguém tirará de ti, por causa da tua lentidão em compreender as verdades que eu te ensinei, a autoridade que eu te conferi. E assim, Simão, uma vez mais eu te previno de que aqueles que lutam com a espada perecem pela espada, enquanto aqueles que trabalham com o espírito alcançam a vida eterna no Reino vindouro, com júbilo e paz no Reino em que estão agora. E quando o serviço, colocado nas tuas mãos, terminar na Terra, Simão, sentar-te-ás comigo no meu Reino. Realmente tu verás o Reino almejado, mas não nesta vida. Continua a crer em mim e naquilo que revelei a ti, e receberás a dádiva da vida eterna”.
181:2.12 (1957.2) Depois que acabou de dizer isso a Simão zelote, Jesus encaminhou-se até Mateus Levi e falou: “Não mais recairá sobre ti a tarefa de prover o tesouro do grupo apostólico. Em breve, muito em breve, todos vós estareis dispersos; não vos será permitido desfrutar da ligação confortante e encorajadora com nenhum dos vossos irmãos. À medida que fordes pregando este evangelho do Reino, tereis de encontrar novos colaboradores para vós. Eu vos enviei dois a dois durante os tempos do vosso aperfeiçoamento, mas agora que vos estou deixando, após haverdes recuperado do choque, saireis sozinhos, e até os confins da Terra, proclamando as boas-novas que declaram: Os mortais vivificados pela fé são os filhos de Deus”.
181:2.13 (1957.3) E então Mateus falou: “Mas, Mestre, quem nos enviará, e como saberemos aonde ir? Será que André nos mostrará o caminho?” E Jesus respondeu: “Não, Levi, André não mais vos dirigirá na proclamação do evangelho. Ele irá, na verdade, continuar como vosso amigo e conselheiro até aquele dia em que o novo instrutor vier e, então, o Espírito da Verdade conduzirá cada um de vós pelo mundo a fim de que trabalheis para a expansão do Reino. Passaste por muitas mudanças, desde aquele dia na aduana, em que tu primeiro decidiste seguir-me; mas muitas mais devem acontecer-te antes de te fazeres capaz de ter a visão de uma irmandade na qual os gentios assentam-se ao lado dos judeus em uma ligação fraternal. Mas sai e, com o teu ímpeto, vai ganhar os teus irmãos judeus até ficares satisfeito plenamente e, então, volta-te com força aos gentios. De uma coisa podes estar certo, Levi: Tu ganhaste a confiança e o afeto dos teus irmãos; eles todos te amam”. (E todos os dez acenaram com a sua aquiescência às palavras do Mestre.)
181:2.14 (1958.1) “Levi, muito eu sei sobre tuas ansiedades, sacrifícios e lidas para manter o tesouro repleto, mas, de tudo isso os teus irmãos não sabem; e me rejubilo de que, embora aquele que leve a bolsa esteja ausente, o embaixador publicano está aqui, na minha reunião de despedida com os mensageiros do Reino. Oro para que possas discernir o significado do meu ensinamento, com os olhos do espírito. E, quando o novo instrutor chegar ao teu coração, faça como ele te indicar e deixa que os teus irmãos vejam — e todo o mundo mesmo — o que o Pai pode fazer por um coletor de impostos, odiado, que ousou seguir o Filho do Homem e acreditar no evangelho do Reino. Desde o princípio, Levi, te amei como estimei esses outros galileus. Sabendo, então, muito bem, que nem o Pai nem o Filho fazem acepção de pessoas, zela para que não faças nenhuma distinção entre aqueles que se tornam crentes no evangelho por intermédio da tua ministração. E assim, Mateus, dedica toda a tua vida de serviço futuro a mostrar a todos os homens que Deus não tem preferência por pessoas; que, aos olhos de Deus e na fraternidade do Reino, todos os homens são iguais, todos os crentes são filhos de Deus”.
181:2.15 (1958.2) Então, andando até onde estava Tiago Zebedeu, o qual ficou de pé, em silêncio, Jesus disse: “Tiago, quando viestes, tu e o teu irmão mais jovem, até a mim, buscando a preferência nas honras do Reino, eu disse que tais honras eram para o Pai conceder e perguntei se seríeis capazes de beber do meu cálice, ambos responderam que o seriam. Ainda que não fôsseis capazes então, e se ainda não fordes capazes agora, em breve, estareis preparados para tal serviço, pela experiência que estais por passar. Com esse comportamento deixastes os vossos irmãos enraivecidos naquele momento. Se eles ainda não vos houverem perdoado plenamente, eles o farão quando virem que bebereis do meu cálice. Seja a tua ministração longa ou breve, mantém a tua alma paciente. Quando o novo instrutor vier, deixa que ele te ensine o equilíbrio da compaixão e a tolerância de simpatia que nasce da sublime confiança em mim e da submissão perfeita à vontade do Pai. Dedica a tua vida a demonstrar o afeto humano combinado à dignidade divina do discípulo conhecedor de Deus e crente no Filho. E todos que viverem assim revelarão o evangelho, até mesmo pela sua maneira de morrer. Tu e o teu irmão, João, tomareis caminhos diferentes, e um de vós pode assentar-se comigo no Reino eterno muito antes do outro. De muita ajuda seria para ti se tu aprendesses que a verdadeira sabedoria abrange a prudência do discernimento tanto quanto a coragem. Tu deverias aprender a ser sagaz para conviver bem com a tua agressividade. Aproximam-se aqueles momentos supremos nos quais os meus discípulos não hesitarão em dar as suas vidas por este evangelho, mas em todas as circunstâncias comuns seria muito melhor aplacar a ira dos descrentes, para que possais todos viver e continuar a pregar as boas- novas. À medida que estiver ao teu alcance, vive longamente na Terra para que essa vida de muitos anos possa ser cheia de frutos em almas conquistadas para o Reino do céu”.
181:2.16 (1958.3) Depois que o Mestre terminou a sua fala a Tiago Zebedeu, ele contornou a mesa até o fim, onde André estava sentado e, olhando o seu fiel ajudante nos olhos, Jesus disse: “André, tu me tens representado fielmente como o dirigente atuante dos embaixadores do Reino do céu. Embora algumas vezes hajas duvidado e outras vezes manifestado uma timidez perigosa, ainda assim, tens sempre sido sinceramente justo e eminentemente equânime para com os teus companheiros. Desde a tua ordenação e a dos teus irmãos, como mensageiros do Reino, tu tens sido auto-suficiente e autônomo; todas as decisões administrativas para o grupo foram tuas, exceto a tua designação, como dirigente desses homens escolhidos, que foi feita por mim. Em nenhuma outra questão temporal eu atuei no sentido de dirigir ou de influenciar as tuas decisões. E essa escolha eu a fiz com a finalidade de prover a liderança em todas as deliberações grupais subseqüentes. No meu universo e no universo dos universos, do meu Pai, os nossos irmãos-filhos são tratados como indivíduos, em todas as suas relações espirituais, mas em todas as relações grupais nós provemos infalivelmente uma liderança definida. O nosso Reino é um domínio de ordem, e, onde duas ou mais criaturas de vontade atuam, em cooperação, há sempre que ser providenciada a autoridade da liderança.
181:2.17 (1959.1) “E agora, André, por seres o dirigente dos teus irmãos com a autoridade de uma designação feita por mim, porque tens servido assim, como o meu representante pessoal, e como me encontro na iminência de deixar-vos e voltar para o meu Pai, libero-te de toda responsabilidade que diga respeito a esses assuntos temporais e administrativos. De agora em diante só poderás exercer jurisdição sobre os teus irmãos naquilo que houver sido conquistado pela tua capacidade como líder espiritual, e que os teus irmãos reconheçam livremente. Desse momento em diante tu não podes exercer nenhuma autoridade sobre os teus irmãos, a menos que eles restaurem essa jurisdição, passando-a a ti, por meio de uma ação legislativa definida, depois que eu tiver ido para o Pai. Mas, essa liberação da responsabilidade, como dirigente administrativo desse grupo, não diminui de nenhum modo a tua responsabilidade moral de fazer tudo o que estiver ao teu alcance para manter os teus irmãos juntos, de pulso firme e amoroso, durante os tempos de provação que estão pela frente; aqueles dias que estarão entre a minha partida na carne e o envio do novo instrutor que irá viver nos vossos corações, e que afinal vos conduzirá a toda verdade. Enquanto me preparo para deixar-vos, eu gostaria de liberar-te de toda responsabilidade administrativa que teve o seu começo e autoridade na minha presença, como um entre todos. Doravante eu irei exercer a autoridade apenas espiritual sobre vós e entre vós.
181:2.18 (1959.2) “Se os teus irmãos desejarem manter-te como conselheiro deles, eu te instruo que deverias, em todas as questões temporais e espirituais, fazer o melhor para promover a paz e harmonia entre os vários grupos de crentes sinceros do evangelho. Dedica o restante da tua vida a promover os aspectos práticos do amor fraterno entre os teus irmãos. Sê bom para os meus irmãos na carne quando eles vierem a crer plenamente neste evangelho; manifesta devoção amorosa e imparcial aos gregos no oeste e a Abner no leste. Já que esses meus apóstolos logo irão, todos, estar espalhados por várias regiões da Terra, para proclamarem as boas- novas do evangelho da salvação pela filiação a Deus, tu deves mantê-los juntos, durante os tempos de provações que temos pela frente, durante aquele período de testes intensos no qual tu deves aprender a crer neste evangelho sem a minha presença pessoal, enquanto pacientemente esperas a chegada do novo instrutor, o Espírito da Verdade. E assim, André, embora possa não caber a ti fazer as grandes obras, como vistas pelos homens, fica contente de seres tu o instrutor e conselheiro daqueles que fazem tais coisas. Prossegue com a tua obra na Terra até o fim, e então irás continuar essa ministração no Reino eterno, pois não tenho eu dito muitas vezes a ti que possuo outras ovelhas que não são deste aprisco?”
181:2.19 (1959.3) Jesus então se dirigiu aos gêmeos Alfeus e, de pé entre eles, disse: “Meus filhinhos, sois um dos três grupos de irmãos que escolheram seguir-me. Todos os seis fizeram bem ao trabalharem em paz junto com os da mesma carne e sangue, mas ninguém o fez melhor do que vós. Tempos difíceis estão à nossa frente. Podeis não compreender tudo o que sobrevirá a vós e vossos irmãos, mas nunca duvideis de que fostes chamados, um dia, para a obra do Reino. Durante algum tempo não haverá multidões para administrar, mas não vos desencorajeis; quando o trabalho da vossa vida tiver acabado; eu vos receberei no alto, onde, na glória, contareis sobre a vossa salvação às hostes seráficas e ao grande número de altos Filhos de Deus. Dedicai as vossas vidas ao engrandecimento do trabalho pesado comum. Mostrai a todos os homens na Terra e aos anjos do céu quão alegre e corajosamente pode o homem mortal, após haver sido chamado por um bom tempo a trabalhar no serviço especial de Deus, retornar aos trabalhos dos dias anteriores. Caso, agora, o vosso trabalho com os assuntos exteriores do Reino tenha chegado ao fim, deveis voltar à vossa faina anterior com o esclarecimento novo da experiência da filiação a Deus e com a compreensão elevada de que, para aquele que conhece a Deus, não existem coisas tais como um trabalho banal e a faina secular. Para vós, que trabalhastes comigo, todas as coisas tornaram-se sagradas, e toda a lida terrena tornou-se um serviço mesmo a Deus, o Pai. E quando ouvirdes os novos feitos dos vossos antigos companheiros apostólicos, rejubilai com eles e continuai o vosso trabalho cotidiano como aqueles que aguardam a Deus e servem enquanto esperam. Vós tendes sido os meus apóstolos e sempre sereis; e eu me lembrarei de vós no Reino que virá”.
181:2.20 (1960.1) E então Jesus encaminhou-se até Filipe, que levantou-se para ouvir esta mensagem do seu Mestre: “Filipe, tu me fizeste muitas perguntas tolas, mas eu empenhei-me em responder a todas elas, e agora eu gostaria de responder à última das indagações que surgiram na tua mente honestíssima, mas ainda não-espiritual. Em todo esse tempo que levei para contornar a mesa e chegar a ti, tu tens estado a perguntar a ti próprio: ‘O que farei se o Mestre for embora e nos deixar sozinhos no mundo?’Oh, quão pouca fé tens! E tu tens ainda tanta fé quanto muitos dos teus irmãos. Foste um bom intendente, Filipe. As tuas falhas foram raras, e uma delas nós a utilizamos para manifestar a glória do Pai. A tua função de intendente está praticamente terminada. Deves, em breve, fazer mais plenamente o trabalho para o qual foste chamado a fazer — a pregação deste evangelho do Reino. Filipe, tu sempre quiseste que as coisas te fossem mostradas, e muito em breve tu verás grandes coisas. Muito melhor seria se tu tivesses visto tudo isso pela fé, mas por teres sido sincero, mesmo com a tua visão material, tu viverás para ver as minhas palavras serem cumpridas. E então, quando fores abençoado com a visão espiritual, vai adiante com o teu trabalho, dedicando a tua vida à causa de guiar a humanidade na busca de Deus e das realidades eternas, com o olho da fé espiritual e não com os olhos da mente material. Lembra-te, Filipe, tu tens uma grande missão na Terra, pois o mundo está cheio daqueles que olham para a vida exatamente como tu tinhas a tendência de olhar. Tens uma grande obra a fazer e, quando ela estiver completa na fé, tu virás a mim no meu Reino, e eu terei um grande prazer em mostrar-te aquilo que o olho não viu, nem escutou o ouvido, nem a mente mortal concebeu. Nesse meio tempo, seja como uma criança pequena no Reino do espírito e permite-me, por meio do espírito do novo instrutor, guiar-te para a frente no Reino espiritual. E, desse modo, eu serei capaz de fazer por ti muito daquilo que eu não fui capaz de realizar enquanto permaneci contigo como um mortal deste reino. E lembra-te sempre, Filipe, aquele que tiver visto a mim terá visto o Pai”.
181:2.21 (1960.2) Então o Mestre foi a Natanael. Quando Natanael levantou-se, Jesus pediu-lhe que se sentasse e, sentando-se a seu lado, disse Jesus: “Natanael, tu aprendeste a viver acima do preconceito e praticar uma tolerância maior, desde que te tornaste meu apóstolo. Mas há muito mais que deves aprender. Tens sido uma bênção para os teus companheiros, pois eles sempre foram aconselhados pela tua sinceridade firme e coerente. Quando eu tiver ido, pode ser que a tua franqueza te impeça de ter um bom relacionamento com os teus irmãos, tanto os antigos quanto os novos. Deves aprender que, mesmo a expressão de um bom pensamento, deve ser modulada de acordo com o status intelectual e o desenvolvimento espiritual do ouvinte. A sinceridade é muito útil na obra do Reino, quando se faz aliada à prudência do discernimento.
181:2.22 (1961.1) “Se quiseres aprender a trabalhar com os teus irmãos, poderás realizar coisas mais permanentes, entretanto, se saíres à procura daqueles que pensam como tu, dedica a tua vida a provar que o discípulo que sabe de Deus pode tornar-se um edificador do Reino, ainda que esteja só no mundo e totalmente isolado dos seus companheiros crentes. Sei que tu serás fiel até o fim, e algum dia eu dar-te-ei as boas-vindas, ao serviço engrandecido do meu Reino, no alto”.
181:2.23 (1961.2) Então Natanael falou, fazendo esta pergunta a Jesus: “Tenho ouvido ao teu ensinamento desde a primeira vez que me chamaste para o serviço deste Reino, todavia, honestamente eu não posso compreender o significado pleno de tudo o que nos dizes. Não sei o que esperar em seguida, e penso que a maior parte dos meus irmãos está também perplexa, mas eles hesitam em confessar a sua confusão. Podes ajudar-me?” Jesus, colocando a sua mão no ombro de Natanael, disse: “Meu amigo, não é estranho que fiques perplexo na tentativa de captar o significado dos meus ensinamentos espirituais, já que és tão limitado pelos teus preconcebimentos da tradição judaica, e tão confundido pela tua tendência persistente de interpretar o meu evangelho de acordo com os ensinamentos dos escribas e dos fariseus.
181:2.24 (1961.3) “E muito te ensinei por meio da palavra pessoal, e passei a minha vida entre vós. Fiz tudo o que pode ser feito para esclarecer as vossas mentes e liberar as vossas almas, e o que tu não fostes capaz de apreender dos meus ensinamentos e da minha vida deveis preparar-te para agora adquirir das mãos deste mestre de todos os instrutores — a experiência factual. E eu te precederei em toda essa nova experiência que te aguarda, e o Espírito da Verdade estará contigo. Não temas; o que não conseguires compreender, o novo instrutor, quando vier, revelará a ti durante o resto da tua vida na Terra e durante a tua reeducação nas idades eternas”.
181:2.25 (1961.4) E então o Mestre, voltando-se para todos eles, disse: “Não vos desanimeis porque deixastes de captar o significado pleno do evangelho. Vós sois apenas homens finitos, mortais, e aquilo que eu vos ensinei é infinito, divino e eterno. Sede pacientes e tende coragem, pois tendes as idades eternas diante de vós, e nelas podereis continuar a vossa realização da experiência progressiva, de tornar-vos perfeitos, como o vosso Pai no Paraíso é perfeito”.
181:2.26 (1961.5) E então Jesus dirigiu-se para junto de Tomé, que, levantando-se, ouviu-o dizer: “Tomé, a fé tem faltado-te com freqüência; contudo, quando tiveste os teus momentos de dúvida, nunca a coragem te faltou. Eu sei muito bem que os falsos profetas e os instrutores espúrios não te enganarão. Depois que eu tiver ido, os teus irmãos irão apreciar mais o teu modo crítico de ver os ensinamentos novos. E, quando estiverem todos espalhados até os confins da Terra, nos tempos que virão, lembra-te de que ainda és meu embaixador. Dedica a tua vida à grande obra de mostrar como a crítica da mente material do homem pode triunfar sobre a inércia da dúvida intelectual, frente à demonstração da manifestação da verdade viva. Essa mesma verdade viva que atua na experiência dos homens e mulheres nascidos do espírito, e que produz os frutos do espírito nas vidas deles, fazendo-os amarem-se mutuamente, como eu vos tenho amado. Tomé, estou contente de que te tenhas unido a nós e sei que, após um curto período de perplexidade, continuarás no serviço do Reino. As tuas dúvidas têm deixado os teus irmãos perplexos, mas elas nunca perturbaram a mim. Tenho confiança em ti e preceder-te-ei mesmo nos confins da Terra”.
181:2.27 (1962.1) Então o Mestre prosseguiu até onde estava Simão Pedro, que se levantou enquanto Jesus dirigia-se a ele: “Pedro, sei que me amas, e que dedicarás a vida à proclamação pública deste evangelho do Reino, tanto a judeus quanto a gentios, no entanto, fico angustiado com o fato de que os teus anos de contato tão íntimo comigo não te ajudaram a pensar mais, antes de falar. Por qual experiência deves passar antes de aprenderes a colocar uma vigilância nos próprios lábios? Quantos problemas não nos trouxeste com as tuas palavras impensadas e com a tua autoconfiança presunçosa! E tu estás destinado a trazer muito mais complicações ainda para ti mesmo, se não dominares essa fragilidade. Sabes que os teus irmãos te amam a despeito dessa fraqueza. E deverias também compreender que esse defeito, de nenhum modo, prejudica a minha afeição por ti, mas ele diminui a tua utilidade e não deixa de trazer complicações para ti. Mas irás sem dúvida receber uma grande ajuda da experiência que terás a partir mesmo desta noite. E o que eu agora te digo, Simão Pedro, do mesmo modo eu digo a todos os teus irmãos aqui reunidos: Nesta noite todos vós correreis um grande perigo de tropeçar por minha causa. Sabeis que está escrito: ‘O pastor será golpeado, e as ovelhas dispersadas’. Quando eu estiver ausente, haverá um grande perigo de que alguns de vós sucumbais às dúvidas e tropeceis em vista daquilo que sobrevirá a mim. Mas eu prometo-vos agora que voltarei a vós por um breve momento, e que então eu estarei diante de vós na Galiléia”.
181:2.28 (1962.2) Então Pedro disse, colocando a sua mão no ombro de Jesus: “Não importa que todos os meus irmãos sucumbam às dúvidas por tua causa, eu prometo que não tropeçarei em qualquer coisa que possas fazer. Irei contigo e, se for necessário, morrerei por ti”.
181:2.29 (1962.3) Enquanto Pedro permanecia diante do seu Mestre, todo trêmulo, com a emoção intensa e transbordante de amor verdadeiro por ele, Jesus olhou diretamente dentro dos seus olhos molhados e disse: “Pedro, em verdade, em verdade, te digo que nesta noite o galo não cantará antes que tu me tenhas negado três ou quatro vezes. E, assim, o que não conseguiste aprender de uma ligação pacífica comigo, tu irás aprender por meio de muita complicação e muitos sofrimentos. E, depois que houveres realmente aprendido essa lição imprescindível, deverias fortalecer os teus irmãos e continuar levando uma vida dedicada a pregar este evangelho, embora possas ir para a prisão, e, talvez, seguir-me e pagar o preço supremo pelo serviço de amor na edificação do Reino do Pai.
181:2.30 (1962.4) “Mas lembra-te da minha promessa: Quando eu ressuscitar, permanecerei convosco algum tempo antes de ir para o Pai. E, nessa mesma noite, eu farei uma súplica ao Pai para que fortaleça cada um de vós para aquilo por que devereis agora tão em breve passar. Eu vos amo a todos, com o amor com que o Pai me ama e, portanto, deveríeis doravante amar-vos uns aos outros como eu vos amei.”
181:2.31 (1962.5) E por fim, depois de cantarem um hino, eles partiram para o acampamento no monte das Oliveiras.
O Livro de Urântia
Documento 182
182:0.1 (1963.1) ERAM por volta das dez horas dessa quinta-feira quando Jesus conduziu os onze apóstolos saindo da casa de Elias e Maria Marcos, pelo caminho de volta ao acampamento do Getsêmani. Desde aquele dia nas colinas, João Marcos tomara como seu o dever de manter Jesus sempre à vista. João, quando estava precisando dormir, havia conseguido várias horas de descanso durante o intervalo em que o Mestre esteve com os seus apóstolos na sala superior, mas, ao ouvi-los descendo para o andar debaixo, ele levantou-se e, jogando rapidamente sobre si um manto de linho, seguiu-os pela cidade, passando pelo riacho Cedrom, e prosseguindo até o seu acampamento particular, adjacente ao parque do Getsêmani. E João Marcos permaneceu tão perto do Mestre durante essa noite e no dia seguinte, que testemunhou tudo e ouviu grande parte do que o Mestre disse, desde esse momento até a hora da crucificação.
182:0.2 (1963.2) Enquanto Jesus e os onze encontravam-se no caminho de volta ao acampamento, os apóstolos começaram a perguntar-se sobre o significado da ausência prolongada de Judas, e falavam uns com os outros sobre a predição do Mestre de que um deles o trairia e, pela primeira vez, suspeitaram de que nem tudo estava bem com Judas Iscariotes. No entanto, não fizeram nenhum comentário aberto sobre Judas, até que chegaram ao acampamento e observaram que ele não estava lá, à espera para recebê-los. E então todos eles cercaram André para saber o que tinha acontecido a Judas; o dirigente deles apenas observou: “Eu não sei onde Judas está, mas temo que ele nos tenha desertado”.
182:1.1 (1963.3) Poucos momentos depois de chegarem ao acampamento, Jesus disse-lhes: “Meus amigos e irmãos, o tempo que me resta para passar convosco é muito curto, e o meu desejo é que nos isolemos enquanto oramos ao nosso Pai no céu pedindo força para sustentar-nos, nesta hora e daqui por diante, em todo o trabalho que devemos fazer em Seu nome”.
182:1.2 (1963.4) Depois de falar assim, ele seguiu pelo caminho até uma curta distância, subindo o monte das Oliveiras, onde havia uma vista plena de Jerusalém, e pediu-lhes que se ajoelhassem sobre uma rocha grande e espalhada, em volta dele, em um círculo, como haviam feito no dia da ordenação; e, então, enquanto permanecia ali, glorificado no meio deles, sob a luz suave da lua, Jesus levantou os olhos aos céus e orou:
182:1.3 (1963.5) “Pai, é chegada a minha hora; glorifica agora o Teu Filho, para que o Filho possa glorificar-Te. Sei que me deste a autoridade plena sobre todas as criaturas vivas no meu Reino, e eu darei a vida eterna a todos que se tornarem filhos de Deus pela fé. E a vida eterna é que as minhas criaturas Te conheçam como o único Deus verdadeiro e Pai de todos, e que elas acreditem naquele a quem Tu enviaste ao mundo. Pai, eu exaltei-Te na Terra e realizei o trabalho que Tu me deste para fazer. Eu já quase terminei as minhas auto-outorgas junto aos filhos da nossa própria criação; resta-me apenas deixar a minha vida na carne. E agora, ó Pai, glorifica-me com a glória que eu possuía Contigo antes da existência deste mundo e recebe-me uma vez mais à Tua mão direita.
182:1.4 (1964.1) “Eu tenho Te manifestado, Pai, aos homens que escolheste no mundo e me deste. Eles são Teus — como toda vida está nas Tuas mãos — e Tu os deste a mim; e eu vivi entre eles ensinando-lhes o caminho da vida, e eles creram. Esses homens estão aprendendo que tudo o que tenho vem de Ti; e que a vida que vivo na carne é para tornar meu Pai conhecido aos mundos. A verdade que Tu me deste, eu a revelei a eles. E eles, amigos e embaixadores meus, sinceramente dispuseram-se a receber a Tua palavra. Eu disse-lhes que saí de Ti, que Tu me enviaste a este mundo, e que estou na iminência de voltar para Ti. Pai, oro por esses homens escolhidos. E oro para eles, não como oraria pelo mundo, mas como oro por aqueles a quem eu escolhi neste mundo para representar-me, depois que eu houver retornado à Tua obra, como eu mesmo representei-Te neste mundo durante a minha permanência na carne. Esses homens são meus; Tu os deste a mim; todas as coisas que são minhas, todavia, são sempre Tuas, e tudo que era Teu, Tu agora tornaste meu. Tu foste exaltado em mim, agora eu oro para que possa ser honrado nesses homens. Não mais posso ficar neste mundo; estou na iminência de voltar à obra que Tu me entregaste para eu fazer. E devo deixar esses homens aqui para representar- nos e ao nosso Reino entre os homens. Pai, mantém esses homens fiéis, enquanto eu me preparo para deixar esta vida na carne. Ajuda esses amigos meus a serem um em espírito, como somos Um. Enquanto pude estar com eles, cuidei deles e guiei-os, mas agora estou para ir embora. Fica junto a eles, Pai, até que possamos enviar o novo instrutor para confortá-los e fortalecê-los.
182:1.5 (1964.2) “Tu me deste doze homens e os mantive todos, menos um, o filho da vingança, que não quis mais permanecer na nossa fraternidade. Esses homens são fracos e frágeis, mas sei, podemos confiar neles; já os pus à prova, e eles me amam, tanto quanto Te reverenciam. Embora devam sofrer bastante por minha causa, desejo que fiquem cheios pelo júbilo da segurança da filiação ao Reino celeste. A esses homens passei a Tua palavra e ensinei-lhes a verdade. O mundo pode odiá-los, como me odiou, mas não Te peço que os tire do mundo; apenas que os proteja do mal no mundo. Santifica-os na verdade; a Tua palavra é a verdade. E, como me enviaste a este mundo, do mesmo modo estou enviando esses homens ao mundo. Com eles vivi, entre os homens, e consagrei minha vida ao Teu serviço, para que pudesse inspirá-los a ser purificados por meio da verdade que lhes ensinei e por meio do amor que lhes revelei. Bem sei, meu Pai, nem há necessidade de pedir-Te que cuide desses irmãos depois que eu for embora, sei que Tu os amas como eu; mas faço isso para que possam compreender melhor que o Pai ama os homens mortais tanto quanto o Filho os ama.
182:1.6 (1964.3) “E agora, meu Pai, gostaria de fazer uma prece não apenas por esses onze homens, mas também por todos os outros que agora crêem, ou que podem, de agora em diante, vir a crer no evangelho do Reino por meio da palavra futura da Tua ministração. Quero que sejam um, como Tu e eu somos Um. Estás em mim e estou em Ti, e desejo a esses crentes do mesmo modo que estejam em Nós; que os nossos Espíritos, ambos, residam neles. Se os meus filhos forem um, como nós somos Um, se eles se amarem uns aos outros como os tenho amado, então, todos os homens crerão que vim de Ti e ficarão dispostos a receber a revelação da verdade e glória que eu tive. A glória que Tu me deste, eu revelei a esses crentes. Como Tu viveste comigo em espírito, também vivi com eles na carne. Como Tu tens sido Um comigo, também eu tenho sido um com eles; e do mesmo modo o fará o novo instrutor que será sempre um com eles e neles. E tudo isso fiz para que meus irmãos na carne possam saber que o Pai os ama como o Filho os ama, e que Tu os amas como amas a mim. Pai, trabalha comigo para salvar esses crentes, para que eles possam, muito em breve, vir a estar comigo na glória e, então, continuarem até juntarem-se a Ti no abraço do Paraíso. Aqueles que servem comigo na humilhação, eu gostaria de tê-los comigo na glória, de modo que eles possam ver tudo o que Tu colocaste nas minhas mãos como colheita eterna da semente do tempo, à semelhança da carne mortal. Eu aspiro a mostrar aos meus irmãos terrenos a glória que eu tinha Contigo antes do começo deste mundo. Este mundo conhece pouquíssimo de Ti, Pai virtuoso, mas eu Te conheço, e eu tornei-Te conhecido para esses crentes, e eles farão o Teu nome conhecido para outras gerações. E agora eu prometo a eles que Tu estarás com eles no mundo, como Tu estiveste comigo — e que assim seja”.
182:1.7 (1965.1) Os onze permaneceram ajoelhados nesse círculo em volta de Jesus por vários minutos antes de levantarem-se e, em silêncio, tomarem o caminho de volta para o acampamento próximo.
182:1.8 (1965.2) Jesus orou pela unidade entre os seus seguidores, mas ele não desejava a uniformidade. O pecado gera um nível morto de inércia maligna, mas a retidão nutre o espírito criativo da experiência individual nas realidades vivas da verdade eterna e na comunhão progressiva dos espíritos divinos do Pai e do Filho. Na fraternidade espiritual do filho crente com o Pai divino, nunca pode haver intenção com finalidade doutrinária nem consciência sectária de superioridade grupal.
182:1.9 (1965.3) O Mestre, durante o andamento dessa prece final com os seus apóstolos, aludiu ao fato de que ele tinha manifestado o nome do Pai para o mundo. E isso foi verdadeiramente o que ele fez para a revelação de Deus, por meio da sua vida perfeita na carne. O Pai no céu havia procurado revelar-Se a Moisés, mas Ele não pôde ir mais longe do que fazer com que fosse dito: “EU SOU”. E, quando foi pedido que fizesse mais revelações de Si mesmo, ficou apenas revelado: “EU SOU AQUELE QUE SOU”. Mas, quando Jesus terminou a sua vida na Terra, esse nome do Pai havia sido revelado de um modo tal que o Mestre, que era o Pai encarnado, podia dizer em verdade:
182:1.10 (1965.4) Eu sou o pão da vida.
182:1.11 (1965.5) Eu sou a água viva.
182:1.12 (1965.6) Eu sou a luz do mundo.
182:1.13 (1965.7) Eu sou o desejo de todos os tempos.
182:1.14 (1965.8) Eu sou a porta aberta para a salvação eterna.
182:1.15 (1965.9) Eu sou a realidade da vida perpétua.
182:1.16 (1965.10) Eu sou o bom pastor.
182:1.17 (1965.11) Eu sou o caminho da perfeição infinita.
182:1.18 (1965.12) Eu sou a ressurreição e a vida.
182:1.19 (1965.13) Eu sou o segredo da sobrevivência eterna.
182:1.20 (1965.14) Eu sou o caminho, a verdade e a vida.
182:1.21 (1965.15) Eu sou o Pai infinito dos meus filhos finitos.
182:1.22 (1965.16) Eu sou a verdadeira videira; vós sois os ramos.
182:1.23 (1965.17) Eu sou a esperança de todos que conhecem a verdade viva.
182:1.24 (1965.18) Eu sou a ponte viva de um mundo para outro.
182:1.25 (1965.19) Eu sou o elo vivo entre o tempo e a eternidade.
182:1.26 (1965.20) Assim, Jesus ampliou para todas as gerações a revelação viva do nome de Deus. Do mesmo modo que o amor divino revela a natureza de Deus, a verdade eterna desvela o seu nome em proporções sempre crescentes.
182:2.1 (1966.1) Os apóstolos ficaram muito chocados quando voltaram para o acampamento e perceberam a ausência de Judas. Enquanto os onze se encontravam empenhados em uma discussão calorosa sobre o companheiro deles, o apóstolo traidor, Davi Zebedeu e João Marcos levaram Jesus para um lado e revelaram que eles o haviam mantido sob observação por vários dias, e que eles sabiam que ele tinha a intenção de traí-lo, entregando-o nas mãos dos seus inimigos. Jesus ouviu-os e apenas disse: “Meus amigos, nada pode acontecer ao Filho do Homem a menos que seja a vontade do Pai no céu. Que os vossos corações não se perturbem; todas as coisas atuarão juntas para a glória de Deus e para a salvação dos homens”.
182:2.2 (1966.2) A atitude cheia de ânimo de Jesus alterava-se. Com o passar das horas, ele foi ficando mais e mais circunspecto, triste mesmo. Os apóstolos encontravam-se bastante agitados e revelavam-se avessos a retornar para as suas tendas, ainda que o próprio Mestre pedisse-lhes que fizessem isso. Voltando da sua caminhada com Davi e João, ele dirigiu as suas últimas palavras a todos os onze, dizendo: “Meus amigos, ide descansar. Preparai-vos para o trabalho de amanhã. Lembrai- vos de que devemos todos submeter-nos à vontade do Pai no céu. Deixo a minha paz convosco”. E, tendo dito isso, fez um gesto para que eles fossem para as suas tendas, mas, no momento em que estavam saindo, chamou Pedro, Tiago e João, e disse-lhes: “Desejo que fiqueis comigo um pouco mais”.
182:2.3 (1966.3) E, porque estivessem literalmente exaustos, os apóstolos pegaram no sono; desde a chegada deles de Jerusalém, simplesmente não haviam dormido suficientemente. Antes que fossem para os seus alojamentos, Simão zelote levou-os até a sua tenda, onde estocava as espadas e outras armas, e proveu a cada um deles com o equipamento de luta. Exceto Natanael, todos receberam as armas e guarneceram-se com elas. Natanael, ao recusar-se a se armar, disse: “Meus irmãos, o Mestre nos disse repetidas vezes que o seu Reino não é deste mundo, e que os seus discípulos não deveriam lutar com espadas para estabelecê-lo. Eu acredito nisso; não penso que o Mestre necessite de que empreguemos espadas para defendê-lo. Todos vimos já a força do seu poder e sabemos que poderia defender-se contra os seus inimigos se ele assim o desejasse. Se ele não oferece resistência aos seus inimigos, deve ser porque esse procedimento representa a sua tentativa de cumprir a vontade do seu Pai. Eu farei preces, mas não brandirei uma espada”. Quando André ouviu o que Natanael disse, entregou de volta a sua espada a Simão zelote. E assim nove dentre eles continuaram armados quando se separaram naquela noite.
182:2.4 (1966.4) O ressentimento pelo fato de Judas ser um traidor, naquele momento, eclipsou tudo o mais nas mentes dos apóstolos. O comentário do Mestre em relação a Judas, dito durante a última oração, havia-lhes aberto os olhos para a realidade de que ele já os havia abandonado.
182:2.5 (1966.5) Após oito dos apóstolos terem finalmente voltado para as suas tendas e, enquanto Pedro, Tiago e João esperavam para receber as ordens do Mestre, Jesus disse a Davi Zebedeu: “Envia-me o seu mensageiro mais veloz e confiável”. Quando Davi trouxe ao Mestre um certo Jacó, que havia sido mensageiro no serviço noturno, entre Jerusalém e Betsaida, Jesus, dirigindo-se a ele, disse: “Vai a Abner na Filadélfia, com toda a tua rapidez, e diz-lhe: ‘O Mestre envia-vos saudações de paz e diz que a hora é chegada em que ele será entregue nas mãos dos seus inimigos, que o levarão à morte, mas que ele ressuscitará dos mortos e aparecerá a vós, durante pouco tempo, antes de ir para o Pai; e então dará as orientações para a época em que o novo instrutor vier para residir nos vossos corações’”. E, quando Jacó repetiu essa mensagem até que o Mestre se desse por satisfeito, Jesus colocou-o a caminho, dizendo: “Não temas o que algum homem possa fazer a ti, Jacó, pois nessa noite um mensageiro invisível correrá ao seu lado”.
182:2.6 (1967.1) Então Jesus voltou-se para o dirigente dos gregos visitantes, acampados com eles, e disse: “Meu irmão, não te perturbes com o que está para acontecer, pois disso eu já te preveni. O Filho do Homem será levado à morte, sob a instigação dos seus inimigos, o dirigente dos sacerdotes e os dirigentes dos judeus, mas eu ressuscitarei para estar convosco durante um curto espaço de tempo antes de ir para o Pai. E, quando tu tiveres visto tudo isso acontecer, glorifica a Deus e dá forças aos teus irmãos”.
182:2.7 (1967.2) Em circunstâncias comuns os apóstolos teriam dado ao Mestre um boa-noite pessoal, mas nessa noite eles estavam tão preocupados com o acontecimento súbito da deserção de Judas e tão aturdidos com a natureza inusitada da oração de despedida do Mestre, que ouviram a sua saudação de despedida e foram embora em silêncio.
182:2.8 (1967.3) E, nessa noite, quando André saía de perto de Jesus, este lhe disse o seguinte: “André, faz o que puder para manter juntos os teus irmãos até que eu volte novamente para vós, depois que eu tiver bebido deste cálice. Dá força aos teus irmãos, considerando que a ti eu já disse tudo. A paz esteja contigo”.
182:2.9 (1967.4) Nenhum dos apóstolos esperava que algo fora do ordinário acontecesse naquela noite, posto que já era muito tarde. Eles tentaram dormir a fim de levantarem cedo de manhã e ficarem preparados para o pior. Pensavam que o dirigente dos sacerdotes buscaria apreender o seu Mestre cedo pela manhã, já que nenhum trabalho secular jamais era feito após o meio do Dia da Preparação da Páscoa. Apenas Davi Zebedeu e João Marcos entenderam que os inimigos de Jesus viriam com Judas e naquela mesma noite.
182:2.10 (1967.5) Davi havia arranjado para montar a guarda, naquela noite, na trilha superior que levava à estrada Betânia-Jerusalém, enquanto João Marcos devia vigiar a estrada que seguia pelo Cedrom ao Getsêmani. Antes de Davi ir para cumprir a sua tarefa auto-imposta de sentinela avançada, ele despediu-se de Jesus, dizendo: “Mestre, eu tive um grande júbilo no meu serviço contigo. Os meus irmãos são teus apóstolos, mas eu tive prazer em cuidar das coisas menores que deveriam ser feitas, e sentirei a tua falta de todo o meu coração quando tu te fores”. E então disse Jesus a Davi: “Davi, meu filho, outros fizeram aquilo que lhes foi mandado que fizessem, mas o teu serviço tu fizeste do teu próprio coração e eu não estive desatento à tua devoção. Tu, também, servirás comigo no Reino eterno”.
182:2.11 (1967.6) E então, enquanto se preparava para ir vigiar na trilha de cima, Davi disse a Jesus: “Sabes, Mestre, eu mandei buscar a tua família, e recebi de um mensageiro a informação de que eles se encontram em Jericó esta noite. Eles estarão aqui amanhã antes do meio-dia, já que seria arriscado para eles virem à noite pela estrada perigosa”. E Jesus, abaixando o olhar até Davi, apenas disse: “Que assim seja, Davi”.
182:2.12 (1967.7) Enquanto Davi subia pelo monte das Oliveiras, João Marcos foi para o seu posto de vigia perto da estrada que ia pelo rio até Jerusalém. E João teria permanecido nesse posto, não fosse o seu grande desejo de manter-se perto de Jesus e saber o que acontecia. Pouco depois de Davi tê-lo deixado, e ao observar Jesus retirar- se com Pedro, Tiago e João, até uma ravina próxima, João Marcos esteve tão dominado por uma combinação de devoção e curiosidade que abandonou o seu posto de sentinela e seguiu-os, escondendo-se atrás dos arbustos, e. desse lugar, ele viu e ouviu tudo o que se passou durante esses últimos momentos no jardim e pouco antes de chegarem Judas e os guardas armados para prender Jesus.
182:2.13 (1968.1) No momento em que tudo isso acontecia no acampamento do Mestre, Judas Iscariotes estava conversando com o capitão dos guardas do templo, que tinha reunido os seus homens em preparação para partir, sob a liderança do traidor, a fim de prender Jesus.
182:3.1 (1968.2) Depois, quando tudo estava calmo e silencioso no acampamento, Jesus, levando Pedro, Tiago e João, andou um pouco até uma ravina próxima onde, antes, freqüentemente ele ia para orar e comungar. Os três apóstolos não puderam deixar de reconhecer que estavam dolorosamente oprimidos; nunca antes eles haviam visto o seu Mestre tão abatido e triste. Quando chegaram ao local das suas devoções, ele pediu aos três que se assentassem e que vigiassem com ele, enquanto retirava-se ali por perto para uma prece. E, jogando-se com o rosto contra o chão, ele orou: “Meu Pai, eu vim a este mundo para fazer a Tua vontade, e assim eu o fiz. Sei que a hora chegou de abandonar esta vida na carne, e eu não estou recuando perante isso; mas eu gostaria de saber se é da Tua vontade que eu beba deste cálice. Envia a mim a certeza de que eu Te contentarei com a minha morte, como eu assim fiz na minha vida”.
182:3.2 (1968.3) O Mestre permaneceu em atitude de prece durante alguns momentos, e então, voltando para junto dos três apóstolos, ele os encontrou em profundo sono, pois, de olhos tão pesados, eles não conseguiram manter-se despertos. Ao acordá-los, Jesus disse: “O quê! Não podeis vigiar comigo nem mesmo por uma hora? Não conseguistes ver que a minha alma está excessivamente triste, até à morte, e que eu preciso da vossa companhia?” Depois que os três despertaram-se do seu sono, o Mestre novamente separou-se deles e, jogando-se ao chão, fez uma outra prece: “Pai, sei que é possível evitar este cálice — todas as coisas são possíveis para Ti — , mas eu vim para cumprir a Tua vontade e, embora este seja um cálice amargo, eu gostaria de beber dele se essa for a Tua vontade”. E, assim, quando terminou a sua prece, um anjo poderoso desceu até o seu lado e, falando a ele, tocou nele transmitindo-lhe força.
182:3.3 (1968.4) Quando voltou para falar com os três apóstolos, novamente Jesus os encontrou em profundo sono. Despertando-os, Jesus disse: “Numa hora como esta eu preciso de que vós vigieis e oreis comigo — e vós necessitais muito das preces para não cairdes em tentação — e por que adormeceis quando eu vos deixo?”
182:3.4 (1968.5) E então, por uma terceira vez, o Mestre retirou-se e orou: “Pai, podes ver os meus apóstolos adormecidos; tem misericórdia deles. O espírito está realmente disposto, mas a carne é fraca. E agora, ó Pai, se este cálice não pode ser afastado, então eu gostaria de beber dele. Não a minha vontade, mas a Tua seja feita”. E, ao concluir a sua prece, Jesus ficou prostrado por um momento no chão. Quando se levantou, foi de volta até os seus apóstolos e, uma vez mais, encontrou-os adormecidos. Ele observou-os e, com um gesto de piedade, disse ternamente: “Agora, podeis dormir e descansar; a hora da decisão já passou. O momento agora é chegado, em que o Filho do Homem será traído e colocado nas mãos dos seus inimigos”. E, quando ele abaixou-se para sacudi-los a fim de acordá-los, disse: “Levantai, vamos de volta ao acampamento, pois eis que aquele que me trai está por perto; e a hora é chegada em que o meu rebanho será dispersado. Mas eu já vos preveni sobre essas coisas”.
182:3.5 (1968.6) Durante os anos em que Jesus viveu entre os seus seguidores, eles obtiveram, verdadeiramente, muitas evidências da sua natureza divina, mas agora, exatamente, estão na iminência de testemunhar evidências novas da sua humanidade. Pouco antes da maior de todas as revelações da divindade de Jesus, a sua ressurreição, as grandes provas da sua natureza mortal deverão acontecer: a sua humilhação e crucificação.
182:3.6 (1969.1) A cada vez que ele fazia uma prece no jardim, a sua humanidade agarrava- se à sua divindade com a mão sempre mais forte da fé; a sua vontade humana tornava-se mais completamente una com a vontade divina do seu Pai. Entre outras palavras ditas a ele, pelo poderoso anjo, estava a mensagem de que o Pai desejava que o seu Filho terminasse a sua auto-outorga terrena, passando pela experiência que a criatura tem da morte, exatamente como todas as criaturas mortais devem experimentar a dissolução material passando da existência no tempo para a progressão da eternidade.
182:3.7 (1969.2) Mais cedo, naquela noite, não teria parecido tão difícil beber do cálice, mas à medida que o Jesus humano despedia-se dos seus apóstolos e enviava-os para o seu descanso, a provação ficava mais terrível. Jesus então experimentou o fluxo e o refluxo naturais de sentimentos comuns a todos os humanos experimentar, e exatamente agora quando se encontrava cansado do trabalho, exausto das longas horas de labor extenuante e dolorosa ansiedade pela segurança dos seus apóstolos. Se bem que nenhum mortal possa presumir compreender os pensamentos e os sentimentos do Filho de Deus encarnado, em um momento assim, sabemos que ele provou uma grande angústia e passou por tristezas inenarráveis, pois a transpiração rolava do seu rosto em grandes gotas. Afinal, ele estava convencido de que o Pai tinha a intenção de permitir que os acontecimentos tivessem um decorrer natural; ele estava plenamente determinado a não empregar nenhum dos seus poderes de soberano, como supremo dirigente de um universo, para salvar a si próprio.
182:3.8 (1969.3) As hostes reunidas, de uma imensa criação, pairavam sobre essa cena sob o comando transitório conjunto de Gabriel e do Ajustador Personalizado de Jesus. Os comandantes de divisão desses exércitos celestes haviam sido prevenidos reiteradamente para não interferir nessas transações na Terra, a menos que o próprio Jesus lhes ordenasse intervir.
182:3.9 (1969.4) A experiência da sua separação dos apóstolos exerceu uma grande tensão sobre o coração humano de Jesus; essa tristeza de amor abateu-o e tornou mais difícil enfrentar a morte, que o esperava, ele sabia. Compreendeu quão fracos e ignorantes eram os seus apóstolos, e temeu abandoná-los. Ele bem sabia que o momento da sua partida havia chegado, mas o seu coração humano aspirava saber se acaso não poderia haver alguma forma legítima de escapar dessa terrível situação de sofrimento e de tristeza. Quando o seu coração havia buscado escapar, sem conseguir, ele ficou disposto a beber do cálice. A mente divina de Michael sabia que ele tinha dado o melhor de si pelos doze apóstolos; mas o coração humano de Jesus desejava que fosse feito mais por eles antes que fossem abandonados no mundo. O coração de Jesus estava sendo destroçado; ele verdadeiramente amava os seus irmãos. Ele encontrava-se isolado da sua família na carne; um dos seus companheiros estava traindo-o. O povo do seu pai José havia rejeitado-o e, com isso, selava o seu próprio destino, de povo com uma missão especial na Terra. A sua alma estava torturada pelo amor baldado e pela misericórdia rejeitada. Era exatamente um desses momentos humanos terríveis em que tudo parecia desabar em uma crueldade esmagadora e em uma agonia aterradora.
182:3.10 (1969.5) A humanidade de Jesus não era insensível a essa situação de solidão pessoal, de vergonha pública e aparência de fracasso para a sua causa. Todos esses sentimentos pesavam sobre ele como uma carga de peso indescritível. Nessa grande tristeza, a sua mente voltou aos dias da sua infância em Nazaré e ao seu trabalho inicial na Galiléia. Nesse momento de grande provação, muitas daquelas cenas agradáveis do seu ministério terreno vieram à sua mente. E foi com essas velhas memórias de Nazaré, de Cafarnaum, do monte Hermom e do alvorecer e do pôr-do-sol no resplandecente mar da Galiléia, que ele conseguiu acalmar-se, fazendo o seu coração humano ficar mais fortalecido e pronto para ir ao encontro do traidor que dentro em pouco iria atraiçoá-lo.
182:3.11 (1970.1) Antes da chegada de Judas e dos soldados, o Mestre já havia recuperado o seu equilíbrio costumeiro; o espírito havia triunfado sobre a carne; e a fé havia-se afirmado acima de todas as tendências humanas de temer ou de nutrir dúvidas. A provação suprema da compreensão plena da natureza humana havia sido enfrentada e superada de modo aceitável. Uma vez mais o Filho do Homem encontrava-se preparado para enfrentar os seus inimigos com equanimidade e segurança plena da sua invencibilidade, como um homem mortal dedicado, sem reservas, a fazer a vontade do Pai.
O Livro de Urântia
Documento 183
183:0.1 (1971.1) DEPOIS de haver acordado Pedro, Tiago e João, definitivamente, Jesus sugeriu que eles fossem para as suas tendas e que tentassem dormir a fim de preparar-se para os deveres do dia seguinte. Contudo, desta vez os três apóstolos estavam bem acordados; ficaram renovados com aqueles cochilos curtos e, além disso, viam-se estimulados e despertados pela entrada em cena de dois mensageiros agitados a perguntarem por Davi Zebedeu e saírem rapidamente à procura dele, tão logo Pedro informou-lhes que ele estava de guarda.
183:0.2 (1971.2) Embora oito dos apóstolos estivessem profundamente adormecidos, os gregos que se encontravam acampados perto deles estavam bastante temerosos de que ocorressem encrencas, tanto assim que colocaram uma sentinela para dar-lhes alarme em caso de perigo. Quando os dois mensageiros apressados chegaram ao acampamento, a sentinela grega começou a acordar todos os seus amigos compatriotas, os quais saíram correndo para fora das suas tendas, já totalmente vestidos e armados. Todo o acampamento estava agora de pé, exceto os oito apóstolos. Pedro desejava chamar os seus companheiros, mas Jesus proibiu-o definitivamente. O Mestre exortou-os com brandura a voltarem para as suas tendas, mas eles mantinham-se relutantes em aquiescer à sua sugestão.
183:0.3 (1971.3) Não tendo conseguido dispersar os seus seguidores, o Mestre deixou-os e caminhou descendo até a prensa de azeite perto da entrada do parque do Getsêmani. Embora os três apóstolos, os gregos e os outros membros do acampamento hesitassem em segui-lo imediatamente, João Marcos apressou-se a contornar as oliveiras e ocultou-se em um pequeno abrigo perto da prensa. Jesus havia-se afastado do acampamento e dos seus amigos para que aqueles que o viessem buscar, ao chegarem, pudessem prendê-lo sem perturbar os seus apóstolos. O Mestre temia que, despertados, os apóstolos estivessem presentes no momento da sua prisão e que, assim, o espetáculo da traição de Judas pudesse provocar a animosidade deles, levando-os a oferecer resistência diante dos soldados e que então fossem levados em custódia junto com ele. Ele temia que, se fossem presos junto com ele, pudessem também perecer.
183:0.4 (1971.4) Embora Jesus soubesse que o plano para a sua morte tenha tido a sua origem nos conselhos dos governantes dos judeus, ele era também sabedor de que todos esses esquemas nefandos tinham a aprovação plena de Lúcifer, Satã e Caligástia. E ele bem sabia que esses rebeldes dos reinos também se comprazeriam de ver os apóstolos destruídos junto com ele.
183:0.5 (1971.5) Jesus sentou-se, solitário, na prensa de olivas, onde esperou a vinda do traidor e, nesse momento, apenas João Marcos e uma hoste inumerável de observadores celestes podiam vê-lo.
183:1.1 (1971.6) Existe um grande perigo de se interpretar mal os significados de numerosas coisas que hajam sido ditas e os acontecimentos relacionados com o término da carreira do Mestre na carne. O tratamento cruel dado a Jesus pelos servos ignorantes e pelos soldados insensíveis, a conduta injusta do seu julgamento e a atitude insensível dos professos líderes religiosos não devem ser confundidos com o fato de que Jesus, submetendo-se pacientemente a todo esse sofrimento e humilhação, estivesse verdadeiramente cumprindo o desejo do Pai, no Paraíso. De fato e de verdade, era a vontade do Pai que o seu Filho bebesse o cálice inteiro da experiência mortal, do nascimento à morte, mas o Pai no céu não teve absolutamente nenhuma contribuição em provocar o comportamento bárbaro dos seres humanos, supostamente civilizados, que tão brutalmente torturaram o Mestre e que tão horrivelmente acumularam indignidades sucessivas sobre a sua pessoa, a qual não opunha a menor resistência. Aquelas experiências desumanas e chocantes, que Jesus foi levado a suportar, nas horas finais da sua vida mortal, não eram, de modo algum, parte da vontade divina do Pai; vontade esta que a natureza humana de Jesus comprometera-se, de uma maneira tão triunfante, a cumprir, na época da rendição final do homem a Deus, como indicado nas três preces que ele formulou no jardim enquanto os seus apóstolos cansados entregavam-se ao sono da exaustão física.
183:1.2 (1972.1) O Pai no céu desejava que o Filho auto-outorgado terminasse a sua carreira na Terra naturalmente, da maneira exata que todos os mortais devem terminar as suas vidas na Terra e na carne. Os homens e mulheres comuns não podem esperar ter as suas últimas horas na Terra, bem como o acontecimento subseqüente da morte, facilitado por uma dispensação especial. Desse modo, Jesus escolheu abandonar a sua vida na carne da maneira que estivesse de acordo com o decorrer natural dos acontecimentos; e ele escolheu recusar terminantemente a livrar-se das garras cruéis de uma perversa conspiração de acontecimentos desumanos que o arrastaram, com uma certeza horrível, até uma humilhação inacreditável e uma morte ignominiosa. E cada detalhe de toda essa assombrosa manifestação de ódio e dessa demonstração sem precedentes de crueldade foi obra de homens maliciosos e de mortais perversos. A vontade de Deus no céu não era essa, nem os arquiinimigos de Jesus ditaram os acontecimentos, embora eles muito tivessem feito para assegurar que os mortais impensados e perversos rejeitassem, desse modo, o Filho na sua doação de auto-outorga. Até mesmo o pai do pecado desviou o rosto do horror do martírio da crucificação.
183:2.1 (1972.2) Depois de abandonar tão abruptamente a mesa enquanto partilhava da Última Ceia, Judas dirigiu-se imediatamente à casa do seu primo e, então, os dois foram diretamente até o capitão da guarda do templo. Judas pediu ao capitão que reunisse os guardas e informou-lhe que estava pronto para levá-los a Jesus. Como Judas havia surgido em cena um pouco antes do esperado, houve alguma demora em partir para a casa de Marcos, onde Judas esperava encontrar Jesus ainda em reunião com os apóstolos. O Mestre e os onze deixaram a casa de Elias Marcos ao menos quinze minutos antes da chegada do traidor e dos guardas. No momento em que os captores chegaram à casa de Marcos, Jesus e os onze já estavam fora dos muros da cidade e a caminho do acampamento do monte das Oliveiras.
183:2.2 (1972.3) Judas ficou muito perturbado com o esse malogro, de não encontrar Jesus na residência de Marcos e em companhia dos onze homens, dos quais apenas dois estavam armados para resistir. Ele soube por casualidade que, na tarde em que eles haviam deixado o acampamento, apenas Simão Pedro e Simão zelote estavam guarnecidos pelas suas espadas; Judas esperava prender Jesus quando a cidade estivesse tranqüila, e quando então houvesse poucas possibilidades de resistência. O traidor temia que, caso esperasse que eles voltassem ao acampamento, mais de sessenta discípulos devotados teriam de ser enfrentados; ele sabia também que Simão zelote estava de posse de um estoque amplo de armas. Judas ficava cada vez mais nervoso ao imaginar como os onze apóstolos leais iriam detestá-lo, e temia que todos eles buscassem destruí-lo. Ele não apenas era desleal, mas possuía realmente um coração covarde.
183:2.3 (1973.1) Quando não logrou encontrar Jesus na sala superior, Judas pediu ao capitão da guarda para que retornassem ao templo. Enquanto isso os dirigentes tinham começado a reunir-se na casa do sumo sacerdote, em preparativos para receber Jesus, posto que a sua barganha com o traidor demandava a prisão de Jesus por volta da meia-noite daquele dia. Judas explicou aos seus cúmplices que, não havendo encontrado Jesus na casa de Marcos, seria necessário que fossem ao Getsêmani para prendê-lo. O traidor então afirmou que mais de sessenta seguidores devotados encontravam-se acampados com ele, e que estavam todos bem armados. Os dirigentes dos judeus lembraram a Judas que Jesus havia sempre pregado a não-resistência, mas Judas respondeu que eles não poderiam contar com todos os seguidores de Jesus para obedecer a esse ensinamento. Ele realmente temia por si próprio e por isso ousou pedir uma companhia de quarenta soldados armados. Posto que as autoridades judaicas não possuíam tal força de homens armados, sob a sua jurisdição, eles foram imediatamente à fortaleza de Antônia e solicitaram ao comandante romano que lhes fornecesse essa guarda; este, porém, quando soube que o objetivo era prender Jesus, recusou-se prontamente a aceder a tal pedido e remeteu-os ao seu oficial superior. Desse modo mais de uma hora foi gasta em ir de uma autoridade à outra, até que, finalmente, foram obrigados a ir ao próprio Pilatos a fim de obter a permissão para utilizar os guardas romanos armados. Era tarde quando chegaram à casa de Pilatos; e ele havia já se recolhido aos seus aposentos particulares com a esposa. Ele hesitava em ter qualquer coisa a ver com essa empreitada, e, mais ainda, por sua esposa haver pedido a ele que não atendesse a um tal pedido. Todavia, como o presidente do sinédrio judeu encontrava-se presente fazendo um pedido pessoal para ter essa ajuda, o governador julgou ser sábio conceder o que estava sendo pedido, pensando que fosse possível mais tarde emendar qualquer injustiça que eles pudessem estar dispostos a cometer.
183:2.4 (1973.2) E assim, quando Judas Iscariotes saiu do templo, por volta de onze e meia da noite, ele achava-se acompanhado por mais de sessenta pessoas — guardas do templo, soldados romanos e servos curiosos dos sacerdotes e dos dirigentes principais.
183:3.1 (1973.3) Quando essa companhia de soldados e de guardas armados, levando tochas e lanternas, aproximou-se do jardim, Judas adiantou-se e colocou-se à frente de todos a fim de imediatamente identificar Jesus, de modo que os captores pudessem com facilidade colocar as mãos nele antes que os seus companheiros conseguissem acorrer em sua defesa. E havia ainda uma outra razão para que Judas escolhesse estar à frente dos inimigos do Mestre: pensou que poderia deixar transparecer que ele houvesse chegado ao local antes dos soldados, de modo que os apóstolos, e todos os outros que se reuniam em torno de Jesus, não fossem ligá-lo diretamente à presença dos guardas armados que seguiam tão de perto os seus passos. Judas chegara mesmo a pensar em posar como tendo apressado-se para avisá-los da aproximação dos captores; esse plano, contudo, foi frustrado pela saudação sombria de Jesus ao traidor. Embora o Mestre haja usado de amabilidade para falar a Judas, ele saudou-o como a um traidor.
183:3.2 (1973.4) Pedro, Tiago e João e, ainda, uns trinta dos seus companheiros de acampamento tão logo viram a companhia armada e com tochas contornando o topo das colinas, logo souberam que esses soldados vinham para prender Jesus; e todos eles correram para baixo até perto da prensa de olivas onde o Mestre estava sentado em solidão, sob a luz da lua. À medida que a companhia aproximava- se de um lado, os três apóstolos e os seus companheiros vinham do outro lado. E, enquanto Judas adiantava-se a passos largos para abordar o Mestre, os dois grupos lá ficaram, imóveis, com o Mestre entre eles e Judas preparando-se para estampar o beijo traidor na fronte de Jesus.
183:3.3 (1974.1) A esperança do traidor era de que pudesse, após conduzir os guardas ao Getsêmani, simplesmente apontar Jesus para os soldados, ou no máximo cumprir a promessa de saudá-lo com um beijo, e então rapidamente retirar-se da cena. Judas temia sobremodo que todos os apóstolos estivessem presentes e que concentrassem os seus ataques sobre ele, em castigo pelo seu atrevimento de trair ao seu amado instrutor. Mas, quando o Mestre saudou-o como a um traidor, ele ficou tão confuso que não fez nenhuma tentativa de fugir.
183:3.4 (1974.2) Jesus empreendeu um último esforço para poupar Judas de traí-lo de fato; e assim, antes que o traidor pudesse alcançá-lo, ele andou para o lado e, dirigindo- se ao soldado mais próximo à esquerda, o capitão dos romanos, disse: “A quem buscais?” O capitão respondeu: “Jesus de Nazaré”. Então Jesus adiantou- se imediatamente à frente do oficial e permaneceu calmamente ali, na posição majestática de um Deus de toda a sua criação, e disse: “Sou eu”. Muitos dessa companhia armada haviam ouvido Jesus ensinar no templo; outros haviam ouvido falar sobre as suas obras poderosas e, quando o escutaram assim corajosamente anunciar a sua identidade, aqueles que estavam nas fileiras da frente recuaram subitamente. Eles haviam sido tomados de surpresa com o anúncio calmo e majestático da sua própria identidade. E não havia, portanto, nenhuma necessidade de que Judas continuasse com o seu plano de traição. Com ousadia, o Mestre havia revelado-se aos seus inimigos, que o poderiam ter prendido sem a ajuda de Judas. Mas o traidor precisava fazer algo para justificar a sua presença junto a esses homens armados e, além disso, queria demonstrar que cumpria a sua parte na barganha da traição para com os dirigentes dos judeus, e se fazer merecedor da grande recompensa e das honras que se acumulariam, esperava ele, sobre si, em recompensa pela sua promessa de entregar Jesus nas mãos deles.
183:3.5 (1974.3) Enquanto os guardas refaziam-se da sua primeira vacilação ao verem Jesus, e com o som da voz inusitada dele, e enquanto os apóstolos e discípulos aproximavam- se, Judas foi até Jesus e, aplicando um beijo na sua fronte, disse: “Salve, Mestre e Instrutor”. E quando Judas abraçou assim o seu Mestre, Jesus disse: “Amigo, não te bastava fazer isso! Tinhas, ainda, com um beijo, que trair o Filho do Homem?”
183:3.6 (1974.4) Os apóstolos e discípulos ficaram literalmente atônitos com o que viram. Por um momento ninguém se moveu. Então Jesus, desembaraçando-se do abraço traidor de Judas, caminhou até os guardas e soldados e de novo perguntou: “A quem procurais?” E de novo o capitão disse: “Jesus de Nazaré”. E de novo Jesus respondeu: “Eu te disse que sou eu. Se, pois, buscas a mim, deixa os outros irem em paz. Estou pronto para ir contigo”.
183:3.7 (1974.5) Jesus estava pronto para ir de volta a Jerusalém com os guardas, e o capitão dos soldados também estava disposto a permitir que os três apóstolos e os seus companheiros tomassem seu caminho em paz. Mas, antes que fossem capazes de sair do lugar, e como Jesus permanecia lá, aguardando as ordens do capitão, um tal de Malco, o guarda-costas sírio do sumo sacerdote, andou até Jesus e preparou-se para atar suas mãos nas costas, embora o capitão romano não tivesse ordenado que Jesus devesse ser amarrado assim. Quando Pedro e os seus amigos viram o seu Mestre sendo submetido a essa indignidade, não mais foram capazes de controlar-se. Pedro sacou da sua espada e, com os outros, avançou para golpear Malco. No entanto, antes que os soldados pudessem vir em defesa do serviçal do sumo sacerdote, Jesus levantou a mão da proibição para Pedro e, usando de firmeza, disse: “Pedro, guarda a tua espada. Aqueles que usam a espada perecerão pela espada. Não compreendes que é da vontade do Pai que eu beba deste cálice? E não sabes também que eu poderia agora mesmo comandar mais de doze legiões de anjos e colaboradores deles, que me libertariam das mãos desses poucos homens?”
183:3.8 (1975.1) Jesus assim efetivamente dava um fim a essa demonstração de resistência física da parte dos seus seguidores, o que foi suficiente para despertar o medo no capitão dos guardas, que agora, com a ajuda dos seus soldados, colocava pesadas mãos sobre Jesus e o atava rapidamente. E, enquanto eles amarravam as suas mãos com cordas grossas, Jesus disse-lhes: “Por que viestes contra mim com espadas e com bastões como se fossem capturar um ladrão? Eu estive diariamente convosco no templo, ensinando publicamente ao povo, e vós não fizestes nenhum esforço para levar-me”.
183:3.9 (1975.2) Quando Jesus estava sendo atado, o capitão, temendo que os seguidores do Mestre pudessem tentar resgatá-lo, deu ordens para capturá-los; mas os soldados não foram suficientemente rápidos; e havendo ouvido as ordens do capitão para prendê-los, os seguidores de Jesus fugiram às pressas de volta para a ravina. Durante todo esse tempo João Marcos esteve escondido em um abrigo próximo. Quando os guardas partiram de volta para Jerusalém com Jesus, João Marcos tentou sair do abrigo para alcançar os apóstolos e os discípulos em fuga; mas, quando ele saiu, um dos últimos soldados, que esteve perseguindo os discípulos em fuga, passou por perto e, vendo esse jovem com o seu manto de linho, tentou pegá-lo e quase conseguiu isso. De fato, o soldado chegou perto o suficiente de João para agarrá-lo pelo manto, mas o jovem moço livrou-se do manto, escapando nu, enquanto o soldado segurava o manto vazio. João Marcos correu até Davi Zebedeu na trilha de cima. Quando o garoto contou a Davi o que havia acontecido, ambos apressaram-se de volta até as tendas dos apóstolos adormecidos e informaram aos oito sobre a traição ao Mestre e a sua prisão.
183:3.10 (1975.3) Quase no mesmo momento em que os oito apóstolos estavam sendo despertados, aqueles que haviam fugido pela ravina vinham retornando, e eles todos se reuniram perto da prensa de olivas para debater sobre o que deveriam fazer. Nesse meio tempo, Simão Pedro e João Zebedeu, escondidos entre as oliveiras, haviam já partido atrás da multidão de soldados, guardas e servos, que agora levavam Jesus de volta a Jerusalém, como se conduzissem um criminoso disposto a tudo. João acompanhou a multidão bem de perto; Pedro, todavia, seguiu-a de longe. Após escapar da garra do soldado, João Marcos cobriu-se com um manto que encontrou na tenda de Simão Pedro e João Zebedeu. Ele suspeitava que os guardas estivessem levando Jesus para a casa de Anás, o sumo sacerdote benemérito; e, assim, contornou por entre o pomar de oliveiras e chegou lá antes da multidão, escondendo-se perto do portão de entrada do palácio do sumo sacerdote.
183:4.1 (1975.4) Tiago Zebedeu viu-se separado de Simão Pedro e do seu irmão João e, assim, agora se unia aos outros apóstolos e aos seus companheiros de acampamento, na prensa de olivas, para deliberar sobre o que eles deveriam fazer em vista da prisão do Mestre.
183:4.2 (1975.5) André havia sido liberado de toda a responsabilidade na direção do grupo dos seus companheiros apóstolos; e assim, nesta que era a maior de todas as crises nas suas vidas, ele ficara em silêncio. Depois de uma discussão informal curta, Simão zelote subiu na mureta de pedra da prensa de olivas e, fazendo um apelo apaixonado de lealdade ao Mestre e à causa do Reino, exortou os seus companheiros apóstolos e os outros discípulos a se apressarem em seguir a multidão e efetuar o resgate de Jesus. A maioria do grupo estaria disposta a seguir a sua liderança atuante, não fosse o conselho de Natanael que se levantou no momento em que Simão havia acabado de falar e chamou a atenção de todos para os ensinamentos tantas vezes repetidos de Jesus a respeito da não-resistência. Ele ainda lembrou-lhes de que Jesus, naquela mesma noite, havia instruído a todos no sentido de que preservassem as suas vidas para a época em que deveriam sair para o mundo, proclamando as boas-novas do evangelho do Reino celeste. E Natanael foi encorajado nessa posição por Tiago Zebedeu, que agora contava a todos como Pedro e outros sacaram das suas espadas para defender o Mestre contra a prisão; e como Jesus pediu a Simão Pedro e aos seus companheiros, com espadas, que embainhassem as suas lâminas. Mateus e Filipe também fizeram discursos, mas nada de definitivo saiu dessa discussão, até que Tomé, chamando a atenção deles para o fato de que Jesus havia aconselhado a Lázaro que não se expusesse à morte, destacou que nada podiam fazer para salvar o seu Mestre, porquanto ele se recusara a permitir os seus amigos de defendê-lo e persistia em abster-se de lançar mão dos seus poderes divinos para frustrar os seus inimigos humanos. Tomé persuadiu-os a espalharem-se, cada homem por si e separadamente, com o acordo de que Davi Zebedeu permanecesse no acampamento, mantendo um centro de coordenação e uma sede-central de mensageiros para o grupo. Por volta de duas e meia naquela manhã, o campo estava deserto; apenas Davi permanecia à mão com três ou quatro mensageiros, os outros haviam sido despachados para assegurar a informação sobre o local para onde Jesus fora levado, e quanto ao que pretendiam fazer com ele.
183:4.3 (1976.1) Cinco dos apóstolos, Natanael, Mateus, Filipe e os gêmeos foram esconder-se em Betfage e em Betânia. Tomé, André, Tiago e Simão zelote estavam escondidos na cidade. Simão Pedro e João Zebedeu seguiram juntos para a casa de Anás.
183:4.4 (1976.2) Pouco depois do amanhecer, Simão Pedro perambulou de volta ao acampamento do Getsêmani: era o retrato desanimado de um profundo desespero. Davi enviou-o, acompanhado por um mensageiro, para juntar-se ao seu irmão, André, que estava na casa de Nicodemos, em Jerusalém.
183:4.5 (1976.3) Até o final da crucificação, João Zebedeu, como Jesus havia instruído que fizesse, permaneceu sempre por perto e à mão; e foi ele que supriu os mensageiros de Davi com as informações de hora em hora, que eles levavam a Davi no acampamento do jardim, e que então eram repassadas aos apóstolos escondidos e à família de Jesus.
183:4.6 (1976.4) Por certo, o pastor foi golpeado e as ovelhas ficaram dispersas! Conquanto todos vagamente constatassem que Jesus os tinha advertido, de antemão, exatamente sobre essa situação, estavam todos demasiadamente chocados com o desaparecimento súbito do Mestre, para serem capazes de usar as suas mentes de um modo normal.
183:4.7 (1976.5) Era pouco depois do nascer do dia e justamente depois de Pedro haver sido enviado para juntar-se ao seu irmão, quando Judá, o irmão de Jesus na carne, chegou ao campo, quase sem fôlego e, bem antes do resto da família de Jesus, para ficar sabendo apenas que o Mestre tinha sido já colocado na prisão; e ele apressou-se de volta, estrada de Jericó abaixo, para levar essa informação à sua mãe e aos seus irmãos e irmãs. Davi Zebedeu enviou um recado à família de Jesus, por meio de Judá, para que se reunissem na casa de Marta e Maria, em Betânia e para que lá esperassem pelas notícias que os seus mensageiros levariam regularmente a eles.
183:4.8 (1976.6) Essa era a situação durante a segunda metade da noite de quinta-feira e das primeiras horas da manhã da sexta-feira, no que concerne aos apóstolos, aos principais discípulos e à família terrena de Jesus. E o serviço de mensageiros de Davi Zebedeu, continuou operando; da sua sede no acampamento do Getsêmani, ele mantinha todos esses grupos e indivíduos em contato uns com os outros.
183:5.1 (1977.1) Antes de partirem do jardim, com Jesus, surgiu, entre o capitão judeu dos guardas do templo e o capitão romano da companhia de soldados, uma discussão sobre o local para onde deviam levar Jesus. O capitão dos guardas do templo deu ordens para que os soldados o levassem a Caifás, o sumo sacerdote em exercício. O capitão dos soldados romanos ordenou que Jesus fosse levado ao palácio de Anás, o antigo sumo sacerdote e sogro de Caifás. E assim foi feito porque os romanos estavam acostumados a lidar diretamente com Anás, e resolver com ele sobre todas as questões que tinham a ver com a aplicação, à força, das leis eclesiásticas judaicas. E as ordens do capitão romano foram obedecidas; eles levaram Jesus à casa de Anás para que este examinasse preliminarmente o caso.
183:5.2 (1977.2) Judas marchava perto dos capitães, escutando tudo o que estava sendo dito, mas não tomou parte na discussão, pois nem o capitão judeu nem tampouco o oficial romano queriam falar com o traidor — de tal modo o desprezavam.
183:5.3 (1977.3) Por volta desse momento João Zebedeu, lembrando-se das instruções do seu Mestre para permanecer sempre por perto e à mão, correu até perto de Jesus enquanto ele caminhava entre os dois capitães. O comandante dos guardas do templo, ao ver João vindo junto com eles, disse ao seu assistente: “Prende esse homem e amarra-o. Ele é um dos seguidores deste homem”. Mas quando o capitão romano ouviu isso e, olhou em volta e viu João, ele deu ordens para que o apóstolo viesse até ele, e que não fosse molestado por ninguém. Então o capitão romano disse ao capitão judeu: “Este homem não é nem um traidor, nem um covarde. Vi-o no jardim, e ele não sacou de uma espada para resistir a nós. Ele teve a coragem de vir aqui para estar com o seu Mestre, e nenhum homem colocará as mãos nele. A lei romana permite que qualquer prisioneiro possa ter ao menos um amigo para acompanhá-lo à barra do tribunal, e este homem não será impedido de permanecer ao lado do seu Mestre, o prisioneiro”. E quando Judas ouviu isso, ficou tão envergonhado e humilhado que retardou o passo e se pôs atrás do grupo, chegando ao palácio de Anás sozinho.
183:5.4 (1977.4) E essa situação explica por que se permitiu a João Zebedeu permanecer perto de Jesus, durante todo o seu caminho de experiências penosas, nessa noite e no dia seguinte. Os judeus ficaram com medo de falar qualquer coisa a João ou de molestá-lo, de qualquer maneira, pois ele havia conseguido algo como o status de um conselheiro romano indicado para atuar como observador das transações da corte eclesiástica dos judeus. A posição privilegiada de João tornou-se ainda mais segura quando, ao entregar Jesus ao capitão dos guardas do templo, na porta do palácio de Anás, o romano, dirigindo-se ao seu assistente, disse: “Vai junto com este prisioneiro e cuida para que esses judeus não o matem sem o consentimento de Pilatos. Vigia para que eles não o assassinem, e cuida para que ao seu amigo, este galileu, seja permitido ficar junto e observar tudo o que acontece”. E assim João capacitou-se para estar perto de Jesus até o momento da sua morte na cruz, enquanto os outros dez apóstolos foram obrigados a permanecer escondidos. João estava agindo sob a proteção romana, e os judeus não ousaram molestá-lo até depois da morte do Mestre.
183:5.5 (1977.5) Em todo o trajeto até o palácio de Anás, Jesus não abriu a boca. Desde o momento da sua prisão até o de apresentar-se diante de Anás, o Filho do Homem não disse uma palavra sequer.
O Livro de Urântia
Documento 184
184:0.1 (1978.1) OS REPRESENTANTES de Anás haviam instruído secretamente ao capitão dos soldados romanos que trouxesse Jesus ao palácio dele, imediatamente depois de haver feito a sua prisão. O antigo sumo sacerdote desejava manter o seu prestígio de autoridade eclesiástica principal dos judeus. Ele também possuía um outro propósito em deter Jesus na sua casa por várias horas, e que era o de dar tempo para convocar legalmente uma reunião da corte do sinédrio. Não era legal convocar um tribunal do sinédrio antes da hora da oferenda do sacrifício matinal no templo, e esse sacrifício era oferecido por volta das três horas da manhã.
184:0.2 (1978.2) Anás sabia que uma corte de sinedristas estava aguardando no palácio do seu genro, Caifás. Uns trinta membros do sinédrio se achavam reunidos na casa do sumo sacerdote por volta da meia-noite, de modo a estarem prontos para julgar Jesus quando ele pudesse ser trazido diante deles. Estavam reunidos apenas os membros que se opunham forte e abertamente a Jesus e aos seus ensinamentos, posto que eram necessários apenas vinte e três deles para que um tribunal de julgamento fosse constituído.
184:0.3 (1978.3) Jesus passou cerca de três horas no palácio de Anás, no monte das Oliveiras, não longe do jardim do Getsêmani, onde o haviam capturado. João Zebedeu estava livre e a salvo no palácio de Anás, não apenas por causa da palavra do capitão romano, mas também porque ele e o seu irmão Tiago eram bem conhecidos dos serviçais mais antigos, havendo sido, muitas vezes, convidados do palácio, pois o antigo sumo sacerdote era um parente distante da mãe deles, Salomé.
184:1.1 (1978.4) Enriquecido com os impostos do templo, tendo o seu genro como sumo sacerdote em exercício e mantendo lá as suas relações com as autoridades romanas, Anás de fato era o indivíduo mais poderoso da comunidade judaica. Era um planejador e um manipulador político bem formado. Desejava ter o controle dessa questão ligada a Jesus; pois decisões muito importantes ele temia confiá-las integralmente ao seu genro, que era brusco e precipitado. Anás queria assegurar-se de que o julgamento do Mestre fosse mantido nas mãos dos saduceus; temia a possível simpatia de alguns dos fariseus, vendo que praticamente todos os membros do sinédrio, os que haviam esposado a causa de Jesus, eram fariseus.
184:1.2 (1978.5) Anás não via Jesus há vários anos, desde a época em que o Mestre, ao apresentar- se na sua casa, saiu imediatamente dali ao deparar com a frieza e a reserva com que fora recebido. Anás chegou a pensar em prevalecer-se dessa antiga relação e então intentou persuadir Jesus a abandonar as suas pretensões e deixar a Palestina. Ele estava relutante em participar do assassinato de um bom homem e supunha que Jesus chegasse a escolher deixar o país em lugar de ter de submeter-se à morte. Mas, quando Anás se pôs diante do valente e decidido galileu, ficou logo sabendo que seria inútil fazer tais propostas. Jesus estava ainda mais majestoso e bem equilibrado do que antes, segundo Anás conseguia recordar-se dele.
184:1.3 (1979.1) Quando Jesus era jovem, Anás tivera um grande interesse por ele, mas agora, as suas rendas sendo ameaçadas por aquilo que Jesus havia feito, muito recentemente, afastando os cambistas e outros comerciantes do templo. Esse ato de Jesus havia despertado a inimizade do antigo sumo sacerdote, muito mais do que os seus ensinamentos.
184:1.4 (1979.2) Anás entrou na sua espaçosa sala de audiências, sentou-se em uma grande cadeira e mandou que Jesus fosse trazido diante dele. Após observar silenciosamente o Mestre por uns momentos, ele disse: “Tu compreendes que algo deverá ser feito quanto aos teus ensinamentos, já que estás perturbando a paz e a ordem do nosso país”. E quando Anás olhou inquisidoramente para Jesus, o Mestre examinou fundo nos olhos dele, mas sem dar nenhuma resposta. De novo Anás falou: “Quais são os nomes dos teus discípulos, além de Simão zelote, o agitador?” De novo Jesus olhou-o de cima para baixo, mas nada respondeu.
184:1.5 (1979.3) Anás ficou consideravelmente perturbado com a recusa de Jesus a responder às suas perguntas, tanto que lhe disse: “Tu te importas com o quanto estou sendo amigável contigo, ou não? Não tens nenhum respeito pelo poder que eu detenho para definir sobre as questões do teu futuro julgamento?” Depois de ouvir isso, Jesus disse: “Anás, sabes que poderias não ter nenhum poder sobre mim se assim não fosse permitido pelo meu Pai. Alguns gostariam de destruir o Filho do Homem porque são ignorantes, de nada sabem direito, mas tu, amigo, tu sabes o que estás fazendo. Como podes, pois, rejeitar a luz de Deus?”
184:1.6 (1979.4) A maneira amável com a qual Jesus falou a Anás quase o confundiu. Mas ele havia já determinado na sua mente que Jesus devia deixar a Palestina, ou morrer; e assim tomou coragem para perguntar: “O que exatamente estás tentando ensinar ao povo? O que tu alegas ser?” Jesus respondeu: “Tu sabes muito bem o que eu tenho falado abertamente ao mundo. Eu tenho ensinado nas sinagogas e muitas vezes no templo, onde todos os judeus e muitos dos gentios têm ouvido a mim. Nada eu disse secretamente; por que, então, me perguntas sobre os meus ensinamentos? Por que não convocas aqueles que me ouviram e não perguntas a eles? Sabes bem que toda Jerusalém ouviu aquilo que eu disse, ainda que não tenhas ouvido esses ensinamentos por ti mesmo”. Antes, entretanto, que Anás pudesse replicar, o administrador dirigente do palácio, que estava bem perto, estapeou Jesus no rosto com a própria mão, dizendo: “Como ousas responder ao sumo sacerdote com tais palavras?” Anás nada fez para repreender o seu administrador, mas Jesus dirigiu- se a ele, dizendo: “Meu amigo, se o que eu tiver dito é o mal, então dá testemunho contra o mal; mas se eu tiver dito a verdade, por que deverias golpear-me?”
184:1.7 (1979.5) Embora lamentasse que o seu administrador tivesse batido em Jesus, Anás era orgulhoso demais para levar em conta essa questão. Na sua confusão ele retirou-se para uma outra sala, deixando Jesus sozinho com os criados da casa e os guardas do templo por quase uma hora.
184:1.8 (1979.6) Quando voltou, chegando até o lado do Mestre, ele disse: “Tu alegas ser o Messias, o Libertador de Israel?” Disse Jesus: “Anás, tu me conheces desde a época da minha juventude. Sabes que eu não pretendo ser nada, a não ser o que o meu Pai designou para mim; e que eu fui enviado a todos os homens gentios, tanto quanto aos judeus”. Então Anás disse: “Foi dito para mim que tu pretendes ser o Messias; isso é verdade?” Jesus olhou para Anás; todavia, respondeu apenas: “Assim o disseste tu”.
184:1.9 (1980.1) Por volta desse momento, chegavam mensageiros do palácio de Caifás para perguntar a que horas Jesus seria levado diante da corte do sinédrio e, já que estava próximo o alvorecer do dia, Anás julgou ser melhor enviar Jesus amarrado e sob a custódia dos guardas do templo, até Caifás. Ele próprio seguiu um pouco atrás deles.
184:2.1 (1980.2) Quando a companhia de guardas e de soldados aproximou-se da entrada do palácio de Anás, João Zebedeu estava caminhando ao lado do capitão dos soldados romanos. Judas havia ficado a uma certa distância para trás, e Simão Pedro estava ainda mais atrás. Depois de João entrar no jardim do palácio, junto com Jesus e os guardas, Judas veio ao portão, mas, vendo Jesus e João, tomou a direção da casa de Caifás, onde sabia que o verdadeiro julgamento do Mestre teria lugar mais tarde. Logo depois que Judas saiu, Simão Pedro chegou e, como ficou diante do portão, João o avistou exatamente quando iam levar Jesus ao palácio. A porteira que tomava conta da entrada conhecia João e, quando este falou com ela, pedindo que deixasse Pedro entrar, ela prontamente consentiu.
184:2.2 (1980.3) Pedro, ao entrar no pátio do jardim, foi até a lareira de carvão, buscando aquecer-se, pois a noite estava muito fria. Ele sentia-se deslocado ali entre os inimigos de Jesus e, de fato, não se sentia no seu lugar. O Mestre não instruíra a ele que ficasse perto e disponível como pedira a João. Pedro deveria estar com os outros apóstolos, que haviam sido especificamente avisados para não colocar as suas vidas em perigo durante os momentos do julgamento e da crucificação do seu Mestre.
184:2.3 (1980.4) Pedro jogou fora a sua espada pouco antes de chegar ao portão do palácio, de modo que entrou desarmado no jardim de Anás. A sua mente estava em um redemoinho de confusão; e ele mal podia conceber que Jesus havia realmente sido preso. Não captava a realidade da situação — que ele estava ali no jardim de Anás, aquecendo-se diante dos serviçais do sumo sacerdote. Ficava imaginando o que os outros apóstolos estariam fazendo e, ao revolver na sua mente como é que João havia sido admitido no palácio, concluiu que isso se devesse ao fato de João ser conhecido dos servos, já que havia pedido à porteira para deixá-lo entrar.
184:2.4 (1980.5) Pouco depois que a porteira deixou Pedro entrar e, enquanto ele estava aquecendo- se junto à lareira, ela chegou perto dele e disse maliciosamente: “Não és também tu um dos discípulos deste homem?” Ora, Pedro não devia ter-se surpreendido com esse reconhecimento, pois fora João que havia requisitado da moça que o deixasse passar pelo portão do palácio; mas Pedro estava em um estado tal de tensão nervosa que essa identificação como um discípulo deixou-o desequilibrado e, com um só pensamento dominando a sua mente — o de escapar com vida — , prontamente ele respondeu à pergunta da porteira dizendo: “Não, eu não sou”.
184:2.5 (1980.6) Logo em seguida um outro serviçal veio a Pedro e perguntou: “Eu não te vi no jardim, quando eles prenderam este homem? Não és um dos seus seguidores?” Pedro estava agora profundamente alarmado; ele não via nenhum modo de escapar com segurança desses acusadores; e, assim, veementemente negou qualquer ligação com Jesus, dizendo: “Eu não conheço este homem, e não sou um dos seus seguidores”.
184:2.6 (1980.7) Nesse momento a porteira chamou Pedro a um lado e disse: “Eu estou certa de que tu és um discípulo desse Jesus, não apenas porque um dos seus seguidores pediu-me que te deixasse entrar aqui no jardim, mas a minha irmã aqui tem te visto no templo com esse homem. Por que negas isso?” Quando Pedro ouviu a criada acusá-lo, ele negou qualquer ligação com Jesus, com muito praguejar e com juramentos, dizendo novamente: “Eu não sou um seguidor deste homem; eu sequer o conheço; eu nunca ouvi falar dele antes”.
184:2.7 (1981.1) Pedro saiu de perto da lareira, por um momento, enquanto caminhava pelo jardim. Ele bem gostaria de ter fugido dali, mas temia atrair as atenções sobre si. Sentindo frio, voltou para perto da lareira, e um dos homens ali perto disse: “Certamente tu és um dos discípulos deste homem. Esse Jesus é galileu, e a tua fala te trai, pois também falas como um galileu”. E novamente Pedro negou qualquer ligação com o seu Mestre.
184:2.8 (1981.2) Pedro estava tão perturbado que buscou escapar do contato com os seus acusadores, saindo de perto do fogo e permanecendo só próximo à entrada. Depois de uma hora nesse isolamento, a porteira e a sua irmã tiveram a oportunidade de passar por ele, e ambas de novo acusaram-no de modo provocador de ser um seguidor de Jesus. E de novo ele negou a acusação. E, exatamente depois de haver negado uma vez mais qualquer ligação com Jesus, o galo cantou; e Pedro lembrou-se das palavras de aviso faladas a ele pelo seu Mestre, mais cedo naquela mesma noite. Enquanto ele estava ali, de coração pesado e esmagado pelo sentimento de culpa, as portas do palácio abriram-se para que passassem os guardas que levavam Jesus até a casa de Caifás. Quando o Mestre passou por Pedro, viu, sob a luz dos tocheiros, a marca de desespero no rosto, anteriormente tão seguro de si mesmo e aparentemente valente, do apóstolo, e, voltando-se, Jesus olhou para Pedro. Pedro jamais se esqueceu daquele olhar enquanto viveu. Era um olhar de piedade misturada a um amor tal que nenhum homem mortal jamais contemplou na face do Mestre.
184:2.9 (1981.3) Depois que Jesus e os guardas passaram para fora dos portões do palácio, Pedro seguiu-os, mas só até uma certa distância. Ele não conseguia ir adiante. Sentou-se ao lado da estrada e chorou amargamente. E depois de ter derramado essas lágrimas de agonia, Pedro se pôs de pé a caminhar para o acampamento, esperando encontrar o seu irmão André. Ao chegar no acampamento, encontrou apenas Davi Zebedeu, que enviou um mensageiro para conduzi-lo até onde o seu irmão estava escondido em Jerusalém.
184:2.10 (1981.4) Toda a experiência de Pedro aconteceu no jardim do palácio de Anás, no monte das Oliveiras. Ele não seguiu Jesus ao palácio do sumo sacerdote Caifás. O fato de Pedro haver sido levado à constatação, pelo canto de um galo, de que havia negado repetidamente ao seu Mestre, indica que tudo isso ocorreu fora de Jerusalém, pois era contra a lei manter criações domésticas de aves dentro da cidade propriamente dita.
184:2.11 (1981.5) Antes que o cantar do galo encaminhasse Pedro de novo ao seu bom-senso, ele havia pensado apenas, enquanto andava, a fim de se aquecer, para cima e para baixo, da entrada do palácio à lareira, em quão espertamente se havia esquivado das acusações dos serviçais; e em como ele havia frustrado o propósito deles de identificá-lo com Jesus. Até então, Pedro havia considerado apenas que esses servos não possuíam nenhum direito moral ou legal de questioná-lo assim, e repetidamente havia congratulado-se a si próprio pela maneira com a qual julgava haver evitado ser identificado e, possivelmente, submeter-se a ser preso. E não ocorrera a Pedro, antes do galo cantar, que ele havia negado ao seu Mestre. E só quando Jesus olhou para ele é que deu por si, que tinha deixado de estar à altura dos seus privilégios de embaixador do Reino.
184:2.12 (1981.6) Havendo dado o primeiro passo, ao longo do caminho do compromisso e da menor resistência, não parecia a Pedro que houvesse outra saída a não ser continuar no curso da conduta pela qual havia optado. É necessário um caráter grande e nobre para, havendo começado errado, voltar e retomar o caminho certo. Com muita freqüência a própria mente tende a justificar a continuidade no caminho do erro, uma vez que se tenha entrado nele.
184:2.13 (1982.1) Pedro nunca acreditou plenamente que pudesse ser perdoado, até haver encontrado o seu Mestre, depois da ressurreição, e constatar que estava sendo recebido exatamente como antes das experiências dessa noite trágica das negações.
184:3.1 (1982.2) Eram por volta de três e meia da madrugada, dessa sexta-feira, quando o sacerdote principal, Caifás, declarou constituído o tribunal dos sinedristas, para a investigação; em seguida pedindo que Jesus fosse trazido perante eles para ser julgado formalmente. Em três ocasiões prévias, o sinédrio havia decretado a morte de Jesus; com uma ampla maioria de votos, havia decidido que ele merecia a morte por acusações informais de usurpar a lei, de blasfêmia e de insultar as tradições dos pais de Israel.
184:3.2 (1982.3) Não se tratava de uma reunião do sinédrio convocada regularmente e não estava sendo realizada no local habitual, a sala de pedra lavrada no templo. Esse era um tribunal especial de uns trinta sinedristas e que haviam sido convocados ao palácio do sumo sacerdote. João Zebedeu estava presente junto com Jesus durante este assim chamado julgamento.
184:3.3 (1982.4) Como esses sacerdotes principais, escribas, saduceus e alguns dos fariseus gabavam-se de que Jesus, o perturbador da posição deles e desafiador da sua autoridade estava agora detido seguramente nas suas mãos! E estavam decididos a não o deixar escapar vivo das suas garras vingativas.
184:3.4 (1982.5) Normalmente, ao julgarem um homem sob uma acusação capital, os judeus procediam com uma grande prudência e providenciavam toda a garantia de eqüidade na seleção de testemunhas e em toda a conduta do tribunal. Mas, nessa ocasião, Caifás se fazia mais de promotor do que um juiz imparcial.
184:3.5 (1982.6) Jesus apareceu perante esse tribunal com as suas vestes habituais e com as suas mãos atadas juntas nas suas costas. Toda a corte encontrava-se espantada e um tanto confusa com aquele porte majestoso. Nunca em toda a sua vida haviam colocado os seus olhos sobre um prisioneiro como este, nem presenciado a uma tal compostura em um homem cuja vida estava sob julgamento.
184:3.6 (1982.7) A lei judaica exigia que ao menos duas testemunhas concordassem sobre qualquer ponto, antes que uma acusação pudesse ser feita contra o prisioneiro. Judas não podia ser usado como uma testemunha contra Jesus: pois a lei judaica proibia especificamente que a testemunha fosse um traidor. Mais de vinte testemunhas falsas estavam à mão para atestar contra Jesus, mas os seus testemunhos eram tão contraditórios e tão visivelmente fraudulentos que os próprios sinedristas muito se envergonhavam de toda aquela situação. Jesus permaneceu lá, olhando benignamente para esses perjuros; e, em si, a sua compostura deixava desconcertadas as testemunhas mentirosas. Durante todos esses testemunhos falsos, o Mestre, em nenhum momento, disse uma palavra que fosse; sequer respondeu às várias acusações falsas.
184:3.7 (1982.8) A primeira vez que dois dos testemunhos apresentaram algo como uma semelhança em estarem de acordo foi quando dois homens atestaram que haviam ouvido Jesus dizer durante um dos seus discursos no templo que ele “destruiria esse templo feito com as mãos do homem e em três dias faria um outro templo sem empregar mãos humanas”. Isso não era exatamente o que Jesus dissera, independentemente do fato de que ele havia apontado para o próprio corpo ao fazer aquele comentário.
184:3.8 (1982.9) Embora o sumo sacerdote tivesse gritado para Jesus: “Não repondes a nenhuma dessas acusações?” Jesus não abriu a boca. Permaneceu ali em silêncio, enquanto todas essas testemunhas falsas faziam as suas declarações. O ódio, o fanatismo e o exagero inescrupuloso de tal modo caracterizaram as palavras desses perjuros, que os seus testemunhos desmoronavam nos próprios embaraços. O modo melhor para refutar as suas acusações falsas foi o silêncio calmo e majestoso do Mestre.
184:3.9 (1983.1) Pouco depois do início das declarações das testemunhas falsas, Anás chegou e tomou o seu assento ao lado de Caifás. Anás agora se levantava e argumentava que essa ameaça feita por Jesus de destruir o templo era suficiente para justificar três acusações contra ele:
184:3.10 (1983.2) 1. Que era ele um perigoso desacreditador para o povo. Que ensinava coisas impossíveis a eles e que os enganava de outros modos.
184:3.11 (1983.3) 2. Que era um revolucionário fanático, pois advogava que colocassem mãos violentas no templo sagrado, ou então como poderia destruí-lo?
184:3.12 (1983.4) 3. Que ensinava magia, pois prometera construir um novo templo, e ainda sem a ajuda das mãos.
184:3.13 (1983.5) O sinédrio inteiro já tinha concordado que Jesus era culpado por transgressões das leis judaicas, as quais demandavam a sua morte, mas eles estavam agora mais preocupados em desenvolver acusações a respeito da sua conduta e dos ensinamentos, que servissem como justificativa para que Pilatos pronunciasse a sentença de morte ao prisioneiro. Eles sabiam que deviam assegurar o consentimento do governador romano, antes que Jesus pudesse legalmente ser levado à morte. E Anás estava decidido a continuar a fazer parecer que Jesus era um instrutor perigoso demais para ser deixado em liberdade junto ao povo.
184:3.14 (1983.6) Mas Caifás não podia mais suportar a visão do Mestre ali, com um perfeito domínio de si e em um silêncio inquebrantável. Ele pensava saber ao menos um modo pelo qual o prisioneiro pudesse ser induzido a falar. E assim, ele acorreu até o lado de Jesus e, sacudindo o seu dedo acusador no rosto do Mestre, disse: “Eu te conjuro, em nome do Deus vivo, a que nos diga se és o Libertador, o Filho de Deus”. Jesus respondeu a Caifás: “Eu sou. Logo irei para o Pai, e em breve o Filho do Homem será investido com o poder e uma vez mais terá soberania sobre as hostes do céu”.
184:3.15 (1983.7) O sumo sacerdote, ao ouvir Jesus dizendo essas palavras, ficou excessivamente enraivecido e, rasgando a sua veste externa, exclamou: “Que necessidade temos de mais testemunhos? Vede, agora todos vós ouvistes a blasfêmia deste homem. O que pensais agora que deve ser feito a esse blasfemo e usurpador da lei?” E eles todos responderam em uníssono: “Ele é digno de morte; que seja crucificado”.
184:3.16 (1983.8) Jesus não manifestou nenhum interesse por qualquer pergunta feita a ele, quando diante de Anás ou dos sinedristas, exceto pela pergunta relativa à sua missão de auto-outorga. Quando perguntado: era ele o Filho de Deus; Jesus respondeu instantânea e inequivocamente de modo afirmativo.
184:3.17 (1983.9) Anás desejava que o julgamento continuasse ainda, e que as acusações de uma natureza definida a respeito da relação de Jesus com a lei e com as instituições romanas fossem formuladas para uma apresentação subseqüente a Pilatos. Os conselheiros estavam ansiosos para levar essas questões rapidamente a um fim, não apenas porque era o Dia da Preparação para a Páscoa, e nenhum trabalho secular devia ser feito depois do meio-dia, mas também porque eles temiam que Pilatos pudesse a qualquer momento voltar a Cesaréia, capital romana da Judéia, pois estava em Jerusalém apenas para a celebração da Páscoa.
184:3.18 (1983.10) Entretanto, Anás não teve êxito em manter o controle da corte. Depois que Jesus, de um modo inesperado, havia respondido a Caifás, o sumo sacerdote se adiantou e esbofeteou-o no rosto com a própria mão. Anás ficou verdadeiramente chocado quando viu os outros membros da corte, ao passarem por ele, antes de sair da sala, cuspindo no rosto de Jesus, e, muitos deles, de um modo zombeteiro, estapeando-o no rosto com a palma das suas mãos. E assim, em desordem e confusão inauditas, essa primeira sessão do julgamento sinedrista de Jesus terminou, depois das quatro e meia da manhã.
184:3.19 (1984.1) Trinta juízes falsos, cheios de preconceitos e cegos pelas tradições, com as suas testemunhas forjadas, têm a pretensão de julgar o justo Criador de um universo. E esses acusadores extremados ficam exasperados com o silêncio majestoso e com a presença magnífica desse Deus-homem. O seu silêncio é terrível de suportar; a sua palavra é destemidamente desafiante. Ele permanece inarredável diante das ameaças deles e não se intimida com os seus ataques. O homem julga a Deus, e ainda assim Ele os ama e, se pudesse, os salvaria.
184:4.1 (1984.2) A lei judaica então exigia que, na questão da declaração da sentença de morte, houvesse duas sessões do tribunal. Essa segunda sessão devia ser efetuada no dia seguinte ao da inicial; e, o tempo entre as duas, os membros do tribunal deveriam passá-lo em jejum e reclusão. Mas esses homens não podiam esperar até o dia seguinte para confirmarem a sua decisão de que Jesus devia morrer. E esperaram apenas uma hora. Nesse meio tempo, Jesus foi deixado na sala do tribunal sob a custódia dos guardas do templo, que, com os servos do sumo sacerdote, se divertiam em lançar todas as espécies de indignidades sobre o Filho do Homem. Zombaram dele, cuspiram nele e esbofetearam-no com crueldade. E batiam-lhe no rosto com um vergalhão e diziam: “Faze uma profecia, tu Libertador, sobre quem foi que bateu em ti”. E assim eles continuaram por uma hora inteira, insultando e maltratando esse homem da Galiléia que não opunha resistência.
184:4.2 (1984.3) Durante essa trágica hora de sofrimento, de provações e de zombaria perante guardas e servos ignorantes e insensíveis, João Zebedeu esperou com um terror solitário em uma sala adjacente. Logo que esses abusos começaram, Jesus indicou a João, com um aceno de cabeça, que ele devia retirar-se. O Mestre bem sabia que, se permitisse ao seu apóstolo permanecer na sala e testemunhar essas indignidades, o ressentimento dentro de João seria tão forte a ponto de produzir uma explosão de indignação e protesto que, provavelmente, resultaria na sua morte.
184:4.3 (1984.4) Durante essa hora terrível, Jesus não murmurou uma palavra sequer. Para essa alma humana branda e sensível, unida, em uma relação de personalidade, ao Deus de todo esse universo, não houve nenhum momento mais amargo, no cálice da sua humilhação, do que essa hora terrível à mercê desses guardas e servos ignorantes e cruéis, que haviam sido estimulados a abusar dele pelo exemplo dos membros desse chamado tribunal sinedrista.
184:4.4 (1984.5) O coração humano, certamente, não pode conceber o estremecimento de indignação que varreu todo um vasto universo, quando as inteligências celestes puderam testemunhar seu amado soberano sendo submetido à vontade de algumas das suas criaturas, ignorantes e desviadas, na esfera desafortunada e obscurecida pelo pecado, de Urântia.
184:4.5 (1984.6) Qual então é esse vestígio do animal, no homem, que o leva a querer insultar e agredir fisicamente aquilo que não pode alcançar espiritualmente, nem conceber intelectualmente? No homem meio civilizado espreita ainda uma brutalidade maldosa, que busca liberar-se sobre aqueles que são superiores em sabedoria e em alcance espiritual. Vede a maldosa grosseria e a ferocidade brutal desses homens supostamente civilizados, que sentem uma certa forma de prazer animal com o ataque físico ao Filho do Homem, que não opunha resistência. Enquanto esses insultos, sarcasmos e golpes caíam sobre Jesus, ele não se defendia, masele não estava sem defesa. Jesus não foi vencido, ele meramente não lutou no sentido material.
184:4.6 (1985.1) E esses são os momentos das maiores vitórias do Mestre em toda a sua carreira longa e importante de criador, sustentador e salvador de um universo vasto e variegado. Tendo vivido, em sua plenitude, uma vida para revelar Deus ao homem, Jesus está agora engajado em fazer uma revelação, nova e sem precedentes, do homem para Deus. Jesus está agora revelando aos mundos o triunfo final sobre todos os medos do isolamento da personalidade da criatura. O Filho do Homem finalmente conseguiu a realização da identidade como Filho de Deus. Jesus não hesita em afirmar que ele e o Pai são Um; e, na base do fato e da verdade dessa experiência suprema e superna, ele exorta todos os crentes do Reino a tornarem-se um com ele, como ele e o seu Pai são Um. A experiência viva na religião de Jesus, assim, passa a ser a técnica segura e certa por meio da qual os mortais, espiritualmente isolados e cosmicamente solitários, da Terra, tornam-se capazes de escapar do isolamento da personalidade, com todas as suas seqüelas de medo e de sentimentos associados de desamparo. Nas realidades fraternas do Reino do céu, os filhos de Deus pela fé encontram a libertação final do isolamento do eu, tanto pessoal quanto planetariamente. O crente conhecedor de Deus experimenta crescentemente o êxtase e a grandeza da socialização espiritual em uma escala universal — a cidadania no alto, associada à realização eterna do destino divino de alcance da perfeição.
184:5.1 (1985.2) Às cinco horas e trinta minutos, o tribunal retomou os trabalhos, e Jesus foi levado para a sala adjacente, onde João esperava. Ali o soldado romano e os guardas do templo vigiaram Jesus, enquanto a corte começava a formulação das acusações que deviam ser apresentadas a Pilatos. Anás deixou claro para os seus companheiros que a acusação de blasfêmia não deveria ter nenhuma importância para Pilatos. Judas estava presente durante essa segunda reunião do tribunal, mas não testemunhou.
184:5.2 (1985.3) Essa sessão do tribunal durou apenas meia hora e, quando suspenderam-na, para irem diante de Pilatos, eles haviam delineado a acusação de Jesus, para fazê-lo merecedor da pena de morte, resumindo-a em três motivos:
184:5.3 (1985.4) 1. Que era um pervertedor da nação judaica; que enganara o povo e incitara- o à rebelião.
184:5.4 (1985.5) 2. Que ensinava o povo a recusar pagar o tributo a César.
184:5.5 (1985.6) 3. Que, com a pretensão de ser um rei e fundador de uma nova espécie de reino, incitava à traição contra o imperador.
184:5.6 (1985.7) Todo esse procedimento era irregular e totalmente contrário às leis judaicas. Não havia duas testemunhas que tivessem concordado em qualquer questão, exceto aqueles que testemunharam a respeito da afirmação de Jesus sobre destruir o templo, edificando-o novamente em três dias. E mesmo a respeito desse ponto, nenhuma testemunha falou pela defesa, nem foi Jesus chamado a explicar sobre a intenção do que havia dito.
184:5.7 (1985.8) O único ponto baseado no qual o tribunal poderia tê-lo julgado com consistência teria sido o da blasfêmia, e o julgamento dela teria que repousar inteiramente no próprio testemunho dele. Mesmo no que concernia à blasfêmia, eles deixaram de proceder a uma votação formal sobre a pena de morte.
184:5.8 (1985.9) E, agora, presumiram formular três acusações, com as quais ir perante Pilatos, e sobre as quais nenhuma testemunha tinha sido ouvida, e que foram decididas quando da ausência do prisioneiro acusado. E quando isso foi feito, três dos fariseus deixaram o tribunal; queriam ver Jesus destruído, mas não formulariam acusações contra ele sem testemunhas e na sua ausência.
184:5.9 (1986.1) Jesus não apareceu novamente perante o tribunal sinedrista. Eles não queriam ter de olhar novamente para o seu rosto, enquanto julgavam a sua vida inocente. Jesus não sabia (como homem) das acusações formais deles, até tê-las ouvido de Pilatos.
184:5.10 (1986.2) Enquanto Jesus encontrava-se na sala com João e os guardas, e enquanto o tribunal estava na sua segunda sessão, algumas entre as mulheres do palácio do sumo sacerdote, junto com as suas amigas, vieram para ver o estranho prisioneiro, e uma delas perguntou-lhe: “Tu és o Messias, o Filho de Deus?” E Jesus respondeu: “Se eu te disser, tu não crerás em mim; e se eu te perguntar, tu não responderás”.
184:5.11 (1986.3) Às seis horas naquela manhã Jesus foi levado, da casa de Caifás, para comparecer perante Pilatos, a fim de ver-se confirmada a sentença de morte que esse tribunal sinedrista havia, desse modo injusto e irregular, decretado.
O Livro de Urântia
Documento 185
185:0.1 (1987.1) POUCO depois das seis horas dessa manhã de sexta-feira, 7 de abril, do ano 30 d.C., Jesus foi levado perante Pilatos, então procurador romano do governo da Judéia, Samaria e Iduméia, sob a supervisão imediata do emissário da Síria. Amarrado, o Mestre foi levado à presença do governador romano pelos guardas do templo; e estava acompanhado de cerca de cinqüenta dos seus acusadores, incluindo o tribunal sinedrista (principalmente os saduceus), Judas Iscariotes, o sumo sacerdote, Caifás, e o apóstolo João. Anás não apareceu diante de Pilatos.
185:0.2 (1987.2) Pilatos estava de pé e pronto para receber esse grupo de visitantes madrugadores, pois havia sido informado, por aqueles que na noite anterior haviam assegurado o seu consentimento para empregar os soldados romanos na detenção do Filho do Homem, de que Jesus seria trazido perante ele bem cedo. Havia sido arranjado que esse julgamento tivesse lugar em frente ao pretório, uma construção feita em complemento à fortaleza de Antônia, onde Pilatos e a sua esposa possuíam o seu quartel-general, para quando permanecessem em Jerusalém.
185:0.3 (1987.3) Embora Pilatos tenha conduzido grande parte do interrogatório de Jesus, dentro das salas do pretório, o julgamento público foi realizado do lado de fora, nos degraus que levavam à entrada principal. Era uma concessão aos judeus, que se recusaram a entrar em qualquer edifício gentio onde o fermento pudesse ser usado nesse Dia da Preparação para a Páscoa. Essa conduta não apenas os tornava impuros para os cerimoniais, privando-os, portanto, de compartilhar da festa vespertina de ação de graças, como também faria com que fosse necessário que eles se sujeitassem às cerimônias de purificação depois do pôr-do-sol, antes de poderem participar da ceia de Páscoa.
185:0.4 (1987.4) Conquanto esses judeus não tivessem, de nenhum modo, tido a sua consciência perturbada ao fazerem intrigas para efetivar o assassinato judicial de Jesus, eles enchiam-se de escrúpulos no que dizia respeito a todas essas questões de limpeza cerimonial e de regularidade do cumprimento das tradições. E esses judeus não foram os únicos a deixar de reconhecer as obrigações elevadas e santas de natureza divina, ao darem uma atenção mais meticulosa a coisas de somenos importância para o bem-estar humano, tanto no tempo quanto na eternidade.
185:1.1 (1987.5) Se Pôncio Pilatos não tivesse sido um governador razoavelmente bom das províncias menores, Tibério não o teria suportado como procurador da Judéia por dez anos. Embora fosse um administrador bastante bom, era moralmente covarde. Não era um homem de grandeza suficiente para compreender a natureza da sua tarefa como governador dos judeus. Ele nunca divisou o fato de que esses hebreus possuíam uma religião verdadeira, uma fé pela qual estavam dispostos a morrer; além de haverem milhões e milhões deles, espalhados aqui e ali por todo o império, que encaravam Jerusalém como o santuário da sua fé e tinham um respeito pelo sinédrio como sendo o mais alto tribunal na Terra.
185:1.2 (1988.1) Pilatos não gostava dos judeus, e esse ódio profundo cedo começou a manifestar- se. De todas as províncias romanas, não havia nenhuma mais difícil de governar do que a Judéia. Pilatos nunca compreendeu realmente os problemas que a administração dos judeus abrangia e, assim, muito cedo na sua experiência de governador, ele cometeu uma série de grandes erros quase fatais e praticamente suicidas. E foram tais erros que deram aos judeus um tal poder sobre ele. Quando eles queriam influenciar as suas decisões, tudo o que tinham a fazer era ameaçar com uma revolta, e Pilatos capitulava rapidamente. E essa aparente vacilação, ou falta de coragem moral do procurador, era devida principalmente à memória de um certo número de controvérsias que ele havia mantido com os judeus e porque em todos os casos, categoricamente, eles haviam levado a melhor. Os judeus sabiam que Pilatos sentia medo deles, que ele temia pela própria posição perante Tibério; e eles usaram a consciência disso como desvantagem, contra o governador, em inúmeras ocasiões.
185:1.3 (1988.2) O desagrado que os judeus mantinham para com Pilatos surgiu depois de muitos conflitos infelizes. Primeiro, ele não levou a sério o profundo preconceito deles contra todas as imagens, considerando-as símbolos de adoração idólatra. E, assim, permitiu que os soldados entrassem em Jerusalém sem remover as imagens de César das suas bandeiras, como havia sido a prática dos soldados romanos sob o comando do seu predecessor. Uma grande delegação de judeus aguardou por Pilatos durante cinco dias, implorando-lhe que tirasse essas imagens dos estandartes militares. Ele recusou-se completamente a aceder ao pedido deles e ameaçou-os com a morte imediata. Pilatos, sendo ele próprio um cético, não compreendia que homens com fortes sentimentos religiosos não hesitassem em morrer pelas próprias convicções religiosas; e, pois, ficou consternado quando esses judeus alinharam-se, desafiantes, diante do seu palácio, colocando as suas faces no chão, dizendo que estavam prontos para morrer. Pilatos, só então, compreendeu que havia feito uma ameaça que não estava disposto a cumprir. Ele recuou, ordenou que as imagens fossem removidas dos estandartes dos seus soldados em Jerusalém, e viu-se, daquele dia em diante, sujeito grandemente aos caprichos dos líderes judeus, que desse modo haviam descoberto a sua fraqueza ao fazer ameaças que temia cumprir.
185:1.4 (1988.3) Posteriormente Pilatos determinou reconquistar esse prestígio perdido e assim ele fez os escudos do imperador, tais como eram usados comumente para a adoração de César, serem colocados nas paredes do palácio de Herodes em Jerusalém. Quando os judeus protestaram, ele foi inflexível. Recusou-se a escutar os protestos, e eles, prontamente, apelaram para Roma, e o imperador também prontamente ordenou que os escudos ofensivos fossem removidos. E então Pilatos passou a ser tido com menos apreço ainda do que antes.
185:1.5 (1988.4) Uma outra coisa que o colocou em grande desprestígio, junto aos judeus, foi ele ter ousado retirar dinheiro do tesouro do templo para pagar a construção de um novo aqueduto que daria maior suprimento de água aos milhões de visitantes de Jerusalém na época das grandes festas religiosas. Os judeus sustentaram que apenas o sinédrio poderia desembolsar os fundos do templo, e nunca cessaram de censurar Pilatos por essa ordem abusiva. Nada menos do que vinte tumultos e muito derramamento de sangue resultaram dessa decisão. A última dessas revoltas sérias teve a ver com a matança de um grande grupo de galileus, quando estavam no seu culto no altar.
185:1.6 (1988.5) É significativo que, conquanto esse vacilante dirigente romano haja sacrificado Jesus por causa do seu medo dos judeus, para salvaguardar a sua posição pessoal, ele finalmente tenha sido deposto em conseqüência de um massacre desnecessário de samaritanos a propósito das pretensões de um falso Messias que liderou tropas até o monte Gerizim, onde pretendia predizer que os vasos do templo estivessem enterrados; e motins ferozes aconteceram quando ele não conseguiu revelar o local onde estava escondido o vasilhame sagrado, como havia prometido. Em conseqüência desse episódio, o embaixador da Síria mandou Pilatos de volta para Roma. Tibério morreu enquanto Pilatos estava a caminho de Roma, e não mais ele foi apontado como procurador da Judéia. Nunca de fato ele recuperou-se completamente da condenação ao pesar, por ter consentido na crucificação de Jesus. Não encontrando prestígio aos olhos do novo imperador, ele afastou-se, indo para a província de Lausane, onde posteriormente cometeu o suicídio.
185:1.7 (1989.1) Cláudia Prócula, esposa de Pilatos, havia ouvido falar de Jesus por meio de informações da sua camareira, que era uma crente fenícia do evangelho do Reino. Após a morte de Pilatos, Cláudia passou a identificar-se de modo proeminente com a difusão das boas-novas.
185:1.8 (1989.2) E tudo isso explica muito do que aconteceu nessa trágica sexta-feira pela manhã. É fácil compreender por que os judeus tiveram a presunção de dar ordens a Pilatos — fazendo-o levantar-se às seis horas para julgar Jesus — e também por que eles não hesitaram em ameaçar entregá-lo ao imperador, por traição, caso ele ousasse recusar-se a cumprir as exigências deles quanto à morte de Jesus.
185:1.9 (1989.3) Um governador romano condigno, que não se houvesse envolvido de modo desvantajoso com os dirigentes dos judeus, jamais teria permitido a esses fanáticos religiosos, sedentos de sangue, que causassem a morte de um homem que havia declarado, ele próprio, não haver cometido nenhuma falta e ser inocente de falsas acusações. Roma cometeu um erro grave, um erro de conseqüências profundas, nos assuntos da Terra, quando enviou a mediocridade de um Pilatos para governar a Palestina. Tibério teria feito melhor se tivesse enviado aos judeus o melhor administrador de províncias do império.
185:2.1 (1989.4) Quando Jesus e os seus acusadores haviam-se reunido na frente da sala de julgamento de Pilatos, o governador romano saiu e, dirigindo-se a todos ali reunidos, perguntou: “Que acusação trazeis contra este homem?” Os saduceus e os conselheiros, havendo tomado a si a tarefa de colocar Jesus fora do seu caminho, tinham decidido ir perante Pilatos e pedir a confirmação da sentença de morte pronunciada contra Jesus, evitando querer fazer acusações definidas. E por isso o porta-voz do tribunal sinedrista respondeu a Pilatos: “Se este homem não fosse um malfeitor, nós não o estaríamos entregando a ti”.
185:2.2 (1989.5) Quando Pilatos observou que eles estavam relutantes em afirmar as suas acusações contra Jesus, embora ele soubesse que haviam estado toda a noite deliberando quanto à sua culpa, ele respondeu-lhes: “Já que decidistes por não fazer nenhuma acusação definida, por que não levais este homem para julgá-lo de acordo com as vossas próprias leis?”
185:2.3 (1989.6) O escriturário do tribunal do sinédrio, então, disse a Pilatos: “Não é legal que nós coloquemos qualquer homem sob a pena de morte, e esse perturbador da nossa nação é digno de morrer pelas coisas que ele disse e fez. E por isso viemos diante de ti buscar a confirmação desse decreto”.
185:2.4 (1989.7) Comparecer perante o governador romano com essa tentativa de escapatória revelava, não apenas a malevolência e o mau humor dos sinedristas para com Jesus, mas também a sua falta de respeito pela eqüidade, a honra e a dignidade de Pilatos. Que afronta a desses cidadãos súditos, a de comparecer diante do seu governador provincial pedindo um decreto de execução contra um homem, antes de assegurar a ele um julgamento justo e sem apresentar sequer acusações criminais definidas contra ele!
185:2.5 (1990.1) Pilatos sabia alguma coisa do trabalho de Jesus entre os judeus, e conjecturava que as acusações possíveis contra ele tivessem a ver com violações das leis eclesiásticas dos judeus; e por isso ele tentou reenviar o caso de volta ao tribunal deles próprios. Novamente, Pilatos deleitou-se de fazer com que eles confessassem publicamente que eram impotentes para pronunciar e executar a sentença de morte, ainda que fosse a um da sua própria raça e a quem eles passaram a desprezar com ódio amargo e invejoso.
185:2.6 (1990.2) Há apenas algumas poucas horas, um pouco antes da meia-noite e após ele ter concedido a permissão de usarem os soldados romanos para efetuar a prisão secreta de Jesus, Pilatos havia ouvido, da sua mulher, Cláudia, mais coisas a respeito de Jesus e dos seus ensinamentos. Cláudia, então quase convertida ao judaísmo, tornou-se mais tarde uma crente convicta do evangelho de Jesus.
185:2.7 (1990.3) Pilatos gostaria de ter adiado essa audiência, mas percebeu que os líderes judeus se encontravam determinados a levar o caso até o fim. Ele sabia que essa manhã não apenas era a de preparação da Páscoa, mas que esse dia, sendo sexta-feira, era também o Dia da Preparação para o sábado judeu, dia de oração e de descanso.
185:2.8 (1990.4) Pilatos, sendo extremamente sensível ao modo desrespeitoso pelo qual esses judeus o haviam abordado, não estava inclinado a aceder às suas demandas para que Jesus fosse sentenciado à morte, sem um julgamento. Depois, portanto, de ter esperado uns momentos para que eles apresentassem as suas acusações contra o prisioneiro, voltou-se para eles e disse: “Eu não sentenciarei este homem à morte sem um julgamento; nem consentirei em interrogá-lo até terdes apresentado as vossas acusações contra ele, por escrito”.
185:2.9 (1990.5) Quando o sumo sacerdote e os outros ouviram Pilatos dizer isso, eles deram um sinal para o escrivão do tribunal, que por sua vez passou às mãos de Pilatos as acusações escritas contra Jesus. E essas acusações eram:
185:2.10 (1990.6) “O tribunal sinedrista considera este homem um malfeitor e um perturbador da nossa nação, sendo, pois, culpado de:
185:2.11 (1990.7) “1. Subverter a nossa nação e incitar nosso povo à rebelião.
185:2.12 (1990.8) “2. Proibir o povo de pagar o tributo a César.
185:2.13 (1990.9) “3. Chamar a si próprio de rei dos judeus e de pregar a fundação de um novo reino”.
185:2.14 (1990.10) Jesus não havia sido julgado de maneira regulamentar, nem fora legalmente considerado culpado por nenhuma dessas acusações. Ele nem pudera ouvir tais incriminações quando pela primeira vez foram feitas, mas Pilatos o havia trazido do pretório, onde estivera sob a custódia dos guardas, e insistia que essas acusações fossem repetidas diante de Jesus.
185:2.15 (1990.11) Ao ouvir essas acusações, Jesus bem sabia que não havia sido interrogado sobre tais questões perante o tribunal judaico. E tampouco João Zebedeu e os próprios acusadores nada sabiam de tudo isso. Mas Jesus não respondeu a essas denúncias falsas. Mesmo quando Pilatos ordenou que ele respondesse aos seus acusadores, ele não abriu a boca. Pilatos estava tão atônito com a injustiça de todo o procedimento, e tão impressionado com o comportamento silencioso e magistral de Jesus, que decidiu levar o prisioneiro para dentro da sala e interrogá-lo em privacidade.
185:2.16 (1990.12) Pilatos estava com a mente confundida, no seu coração estava receoso dos judeus e poderosamente incitado, no seu espírito, com o espetáculo da presença de Jesus ali, majestosamente de pé, perante os seus acusadores sedentos de sangue e contemplando-os de cima, não com desprezo silencioso, mas com uma expressão de piedade genuína e de afeição pesarosa.
185:3.1 (1991.1) Pilatos levou Jesus e João Zebedeu até uma sala privada, deixando os guardas do lado de fora, na ante-sala; e, uma vez ali, pediu ao prisioneiro para sentar-se e, sentando-se ao seu lado, fez várias perguntas. Começou a sua conversa com Jesus, assegurando-lhe que não acreditava na primeira acusação contra ele: a de ser um pervertedor da nação e um incitador de rebeliões. Então Pilatos perguntou: “Tu ensinaste, alguma vez, que se deveria recusar a pagar os tributos a César?” Jesus, apontando João, disse: “Pergunta a ele ou a qualquer homem que tenha ouvido aos meus ensinamentos”. Então, Pilatos perguntou a João sobre essa questão do tributo; e João testificou a respeito do ensinamento do seu Mestre e explicou que Jesus e os seus apóstolos pagavam os impostos tanto a César quanto ao templo. Pilatos, após fazer a João aquela pergunta, disse: “Trata de não contar a nenhum homem que eu te dirigi a palavra”. E João nunca revelou nada sobre essa questão.
185:3.2 (1991.2) Pilatos, então, voltou-se para fazer a Jesus outras perguntas: “E agora sobre a terceira acusação contra ti: de que és o rei dos judeus?” Já que havia um tom, na voz de Pilatos, de que essa fosse uma pergunta possivelmente sincera, Jesus sorriu para o procurador e disse: “Pilatos, perguntas isso por ti mesmo, ou trazes essa pergunta dos outros, dos meus acusadores?” Depois disso, em um tom meio indignado, o governador respondeu: “Acaso sou judeu? O teu próprio povo e os sacerdotes principais entregaram-te e me pediram para sentenciar-te à morte. Eu questiono a validade das acusações deles; e estou apenas tentando saber por mim mesmo o que fizeste. Dize-me, tu afirmaste que és o rei dos judeus e tentaste fundar um novo reino?”
185:3.3 (1991.3) Nisso disse Jesus a Pilatos: “Não percebes que o meu Reino não é deste mundo? Se o meu Reino fosse deste mundo, os meus discípulos certamente lutariam para que eu não fosse entregue nas mãos dos judeus. A minha presença aqui diante de ti, de mãos atadas, é suficiente para mostrar a todos os homens que o meu Reino é um domínio espiritual, como a fraternidade dos homens que se tornaram filhos de Deus, pela fé e pelo amor. E essa salvação é para os gentios, tanto quanto para os judeus”.
185:3.4 (1991.4) “Então, afinal, és um rei?” Perguntou Pilatos. E Jesus respondeu: “Sim, eu sou tal rei, e o meu Reino é a família, pela fé, dos filhos do meu Pai que está no céu. Com esse propósito eu nasci neste mundo, para que pudesse mostrar o Pai a todos os homens e dar o testemunho da verdade de Deus. E, ainda agora, eu declaro a ti que todo aquele que ama a verdade ouve a minha voz”.
185:3.5 (1991.5) Nesse momento Pilatos, como que meio ridicularizando e meio com sinceridade, disse: “Verdade? O que é a verdade — quem sabe?”
185:3.6 (1991.6) Pilatos não foi capaz de penetrar nas palavras de Jesus, nem foi capaz de compreender a natureza do seu Reino espiritual, mas agora ele estava certo de que o prisioneiro nada tinha feito para ser merecedor da sentença de morte. Um olhar sobre Jesus, face a face, era suficiente para convencer, até mesmo a um Pilatos, de que aquele homem brando e cansado, entretanto majestoso e justo, não era nenhum revolucionário indômito e perigoso, aspirando estabelecer-se no trono temporal de Israel. Pilatos pensou haver compreendido alguma coisa daquilo que Jesus quis dizer quando chamou a si próprio de rei, pois estava familiarizado com os ensinamentos dos estóicos, os quais afirmavam que “o homem sábio é um rei”. Pilatos estava profundamente convencido de que, em vez de ser um perigoso instigador de sedições, Jesus era, nada mais e nada aquém de um visionário inofensivo, um inocente fanático.
185:3.7 (1991.7) Após interrogar o Mestre, Pilatos voltou até os sacerdotes principais e acusadores de Jesus e disse: “Já interroguei este homem, e não encontro nenhum erro nele. Não o julgo culpado das acusações que fizestes contra ele; penso que deveria ser liberado”. E quando os judeus ouviram isso, eles encolerizaram-se enormemente, tanto que gritaram ferozmente que Jesus deveria morrer; e um dos sinedristas, em afronta, subiu ao lado de Pilatos, para dizer: “Este homem incita o povo; começou pela Galiléia e continuará por toda a Judéia. Ele é um promotor de desordens e um malfeitor. Tu lamentarás muito se deixares este homem perverso sair livre”.
185:3.8 (1992.1) Pilatos viu-se em apuros, sem saber o que fazer com Jesus; por isso, quando os ouviu dizendo que ele começara a sua obra na Galiléia, pensou, para evitar a responsabilidade de decidir sobre o caso, ou ao menos para ganhar tempo e pensar, em enviar Jesus para comparecer perante Herodes, que então se encontrava na cidade para a Páscoa. Pilatos também pensou que esse gesto poderia ajudar, como um antídoto para o rancor que existia há algum tempo entre ele próprio e Herodes, devido aos numerosos mal-entendidos sobre questões de jurisdição.
185:3.9 (1992.2) Pilatos chamou os guardas e disse: “Este homem é galileu. Levai-o imediatamente a Herodes e, depois que ele o houver interrogado, informai-me sobre as suas conclusões”. E eles levaram Jesus a Herodes.
185:4.1 (1992.3) Permanecendo em Jerusalém, Herodes Antipas ocupava o velho palácio Macabeu de Herodes, o Grande; e, para essa casa do antigo rei, Jesus estava agora sendo levado pelos guardas do templo. Ele foi seguido pelos seus acusadores e por uma multidão que crescia. Herodes há muito havia ouvido falar de Jesus, e estava bastante curioso a respeito dele. Quando o Filho do Homem foi posto diante dele, nessa sexta-feira pela manhã, o perverso idumeu não se lembrou, sequer por um instante, do jovem de anos anteriores que comparecera perante ele, em Séforis, pleiteando uma decisão justa a respeito do dinheiro devido ao seu pai, acidentalmente morto durante o trabalho em um dos prédios públicos. Ao que sabia, Herodes nunca havia visto Jesus, embora tivesse estado muito preocupado, por causa dele, quando a sua obra esteve centrada na Galiléia. Agora que se encontrava sob a custódia de Pilatos e dos judeianos, Herodes estava desejoso de vê-lo, sentindo-se seguro contra qualquer problema com ele, no futuro. Herodes tinha ouvido muita coisa sobre os milagres operados por Jesus, e realmente esperava vê-lo fazer alguma coisa prodigiosa.
185:4.2 (1992.4) Quando trouxeram Jesus diante de Herodes, o tetrarca ficou assombrado com a sua aparência imponente e com a serenidade do seu semblante. Durante uns quinze minutos Herodes fez perguntas a Jesus, mas o Mestre não respondeu. Herodes escarneceu dele, desafiando-o a fazer um milagre, mas Jesus nada responderia às suas muitas inquirições, nem reagiria aos seus sarcasmos.
185:4.3 (1992.5) Então, Herodes voltou-se para os sacerdotes principais e para os saduceus e, escutando as acusações deles, ouviu a tudo o que Pilatos havia escutado e mais, a respeito das supostas maldades feitas pelo Filho do Homem. Finalmente, estando convencido de que Jesus não iria falar com ele, nem operar nenhum prodígio, Herodes, após tentar ridicularizá-lo por um certo tempo, colocou sobre ele um antigo manto real de cor púrpura e enviou-o de volta a Pilatos. Herodes sabia que a jurisdição, sobre Jesus na Judéia, não era dele. Embora estivesse contente de crer que, finalmente, se veria livre de Jesus na Galiléia, estava grato pelo fato de que seria Pilatos quem teria a responsabilidade de enviá-lo à morte. Herodes nunca se tinha recuperado completamente do medo que o amaldiçoava, em conseqüência de haver matado João Batista. Algumas vezes, Herodes havia até mesmo temido que Jesus pudesse ser João ressuscitado dos mortos. Agora, ele sentia-se aliviado desse medo, pois pôde observar que Jesus era um tipo de pessoa bem diferente do profeta feroz e franco que ousou denunciar e expor a sua vida privada.
185:5.1 (1993.1) Quando os guardas trouxeram Jesus de volta a ele, Pilatos saiu para os degraus da frente do pretório, onde o seu assento de julgamento havia sido colocado e, reunindo os sacerdotes principais e sinedristas, disse-lhes: “Vós trouxestes este homem a mim sob acusações de que ele subverte o povo, proíbe o pagamento de impostos, e pretende ser o rei dos judeus. Eu interroguei-o e não o considerei culpado dessas acusações. De fato, não vejo transgressões nele. Depois, eu o enviei a Herodes, e o tetrarca deve haver chegado à mesma conclusão, pois o enviou de volta para nós. Certamente, nada merecedor da sentença de morte foi cometido por este homem. Se ainda pensais que ele necessita ser castigado, estou disposto a puni-lo antes de libertá-lo”.
185:5.2 (1993.2) No exato momento em que os judeus estavam prontos para começar a gritar em protesto contra a libertação de Jesus, uma vasta multidão veio aproximando- se do pretório com o propósito de pedir a Pilatos a libertação de um prisioneiro, em honra da comemoração da Páscoa. Durante algum tempo fora costume do governador romano permitir aos populares escolher algum homem prisioneiro ou condenado para receber o perdão na ocasião da Páscoa. E agora que essa multidão tinha vindo diante dele para pedir-lhe a libertação de um prisioneiro, e já que Jesus havia estado tão recentemente nas boas graças das multidões, ocorreu a Pilatos que certamente poderia livrar-se da sua difícil situação, com Jesus, agora como prisioneiro diante do seu assento de julgamento, propondo a essa multidão libertar para eles este homem da Galiléia, em sinal de boa vontade Pascal.
185:5.3 (1993.3) Enquanto a multidão lançava-se para subir a escada do edifício, Pilatos ouvia-a chamando o nome de um tal de Barrabás. Notório agitador político, ladrão e assassino, Barrabás era filho de um sacerdote e, recentemente, havia sido preso em flagrante no ato de roubo e assassinato na estrada de Jericó. Esse homem estaria sob a sentença de morte, tão logo terminassem as festividades da Páscoa.
185:5.4 (1993.4) Pilatos levantou-se e explicou à multidão que Jesus havia sido trazido a ele pelos sacerdotes principais, que procuravam condena-lo à morte sob algumas acusações; mas que ele não achava que o homem merecia morrer. Disse Pilatos: “E, portanto, a quem preferiríeis que eu liberte para vós, esse Barrabás, o assassino, ou esse Jesus da Galiléia?” Depois de Pilatos haver dito isso, os sacerdotes principais e os conselheiros sinedristas, todos gritaram com o máximo das suas vozes: “Barrabás, Barrabás!” E, quando o povo viu que os sacerdotes principais estavam decididos a conseguir levar Jesus à morte, rapidamente uniu-se ao pedido da execução dele e todos gritaram bem alto pela libertação de Barrabás.
185:5.5 (1993.5) Há poucos dias, essa mesma multidão havia contemplado Jesus com um respeito temeroso; no entanto a multidão não via com respeito a alguém que, tendo alegado ser o Filho de Deus, se encontrava agora sob a custódia dos sacerdotes e dirigentes principais e, perante Pilatos, sendo julgado com risco de perder a vida. Jesus podia ser um herói aos olhos do povo quando estivera expulsando os cambistas e os comerciantes do templo, mas não ao ser um prisioneiro que não resistia nas mãos dos seus inimigos e em um julgamento sob sentença de morte.
185:5.6 (1993.6) Pilatos ficou indignado ao ver os sacerdotes principais clamando perdão para um assassino notório e ao mesmo tempo gritando para conseguir o sangue de Jesus. Ele viu a malícia e o ódio, percebendo o preconceito e a inveja deles. E por isso disse-lhes: “Como pudestes escolher a vida de um assassino em lugar da vida deste homem cujo pior crime é chamar-se a si próprio, em sentido simbólico, de rei dos judeus?” Essa afirmação de Pilatos, porém, não foi muito sábia. Os judeus eram um povo orgulhoso, por ora sujeito ao jugo político romano, mas esperando pela vinda de um Messias que os libertasse da escravidão gentia, por meio de uma grande demonstração de poder e de glória. Eles ressentiram-se, mais do que Pilatos poderia avaliar, com a insinuação de que este instrutor de maneiras suaves e de estranhas doutrinas, ora sob prisão e acusado de crimes dignos de pena de morte, fosse mencionado como “o rei dos judeus”. Consideravam essa observação como um insulto a tudo o que possuíam como sagrado e honrado na sua existência nacional, e, por isso, todos eles soltaram forte o grito pela libertação de Barrabás e pela morte de Jesus.
185:5.7 (1994.1) Pilatos sabia que Jesus era inocente das acusações apresentadas contra ele e, houvesse ele sido um juiz justo e corajoso, o teria absolvido e libertado. Mas ele estava com medo de desafiar esses judeus furiosos. Enquanto hesitava em cumprir o seu dever, um mensageiro chegou e apresentou a ele uma mensagem selada da sua esposa, Cláudia.
185:5.8 (1994.2) Aos que estavam reunidos diante dele, Pilatos indicou que gostaria de ler uma comunicação, recebida naquele momento, antes de continuar com a questão que tinha diante de si. Ao abrir a carta da sua esposa, Pilatos leu: “Oro para que nada tenhas a ver com este homem inocente e justo a quem eles chamam de Jesus. Eu sofri muito essa noite, em sonho, por causa dele”. Essa nota de Cláudia não apenas perturbou bastante a Pilatos, que por causa disso retardou o julgamento dessa questão, mas, infelizmente, também proporcionou um tempo considerável aos dirigentes judeus para que circulassem livremente pela multidão, incitando o povo a pedir a libertação de Barrabás e clamar pela crucificação de Jesus.
185:5.9 (1994.3) Finalmente, Pilatos voltou a tratar da solução do problema que tinha pela frente, indagando à assembléia mista de dirigentes judeus e à multidão em busca do perdão: “O que devo fazer com aquele que é chamado de rei dos judeus?” E todos gritaram em um só acorde: “Crucifica-o! Crucifica-o!” A unanimidade desse pedido feito por uma multidão com gente de todo tipo espantou o alarmado Pilatos, um juiz injusto e assaltado pelo medo.
185:5.10 (1994.4) Então, uma vez mais Pilatos disse: “Por que crucificaríeis este homem? Que mal ele fez? Quem virá até aqui para testemunhar contra ele?” Mas quando ouviram Pilatos falar em defesa de Jesus, apenas gritaram ainda mais e mais alto: “Crucifica-o! Crucifica-o!”
185:5.11 (1994.5) Então, Pilatos apelou ainda uma outra vez, perguntando sobre a libertação de um prisioneiro na Páscoa, dizendo: “Uma vez, eu ainda vos pergunto, qual desses prisioneiros devo libertar para vós, nesta época da vossa Páscoa?” E de novo a multidão berrou: “Dá-nos Barrabás!”
185:5.12 (1994.6) Então Pilatos disse: “Se eu libertar Barrabás, o assassino, o que farei com Jesus?” E, uma vez mais, a multidão esgoelou em uníssono: “Crucifica-o! Crucificao!”
185:5.13 (1994.7) Pilatos estava aterrorizado com a insistência do clamor da multidão, agindo sob a liderança direta dos sacerdotes principais e dos conselheiros do sinédrio; e decidiu, contudo, uma vez mais, ao menos, tentar apaziguar a multidão e salvar Jesus.
185:6.1 (1994.8) Apenas os inimigos de Jesus participavam de tudo o que acontecia, nessa manhã de sexta-feira, diante de Pilatos. Os seus amigos, muitos, ainda não sabiam da sua prisão noturna e do julgamento bem cedo pela manhã, ou estavam escondidos para não serem também presos e julgados merecedores da morte por acreditarem nos ensinamentos de Jesus. Na multidão, que agora clamava pela morte do Mestre, estavam apenas os seus inimigos jurados e o povo que não pensa e se deixa levar facilmente.
185:6.2 (1995.1) Pilatos faria ainda um último apelo à piedade de todos. Estando temeroso de desafiar o clamor dessa multidão desguiada que gritava pelo sangue de Jesus, ele ordenou aos guardas judeus e aos soldados romanos que levassem Jesus e que o açoitassem. Esse foi, em si mesmo, um procedimento injusto e ilegal, pois a lei romana estipulava que apenas os condenados à morte por crucificação ficassem sujeitos a tal flagelo. Os guardas levaram Jesus ao pátio aberto do pretório para esse suplício. Ainda que os seus inimigos não houvessem testemunhado esse açoitamento, Pilatos o fez e, antes que houvessem terminado com esse abuso perverso, mandou aos açoitadores que parassem e indicou que Jesus deveria ser trazido a ele. Depois de atarem Jesus ao poste de flagelo e antes de golpearem-no com os seus chicotes cheios de nódulos, os açoitadores de novo colocaram nele o manto purpúreo e trançaram uma coroa de espinhos para colocá-la sobre a sua fronte. E, depois de pôr na sua mão um talo de cana, simulando um cetro, eles ajoelharam- se diante dele e zombaram, dizendo: “Salve, rei dos judeus!” E cuspiram nele e bateram-lhe no rosto com as próprias mãos. E um deles, antes de voltarem com ele a Pilatos, tomou da mão de Jesus o talo e com ele bateu-lhe na cabeça.
185:6.3 (1995.2) Então Pilatos conduziu para o lado de fora este prisioneiro sangrando e dilacerado e, apresentando-o perante a multidão variegada, disse: “Eis o homem! De novo eu declaro a vós que não vejo nenhum crime nele e, tendo açoitado-o, eu gostaria de libertá-lo”.
185:6.4 (1995.3) E ali estava Jesus de Nazaré, vestido em um velho manto real purpúreo, com uma coroa de espinhos que feria a sua bondosa fronte. O seu rosto estava manchado de sangue e o seu corpo encontrava-se curvado pelo sofrimento e a tristeza. Mas nada pode comover os corações insensíveis daqueles que são vítimas de um ódio emocional intenso e que são escravos do preconceito religioso. A visão dessa cena causou um forte estremecimento nos reinos de um vasto universo, mas não tocou os corações daqueles que tinham as mentes fixas na destruição de Jesus.
185:6.5 (1995.4) Quando se recuperaram do primeiro choque de ver o estado do Mestre, apenas gritaram ainda mais alto e mais prolongadamente: “Crucifica-o! Crucifica-o! Crucifica-o!”
185:6.6 (1995.5) E agora Pilatos compreendeu que era inútil apelar para os supostos sentimentos de piedade deles. E, dando um passo adiante, disse: “Percebo que vós estais mesmo decididos que este homem deva morrer, mas o que foi que ele fez para merecer a morte? Quem irá declarar o seu crime?”
185:6.7 (1995.6) Então o próprio sumo sacerdote deu um passo adiante e, subindo até Pilatos, declarou irado: “Temos uma lei sagrada, e por essa lei este homem deve morrer, porque ele se fez passar pelo Filho de Deus”. Quando Pilatos ouviu isso, ficou ainda mais amedrontado, não apenas com os judeus, mas, relembrando-se do bilhete da sua esposa e da mitologia grega, sobre os deuses descendo à Terra, ele temia agora com o pensamento de que Jesus talvez pudesse ser um personagem divino. Acenou para a multidão acalmar-se, enquanto tomava Jesus pelo braço e de novo conduzia-o para dentro do edifício a fim de interrogá-lo outra vez. Pilatos agora estava confundido pelo medo, desnorteado pela superstição e fustigado pela atitude obstinada do povaréu.
185:7.1 (1995.7) Quando, tremendo de emoção atemorizada, assentou-se ao lado de Jesus, Pilatos inquiriu: “De onde vens? Realmente, quem és tu? O que é isso que estão dizendo, que tu és o Filho de Deus?”
185:7.2 (1996.1) Mas Jesus dificilmente podia responder a tais perguntas, pois elas eram feitas por um juiz hesitante, fraco, com medo dos homens e que era injusto a ponto de sujeitá-lo ao açoite, mesmo depois de declarar que ele era inocente de qualquer crime, e antes mesmo de que tivesse sido ele devidamente sentenciado à morte. Jesus olhou para Pilatos bem de frente, mas nada lhe respondeu. Então Pilatos disse: “Tu te recusas a falar comigo? Não consegues perceber que eu ainda tenho o poder de libertar-te ou de crucificar-te?” Então Jesus disse: “Tu não poderias ter nenhum poder sobre mim se isso não fosse permitido de cima. Nenhuma autoridade tu poderias exercer sobre o Filho do Homem, a menos que o Pai no céu o permitisse. Mas não tens tanta culpa, já que ignoras o evangelho. Aquele que me traiu e aquele que me entregou a ti, eles sim cometeram o maior pecado”.
185:7.3 (1996.2) Essa última conversa com Jesus amedrontou profundamente a Pilatos. Esse covarde moral e esse juiz débil agora lidava com o duplo fardo do medo supersticioso de Jesus e do temor mortal dos líderes judeus.
185:7.4 (1996.3) De novo Pilatos apareceu diante da multidão, dizendo: “Estou certo de que esse homem é apenas um transgressor religioso. Devíeis levá-lo e julgá-lo segundo a vossa lei. Por que devíeis esperar que eu consentisse na sua morte por ter ele entrado em choque com as vossas tradições?”
185:7.5 (1996.4) Pilatos estava como que pronto para libertar Jesus quando Caifás, o sumo sacerdote, aproximou-se do covarde juiz romano e, agitando um dedo vingativo no rosto de Pilatos, disse, com palavras iradas, as quais toda a multidão pôde ouvir: “Se libertares esse homem, não és amigo de César; e eu farei com que o imperador saiba de tudo”. Essa ameaça pública era demais para Pilatos. O medo pela sua situação pessoal agora eclipsava quaisquer outras considerações, e o covarde governador ordenou que Jesus fosse trazido diante do assento de julgamento. E enquanto o Mestre permanecia lá diante deles, Pilatos apontou para ele e disse em escárnio, “Aqui está o vosso rei”. E os judeus responderam: “Fora com ele. Crucifica-o!” E então, com muita ironia e sarcasmo, Pilatos disse: “Devo crucificar o vosso rei?” E os judeus responderam: “Sim, crucifica-o! Não temos outro rei além de César”. E foi então que Pilatos compreendeu que não havia esperança de salvar Jesus, já que ele não queria desafiar os judeus.
185:8.1 (1996.5) Ali estava o Filho de Deus encarnado como o Filho do Homem. Ele fora preso sem acusação de culpa; acusado sem evidências; julgado sem testemunhas; punido sem um veredicto, e, agora, estava para ser, em breve, condenado a morrer por um juiz injusto que confessava não haver encontrado nenhum erro nele. Se Pilatos pensara em apelar para o patriotismo deles referindo-se a Jesus como o “rei dos judeus”, equivocara-se redondamente. Os judeus não estavam esperando por nenhum rei como esse. A declaração dos sacerdotes principais e dos saduceus: “Não temos nenhum rei a não ser César”, foi um choque até para o povo irrefletido; mas agora, ainda que a multidão ousasse abraçar a causa do Mestre, era tarde demais para salvar Jesus.
185:8.2 (1996.6) Pilatos temia um tumulto ou um motim. Ele não ousaria arriscar-se a ter uma tal perturbação durante a época da Páscoa em Jerusalém. Recentemente havia recebido uma reprimenda de César, e não se arriscaria a receber outra. A multidão aplaudiu quando ele ordenou a libertação de Barrabás. Então, ele ordenou que lhe trouxessem uma bacia e um pouco de água para que, ali mesmo, perante a multidão, ele lavasse as próprias mãos, dizendo: “Sou inocente do sangue deste homem. Estais decididos que ele deve morrer, mas eu não encontrei nenhuma culpa nele. E, pois, cuidai vós disso. Os soldados o levarão”. E então a multidão aplaudiu e replicou: “Que o seu sangue caia sobre nós e sobre os nossos filhos”.
O Livro de Urântia
Documento 186
186:0.1 (1997.1) QUANDO Jesus e os seus acusadores partiram para ver Herodes, o Mestre voltou-se para o apóstolo João e disse: “João, podes fazer mais por mim. Vai até a minha mãe e traze-a para ver-me, antes que eu morra”. Quando João ouviu o pedido do seu Mestre, embora ficasse relutante em deixá- lo a sós com os seus inimigos, apressou-se a ir a Betânia, onde toda a família de Jesus estava reunida, à espera, na casa de Marta e Maria, irmãs de Lázaro a quem Jesus ressuscitou dos mortos.
186:0.2 (1997.2) Por várias vezes durante a manhã, os mensageiros haviam trazido notícias a respeito do progresso do julgamento de Jesus, para Marta e Maria. Mas a família de Jesus não alcançou Betânia senão uns poucos minutos antes de João haver chegado, trazendo o pedido de Jesus para ver a sua mãe antes de ser levado à morte. Depois que João Zebedeu contou a eles tudo que havia acontecido, desde a prisão de Jesus à meia-noite, Maria, a mãe dele, foi imediatamente, em companhia de João, ver o seu filho mais velho. No momento em que Maria e João chegaram à cidade, Jesus, acompanhado pelos soldados romanos que iam crucificá- lo, havia chegado já ao Gólgota.
186:0.3 (1997.3) Quando Maria, a mãe de Jesus, partiu com João para ver o seu filho, a sua irmã Rute negou-se a ficar para trás com o resto da família. E, já que ela estava decidida a acompanhar a sua mãe, o seu irmão Judá foi com elas. O restante da família do Mestre permaneceu em Betânia sob a liderança de Tiago, e a cada hora, quase, os mensageiros de Davi Zebedeu traziam a eles notícias sobre o andamento daquele assunto terrível que era a execução da sentença de morte do seu irmão mais velho, Jesus de Nazaré.
186:1.1 (1997.4) Foi por volta das oito e meia, dessa sexta-feira pela manhã, que a audiência de Jesus perante Pilatos deu-se por terminada; e só então o Mestre foi colocado sob a custódia dos soldados romanos que deviam crucificá-lo. Tão logo os romanos tomaram posse de Jesus, o capitão dos guardas judeus marchou com os seus homens de volta para a sua sede no templo. O sumo sacerdote e os seus parceiros sinedristas seguiram atrás dos guardas, bem de perto, indo diretamente para o seu local usual de encontro na sala de pedra lavrada no templo. Ali eles encontraram muitos outros membros do sinédrio, esperando para saber o que havia sido feito com Jesus. Enquanto Caifás ocupava-se fazendo o seu relatório para o sinédrio, a respeito do julgamento e da condenação de Jesus, Judas apareceu diante deles para reclamar a sua recompensa pelo papel que teve na prisão e na sentença de morte do seu Mestre.
186:1.2 (1997.5) Todos esses judeus detestavam Judas e olharam para o traidor apenas com sentimentos de total desprezo. Durante o julgamento de Jesus perante Caifás e durante o seu comparecimento diante de Pilatos, Judas esteve com a consciência afligida por causa da sua conduta de traidor. E estava também começando a ficar um tanto desiludido com a recompensa que ia receber como pagamento pelos seus serviços de trair Jesus. Ele não gostou da frieza e da indiferença das autoridades judias; entretanto esperava ser amplamente recompensado pela sua conduta covarde. Ele antecipava que fosse chamado perante uma reunião completa do sinédrio e que ali ouviria os elogios, enquanto eles confeririam a ele as honrarias adequadas como prova do grande serviço que ele se vangloriava haver prestado à sua nação. Imaginai, pois, a grande surpresa desse traidor egoísta, quando um servo do sumo sacerdote, tocando em seu ombro, chamou-o para que saísse da sala e foi dizendo: “Judas, eu fui indicado para pagar-te pela traição de Jesus. Aqui está a tua recompensa”. E, falando assim, o servo de Caifás entregou a Judas uma bolsa que continha trinta moedas de prata — o preço, em vigor, de um escravo bom e saudável.
186:1.3 (1998.1) Judas ficou atônito, aturdido. E correu para entrar na sala, mas foi barrado pelo porteiro. Queria apelar para o sinédrio, mas não quiseram recebê-lo. Judas não podia crer que esses dirigentes judeus tivessem esperado que ele traísse os seus amigos e o seu Mestre para depois oferecerem a ele trinta moedas de prata como recompensa. Estava humilhado, desiludido e totalmente oprimido. Ele saiu do templo, por assim dizer, em um transe. Automaticamente, deixou a bolsa de dinheiro cair no fundo do seu bolso, aquele mesmo bolso onde, por tanto tempo, ele havia levado a bolsa que continha os fundos apostólicos. E perambulou por toda a cidade, atrás das multidões que estavam a caminho de presenciar as crucificações.
186:1.4 (1998.2) À distância Judas viu que levantavam a cruz na qual Jesus estava pregado e, ao ver isso, correu de volta ao templo e, forçando a sua passagem junto ao porteiro, viu-se na presença do sinédrio, ainda reunido. O traidor achava-se quase sem respiração e altamente perturbado, mas conseguiu balbuciar estas palavras: “Eu pequei porque traí contra sangue inocente. Vós me insultastes. Oferecestes dinheiro a mim como recompensa pelo meu serviço — o preço de um escravo. Arrependo-me de ter feito isso; aqui está o vosso dinheiro. Eu quero escapar da culpa de ter cometido esse ato”.
186:1.5 (1998.3) Ao ouvirem Judas, os dirigentes dos judeus escarneceram dele. Um deles, assentado perto de onde estava Judas, acenou para que ele saísse da sala, dizendo: “O teu Mestre já foi executado pelos romanos e, quanto à tua culpa, o que é isso para nós? Cuida tu dela — e fora daqui!”
186:1.6 (1998.4) Ao deixar a sala do sinédrio, ele retirou as trinta moedas de prata da bolsa e jogou-as, espalhando-as pelo assoalho do templo. Quando o traidor deixou o templo, ele encontrava-se quase fora de si. Judas estava agora passando pela experiência da compreensão da verdadeira natureza do pecado. Todo o encanto, o fascínio e a embriaguez da má ação haviam-se esvaído. Agora o pecador encontrava-se só e frente a frente com o veredicto do julgamento da sua alma desiludida e desapontada. O pecado é fascinante e aventuroso ao ser cometido; mas, agora, a colheita dos fatos nus e pouco românticos devia ser enfrentada.
186:1.7 (1998.5) Este que fora um embaixador do Reino do céu na Terra, caminhou então pelas ruas de Jerusalém, abandonado e só. O seu desespero era irremediável e quase absoluto. E ele continuou pela cidade e para fora dos seus muros, até a solidão terrível do vale do Hinom, onde subiu pelas rochas escarpadas e, tirando o cinturão do seu manto, atou uma das extremidades a uma árvore pequena, e a outra em volta do próprio pescoço e jogou-se no precipício. Antes de morrer, o nó feito pelas suas mãos nervosas desatou-se, e o corpo do traidor arremeteu-se, fazendo-se em pedaços ao cair por sobre as rochas pontiagudas embaixo.
186:2.1 (1999.1) Quando foi preso, Jesus sabia que o seu trabalho na Terra, à semelhança da carne mortal, havia sido concluído. Ele compreendeu plenamente a espécie de morte que teria e pouco preocupado esteve com os detalhes do seu assim chamado julgamento.
186:2.2 (1999.2) Perante o tribunal sinedrista Jesus recusou-se a dar respostas aos depoimentos dos testemunhos perjuros. Havia apenas uma pergunta que esclareceria para sempre uma resposta, feita fosse por um amigo ou um inimigo, era a que dizia respeito à natureza e divindade da sua missão na Terra. Quando perguntado se ele era o Filho de Deus, infalivelmente responderia. E, imperturbável, ele recusou-se a falar quando em presença do estranho e perverso Herodes. Diante de Pilatos falou apenas quando achou que Pilatos, ou alguma outra pessoa sincera, poderia ainda ser ajudada a ter um conhecimento melhor da verdade, por meio do que ele dissesse. Jesus havia ensinado aos seus apóstolos a inutilidade de atirar as suas pérolas aos porcos e, agora, ele praticava, ousando, o que havia ensinado. A sua conduta nessa época exemplificava a submissão paciente da natureza humana, unida ao silêncio majestoso e à dignidade solene da natureza divina. Ele estava totalmente disposto a conversar com Pilatos sobre qualquer questão relacionada às acusações políticas levantadas contra ele — qualquer questão que ele reconhecesse como pertencendo à jurisdição do governador.
186:2.3 (1999.3) Jesus estava convencido de que a vontade do Pai era de que ele se submetesse à seqüência natural e comum dos acontecimentos humanos, exatamente como qualquer outra criatura mortal havia de fazer; e por isso recusou-se a empregar até mesmo os seus poderes puramente humanos de eloqüência persuasiva para influenciar a conseqüência das maquinações dos seus semelhantes mortais socialmente míopes e espiritualmente cegos. Embora Jesus tenha vivido e morrido em Urântia, toda a sua carreira humana, do princípio ao fim, foi um acontecimento destinado a influenciar e a instruir todo o universo da sua criação e da sua incessante sustentação.
186:2.4 (1999.4) Esses judeus de pouca visão clamavam sem decoro pela morte do Mestre, enquanto ele permanecia lá, em um silêncio terrível, olhando a cena de morte de uma nação — o próprio povo do seu pai.
186:2.5 (1999.5) Jesus havia adquirido aquele tipo de caráter humano que conseguiria manter a própria compostura e afirmar a sua dignidade, diante mesmo do insulto contínuo e gratuito. Ele não podia ser intimidado. Quando, pela primeira vez, foi atacado pelo servo de Anás, ele havia apenas sugerido que valeria a pena convocar as testemunhas que poderiam atestar devidamente contra ele.
186:2.6 (1999.6) Do princípio ao fim, no seu chamado julgamento diante de Pilatos, as hostes celestes, observando os acontecimentos, não puderam abster-se de transmitir ao universo uma descrição da cena como de “Pilatos, sendo julgado diante de Jesus”.
186:2.7 (1999.7) Quando esteve diante de Caifás, e quando todos os testemunhos perjuros desmoronaram- se, Jesus não hesitou em responder à pergunta do sumo sacerdote, provendo assim com o seu próprio testemunho a base que desejavam para condená- lo por blasfêmia.
186:2.8 (1999.8) O Mestre nunca manifestou o menor interesse pelos esforços bem-intencionados, mas acanhados, de Pilatos, para efetivar a sua libertação. De fato, tinha pena de Pilatos e, sinceramente, tentou esclarecer a sua mente obscurecida. E totalmente passivo permaneceu diante de todos os apelos do governador aos judeus, para retirarem as suas acusações criminais contra si. Durante toda a triste provação, comportou-se com uma dignidade simples e com majestade sem ostentação. Ele não quis nem mesmo realçar a insinceridade daqueles que queriam assassiná-lo, quando perguntaram se ele era o “rei dos judeus”. Aceitou essa designação com um mínimo de esforço para retificá-la, pois sabia que, conquanto houvessem escolhido rejeitá-lo, seria ele o último a representar para eles uma liderança nacional real, ainda que em um sentido espiritual.
186:2.9 (2000.1) Jesus disse pouca coisa durante esses julgamentos, mas falou o suficiente para mostrar a todos os mortais a qualidade do caráter humano que pode ser aperfeiçoado por um homem, quando em ligação com Deus; e para revelar a todo o universo o modo pelo qual Deus pode tornar-se manifesto, na vida da criatura, quando tal criatura escolhe verdadeiramente fazer a vontade do Pai, transformando-se assim em um filho ativo do Deus vivo.
186:2.10 (2000.2) O seu amor pelos mortais ignorantes é mostrado amplamente pela sua paciência e sua grande presença de espírito diante da zombaria, dos golpes e bofetadas dos soldados grosseiros e dos servos irrefletidos. Ele nem ficou com raiva quando eles vendaram os seus olhos e, ridicularizando-o, esbofetearam o seu rosto, exclamando: “Profetiza, então, quem de nós esbofeteou o teu rosto”.
186:2.11 (2000.3) Pilatos falou mais verdadeiramente do que ele próprio podia supor quando, depois de Jesus ter sido açoitado, apresentou-o à multidão, exclamando: “Contemplai, eis o homem!” De fato, o governador romano, cheio de temores, mal sonhava que exatamente naquele momento o universo permanecia atento, presenciando essa cena única do seu amado Soberano, assim submetido à humilhação, aos escárnios e aos golpes dos seus súditos mortais pouco esclarecidos e degradados. E o que Pilatos disse ecoou em todo o Nébadon: “Contemplai, eis o Deus e o homem!” Em todo um universo, milhões incontáveis a partir daquele dia continuaram a contemplar aquele homem, enquanto o Deus em Havona, o dirigente supremo do universo dos universos, aceita o homem de Nazaré como sendo a satisfação do ideal para as criaturas mortais desse universo local do tempo e do espaço. Na sua vida sem par, ele nunca deixou de revelar Deus ao homem. Agora, nesses episódios finais da sua carreira mortal e da sua morte subseqüente, ele fazia uma revelação nova e tocante do homem para Deus.
186:3.1 (2000.4) Pouco depois de Jesus haver sido entregue aos soldados romanos, na conclusão da audiência perante Pilatos, um destacamento de guardas do templo apressou-se até o Getsêmani para dispersar ou prender os seguidores do Mestre. Mas, muito antes da chegada deles, esses seguidores já se haviam dispersado. Os apóstolos retiraram-se para os esconderijos designados; os gregos separaram-se e foram para várias casas em Jerusalém; os outros discípulos desapareceram do mesmo modo. Davi Zebedeu acreditava que os inimigos de Jesus voltariam; e, assim, logo ele retirou umas cinco ou seis tendas para a ravina, perto de onde o Mestre tão freqüentemente ia orar e adorar. Ali ele propunha esconder e ao mesmo tempo manter um centro, ou uma estação coordenadora, para o serviço dos seus mensageiros. Davi mal tinha deixado o campo quando os guardas do templo chegaram. Não encontrando ninguém ali, contentaram-se em queimar o acampamento e então voltaram apressados para o templo. Ao ouvir o relato deles, o sinédrio ficou satisfeito de que os seguidores de Jesus, tão profundamente amedrontados e subjugados, houvessem fugido, eliminando qualquer perigo de revolta ou tentativa para resgatar Jesus das mãos dos seus executores. Eles podiam afinal respirar com alívio, e assim terminaram a reunião, cada homem tomando o seu caminho a fim de preparar-se para a Páscoa.
186:3.2 (2000.5) Tão logo Jesus havia sido entregue aos soldados romanos por Pilatos, para a crucificação, um mensageiro apressou-se até o Getsêmani para informar a Davi e, em cinco minutos, os corredores estavam a caminho de Betsaida, Pela, Filadélfia, Sidom, Síquem, Hebrom, Damasco e Alexandria. E esses mensageiros levaram as notícias de que Jesus estava para ser crucificado pelos romanos diante da exigência insistente dos dirigentes judeus.
186:3.3 (2001.1) Durante esse dia trágico, até receber o aviso de que o Mestre havia sido colocado na tumba, Davi enviara os mensageiros a cada meia hora com relatórios aos apóstolos, aos gregos e à família terrena de Jesus, reunida na casa de Lázaro em Betânia. Quando os mensageiros partiram com a notícia de que Jesus havia sido sepultado, Davi dispensou o grupo de corredores locais para a celebração da Páscoa e para o sábado de descanso, e, em seguida, instruiu-lhes para que se reportassem a ele discretamente no domingo pela manhã, na casa de Nicodemos, onde ele se propunha permanecer escondido por alguns dias com André e Simão Pedro.
186:3.4 (2001.2) Esse Davi Zebedeu, com o seu modo de pensar peculiar, foi o único dos discípulos principais de Jesus que se achava inclinado a ter uma visão, ao pé da letra, sobre a afirmação positiva do Mestre de que ele iria morrer e “ressuscitar ao terceiro dia”. Certa vez, Davi ouvira-o fazer essa predição e, tendo uma mente prática e que via as coisas literalmente, agora se propunha reunir os seus mensageiros no domingo, pela manhã bem cedo, na casa de Nicodemos, de modo tal que eles estivessem à mão para disseminar as novas, no caso de Jesus ressuscitar dos mortos. Davi logo descobriu que nenhum dos seguidores de Jesus estava esperando que ele retornasse tão cedo da sepultura; e por isso ele pouco disse sobre a sua crença e nada revelou sobre a mobilização, em sua força plena, dos mensageiros cedo no domingo, exceto para os corredores que haviam sido despachados na sexta-feira, à tarde, para as cidades distantes e para os centros de crentes.
186:3.5 (2001.3) E, assim, esses seguidores de Jesus, espalhados por toda a Jerusalém e pelos seus arredores, naquela noite, compartilharam da Páscoa e no dia seguinte permaneceram em reclusão.
186:4.1 (2001.4) Pilatos lavou as suas mãos diante da multidão, buscando assim escapar da culpa por mandar um homem inocente para ser crucificado, apenas porque ele temia resistir ao clamor dos dirigentes judeus; e, em seguida, mandou que o Mestre fosse entregue aos soldados romanos e deu instruções ao capitão deles para que o crucificasse imediatamente. Ao tomarem Jesus ao seu encargo, os soldados conduziram-no de volta ao pátio do pretório e, depois de remover o manto que Herodes havia colocado sobre ele, eles vestiram-no com as suas próprias roupas. Esses soldados zombaram e escarneceram dele, mas não mais lhe infligiram nenhuma punição física. Jesus agora estava só com esses soldados romanos. Os seus amigos permaneciam escondidos; os seus inimigos haviam seguido o próprio caminho; até mesmo João Zebedeu não se encontrava mais a seu lado.
186:4.2 (2001.5) Pilatos entregou Jesus aos soldados, pouco depois das oito horas; e um pouco antes das nove, eles partiram para o local da crucificação. Durante esse período de mais de meia hora, Jesus não falou sequer uma palavra. Os assuntos executivos de um grande universo ficaram praticamente em compasso de espera. Gabriel e os seus principais dirigentes de Nébadon encontravam-se reunidos aqui em Urântia, ou então acompanhando de perto os relatórios espaciais dos arcanjos, em um esforço de mantê-los informados sobre o que estava acontecendo ao Filho do Homem em Urântia.
186:4.3 (2001.6) Quando os soldados ficaram prontos para partir com Jesus, em direção ao Gólgota, eles começaram a ficar impressionados com a compostura incomum, e a extraordinária dignidade e o seu silêncio sem queixas de Jesus.
186:4.4 (2001.7) Grande parte da demora em partir com ele para o local da crucificação foi devida à decisão, de última hora, tomada pelo capitão, de levar junto os dois ladrões que haviam sido condenados a morrer; já que Jesus devia ser crucificado naquela manhã, o capitão romano julgou que esses dois podiam muito bem morrer com ele, em vez de esperar pelo fim das festividades da Páscoa.
186:4.5 (2002.1) Tão logo os ladrões puderam ser aprontados, eles foram conduzidos ao pátio, onde, ao olharem para Jesus, um deles estava vendo-o pela primeira vez, mas o outro estivera, por várias vezes, ouvindo-o falar, não apenas no templo, mas, meses antes, no campo de Pela.
186:5.1 (2002.2) Não há nenhuma relação direta entre a morte de Jesus e a Páscoa judaica. Verdade é que o Mestre entregou a sua vida na carne nesse dia, o Dia da Preparação para a Páscoa judaica, e por volta da hora do sacrifício dos cordeiros da Páscoa no templo. Mas a coincidência desses acontecimentos de nenhuma maneira indica que a morte do Filho do Homem, na Terra, tenha qualquer ligação com o sistema de sacrifícios dos judeus. Jesus era um judeu, e, como Filho do Homem, era um mortal dos reinos. Os acontecimentos já narrados, que conduziram a esse momento da crucificação iminente do Mestre, são suficientes para indicar que a sua morte por volta desse momento foi uma questão natural e manipulada inteiramente pelos homens.
186:5.2 (2002.3) Foi o homem, e não Deus, que planejou e executou a morte de Jesus na cruz. Bem verdade é que o Pai recusou-se a interferir na marcha dos acontecimentos humanos em Urântia, mas o Pai no Paraíso não decretou, nem exigiu ou solicitou a morte do seu Filho, como foi executada na Terra. É um fato que, de alguma maneira, mais cedo ou mais tarde, Jesus teria tido que se despojar do corpo mortal, da sua encarnação nessa carne, mas ele poderia haver cumprido essa tarefa de inúmeros modos, sem que fosse necessário morrer em uma cruz entre dois ladrões. Tudo isso foi um feito do homem, não de Deus.
186:5.3 (2002.4) Na época do batismo do Mestre, já havia ele concluído a técnica da experiência exigida na Terra e na carne, necessária para completar a sua sétima e última auto-outorga no universo. Nessa mesma época o dever de Jesus na Terra estava já cumprido. Daí por diante, toda a vida que ele viveu e mesmo o modo da sua morte foram uma ministração puramente pessoal da sua parte para o bem-estar e para a elevação das suas criaturas mortais neste mundo e em outros mundos.
186:5.4 (2002.5) O evangelho das boas-novas, de que o homem mortal pode, pela fé, tornar-se consciente espiritualmente de que é um filho de Deus, não depende em nada da morte de Jesus. É bem verdade, de fato, que todo o evangelho do Reino haja sido imensamente iluminado pela morte do Mestre, no entanto foi ainda e muito mais iluminado pela sua vida.
186:5.5 (2002.6) Tudo que o Filho do Homem disse ou fez na Terra embelezou grandemente as doutrinas da filiação a Deus e da fraternidade dos homens, mas essas relações essenciais, entre Deus e os homens, são inerentes aos fatos universais do amor de Deus pelas suas criaturas e à misericórdia inata dos Filhos divinos. Essas relações tocantes e divinamente belas, entre o homem e o seu Criador, neste mundo e em todos os outros, em todo o universo dos universos, têm existido desde a eternidade; e elas não são, em nenhum sentido, dependentes das atuações, como tais, nas auto-outorgas periódicas que fazem os Filhos Criadores de Deus, assumindo assim a natureza e a semelhança das suas inteligências criadas, como uma parte do preço que devem pagar para a aquisição final da soberania ilimitada sobre os seus respectivos universos locais.
186:5.6 (2002.7) O Pai no céu amava os homens mortais na Terra antes da vida e da morte de Jesus, em Urântia, tanto quanto ele ama depois dessa demonstração transcendental de co-participação entre o homem e Deus. Essa transação poderosa da encarnação do Deus de Nébadon, como um homem, em Urântia, não poderia aumentar os atributos do Pai eterno, infinito e universal; no entanto, enriqueceu e iluminou a todos os outros administradores e criaturas do universo de Nébadon. Conquanto não haja de ser por isso que o Pai do céu em nada mais nos amaria, é, todavia, em vista dessa autodoação de Michael que todas as outras inteligências celestes nos amam mais. E isso é assim porque Jesus não apenas fez uma revelação de Deus para o homem, mas porque, do mesmo modo, fez uma nova revelação do homem aos Deuses e às inteligências celestes do universo dos universos.
186:5.7 (2003.1) Jesus não esteve na iminência de morrer em um sacrifício pelo pecado. Ele não iria expiar a culpa moral inata da raça humana. A humanidade não tem uma culpa racial perante Deus. A culpa é puramente uma questão do pecado pessoal e consciente, da rebelião deliberada contra a vontade do Pai e contra a administração dos seus Filhos.
186:5.8 (2003.2) O pecado e a rebelião nada têm a ver com o plano fundamental das auto-outorgas feito para os Filhos do Paraíso de Deus; embora pareça a nós que o plano de salvação seja um aspecto provisional do plano das auto-outorgas.
186:5.9 (2003.3) A salvação dada por Deus aos mortais de Urântia teria sido tão efetiva e inequivocamente segura se Jesus não tivesse sido levado à morte pelas mãos cruéis de mortais ignorantes. Se o Mestre tivesse sido favoravelmente recebido pelos mortais da Terra e se tivesse partido de Urântia por meio da renúncia voluntária da sua vida na carne, o fato do amor de Deus e da misericórdia do Filho — o fato da filiação a Deus — não teria, de nenhum modo, sido afetado. Vós, mortais, sois filhos de Deus, e apenas uma coisa é exigida para que essa verdade seja factual na vossa existência pessoal, e esta é a vossa fé, nascida do espírito.
O Livro de Urântia
Documento 187
187:0.1 (2004.1) APÓS os dois ladrões haverem sido preparados, sob o comando de um centurião, os soldados partiram para o local da crucificação. O centurião encarregado desses doze soldados era o mesmo capitão que havia conduzido os soldados romanos na noite anterior para prender Jesus no Getsêmani. Era costume dos romanos designar quatro soldados para cada pessoa a ser crucificada. Os dois ladrões foram devidamente açoitados antes de serem levados para a crucificação, mas a Jesus nenhuma punição física mais foi dada; o capitão sem dúvida julgou que ele havia já sido suficientemente açoitado, antes mesmo da sua condenação.
187:0.2 (2004.2) Os dois ladrões crucificados com Jesus eram comparsas de Barrabás e, mais tarde, seriam executados até a morte com o seu líder, se este não houvesse sido libertado pelo perdão de Pilatos na Páscoa. Assim, Jesus foi crucificado no lugar de Barrabás.
187:0.3 (2004.3) O que Jesus, agora, está na iminência de realizar, ao submeter-se à morte na cruz, ele o faz segundo a sua própria vontade. Ao predizer essa experiência, ele afirma: “O Pai me ama e me sustenta porque eu estou disposto a entregar a minha própria vida. Mas eu a recuperarei novamente. Ninguém tira a minha vida de mim — eu a entrego por mim mesmo. Tenho autoridade para entregá-la, como tenho autoridade para retomá-la. Recebi esse mandado do meu Pai”.
187:0.4 (2004.4) Era um pouco antes das nove horas dessa manhã quando os soldados saíram do pretório com Jesus, a caminho do Gólgota. E foram seguidos por algumas pessoas que secretamente simpatizavam com Jesus, mas a maior parte desse grupo de duzentas ou mais pessoas era de inimigos seus ou de curiosos vadios que meramente desejavam desfrutar do horror de presenciar as crucificações. Apenas uns poucos líderes judeus foram ver Jesus morrer na cruz. Sabendo que ele havia sido entregue aos soldados romanos, por Pilatos, e que havia sido condenado a morrer, eles ocupavam-se com a sua reunião no templo, onde, por causa de tudo isso, discutiam o que deveria ser feito com os seus seguidores.
187:1.1 (2004.5) Antes de deixar o pátio do pretório, os soldados colocaram a viga nos ombros de Jesus. Era costume obrigar o homem condenado a carregar a viga horizontal da cruz até o local da crucificação. Um homem condenado não carregava a cruz inteira, apenas essa travessa menor. As peças mais longas e verticais de madeira das três cruzes haviam sido transportadas para o Gólgota e, quando da chegada dos soldados e dos seus prisioneiros, achavam-se já firmemente fincadas no chão.
187:1.2 (2004.6) De acordo com o costume, o capitão liderava a procissão, e devia carregar pequenas plaquetas brancas em que se encontravam escritos a carvão os nomes dos criminosos e a natureza dos crimes pelos quais eles haviam sido condenados. Para os dois ladrões, o centurião tinha letreiros que traziam os seus nomes, sob os quais estava escrita uma palavra: “Bandido”. Era costume, depois que a vítima havia sido pregada com cravos, à viga horizonal da cruz, e levantada até o seu local na viga vertical, pregar essa tabuleta no alto da cruz, pouco acima da cabeça do criminoso, para que todos os presentes pudessem conhecer o crime pelo qual o homem condenado estava sendo crucificado. A inscrição que o centurião levava para colocar na cruz de Jesus tinha sido escrita pelo próprio Pilatos, em latim, grego e aramaico, e nela se lia: “Jesus de Nazaré — Rei dos Judeus”.
187:1.3 (2005.1) Algumas das autoridades judaicas, que ainda estavam presentes quando Pilatos terminou essa inscrição, fizeram um protesto vigoroso contra chamar Jesus de “rei dos judeus”. Mas Pilatos lembrou-lhes que tal acusação era uma parte da incriminação que causara a condenação dele. Quando os judeus perceberam que não conseguiam impor-se a Pilatos para fazê-lo mudar de idéia, eles demandaram que pelo menos fosse modificada a inscrição, para constar: “Ele disse: ‘eu sou o rei dos judeus’”. Pilatos, contudo, manteve-se inflexível; não alteraria a inscrição. A todas as outras súplicas ele apenas respondeu: “O que escrevi, está escrito”.
187:1.4 (2005.2) Normalmente, o costume era ir até o Gólgota pela estrada mais longa, para que um grande número de pessoas pudesse ver o criminoso condenado, mas, nesse dia, eles foram pela estrada mais direta, até o portão de Damasco que conduzia para fora da cidade pelo norte e, seguindo por essa estrada, eles chegaram logo ao Gólgota, o local oficial de crucificação de Jerusalém. Depois do Gólgota ficavam as vilas dos ricos e, do outro lado da estrada, encontravam-se os túmulos de muitos judeus abastados.
187:1.5 (2005.3) A crucificação não era uma forma judaica de punição. Tanto os gregos quanto os romanos aprenderam esse método de execução com os fenícios. Mesmo Herodes, e toda a sua crueldade, não recorreu à crucificação. Os romanos nunca crucificaram um cidadão romano; apenas os escravos e os povos subjugados eram submetidos a esse modo desonroso de morte. Durante o sitiamento de Jerusalém, exatamente quarenta anos depois da crucificação de Jesus, todo o Gólgota esteve coberto por milhares e milhares de cruzes nas quais, dia a dia, a flor da raça judaica pereceu. De fato foi uma colheita terrível pelo que se semeou neste dia.
187:1.6 (2005.4) Enquanto a procissão de morte passava ao longo das ruas estreitas de Jerusalém, muitas das mulheres judias, de coração enternecido, que haviam ouvido as palavras de encorajamento e de compaixão de Jesus, e que conheciam a sua vida de ministério de amor, não conseguiam deixar de chorar quando o viram sendo levado para uma morte tão ignóbil. Enquanto ele passava, muitas dessas mulheres deploravam e lamentavam. E, quando algumas delas ousaram aproximar-se e seguir junto ao seu lado, o Mestre voltou a sua cabeça para elas e disse: “Filhas de Jerusalém, não choreis por mim, choreis antes por vós próprias e pelos vossos filhos. A minha obra está praticamente finalizada — logo irei para o meu Pai — , mas os tempos de tribulações terríveis para Jerusalém estão apenas começando. Vede, estão chegando os dias nos quais vós devereis dizer: Abençoados sejam as mulheres estéreis e os seios que nunca alimentaram nenhuma criança. Nesses dias vós orareis para que as pedras das montanhas caiam sobre vós, para que possais ser libertadas dos terrores que serão as vossas tribulações”.
187:1.7 (2005.5) Essas mulheres de Jerusalém foram verdadeiramente corajosas ao manifestar simpatia por Jesus, pois era estritamente contra a lei demonstrar sentimentos amistosos por alguém que estava sendo conduzido à crucificação. Ao povaréu era permitido escarnecer, ridicularizar e zombar dos condenados, mas não era permitido que fosse expressa nenhuma simpatia por eles. Embora apreciasse a manifestação de simpatia, nessa hora escura em que os seus amigos estavam escondidos, Jesus não queria que essas mulheres de corações bondosos caíssem no desagrado das autoridades por ousar demonstrar compaixão por ele. Mesmo em momentos como esses Jesus pensava pouco em si próprio, pensava mais nos dias terríveis de tragédia que viriam para Jerusalém e para toda a nação judaica.
187:1.8 (2006.1) O Mestre andava penosamente pelo caminho da crucificação, pois ele estava muito cansado, quase exausto. Não tinha ingerido nem alimento, nem água, desde a Última Ceia na casa de Elias Marcos; nem lhe tinha sido permitido gozar de um momento de sono. Além disso, havia sido realizado um interrogatório atrás do outro, até a hora da sua condenação, para não mencionar os açoites abusivos, o sofrimento físico e a perda de sangue conseqüente. A tudo isso ainda se sobrepunham uma extrema angústia mental, a sua aguda tensão espiritual e um sentimento terrível de solidão humana.
187:1.9 (2006.2) Pouco depois de passar pelo portão do caminho de saída da cidade, Jesus cambaleou, carregando a viga da cruz, a sua força física momentaneamente diminuiu e ele caiu sob o peso da sua pesada carga. Os soldados gritaram com ele e chutaram-no, mas ele não conseguia levantar-se. Quando o capitão viu isso, sabendo o que Jesus havia já suportado, comandou aos soldados que desistissem. E então ordenou a um transeunte, um tal de Simão de Cirene, que tirasse a viga da cruz dos ombros de Jesus e obrigou-o a carregá-la pelo resto do caminho ao Gólgota.
187:1.10 (2006.3) Esse homem, Simão, tinha vindo da longa estrada de Cirene, no norte da África, para assistir à Páscoa. Ele estava alojado junto com os outros cireneus, no lado de fora dos muros da cidade, e encontrava-se a caminho dos serviços do templo na cidade, quando o capitão romano ordenou que carregasse a viga da cruz de Jesus. Simão permaneceu, durante todas as horas da morte do Mestre na cruz, conversando com muitos dos amigos e inimigos dele. Depois da ressurreição e antes de deixar Jerusalém, ele tornou-se um crente destemido do evangelho do Reino e, quando retornou para o seu lar, ele conduziu a sua família ao Reino celeste. Os seus dois filhos, Alexandre e Rufus, transformaram-se em instrutores muito eficientes do novo evangelho na África. Mas Simão nunca soube que Jesus, cujo fardo ele havia transportado, e o preceptor judeu, que certa vez havia feito amizade com o seu filho ferido, eram a mesma pessoa.
187:1.11 (2006.4) Pouco depois das nove horas, essa procissão de morte chegou ao Gólgota e os soldados romanos puseram-se a pregar os cravos dos dois ladrões e do Filho do Homem nas suas respectivas cruzes.
187:2.1 (2006.5) Inicialmente os soldados amarraram os braços do Mestre com cordas à viga da cruz e, então, pregaram-no, pelas mãos, à madeira. Depois de içarem essa viga até o poste, e após haverem-na pregado com segurança na viga vertical da cruz, eles ataram e pregaram os seus pés na madeira, usando de um grande cravo para penetrar ambos os pés. O braço vertical possuía um grande apoio, colocado na altura apropriada, que servia como uma espécie de selim para suportar o peso do corpo. A cruz não era alta, e os pés do Mestre ficaram a um metro apenas do solo. Ele estava possibilitado de ouvir, portanto, tudo o que era dito em menosprezo a ele, e podia ver claramente a expressão nos rostos de todos aqueles que tão impensadamente zombavam dele. E também todos os presentes puderam ouvir facilmente, e na íntegra, o que Jesus disse durante essas horas de prolongada tortura e de morte lenta.
187:2.2 (2007.1) Era costume tirar todas as roupas daqueles que deviam ser crucificados, mas, como os judeus faziam fortes objeções quanto à exposição pública da forma humana desnuda, os romanos sempre providenciavam uma tanga adequada para todas as pessoas crucificadas em Jerusalém. Por isso, depois que as roupas de Jesus foram tiradas, ele ficou vestido desse modo, antes de ter sido colocado na cruz.
187:2.3 (2007.2) Recorria-se à crucificação para infligir uma punição cruel e demorada, e a vítima algumas vezes ficava sem morrer durante vários dias. Em Jerusalém havia um sentimento considerável de oposição à crucificação, e existia uma sociedade de mulheres judias que sempre enviava uma representante às crucificações, com o propósito de oferecer vinho drogado à vítima para minorar o seu sofrimento. Mas, quando Jesus provou desse vinho narcotizado, mesmo sedento como estava, ele recusou-se a bebê-lo. O Mestre escolheu manter a sua consciência humana até o final. Ele desejava encontrar a morte, ainda que de uma forma cruel e desumana como essa, e conquistá-la pela submissão voluntária à experiência humana plena.
187:2.4 (2007.3) Antes de Jesus ser colocado na cruz os dois ladrões haviam sido já postos nas suas cruzes, maldizendo todo o tempo e cuspindo nos seus executores. As únicas palavras de Jesus, quando o pregavam na viga da cruz, foram: “Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem”. Ele não poderia haver intercedido com mais misericórdia e amor pelos seus executores, se tais pensamentos de devoção afetuosa não tivessem sido o motivo principal de toda a sua vida de serviço não-egoísta. As idéias, os motivos e as aspirações de uma vida são abertamente revelados em uma crise.
187:2.5 (2007.4) Depois de içarem o Mestre à cruz, o capitão pregou o título acima da sua cabeça, e lia-se em três línguas: “Jesus de Nazaré — Rei dos Judeus”. Os judeus ficaram enfurecidos, supondo ser isso um insulto. Pilatos estava agastado com os modos desrespeitosos deles; sentia que havia sido intimidado e humilhado, e escolheu, pois, esse meio para obter uma pequena vingança. Ele poderia ter escrito: “Jesus, um rebelde”. E sabia bem o quanto esses judeus de Jerusalém detestavam até o nome de Nazaré, e estava determinado a humilhá-los assim. Sabia também que se sentiriam feridos no mais fundo de si, ao verem esse galileu executado ser chamado de “Rei dos Judeus”.
187:2.6 (2007.5) Muitos dos líderes judeus, quando souberam como Pilatos havia tentado escarnecer deles, colocando essa inscrição na cruz de Jesus, acorreram ao Gólgota, mas não ousaram tentar retirar a inscrição, pois os soldados romanos estavam de guarda. Não sendo capazes de remover o rótulo, esses líderes misturaram-se à multidão e fizeram o máximo para incitar a ridicularização e a zombaria, a fim de que ninguém levasse a sério a inscrição.
187:2.7 (2007.6) O apóstolo João junto com Maria, a mãe de Jesus, Rute e Judá chegaram ao local pouco depois de Jesus haver sido içado até a posição certa na cruz e exatamente quando o capitão estava pregando a inscrição por sobre a cabeça do Mestre. João foi o único dos onze apóstolos a testemunhar a crucificação e, mesmo assim, não esteve presente todo o tempo, pois logo depois de levar a mãe de Jesus até lá, correu de volta a Jerusalém a fim de buscar a sua própria mãe e as amigas dela.
187:2.8 (2007.7) Quando Jesus viu a sua mãe, com João e o seu irmão e a sua irmã, ele sorriu, mas não disse nada. Nesse meio tempo os quatro soldados designados para a crucificação do Mestre, como era de costume, haviam dividido entre si as roupas dele, um deles pegou as sandálias, um outro o turbante, outro ficou com o cinto e o quarto, com o manto. Restava a túnica, uma veste sem costuras que chegava até os joelhos, e que iria ser cortada em quatro pedaços, mas, quando os soldados perceberam quão inusitada era aquela peça de roupa, decidiram disputá-la na sorte. Jesus via-os de cima enquanto dividiam as suas roupas; e a multidão estúpida zombava dele.
187:2.9 (2008.1) Foi bom que os soldados romanos tivessem apropriado-se das roupas do Mestre. De outro modo, se os seus seguidores houvessem conseguido a posse dessas vestes, teriam sido tentados a recorrer à adoração supersticiosa de relíquias. O Mestre desejava que os seus seguidores nada tivessem de material que pudesse associar-se com a sua vida na Terra. Ele queria deixar à humanidade apenas a lembrança de uma vida humana dedicada ao ideal espiritual elevado de ter-se consagrado a fazer a vontade do Pai.
187:3.1 (2008.2) Por volta de nove e meia dessa manhã de sexta-feira, Jesus foi pendurado na cruz. Antes das onze horas, mais de mil pessoas estavam reunidas para assistir ao espetáculo da crucificação do Filho do Homem. Durante essas horas terríveis, as hostes invisíveis de um universo permaneceram em silêncio diante da visão desse extraordinário fenômeno em que o Criador experienciava a morte da criatura; a mais ignóbil, todavia, das mortes de um condenado criminoso.
187:3.2 (2008.3) Perto da cruz, em um momento ou em outro, durante a crucificação, estavam Maria, Rute, Judá, João, Salomé (a mãe de João) e um grupo de mulheres, crentes sinceras, incluindo Maria, a mulher de Clopas e irmã da mãe de Jesus, Maria Madalena e Rebeca, a que vivera em Séforis. Esses e outros amigos de Jesus mantiveram-se em silêncio diante da sua grande paciência e fortaleza, contemplando os seus sofrimentos intensos.
187:3.3 (2008.4) Muitos dos que passavam por ali balançavam as suas cabeças e proferiam insultos: “Tu que querias destruir o templo e construí-lo novamente em três dias, salva a ti próprio. Se tu és o Filho de Deus, por que não desces da tua cruz?” De um modo semelhante, alguns dos dirigentes dos judeus zombavam dele, dizendo: “Ele salvou os outros, mas quanto a si próprio, não pôde salvar”. Outros comentavam: “Se tu és o rei dos judeus, desce da cruz, e acreditaremos em ti”. E, depois, eles escarneceriam dele mais ainda, dizendo: “Ele confiou em Deus para libertá-lo. Ele até alegava ser o Filho de Deus — olhem para ele, agora — , sendo crucificado entre dois ladrões”. Até os dois ladrões zombavam dele e lançavam censuras sobre ele.
187:3.4 (2008.5) Como Jesus não dava respostas aos insultos, e porque, às onze horas e meia, aquele dia de preparativos especiais estava já quase pela metade, a maior parte da multidão galhofeira e sarcástica havia-se retirado dali; menos do que cinqüenta pessoas permaneciam no local. Os soldados agora se preparavam para almoçar e beber o seu vinho barato e acre, enquanto acomodavam-se para a longa vigília de morte. No momento em que partilhavam o vinho, fizeram ironicamente um brinde a Jesus, dizendo: “Saúde e boa sorte! Ao rei dos judeus”. E ficaram surpreendidos com o olhar tolerante do Mestre diante da ridicularização e zombaria deles.
187:3.5 (2008.6) Quando Jesus os viu comer e beber, olhou para eles e disse: “Tenho sede”. Ao ouvir Jesus dizendo: “tenho sede”, o capitão da guarda tirou um pouco do vinho da sua garrafa e, com a tampa esponjosa saturada do líquido, na ponta de uma lança, levou-a a Jesus para que molhasse os seus lábios secos.
187:3.6 (2008.7) Jesus se propusera viver sem recorrer ao seu poder sobrenatural e, do mesmo modo, escolheu morrer como um mortal comum, na cruz. Ele vivera como um homem e queria morrer como um homem — fazendo a vontade do Pai.
187:4.1 (2008.8) Um dos bandidos recriminou Jesus, dizendo: “Se tu és o Filho de Deus, por que não salva a ti e a nós?” Todavia, quando ele fez essa reprovação a Jesus, o outro ladrão, que muitas vezes havia ouvido o Mestre ensinando, disse: “Não tens nenhum medo, nem de Deus? Não vês que estamos sofrendo justamente pelas nossas ações; e que este homem sofre injustamente? Melhor seria buscarmos o perdão dos nossos pecados e salvação para as nossas almas”. Quando ouviu o ladrão dizendo isso, Jesus voltou o rosto na direção dele e sorriu com aprovação. Quando o malfeitor viu a face de Jesus voltada para ele, tomou coragem e, assoprando sobre a chama vacilante da própria fé, disse: “Senhor, lembra-te de mim quando chegares no teu Reino”. E então Jesus disse: “Em verdade, em verdade, hoje eu te digo que algum dia tu estarás comigo no Paraíso”.
187:4.2 (2009.1) Em meio às dores da morte física, o Mestre ainda teve tempo para dar ouvidos à confissão de fé do bandido crente. Esse ladrão, ao tentar alcançar a salvação, encontrou a sua libertação. Várias vezes, anteriormente, ele havia sido levado a crer em Jesus, mas só nessas últimas horas de consciência ele voltava-se de todo o coração para o ensinamento do Mestre. Quando viu o modo como Jesus encarava a morte na cruz, esse ladrão não pôde mais opor resistência à convicção de que este Filho do Homem era de fato o Filho de Deus.
187:4.3 (2009.2) Durante esse episódio da conversão do ladrão, feita por Jesus, e da sua recepção ao Reino, o apóstolo João estava ausente, havendo ido à cidade para trazer a sua mãe e as amigas dela até a cena da crucificação. Lucas, posteriormente, ouviu essa história contada pelo capitão romano da guarda, depois de convertido.
187:4.4 (2009.3) O apóstolo João narrou sobre a crucificação, e como dela lembrava-se, dois terços de século depois de ocorrida. Os outros registros foram baseados na descrição feita pelo centurião romano em serviço, que, por causa do que viu e ouviu, posteriormente passou a crer em Jesus e veio a pertencer à irmandade plena do Reino do céu na Terra.
187:4.5 (2009.4) Esse homem, o ladrão arrependido, havia levado uma vida de violência e banditismo, conduzido que foi por aqueles que exaltam tal carreira de roubos como um protesto patriótico efetivo contra a opressão política e a injustiça social. E essa espécie de ensinamento, somada ao apelo da aventura, estimulou muitos jovens bem-intencionados a alistarem-se nessas ousadas expedições de saques. Esse jovem chegara a considerar Barrabás um herói. Agora, percebia que se havia equivocado. Ali, na cruz e ao seu lado, ele via realmente um grande homem, um verdadeiro herói. Ali estava um herói que inflamava o seu fervor e inspirava-o em suas idéias mais elevadas, de dignidade moral, e vivificava todos seus ideais de coragem, de virilidade e de bravura. Ao contemplar Jesus, brotou do seu coração um sentimento irresistível de amor, de lealdade e de verdadeira grandeza.
187:4.6 (2009.5) Qualquer outra pessoa, em meio à multidão zombeteira, que houvesse experimentado o nascimento da fé dentro da sua alma e tivesse feito um apelo à misericórdia de Jesus, teria sido recebida com a mesma consideração afetuosa demonstrada para com o ladrão crente.
187:4.7 (2009.6) Pouco depois da promessa do Mestre, de que se encontrariam algum dia no Paraíso, feita ao ladrão arrependido, João voltou da cidade, trazendo consigo a sua mãe e um grupo de cerca de doze mulheres crentes. João retomou o seu lugar perto de Maria, mãe de Jesus, dando-lhe apoio. Ao lado dela estava o seu filho Judá. Quando Jesus contemplou essa cena, já era meio-dia e então disse à sua mãe: “Mulher, eis o teu filho!” E falando a João, ele pronunciou: “Meu filho, eis a tua mãe!” E então ele dirigiu-se a ambos, dizendo: “Desejo que partam deste lugar”. E assim João e Judá saíram do Gólgota levando Maria. João conduziu a mãe de Jesus até o local onde se hospedava em Jerusalém, e então se apressou a voltar até a cena da crucificação. Após a Páscoa, Maria voltou para Betsaida, onde viveu na casa de João pelo resto da sua vida natural. Maria não chegou a viver um ano mais, depois da morte de Jesus.
187:4.8 (2010.1) Após a saída de Maria, as outras mulheres afastaram-se até uma pequena distância e ficaram aguardando até que Jesus expirasse na cruz; e continuavam ainda lá quando o corpo do Mestre foi retirado para ser sepultado.
187:5.1 (2010.2) Embora fosse cedo para acontecer um tal fenômeno, nessa estação do ano, pouco depois das doze horas o céu escureceu em razão do aparecimento de fina areia no ar. O povo de Jerusalém sabia que isso significava a vinda de uma dessas tempestades de areia com vento quente, originária do deserto da Arábia. Antes da uma hora da tarde o céu estava tão escuro que escondia o sol; assim, o resto da multidão apressou-se de volta em direção à cidade. Quando o Mestre entregou a sua vida, pouco depois desse momento, menos do que trinta pessoas estavam presentes ali: apenas os três soldados romanos e um grupo de cerca de quinze crentes. Essas crentes eram todas mulheres, exceto dois deles, Judá, o irmão de Jesus, e João Zebedeu, que voltou à cena um pouco antes do Mestre expirar.
187:5.2 (2010.3) Pouco depois de uma hora da tarde, em meio à escuridão que aumentava e naquela tempestade furiosa de areia, Jesus começou a ter a sua consciência humana em desvanecimento. As suas últimas palavras de misericórdia, de perdão e de conselho tinham sido ditas. O seu último desejo — a respeito de cuidarem da sua mãe — havia sido expresso. Durante essa hora de proximidade da morte, a mente humana de Jesus recorreu à repetição de muitas passagens das escrituras hebraicas, particularmente os salmos. O último pensamento consciente do Jesus humano esteve ocupado com a repetição, na sua mente, de trechos do Livro dos Salmos, conhecidos agora como o vigésimo, o vigésimo primeiro e o vigésimo segundo salmos. Embora os seus lábios freqüentemente se movessem, ele estava muito fraco para proferir as palavras dessas passagens, que ele sabia de cor tão bem e que passavam pela sua mente. Umas poucas vezes apenas aqueles que permaneciam ali captaram alguma articulação, tal como: “Eu sei que o Senhor salvará seus ungidos”; “A tua mão encontrará todos os meus inimigos” e “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” Jesus não teve nem por um momento a mais leve sombra de dúvida de que tinha vivido de acordo com a vontade do Pai; e jamais duvidou de que estava agora entregando a sua vida na carne de acordo com a vontade do Pai. Ele não sentia que o Pai o houvesse abandonado; estava meramente recitando, para a própria consciência em desvanecimento, muitas das escrituras e, entre elas, esse salmo, o vigésimo segundo, que começa por: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” E aconteceu que essa foi uma das três passagens ditas com clareza suficiente para ser ouvida por aqueles que permaneciam perto dele.
187:5.3 (2010.4) O último pedido que o Jesus mortal fez aos seus semelhantes aconteceu por volta de uma e meia da tarde, quando, por uma segunda vez, ele disse: “Tenho sede”. E o mesmo capitão da guarda novamente umedeceu os lábios dele com a mesma tampa esponjosa umedecida com o vinho acre, comumente chamado de vinagre naqueles dias.
187:5.4 (2010.5) A tempestade de areia tornou-se mais intensa e os céus escureceram-se fortemente. Os soldados e o pequeno grupo de crentes ainda permaneciam ali. Os soldados acocoraram-se perto da cruz, apertando-se para proteger-se da areia cortante. De onde estavam, a mãe de João e os outros observavam à distância, de um certo modo abrigados sob uma rocha saliente. Quando o Mestre finalmente deu o seu último suspiro, ao pé da sua cruz estavam presentes João Zebedeu, o seu irmão Judá, a sua irmã Rute, Maria Madalena e Rebeca, que vivera em Séforis.
187:5.5 (2011.1) Era um pouco antes das três da tarde quando Jesus numa voz mais elevada gritou: “Está acabado! Pai, nas tuas mãos encomendo o meu espírito”. E depois de dizer isso, inclinou a sua cabeça e abandonou a luta pela vida. Quando o centurião romano viu como Jesus morreu, ele bateu no peito e disse: “Este foi de fato um homem reto; verdadeiramente, deve ter sido um Filho de Deus”. E desde aquele momento ele começou a crer em Jesus.
187:5.6 (2011.2) Jesus morreu com nobreza — como tinha vivido. Ele admitiu sem reservas a sua realeza e permaneceu senhor da situação durante todo esse trágico dia. Caminhou voluntariamente para um morte ignominiosa, após haver provido a segurança dos seus apóstolos escolhidos. Soube conter, com sabedoria, a violência encrenqueira de Pedro e providenciou para que João pudesse permanecer junto a ele até o fim da sua existência mortal. Revelou a sua verdadeira natureza ao sinédrio assassino e lembrou a Pilatos a fonte da sua autoridade soberana, como Filho de Deus. Ele partiu para o Gólgota carregando a viga da sua própria cruz e terminou a sua auto-outorga de amor entregando o seu espírito de aquisição mortal ao Pai do Paraíso. Depois de uma vida assim — e de uma tal morte — o Mestre poderia apenas dizer: “Está acabado”.
187:5.7 (2011.3) Como esse era o Dia da Preparação, tanto para a Páscoa quanto para o sábado, os judeus não queriam esses corpos expostos no Gólgota. E, por isso, foram a Pilatos pedir que as pernas desses três homens fossem quebradas e que fossem despachados, sendo tirados das suas cruzes e jogados no fosso dos criminosos, antes do pôr-do-sol. Ao ouvir esse pedido, Pilatos imediatamente enviou três soldados para quebrar as pernas deles e despachar Jesus e os dois bandidos.
187:5.8 (2011.4) Quando esses soldados chegaram ao Gólgota, conseguiram fazer o que lhes havia sido pedido, porém apenas com os dois ladrões; para grande surpresa deles, Jesus já estava morto. Entretanto, para certificar-se da sua morte, um dos soldados cravou a sua lança do lado esquerdo. Embora fosse comum que as vítimas da crucificação permanecessem vivas na cruz por até dois ou três dias, a opressiva agonia emocional e a aguda angústia espiritual de Jesus levaram a sua vida mortal na carne ao fim em menos de cinco horas e meia.
187:6.1 (2011.5) Em meio à escuridão da tempestade de areia, por volta de três e meia da tarde, Davi Zebedeu enviou o último dos mensageiros levando a notícia da morte do Mestre. O último dos seus corredores, ele o despachou para a casa de Marta e Maria, em Betânia, onde ele supunha que a mãe de Jesus estivesse hospedada com o resto da sua família.
187:6.2 (2011.6) Após a morte do Mestre, João mandou as mulheres, a cargo de Judá, para a casa de Elias Marcos, onde passaram o dia de sábado. O próprio João, que a essa altura era bem conhecido do centurião romano, permaneceu no Gólgota até que José e Nicodemos chegassem à cena com uma ordem de Pilatos autorizando- os a tomar posse do corpo de Jesus.
187:6.3 (2011.7) Assim terminou um dia de tragédia e sofrimento em um vasto universo cujas miríades de inteligências encontravam-se estremecidas com o espetáculo chocante da crucificação do seu amado Soberano em sua encarnação humana, todas elas aturdidas com tamanha exibição de insensibilidade mortal e perversidade humana.
O Livro de Urântia
Documento 188
188:0.1 (2012.1) O CORPO mortal de Jesus permaneceu durante um dia e meio no sepulcro de José; o período entre a sua morte na cruz e a sua ressurreição é um capítulo pouco conhecido para nós, da carreira terrena de Michael. Podemos discorrer sobre a colocação do Filho do Homem no sepulcro e incluir nesse registro os acontecimentos associados à sua ressurreição, mas não nos é possível proporcionar muita informação de natureza autêntica a respeito do que realmente aconteceu durante esse tempo, de cerca de trinta e seis horas, desde as três horas da tarde da sexta-feira até as três horas da manhã de domingo. Esse intervalo de tempo, na carreira do Mestre, começou pouco antes de haver sido ele descido da cruz pelos soldados romanos. Jesus permaneceu suspenso na cruz por uma hora depois da sua morte. E teria sido retirado mais cedo, caso não houvessem protelado o golpe final nos dois ladrões.
188:0.2 (2012.2) Os dirigentes dos judeus haviam planejado atirar o corpo de Jesus nos fossos abertos de Gehena, ao sul da cidade; era costume desfazer-se assim das vítimas da crucificação. Se esse plano tivesse sido cumprido, o corpo do Mestre teria estado exposto às bestas selvagens.
188:0.3 (2012.3) Nesse meio tempo, José de Arimatéia, acompanhado de Nicodemos, foi até Pilatos para pedir que o corpo de Jesus lhes fosse entregue para um sepultamento adequado. Não era incomum que os amigos das pessoas crucificadas oferecessem subornos às autoridades romanas, para conseguirem o privilégio de ter a posse de tais corpos. José foi diante de Pilatos levando uma grande quantia em dinheiro, caso viesse a ser necessário pagar pela permissão de transladar o corpo de Jesus a um sepulcro privativo. Pilatos, contudo, não quis aceitar dinheiro para isso. Quando ouviu o pedido, rapidamente assinou a ordem que autorizava José a ir ao Gólgota e imediatamente tomar posse plena e completa do corpo do Mestre. Nesse meio tempo, com a tempestade de areia consideravelmente diminuída, um grupo de judeus, representando o sinédrio, havia ido até o Gólgota a fim de certificar-se de que o corpo de Jesus, junto com os dos dois ladrões, havia sido lançado aos fossos públicos abertos.
188:1.1 (2012.4) Quando chegaram ao Gólgota, José e Nicodemos encontraram os soldados descendo Jesus da cruz; e os representantes do sinédrio estavam por perto para assegurarem-se de que nenhum dos seguidores de Jesus tentasse impedir que o seu corpo fosse para as covas comuns dos criminosos. Quando José apresentou ao centurião a ordem de Pilatos para que o corpo do Mestre lhe fosse entregue, os judeus criaram um tumulto e reclamaram a sua posse. No seu desvario, eles tentaram apossar-se do corpo de modo violento, mas, ao tentarem fazer isso, o centurião ordenou que quatro dos seus soldados, a seu lado, com as suas espadas desembainhadas, ficassem dois de cada lado rente ao corpo do Mestre que jazia no chão. O centurião ordenou aos outros soldados que deixassem de lado os dois ladrões e afastassem esse grupo de judeus enfurecidos. Quando a ordem foi restabelecida, o centurião leu a permissão de Pilatos para os judeus e, dando um passo para o lado, disse a José: “Este corpo é teu para que faças com ele o que achares conveniente. Eu e os meus soldados estaremos aqui para assegurar que nenhum homem interfira”.
188:1.2 (2013.1) Uma pessoa crucificada não podia ser enterrada em um cemitério judeu; havia uma lei que proibia estritamente esse procedimento. José e Nicodemos conheciam essa lei e, no caminho de saída do Gólgota, decidiram sepultar Jesus no sepulcro novo pertencente à família de José, cavado em rocha maciça e localizado a uma pequena distância ao norte do Gólgota e do outro lado da estrada que conduzia a Samaria. Ninguém havia sido ainda sepultado nessa tumba e eles julgaram que seria apropriado que o Mestre descansasse ali. José realmente acreditava que Jesus ressuscitaria dos mortos; Nicodemos, entretanto, duvidava muito disso. Esses antigos membros do sinédrio haviam mantido mais ou menos em segredo a sua fé em Jesus, embora os seus companheiros sinedristas há muito suspeitassem deles, antes mesmo de haverem retirado-se do conselho. A partir de então eles foram os discípulos mais declarados de Jesus em toda a Jerusalém.
188:1.3 (2013.2) Por volta de quatro e meia da tarde a procissão do enterro de Jesus de Nazaré partiu do Gólgota, em direção ao túmulo de José, do outro lado da estrada. O corpo, envolto em um lençol de linho, foi levado por quatro homens, seguidos pelas mulheres da Galiléia, que se mantiveram fiéis na vigília. Os mortais a carregarem o corpo material de Jesus até o sepulcro foram: José, Nicodemos, João e o centurião romano.
188:1.4 (2013.3) Eles levaram o corpo até dentro da tumba, uma câmara quadrada com cerca de três metros de lado, que prepararam apressadamente para o sepultamento. Os judeus de fato não enterravam os seus mortos; eles os embalsamavam. José e Nicodemos haviam trazido consigo grandes quantidades de mirra e de babosa, e enrolaram o corpo com bandagens saturadas dessas soluções. Quando terminaram de embalsamá-lo, ataram um pano em volta do rosto, envolveram o corpo em um lençol de linho e, com reverência, colocaram-no em uma das plataformas da tumba.
188:1.5 (2013.4) Após colocarem o corpo na tumba, o centurião fez um sinal para que os seus soldados ajudassem a rolar a pedra de fechamento, diante da entrada da tumba. Então alguns dos soldados partiram para Gehena, levando os corpos dos ladrões; enquanto outros voltaram entristecidos para Jerusalém, a fim de observar a festa de Páscoa de acordo com as leis de Moisés.
188:1.6 (2013.5) O sepultamento de Jesus foi feito com uma pressa e uma precipitação incomuns, porque aquele era o Dia da Preparação e o sábado estava aproximando-se rapidamente. Os homens voltaram apressados para a cidade; as mulheres, entretanto, permaneceram perto da tumba até que a noite escura houvesse chegado.
188:1.7 (2013.6) Entretanto, enquanto tudo isso estava acontecendo, as mulheres permaneciam escondidas perto e à mão, de modo que viram todas as coisas; e observaram onde o Mestre havia sido sepultado. Escondiam-se assim por não lhes ser permitido participarem junto com os homens de momentos como esses. Essas mulheres achavam que Jesus não havia sido preparado apropriadamente para o sepultamento e, entre si, fizeram um acordo de voltar à casa de José, descansar no sábado, preparar especiarias e unções; e, então, de retornar no domingo pela manhã para preparar o corpo do Mestre de modo apropriado para o descanso da morte. As mulheres que ficaram assim perto da tumba nessa sexta-feira à tarde foram: Maria Madalena, Maria, a esposa de Clopas, Marta, uma outra irmã da mãe de Jesus, e Rebeca, de Séforis.
188:1.8 (2013.7) Com exceção de Davi Zebedeu e José de Arimatéia, poucos dos discípulos de Jesus realmente acreditaram ou compreenderam que ele iria ressuscitar da tumba ao terceiro dia.
188:2.1 (2014.1) Se os seguidores de Jesus ficaram desatentos à promessa que ele fizera de ressuscitar da cova, ao terceiro dia, os seus inimigos não o estavam. Os sacerdotes principais, os fariseus e os saduceus lembraram de haver recebido relatórios nos quais ele dizia que ressuscitaria dos mortos.
188:2.2 (2014.2) Nessa sexta-feira à noite, depois da ceia de Páscoa, por volta da meia-noite, um grupo de líderes judeus reuniu-se na casa de Caifás e lá discutiram sobre os seus temores a respeito da afirmação do Mestre, de que iria ressuscitar dos mortos ao terceiro dia. Essa reunião terminou com o compromisso de que um comitê de sinedristas visitaria Pilatos, bem cedo no dia seguinte, levando o pedido oficial do sinédrio para que uma guarda romana fosse postada diante da tumba de Jesus a fim de impedir que os seus amigos forçassem a entrada. O porta-voz desse comitê disse a Pilatos: “Senhor, lembramo-nos de que esse farsante, Jesus de Nazaré, disse, quando ainda estava vivo: ‘Após três dias eu ressuscitarei’. E por isso estamos diante de ti a fim de pedir que emitas as ordens para que o sepulcro fique seguro contra os seus seguidores, ao menos até depois do terceiro dia. Tememos muito que os seus discípulos possam vir e levá-lo consigo à noite, e, então, proclamar ao povo que ele ressuscitou dos mortos. Se permitirmos que isso aconteça, terá sido um erro ainda muito pior do que deixar que ele vivesse”.
188:2.3 (2014.3) Ao ouvir esse pedido dos sinedristas, Pilatos disse: “Dar-vos-ei uma guarda de dez soldados. Ide e fazei com que a tumba fique segura”. Eles foram de volta ao templo, recrutaram dez dos próprios guardas, e, então, marcharam para a tumba de José com esses dez guardas judeus e os dez soldados romanos, ainda nesse sábado de manhã, para deixa-los de vigia diante da tumba. Esses homens rolaram uma outra pedra diante da tumba e colocaram o selo de Pilatos nas pedras e em torno delas, para que não fossem mexidas sem o seu conhecimento. E esses vinte homens permaneceram de vigia até a hora da ressurreição, com os judeus levando-lhes comida e bebida.
188:3.1 (2014.4) Durante esse sábado, os discípulos e apóstolos permaneceram escondidos, enquanto toda Jerusalém falava da morte de Jesus na cruz. Aproximadamente um milhão e meio de judeus estavam presentes, então, em Jerusalém nessa ocasião, haviam vindo de todas as partes do império romano e da Mesopotâmia. Era o começo da semana da Páscoa; e todos esses peregrinos que se encontravam na cidade saberiam da ressurreição de Jesus e levariam essa notícia quando voltassem aos seus lares.
188:3.2 (2014.5) Na noite de sábado, bem tarde, João Marcos convocou os onze apóstolos secretamente para virem à casa do seu pai, onde, pouco antes da meia-noite, todos estavam reunidos na mesma sala de cima, em que haviam compartilhado da Última Ceia com o seu Mestre duas noites antes.
188:3.3 (2014.6) Maria, a mãe de Jesus, com Rute e Judá, voltou a Betânia para juntar-se à sua família, antes de escurecer, nessa tarde de sábado. Davi Zebedeu ficou na casa de Nicodemos, onde havia marcado de reunir-se com os seus mensageiros, no domingo pela manhã, bem cedo. As mulheres da Galiléia, que estiveram preparando especiarias, para de novo embalsamar o corpo de Jesus, permaneciam na casa de José de Arimatéia.
188:3.4 (2014.7) Não estamos plenamente habilitados para explicar exatamente o que sucedeu a Jesus de Nazaré durante esse período de um dia e meio, no qual se supõe que ele tenha estado descansando na tumba de José. Aparentemente ele teve, na cruz, a mesma morte natural que qualquer mortal teria tido em circunstâncias semelhantes. Ouvimo-lo dizendo: “Pai, nas tuas mãos encomendo o meu espírito”. Contudo, não entendemos plenamente o significado de tal afirmação, pois o seu Ajustador do Pensamento há muito havendo sido personalizado mantinha, por esse fato, uma existência independente do ser mortal de Jesus. De nenhum modo, o Ajustador Personalizado do Mestre poderia ser afetado pela sua morte física na cruz. O que Jesus colocou nas mãos do Pai pode ter sido, ali, naquele momento, a contraparte espiritual do trabalho inicial do Ajustador na espiritualização da mente mortal, de modo a proporcionar uma transferência transcrita da experiência humana de Jesus para os mundos das mansões. Deve ter havido alguma realidade espiritual, na experiência de Jesus, que tenha sido análoga à natureza espiritual, ou alma, dos mortais das esferas, cuja fé é crescente. Entretanto essa é, meramente, a nossa opinião — pois realmente não sabemos o que Jesus encomendou ao seu Pai.
188:3.5 (2015.1) Sabemos que a forma física do Mestre descansou na tumba de José até cerca das três horas na manhã de domingo; não estamos plenamente seguros, todavia, a respeito de qual status teria tido a personalidade de Jesus, durante aquele período de trinta e seis horas. Algumas vezes, chegamos a ousar explicar essas coisas para nós próprios, do modo como a seguir está exposto:
188:3.6 (2015.2) 1. A consciência de Criador de Michael deve ter estado ampla e totalmente livre e independente da sua mente mortal ligada à encarnação física.
188:3.7 (2015.3) 2. Sabemos que o Ajustador do Pensamento que serviu a Jesus esteve presente na Terra durante esse período, pessoalmente encarregado do comando das hostes celestes reunidas.
188:3.8 (2015.4) 3. A identidade espiritual, como adquirida pelo homem de Nazaré, e edificada durante a sua vida na carne, inicialmente por meio dos esforços diretos do seu Ajustador do Pensamento e, mais tarde, pelo perfeito ajustamento, feito por ele próprio, entre as necessidades físicas e os quesitos espirituais para a existência mortal ideal, como se tornou concretizada pela sua escolha incessante da vontade do Pai, deve ter sido consignada à custódia do Pai do Paraíso. Se essa realidade espiritual retornou ou não para tornar-se uma parte da personalidade ressuscitada, não sabemos, mas cremos que sim. Neste universo, existem aqueles que sustentam que essa identidade-alma de Jesus esteja agora repousando no “seio do Pai”; para ser, subseqüentemente, liberada para liderar o Corpo de Finalidade de Nébadon, no seu destino ainda não desvelado, ligado aos universos incriados, dos reinos ainda não organizados do espaço exterior.
188:3.9 (2015.5) 4. Julgamos que a consciência humana ou mortal de Jesus tenha estado adormecida durante essas trinta e seis horas. Temos motivos para crer que o Jesus humano nada soubesse sobre o que estava ocorrendo no universo, durante esse período. Para a consciência mortal, não há registro de lapso de tempo; a ressurreição da vida seguiu ao sono da morte como que no mesmo instante.
188:3.10 (2015.6) E isso parece ser tudo o que podemos colocar nestes registros a respeito do status de Jesus durante esse período na tumba. Há uma série de fatos correlatos, aos quais podemos fazer alusão, embora dificilmente sejamos competentes para intentar interpretá-los.
188:3.11 (2015.7) No vasto pátio das salas de ressurreição do primeiro mundo das mansões de Satânia, pode ser agora vista uma magnífica estrutura memorial material-moroncial conhecida como o “Memorial de Michael”, agora com o selo de Gabriel. Esse memorial foi criado pouco depois de Michael haver partido deste mundo, e ele traz a inscrição: “Em comemoração à estada mortal de Jesus de Nazaré em Urântia”.
188:3.12 (2016.1) Existem registros comprovando que, durante esse período, o conselho supremo de Sálvington, composto de cem membros, realizou uma reunião executiva em Urântia sob a presidência de Gabriel. Também há arquivos mostrando que os Anciães dos Dias de Uversa comunicaram-se com Michael a respeito do status do universo de Nébadon, durante esse tempo.
188:3.13 (2016.2) Sabemos que ao menos uma mensagem foi passada entre Michael e Emanuel, em Sálvington, enquanto o corpo do Mestre jazia na tumba.
188:3.14 (2016.3) Há bons motivos para acreditar que alguma personalidade assentou-se na posição de Caligástia, no conselho sistêmico dos Príncipes Planetários, em Jerusém, que se reuniu enquanto o corpo de Jesus permanecia na tumba.
188:3.15 (2016.4) Os arquivos de Edêntia indicam que o Pai da Constelação de Norlatiadeque esteve em Urântia; e de ter ele recebido instruções de Michael durante esse tempo na tumba.
188:3.16 (2016.5) E há outras evidências, muitas, a sugerir que nem toda a personalidade de Jesus tenha estado adormecida e inconsciente durante esse tempo de morte física aparente.
188:4.1 (2016.6) Embora não haja sido para expiar uma culpa racial, a qual o homem mortal de fato não tem, que Jesus passou pela morte na cruz; nem para providenciar nenhuma espécie de aproximação efetiva a um Deus de algum modo ofendido e implacável; e embora o Filho do Homem não tenha oferecido a si próprio em sacrifício para apaziguar a ira de Deus, e abrir o caminho para que o homem pecador obtivesse a salvação; não obstante essas idéias de expiação e de propiciação serem errôneas, no entanto, há significações ligadas a essa morte de Jesus na cruz que não deveriam ser negligenciadas. É um fato que Urântia tornou- se conhecida, em outros planetas habitados vizinhos, como o “Mundo da Cruz”.
188:4.2 (2016.7) Jesus desejava viver uma vida mortal plena na carne, em Urântia. A morte é, comumente, uma parte da vida. A morte é o último ato no drama mortal. Nos vossos bem-intencionados esforços de escapar dos erros supersticiosos de uma interpretação falsa do significado da morte na cruz, deveríeis tratar de ter cuidados para não cometer o grande erro de deixar de perceber o verdadeiro significado e a importância autêntica da morte do Mestre.
188:4.3 (2016.8) O homem mortal nunca foi propriedade dos arquifarsantes. Jesus não morreu para resgatar o homem das garras dos governantes apóstatas e dos príncipes caídos das esferas. O Pai nos céus nunca idealizou uma injustiça tão crassa quanto condenar uma alma mortal pelas más ações dos seus ancestrais. Nem a morte do Mestre, na cruz, teria sido um sacrifício que representasse um esforço para pagar a Deus um débito contraído pela raça da humanidade.
188:4.4 (2016.9) Antes de Jesus haver vivido na Terra, talvez poderíeis justificar-vos por crerdes em um Deus assim; mas, não depois de o Mestre ter vivido e morrido entre os seus semelhantes mortais. Moisés ensinou sobre a dignidade e a justiça de um Deus Criador; mas Jesus retratou o amor e a misericórdia do Pai celeste.
188:4.5 (2016.10) A natureza animal — a tendência para as más ações — pode ser hereditária, mas o pecado não é transmitido de pai para filho. O pecado é o ato de rebelião consciente e deliberada, da parte da criatura individual volitiva, contra a vontade do Pai e contra as leis dos Filhos.
188:4.6 (2017.1) Jesus viveu e morreu por um universo inteiro, não apenas pelas raças deste mundo. Se bem que os mortais dos reinos obtivessem a salvação, mesmo antes de Jesus haver vivido e morrido em Urântia, é fato, contudo, que a sua auto-outorga neste mundo iluminou grandemente o caminho da salvação; a sua morte fez muito para deixar definitivamente clara a certeza da sobrevivência dos mortais depois da morte na carne.
188:4.7 (2017.2) Embora muito dificilmente seja adequado falar de Jesus como alguém que se tenha sacrificado, como o resgatador ou redentor, é totalmente correto referir-se a ele como um salvador. Para sempre ele deixou o caminho da salvação (da sobrevivência) mais claro e certo; ele mostrou, de um modo melhor e mais correto, o caminho da salvação a todos os mortais de todos os mundos do universo de Nébadon.
188:4.8 (2017.3) Uma vez que tenhais captado a idéia de Deus como um Pai verdadeiro e cheio de amor, conceito este que é o único que Jesus sempre ensinou, deveis imediatamente, e com toda a consistência, abandonar, em sua totalidade, todas aquelas noções primitivas sobre Deus como um monarca ofendido, um governante austero e Todo-Poderoso cujo deleite maior é descobrir a vós, súditos Seus, em más ações, e assegurar que sejais adequadamente punidos, a menos que um ser, quase igual a Ele próprio, voluntarie-se para sofrer por vós ou morrer como um substituto e no vosso lugar. Toda a idéia da redenção e da expiação é incompatível com o conceito de Deus, do modo como foi ensinado e exemplificado por Jesus de Nazaré. O amor infinito de Deus não é secundário a nada na natureza divina.
188:4.9 (2017.4) Todo esse conceito de expiação, e da salvação pelo sacrifício, tem as suas raízes e a sua base no egoísmo. Jesus ensinou que o serviço ao semelhante é o conceito mais elevado da fraternidade dos crentes do espírito. A salvação deveria ser tida como certa por aqueles que crêem na paternidade de Deus. A principal preocupação do crente não deveria ser o desejo egoísta da salvação pessoal, mas, sim, o impulso não-egoísta de amar ao semelhante e, conseqüentemente, de servir ao próximo como Jesus amou e serviu aos homens mortais.
188:4.10 (2017.5) Os crentes autênticos não se preocupam tanto com as punições futuras para o pecado. O crente real está preocupado apenas com o seu distanciamento momentâneo de Deus. Verdade é que pais sábios podem castigar os seus filhos, mas tudo isso eles fazem por amor e com o propósito de corrigir. Eles não punem com raiva, nem castigam por represália.
188:4.11 (2017.6) Ainda que Deus fosse um monarca austero e legalizador, de um universo no qual a justiça reinasse suprema, certamente Ele não estaria satisfeito com o esquema infantil de substituir um ofensor culpado por um sofredor inocente.
188:4.12 (2017.7) A grande coisa sobre a morte de Jesus, no que se relaciona ao enriquecimento da experiência humana e à ampliação do caminho da salvação, não é o fato da sua morte, mas antes a maneira magnífica e o espírito sem par com o qual ele enfrentou a morte.
188:4.13 (2017.8) Toda essa idéia da redenção na expiação coloca a salvação em um plano de irrealidade; tal conceito sendo puramente filosófico. A salvação humana é real; é baseada em duas realidades que podem ser captadas pela fé da criatura e daí tornam-se incorporadas à experiência individual humana: o fato da paternidade de Deus e a verdade correlata, da fraternidade dos homens. É verdade, afinal, que sereis “perdoados das vossas dívidas, assim como perdoardes aos vossos devedores”.
188:5.1 (2017.9) A cruz de Jesus representa a medida plena da devoção suprema do verdadeiro pastor, até mesmo pelos membros indignos do seu rebanho. Ela coloca, para sempre, todas as relações entre Deus e o homem na base da família. Deus é o Pai; o homem é o Seu filho. O amor, o amor de um pai pelo seu filho, torna-se a verdade central nas relações universais de Criador e criatura — não a justiça de um rei que busca a satisfação nos sofrimentos e nas punições do súdito que comete o mal.
188:5.2 (2018.1) A cruz mostra, para sempre, que a atitude de Jesus para com os pecadores não foi nem de condenação nem de indulgência, mas de salvação eterna por amor. Jesus é verdadeiramente um salvador, no sentido de que a sua vida e a sua morte conquistam os homens para a bondade e para a sobrevivência justa. Jesus tanto ama os homens, que o seu amor desperta uma resposta de amor no coração humano. O amor é verdadeiramente contagioso e eternamente criativo. A morte de Jesus na cruz exemplifica um amor suficientemente forte e divino para perdoar o pecado e para absorver toda a maldade. Jesus revelou a este mundo uma qualidade mais elevada de retidão do que a justiça — mais que a mera diferença técnica entre o certo e o errado. O amor divino não perdoa os erros meramente; ele absorve-os e, de fato, destrói-os. O perdão do amor transcende totalmente o perdão da misericórdia. A misericórdia põe de lado a culpabilidade do mal; o amor, todavia, destrói o pecado para sempre e toda a fraqueza resultante dele. Jesus trouxe um novo método de viver para Urântia. Ele nos ensinou, não a resistir ao mal, mas a encontrar, por intermédio dele, Jesus, uma bondade que destrói eficazmente o mal. O perdão de Jesus não é a condescendência da remissão; é a salvação da condenação. A salvação não menospreza os erros; endireita-os. O verdadeiro amor não faz concessões nem indulgências ao ódio; ele o aniquila. O amor de Jesus nunca está satisfeito apenas com o mero perdão. O amor do Mestre implica a reabilitação, na sobrevivência eterna. É perfeitamente correto falar de salvação como redenção, se com isso vos referirdes a essa eterna reabilitação.
188:5.3 (2018.2) Com o poder do seu amor pessoal pelos homens, Jesus pôde romper a influência do pecado e do mal. E, com isso, ele libertou os homens para escolher melhores modos de viver. Jesus retratou uma libertação do passado que, em si mesma, promete um triunfo para o futuro. O perdão dado assim provê a salvação. A beleza do amor divino, quando plenamente aceito no coração humano, destrói, para sempre, a fascinação do pecado e o poder do mal.
188:5.4 (2018.3) Os sofrimentos de Jesus não se limitaram à crucificação. Na realidade, Jesus de Nazaré passou mais de vinte e cinco anos na cruz de uma vida mortal intensa e real. O valor real da cruz consiste no fato de que essa foi a expressão suprema e final do seu amor, a completa revelação da sua misericórdia.
188:5.5 (2018.4) Em milhões de mundos habitados, dezenas de trilhões de criaturas em evolução, que podem ter sido tentadas a desistir da luta moral e abandonar a boa luta da fé, lançaram um novo olhar para Jesus na cruz e então continuaram no seu caminho, inspiradas pela visão de Deus entregando a sua vida encarnada em devoção ao serviço não-egoísta do homem.
188:5.6 (2018.5) O triunfo da morte na cruz está resumido no espírito da atitude de Jesus para com aqueles que o atacavam. Ele fez da cruz um símbolo eterno do triunfo do amor sobre o ódio, e da vitória da verdade sobre o mal, quando ele orou: “Pai, perdoa-os, pois eles não sabem o que fazem”. Essa devoção do amor contagiou todo um vasto universo; e os discípulos contraíram-na do seu Mestre. O primeiro instrutor desse evangelho, que foi chamado a entregar a sua vida nesse serviço, disse, quando o apedrejavam até a morte: “Que esse pecado não recaia sobre eles”.
188:5.7 (2018.6) A cruz exerce um apelo supremo sobre o que há de melhor no homem, porque revela alguém que estava disposto a entregar a sua vida no serviço dos seus semelhantes. Amor maior que esse nenhum homem pode ter: o de alguém que está disposto a entregar a sua vida pelos seus amigos — Jesus tinha o amor que o fazia disposto a entregar a própria vida pelos seus inimigos, um amor maior do que qualquer amor que até então havia sido conhecido na Terra.
188:5.8 (2019.1) Em outros mundos, tanto quanto em Urântia, esse espetáculo sublime da morte do Jesus humano numa cruz no Gólgota estimulou as emoções dos mortais, ao mesmo tempo em que despertou a mais elevada devoção dos anjos.
188:5.9 (2019.2) A cruz é aquele símbolo elevado do serviço sagrado, da devoção da vida de uma pessoa ao bem-estar e à salvação do semelhante. A cruz não é o símbolo do sacrifício do Filho de Deus inocente no lugar dos pecadores culpados, feito para apaziguar a ira de um Deus ofendido. A cruz, ao contrário, permanece para sempre, na Terra e em todo um vasto universo, como um símbolo sagrado dos bons doando a si próprios aos maus e com isso salvando-os por meio dessa mesma devoção de amor. A cruz vale verdadeiramente como insígnia da mais alta forma de serviço generoso, da devoção suprema na doação total de uma vida de retidão ao serviço sincero da ministração, até à morte, a morte na cruz. E a própria visão desse grande símbolo da vida de auto-outorga e de entrega de Jesus nos inspira verdadeiramente, a todos nós, a querer fazer a mesma coisa.
188:5.10 (2019.3) Quando os homens e as mulheres, que sabem pensar, contemplam a Jesus oferecendo a sua vida na cruz, dificilmente se permitirão queixar-se de novo, diante mesmo dos sofrimentos mais severos da vida, e, muito menos, diante de pequenos embaraços e mágoas puramente fictícias. A sua vida foi tão gloriosa e a sua morte tão triunfante que ficamos todos seduzidos e com a disposição de compartilhar de ambas. Toda a doação da auto-outorga de Michael exerce um verdadeiro poder de atração, desde os dias da sua juventude até o espetáculo opressivo da sua morte na cruz.
188:5.11 (2019.4) Então, assegurai-vos de que, ao contemplardes a cruz como uma revelação de Deus, não a enxergueis com os olhos do homem primitivo nem do ponto de vista do homem bárbaro mais recente, que consideravam Deus como sendo um Soberano implacável que exerce uma justiça severa e uma aplicação rígida da lei. Assegurai-vos, antes, de que vereis na cruz a manifestação final do amor e a devoção de Jesus à missão da sua vida de auto-outorga às raças mortais do seu vasto universo. Vede na morte do Filho do Homem o auge do desdobramento do amor divino do Pai pelos Seus filhos das esferas mortais. A cruz assim retrata a devoção da vontade afetuosa e a concessão da salvação voluntária àqueles que estão dispostos, por ato de vontade, a receber tais dádivas e tal devoção. Nada há na cruz que tivesse sido pedido pelo Pai — apenas tudo aquilo que Jesus deu, com toda a disposição da sua vontade, e aquilo que se recusou a evitar.
188:5.12 (2019.5) Se o homem não pode valorar Jesus de algum outro modo, nem compreender o significado da sua auto-outorga na Terra, ele pode, ao menos, compreender a irmandade companheira dos seus sofrimentos mortais. Nenhum homem jamais pode temer que o Criador desconheça a natureza ou a extensão das aflições temporais próprias dele.
188:5.13 (2019.6) Sabemos que a morte na cruz não existiu para efetivar a reconciliação do homem com Deus, mas sim para estimular o entendimento que o homem pode ter do amor eterno do Pai e da misericórdia sem fim do seu Filho; e para difundir essas verdades universais a um universo inteiro.
O Livro de Urântia
Documento 189
189:0.1 (2020.1) LOGO após o enterro de Jesus, na sexta-feira à tarde, o dirigente dos arcanjos de Nébadon, então presente em Urântia, convocou o seu conselho para a ressurreição das criaturas de vontade, adormecidas, e começou a fazer considerações sobre uma possível técnica de reconstituição de Jesus. Esses filhos reunidos do universo local, criaturas de Michael, realizaram isso sob a sua própria responsabilidade; Gabriel não os havia reunido. Por volta da meia-noite haviam chegado à conclusão de que a criatura nada poderia fazer para facilitar a ressurreição do Criador. Eles estavam dispostos a aceitar o conselho de Gabriel, que os instruíra para que, desde que Michael havia “dado a sua vida por seu livre-arbítrio, também teria o poder para retomá-la de novo de acordo com a sua própria determinação”. Pouco depois da suspensão desse conselho de arcanjos, Portadores da Vida e seus vários colaboradores, no trabalho de reabilitação da criatura e da criação moroncial, o Ajustador Personalizado de Jesus, estando no comando pessoal das hostes celestes, então reunidas em Urântia, naquela vigília ansiosa, disse estas palavras a todos:
189:0.2 (2020.2) “Nenhum de vós nada pode fazer para ajudar vosso Criador-pai, no retorno à vida. Como um mortal deste reino, ele experimentou o falecimento dos mortais; como Soberano de um universo, ele ainda vive. O que vós estais preseniando é o trânsito mortal de Jesus de Nazaré, da vida na carne para a vida na morôncia. O trânsito espiritual de Jesus foi completado no momento em que me separei da sua personalidade e tornei-me o vosso diretor temporário. Vosso Criador-pai escolheu passar pela experiência inteira das suas criaturas mortais, desde o nascimento nos mundos materiais, da morte natural e da ressurreição da morôncia até o status de uma existência espiritual verdadeira. Estais observando uma determinada fase dessa experiência, mas não podeis participar dela. As coisas que normalmente fazeis pela criatura, não as podeis fazer pelo Criador. Um Filho Criador tem, dentro de si próprio, o poder de auto-outorgar-se, à semelhança de quaisquer dos seus filhos criados; tem dentro de si o poder de dispor da sua vida observável e para retomá-la novamente; e tem esse poder pela via do comando direto do Pai do Paraíso; e eu sei do que estou falando”.
189:0.3 (2020.3) Quando ouviram o Ajustador Personalizado dizendo isso, todos eles assumiram uma atitude de expectativa ansiosa, desde Gabriel até o mais humilde querubim. Eles viram o corpo mortal de Jesus no sepulcro; detectaram evidências de atividades do seu amado Soberano, no universo; e, não compreendendo tais fenômenos, esperaram pacientemente pelo que sobreviria.
189:1.1 (2020.4) Às duas e quarenta e cinco do domingo de manhã, a comissão de encarnação do Paraíso, formada por sete personalidades não identificadas do Paraíso, chegou ao local e imediatamente desmembrou-se em torno do sepulcro. Às duas horas e cinqüenta minutos, vibrações intensas de atividades materiais e moronciais combinadas começaram a emanar do novo sepulcro de José, e às três horas e dois minutos, nessa manhã de domingo, 9 de abril do ano 30 d.C., a forma moroncial ressuscitada e a personalidade de Jesus de Nazaré saíram do sepulcro.
189:1.2 (2021.1) Depois de ressuscitado, Jesus emergiu do sepulcro; o corpo de carne no qual ele tinha vivido e trabalhado na Terra por quase trinta e seis anos ainda jazia lá no nicho do sepulcro, envolto no lençol de linho, exatamente como havia sido colocado, para descansar, por José e pelos seus amigos, na sexta- feira à tarde. Nem a pedra diante da entrada do sepulcro havia sido movida para nada; o selo de Pilatos permanecia intacto ainda; os soldados ainda estavam de guarda. Os guardiães do templo tinham estado em vigia contínua; a guarda romana havia sido mudada à meia-noite. Nenhum desses vigias suspeitava de que o objeto da sua vigia havia levantado-se em uma nova forma mais elevada de existência; e de que o corpo que eles estavam guardando agora não era senão um envelope exterior descartado que não tinha mais nenhuma ligação com a personalidade moroncial liberada e ressuscitada de Jesus.
189:1.3 (2021.2) A humanidade é lenta para perceber que, em tudo o que é pessoal, a matéria é o esqueleto da morôncia, e que ambos são uma sombra refletida da realidade espiritual que perdura. Quanto tempo haverá de passar até que vós considereis o tempo como a imagem em movimento da eternidade e o espaço como uma sombra fugaz das realidades do Paraíso?
189:1.4 (2021.3) Até onde podemos julgar, nenhuma criatura deste universo, nem personalidade alguma de outro universo, nada teve a ver com essa ressurreição moroncial de Jesus de Nazaré. Na sexta-feira ele entregou a sua vida como um mortal deste reino; no domingo de manhã, ele retomou-a, de novo, como um ser moroncial do sistema de Satânia em Norlatiadeque. Há muito sobre a ressurreição de Jesus que nós não compreendemos. Mas sabemos que ocorreu como declaramos e por volta da hora indicada. Podemos também registrar que todos os fenômenos conhecidos, relacionados com esse trânsito mortal, ou ressurreição moroncial, aconteceram exatamente ali no novo sepulcro de José, onde o material mortal de Jesus permanecia envolto em trajes mortuários.
189:1.5 (2021.4) Sabemos que nenhuma criatura do universo local participou desse despertar moroncial. Percebemos as sete personalidades do Paraíso em torno do sepulcro, mas não as vimos fazer nada para o despertar do Mestre. Tão logo Jesus apareceu ao lado de Gabriel, bem acima do sepulcro, as sete personalidades do Paraíso indicaram sobre a sua intenção de partir imediatamente para Uversa.
189:1.6 (2021.5) Esclareçamos definitivamente o conceito da ressurreição de Jesus fazendo as seguintes afirmações:
189:1.7 (2021.6) 1. O seu corpo material ou físico não é uma parte da personalidade ressuscitada. Quando Jesus saiu do sepulcro, o seu corpo de carne permaneceu intacto no sepulcro. Ele emergiu da tumba sem mover as pedras diante da entrada e sem romper os selos de Pilatos.
189:1.8 (2021.7) 2. Ele não emergiu do sepulcro como um espírito, nem como Michael de Nébadon; ele não apareceu na forma do Soberano Criador, tal como fora antes da sua encarnação à semelhança da carne mortal em Urântia.
189:1.9 (2021.8) 3. Ele saiu do sepulcro de José na forma semelhante das personalidades moronciais daqueles que, como os seres moronciais ascendentes ressuscitados, emergem nas salas de ressurreição do primeiro mundo das mansões deste sistema local de Satânia. E a presença do monumento em memória de Michael, no centro do imenso pátio das salas de ressurreição de mansônia número um, leva- nos a conjecturar que a ressurreição do Mestre em Urântia foi de algum modo promovida a partir daquele que é o primeiro mundo das mansões do sistema.
189:1.10 (2022.1) O primeiro ato de Jesus, depois de levantar do sepulcro, foi o de saudar Gabriel e instruí-lo a continuar na função de executivo dos assuntos do universo entregue a Emanuel e, então, solicitou ao dirigente dos Melquisedeques que transmitisse a sua saudação fraternal a Emanuel. Pediu ao Altíssimo de Edêntia pela autorização dos Anciães dos Dias para o seu trânsito mortal; e, voltando-se para os grupos moronciais, dos sete mundos das mansões, aqui reunidos para saudar e dar as boas-vindas ao seu Criador, como criatura da sua própria ordem, Jesus disse as primeiras palavras da sua carreira pós-mortal. Disse o Jesus moroncial: “Tendo terminado a minha vida na carne, permanecerei aqui por um breve período na forma transitória para que eu possa conhecer melhor, e mais completamente, a vida das minhas criaturas ascendentes e para que em seguida eu revele a vontade do meu Pai no Paraíso”.
189:1.11 (2022.2) Depois de haver falado, Jesus sinalizou para o Ajustador Personalizado, e para todas as inteligências do universo, reunidas em Urântia para presenciar a ressurreição, a fim de que fossem imediatamente despachadas para atender aos seus respectivos compromissos no universo.
189:1.12 (2022.3) Jesus começava agora os contatos de nível moroncial, sendo apresentado, como criatura, aos requisitos da vida que ele tinha escolhido viver por um curto tempo em Urântia. Essa iniciação ao mundo moroncial necessitou de um período de mais de uma hora do tempo terreno e foi por duas vezes interrompida pelo seu desejo de comunicar-se com as suas antigas companheiras na carne, quando elas vieram de Jerusalém para espiar com admiração dentro do sepulcro vazio e descobrir o que consideraram uma evidência da sua ressurreição.
189:1.13 (2022.4) E agora se completa o trânsito mortal de Jesus — a ressurreição moroncial do Filho do Homem. E tem início a experiência transitória do Mestre, como personalidade a meio caminho entre o material e o espiritual. E a tudo isso ele faz por meio do poder inerente a si próprio; nenhuma personalidade prestou-lhe qualquer assistência. Agora vive como Jesus moroncial e, à medida que começa essa vida moroncial, o corpo material da sua carne está lá, exatamente como antes, na tumba. Os soldados continuavam de guarda e o selo do governador nas pedras ainda não havia sido rompido.
189:2.1 (2022.5) Às três e dez, enquanto o Jesus ressuscitado se confraternizava com as personalidades moronciais reunidas, vindas dos sete mundos das mansões de Satânia, o dirigente dos arcanjos — anjos da ressurreição — aproximou-se de Gabriel e pediu-lhe o corpo mortal de Jesus. E o dirigente dos arcanjos disse: “Podemos não participar da ressurreição moroncial da experiência de auto-outorga de Michael, nosso soberano, mas gostaríamos de ter os seus restos mortais sob a nossa custódia para dissolução imediata. Não nos propomos empregar a nossa técnica de desmaterialização; meramente queremos invocar o processo do tempo acelerado. Suficiente para nós já é havermos visto o Soberano viver e morrer em Urântia; as hostes dos céus seriam poupadas da recordação de ter de suportar a visão da degradação lenta da forma humana do Criador e Sustentador de um universo. Em nome das inteligências celestes de todo o Nébadon, peço um mandado dando a mim a custódia do corpo mortal de Jesus de Nazaré e o poder de procedermos à sua dissolução imediata”.
189:2.2 (2023.1) E após Gabriel e o decano Altíssimo de Edêntia conferenciarem, foi dada ao porta-voz dos arcanjos das hostes celestes a permissão para que ele dispusesse dos restos físicos de Jesus como julgasse conveniente.
189:2.3 (2023.2) Depois de ser-lhe concedido esse pedido, o dirigente dos arcanjos convocou para ajudá-lo muitos dos seus companheiros, junto com uma numerosa hoste de representantes de todas as ordens de personalidades celestes e então, com o auxílio das criaturas intermediárias de Urântia, eles deram prosseguimento à tomada de posse do corpo físico de Jesus. Esse corpo de morte era uma criação puramente material; era físico e real; não poderia ser removido do sepulcro, como havia sido removida a forma moroncial da ressurreição, escapando do selo sepulcral. Com a ajuda de algumas personalidades moronciais auxiliares, a forma moroncial, em um momento, pode se fazer como espírito, de um modo tal que se torne indiferente à matéria comum, enquanto em um outro momento ela pode tornar-se discernível e contatável para os seres materiais, como os mortais deste reino.
189:2.4 (2023.3) Enquanto eles se preparavam para remover o corpo de Jesus do sepulcro, antes de dispor dele de um modo preparatório de modo a dar-lhe uma dissolução quase instantânea condigna e de modo reverente, foi designado às criaturas secundárias de Urântia que rolassem as pedras afastando-as da entrada da tumba. A maior dessas duas pedras era circular e imensa, muito semelhante a uma roda de moinho que se movia em um sulco marcado na rocha, de um modo tal que podia ser rolada para a frente e para trás, a fim de abrir ou fechar a tumba. Quando os guardas judeus vigilantes e os soldados romanos viram, sob a luz escassa na madrugada, a imensa pedra começar a rolar saindo da entrada do sepulcro, aparentemente por si mesma — sem quaisquer meios visíveis a explicar esse movimento — , eles foram tomados pelo medo e pelo pânico e correram, abandonando depressa o local. Os judeus correram para as suas casas, voltando depois para reportar o acontecido ao seu capitão no templo. Os romanos correram para a fortaleza de Antônia e contaram o que haviam visto ao centurião, tão logo ele chegou ao seu posto.
189:2.5 (2023.4) Os líderes judeus começaram uma sórdida operação supostamente para livrarem-se de Jesus oferecendo subornos ao traidor Judas, e agora, ao defrontar- se com essa situação embaraçosa, em vez de pensar em punir os guardas por desertarem do seu posto, recorreram ao expediente de subornar esses guardas e os soldados romanos. Pagaram a cada um desses vinte homens uma quantia em dinheiro e instruíram-nos a dizer a todos: “Enquanto dormíamos durante a noite, os seus discípulos precipitaram-se sobre nós e levaram o corpo”. E os líderes judeus fizeram promessas solenes aos soldados de defendê-los perante Pilatos, caso chegasse ao conhecimento do governador que eles haviam aceitado um suborno.
189:2.6 (2023.5) A crença cristã na ressurreição de Jesus tem sido baseada no fato do “sepulcro vazio”. Foi real e verdadeiramente um fato que o sepulcro estivesse vazio, mas essa não é a verdade da ressurreição. A tumba estava real e verdadeiramente vazia quando os primeiros crentes chegaram, mas esse fato, associado ao da indubitável ressurreição do Mestre, levou à formulação de uma crença que não era verdadeira: o ensinamento de que o corpo material e mortal de Jesus levantou- se da cova. A verdade relacionada às realidades espirituais e aos valores eternos nem sempre pode ser deduzida de uma combinação de fatos aparentemente reais. Ainda que os fatos individualmente possam ser materialmente verdadeiros, não significa que a conjunção de um agrupamento de fatos deva necessariamente conduzir a conclusões espiritualmente verdadeiras.
189:2.7 (2023.6) O sepulcro de José estava vazio, não porque o corpo de Jesus haja se recuperado ou ressuscitado, mas porque as hostes celestes tiveram o seu pedido concedido, o pedido de dar a ele uma dissolução especial e única, um retorno do “pó ao pó”, sem a intervenção das demoras do tempo e sem a operação dos processos ordinários e visíveis de decadência mortal e de decomposição material.
189:2.8 (2024.1) Os restos mortais de Jesus passaram pelo mesmo processo natural de desintegração dos seus elementos que é característica comum a todos os corpos humanos na Terra, exceto que, do ponto de vista do tempo, esse modo natural de dissolução foi violentamente acelerado, apressado, chegando até mesmo a ser quase instantâneo.
189:2.9 (2024.2) As verdadeiras evidências da ressurreição de Michael são espirituais, pela sua natureza, ainda que esse ensinamento seja corroborado pelo testemunho de muitos mortais do reino, que se encontraram, reconheceram e comungaram com o Mestre ressuscitado na forma moroncial. Ele tornou-se parte da experiência pessoal de quase mil seres humanos, antes de finalmente deixar Urântia.
189:3.1 (2024.3) Pouco depois das quatro e meia na manhã desse domingo, Gabriel convocou os arcanjos até perto de si e preparou-se para inaugurar a ressurreição geral de terminação da dispensação Adâmica em Urântia. Quando a vasta hoste de serafins e de querubins, envolvida nesse grande acontecimento, encontrava-se organizada em formação apropriada, o Michael moroncial apareceu diante de Gabriel, dizendo: “Do mesmo modo que o meu Pai tem vida em Si próprio, ele a deu ao Filho para que tivesse vida em si próprio. Embora eu não tenha ainda reassumido plenamente o exercício da jurisdição do universo, essa limitação auto-imposta de nenhum modo restringe o outorgamento da vida aos meus filhos adormecidos, que tenha, pois, início o chamado da lista de ressurreição do planeta”.
189:3.2 (2024.4) O circuito dos arcanjos, então, operou pela primeira vez a partir de Urântia. Gabriel e a hoste de arcanjos transportaram-se ao local da polaridade espiritual do planeta; e, quando Gabriel deu o sinal, foi transmitida ao primeiro mundo das mansões do sistema a voz de Gabriel, dizendo: “Por mandado de Michael, que levantem os mortos de uma dispensação de Urântia!” Então todos os sobreviventes das raças humanas de Urântia, que haviam estado adormecidos desde os dias de Adão, e que não tinham ainda ido a julgamento, apareceram nas salas de ressurreição de mansônia, prontos para a sua investidura moroncial. E em um instante de tempo os serafins e os seus colaboradores estavam prontos para partir em direção aos mundos das mansões. Normalmente esses guardiães seráficos, anteriormente designados à custódia grupal desses mortais sobreviventes, teriam estado presentes no momento do seu despertar nas salas de ressurreição de mansônia, mas eles estavam neste mundo, nesse momento, por causa da necessidade aqui, da presença de Gabriel, relacionada com a ressurreição moroncial de Jesus.
189:3.3 (2024.5) Não obstante haver inúmeros indivíduos que, tendo guardiães seráficos pessoais e tendo atingido o nível requerido de progresso da personalidade espiritual, foram para mansônia durante as idades posteriores ao tempo de Adão e Eva e, ainda que tenha havido muitas ressurreições especiais e milenares dos filhos de Urântia, esta era a terceira lista de chamada planetária, ou seja, a que completava a lista de ressurreições dispensacionais. A primeira ocorreu na época da chegada do Príncipe Planetário; a segunda, durante a época de Adão; e esta, a terceira, que assinalava a ressurreição moroncial, o trânsito mortal, de Jesus de Nazaré.
189:3.4 (2024.6) Quando o sinal da ressurreição planetária foi recebido pelo dirigente dos arcanjos, o Ajustador Personalizado do Filho do Homem renunciou à sua autoridade sobre as hostes celestes reunidas em Urântia, transferindo todos esses filhos do universo local, de volta para as jurisdições dos seus respectivos comandantes. E após fazer isso ele partiu para Sálvington a fim de registrar com Emanuel o fim completo do trânsito mortal de Michael. E foi seguido imediatamente por toda a hoste celeste que não estava requisitada para servir em Urântia. Mas Gabriel permaneceu em Urântia com o Jesus moroncial.
189:3.5 (2025.1) E é esse o relato dos acontecimentos da ressurreição de Jesus, segundo foram vistos por aqueles que os presenciaram, como realmente ocorreram, livres das limitações da visão humana, parcial e restrita.
189:4.1 (2025.2) Nesse domingo de madrugada, tendo em vista que nos aproximávamos da hora da ressurreição de Jesus, deve ser relembrado que os dez apóstolos encontravam-se hospedados na casa de Elias e Maria Marcos, onde dormiam na sala de cima, descansando nos mesmos leitos em que se reclinaram quando da Última Ceia com o seu Mestre. Nesse domingo, pela manhã, estavam todos reunidos lá, exceto Tomé. Tendo estado com eles por uns poucos minutos, quando se reuniram no sábado até tarde da noite, era demais para Tomé ver os apóstolos e, mais ainda, suportar o pensamento do que tinha acontecido a Jesus. Ele deu uma olhada nos seus companheiros e imediatamente deixou a sala, indo para a casa de Simão, em Betfagé, onde contava poder afundar-se no abismo da própria tristeza a sós. Todos os apóstolos sofriam, nem tanto pela dúvida e desespero quanto pelo temor, a pena e a vergonha.
189:4.2 (2025.3) Na casa de Nicodemos reuniram-se, com Davi Zebedeu e José de Arimatéia, entre doze e quinze dos discípulos de Jesus, dos mais proeminentes de Jerusalém. Na casa de José de Arimatéia achavam-se entre quinze e vinte das principais mulheres crentes. E essas mulheres encontravam-se na casa de José, sozinhas, e, como haviam estado juntas durante as horas do dia de sábado e na noite seguinte, permaneciam sem saber da guarda militar de vigia no sepulcro; e tampouco sabiam que uma segunda pedra havia sido rolada na frente da tumba; nem que ambas as pedras tinham sido colocadas sob o selo de Pilatos.
189:4.3 (2025.4) Um pouco antes das três horas, nesse domingo de manhã, quando os primeiros sinais do dia começaram a surgir no lado leste, cinco daquelas mulheres partiram para a tumba de Jesus. Elas haviam preparado uma boa quantidade de loções balsâmicas especiais, e levavam consigo muitas bandagens de linho. O seu propósito era preparar melhor o corpo de Jesus, com os ungüentos fúnebres, envolvendo-o cuidadosamente com novas bandagens.
189:4.4 (2025.5) As mulheres que saíram para a missão de ungir o corpo de Jesus foram as seguintes: Maria Madalena, Maria, a mãe dos gêmeos Alfeus, Salomé, a mãe dos irmãos Zebedeus, Joana, a mulher de Cuza, e Susana, a filha de Ezra de Alexandria.
189:4.5 (2025.6) Eram cerca de três e meia quando as cinco mulheres, carregadas com os seus ungüentos, chegaram diante da tumba vazia. Enquanto passavam pelo portão de Damasco, elas encontraram inúmeros soldados correndo para a cidade, relativamente tomados de pânico; e isso as levou a parar por uns poucos minutos; mas, vendo que nada mais acontecia, retomaram a sua caminhada.
189:4.6 (2025.7) E, especialmente surpresas ficaram, ao ver a pedra rolada para fora da entrada do sepulcro, pois, enquanto estavam vindo, entre si, chegaram até a dizer: “Quem nos ajudará a rolar a pedra?” Então elas puseram a sua carga no chão e começaram a olhar umas para as outras, temerosas e em grande espanto. Enquanto estavam ali de pé, atônitas, tremendo de medo, Maria Madalena aventurou-se a contornar a pedra menor e ousou entrar no sepulcro aberto. Essa tumba de José ficava no seu jardim, nas colinas, do lado leste da estrada, e também dava face para o lado leste. A essa hora, apenas a luz da madrugada de um novo dia permitiu a Maria ver o local onde o corpo do Mestre havia sido colocado e discernir que ele não mais estava ali. No recesso da pedra, onde haviam deitado Jesus, Maria viu apenas o pano dobrado, em que a sua cabeça estivera repousando e todas as bandagens, com as quais havia sido envolto, intactas e dispostas sobre a pedra, tal qual estiveram antes de as hostes celestes haverem levado o corpo. O lençol que o cobria encontrava-se aos pés do nicho fúnebre.
189:4.7 (2026.1) Depois de permanecer na entrada da tumba por uns poucos momentos (ela não havia visto nada claramente, tão logo entrara na tumba), Maria viu que o corpo de Jesus não se encontrava lá e que no seu lugar estavam apenas alguns tecidos fúnebres, e ela soltou um grito de alarme e angústia. Todas a mulheres ficaram extremamente nervosas; tinham estado nos seus limites de tensão desde que encontraram os soldados em pânico na entrada da cidade e, quando Maria soltou o grito de angústia, elas ficaram aterrorizadas e saíram dali mais do que depressa. E não pararam até que tivessem percorrido todo o caminho, até o portão de Damasco. Nesse momento Joana deu por si, de que elas tinham abandonado Maria; e reuniu as suas companheiras para voltarem ao sepulcro.
189:4.8 (2026.2) À medida que se aproximaram do sepulcro, a amedrontada Madalena, que ainda mais aterrorizada ficara quando não encontrou as suas irmãs esperando por ela, ao sair da tumba, agora corria para elas, exclamando agitadamente: “Ele não está lá — levaram-no embora!” E ela as conduziu de volta ao sepulcro; e todas entraram e viram que estava vazio.
189:4.9 (2026.3) Todas as cinco mulheres então se sentaram na pedra próxima da entrada para conversarem sobre a situação. Ainda não lhes havia ocorrido que Jesus havia ressuscitado. Haviam permanecido sozinhas e isoladas todo o sábado; e então conjecturaram que o corpo pudesse haver sido removido para outro local de descanso. Mas, quando elas refletiram sobre tal solução para o seu dilema, não conseguiram explicação para o fato de os tecidos funerais estarem tão arrumados; como poderia o corpo ter sido removido, já que as próprias bandagens, nas quais estivera envolto, tinham sido deixadas na mesma posição e aparentemente intactas na prateleira mortuária?
189:4.10 (2026.4) Enquanto essas mulheres estavam sentadas ali, durante aqueles momentos da madrugada desse novo dia, elas viram a um canto um vulto estranho, calado e imóvel. Por um momento ficaram de novo amedrontadas, mas Maria Madalena, correndo até lá e dirigindo-se a ele como se fosse o jardineiro, disse: “Para onde tu levaste o Mestre? Onde o puseram? Dize-nos para que possamos ir lá buscá-lo”. Quando o estranho não respondeu a Maria, ela começou a chorar. Então Jesus falou a elas, dizendo: “A quem procurais?” Maria disse: “Procuramos por Jesus, que foi colocado para descansar na tumba de José, mas ele se foi. Sabes para onde o levaram?” Então Jesus disse: “E esse Jesus não vos disse, na Galiléia mesmo, que morreria, mas que se levantaria novamente?” Essas palavras assombraram as mulheres, mas o Mestre estava tão mudado que elas ainda não o reconheceram, de costas que estava para a escassa luz. E enquanto elas pesavam as suas palavras, ele dirigiu-se a Madalena com uma voz familiar, dizendo: “Maria”. E quando então ouviu essa palavra, dita com uma compaixão tão bem conhecida e em saudação afetuosa, ela soube que era a voz do Mestre; e, correndo, ajoelhou-se aos seus pés, ao mesmo tempo em que exclamava: “Meu Senhor, e meu Mestre!” E todas as outras mulheres reconheceram que era o Mestre que estava diante delas na forma glorificada, e depressa se ajoelharam diante dele.
189:4.11 (2027.1) Esses olhos humanos tornaram-se capazes de ver a forma moroncial de Jesus mediante a ministração especial dos transformadores e das criaturas intermediárias em conjunção com algumas das personalidades moronciais que então acompanhavam Jesus.
189:4.12 (2027.2) Quando Maria tentou abraçar os seus pés, Jesus disse: “Não me toques, Maria, pois eu não sou mais como tu me conheceste na carne. Nesta forma eu permanecerei convosco, por uma temporada, antes de ascender ao Pai. Mas agora ide, todas vós, e dizei aos meus apóstolos — e a Pedro — que eu ressuscitei, e que vós já falastes comigo”.
189:4.13 (2027.3) Após recuperarem-se do choque de um tal assombro, essas mulheres apressaram- se de volta à cidade, indo para a casa de Elias Marcos, onde contaram aos dez apóstolos tudo o que lhes havia acontecido; mas os apóstolos não ficaram inclinados a acreditar nelas. A princípio pensaram que as mulheres haviam tido uma visão, mas quando Maria Madalena repetiu as palavras com as quais Jesus tinha dirigido-se a elas, e, quando Pedro ouviu o seu nome ser pronunciado, ele correu para fora da sala de cima, seguido por João, em grande pressa para chegar ao sepulcro e ver essas coisas por si próprio.
189:4.14 (2027.4) As mulheres repetiram a história daquela conversa com Jesus para os outros apóstolos, mas eles não acreditariam, e não iriam ver por si próprios, como o haviam feito Pedro e João.
189:5.1 (2027.5) Enquanto os dois apóstolos corriam para o Gólgota até a tumba de José, os pensamentos de Pedro alternavam-se entre medo e esperança; ele temia encontrar o Mestre, mas a sua esperança era estimulada pela história de que Jesus havia mandado uma palavra especial para ele. E ele achava-se quase persuadido de que Jesus estava realmente vivo; relembrou-se da sua promessa de que ressuscitaria no terceiro dia. Por mais estranho que pudesse parecer, essa promessa não havia sido lembrada por Pedro, desde a crucificação até este momento, em que ele corria para o norte, atravessando Jerusalém. À medida que João saía apressado da cidade, um estranho êxtase feito de júbilo e de esperança inundava a sua alma. Ele estava quase convencido de que aquelas mulheres realmente haviam visto o Mestre ressuscitado.
189:5.2 (2027.6) João sendo mais jovem do que Pedro ultrapassou-o e chegou primeiro à tumba. João permaneceu junto à entrada, olhando para dentro da tumba, que estava exatamente como Maria a havia descrito. Logo Simão Pedro chegou correndo e, entrando, viu a mesma tumba vazia com as mortalhas arrumadas de um modo peculiar. Quando Pedro saiu, João entrou e igualmente viu tudo por si próprio; e, então, ambos sentaram-se na pedra para refletir sobre o que significava tudo o que eles haviam visto e ouvido. E enquanto estavam sentados lá, reviraram por completo nas suas mentes o que havia sido dito a eles sobre Jesus, mas não conseguiam perceber claramente o que havia acontecido.
189:5.3 (2027.7) Inicialmente Pedro sugeriu que a tumba houvesse sido saqueada, que inimigos houvessem roubado o corpo, talvez subornando os guardas. Mas João ponderou que a tumba não teria sido deixada tão arrumada se o corpo tivesse sido roubado, e também levantou a questão de como as bandagens puderam ser deixadas para trás, e aparentemente tão intactas. E de novo ambos voltaram à tumba para examinar mais de perto as mortalhas. Quando saíam da tumba pela segunda vez, eles encontraram Maria Madalena que retornara e chorava diante da entrada. Maria tinha ido até os apóstolos acreditando que Jesus se havia levantado-se da cova, mas quando todos se recusaram a acreditar no que ela contava, ficou deprimida e em desespero. Queria voltar para junto da tumba, onde ela pensou haver ouvido a voz familiar de Jesus.
189:5.4 (2027.8) Enquanto Maria permanecia ali, depois de Pedro e João terem ido embora, de novo o Mestre apareceu para ela, dizendo: “Não fiques em dúvida; tem a coragem de crer no que viste e ouviste. Volta aos meus apóstolos e de novo dize a eles que eu ressuscitei, que eu aparecerei para eles e que logo irei ter com eles na Galiléia como prometi”.
189:5.5 (2028.1) Maria apressou-se a voltar à casa de Marcos e disse aos apóstolos que, novamente, havia conversado com Jesus, mas eles não acreditariam nela. E quando Pedro e João voltaram, eles pararam de ridicularizá-la e ficaram cheios de temor e de apreensão.
O Livro de Urântia
Documento 190
190:0.1 (2029.1) O JESUS ressuscitado prepara-se agora para passar um curto período de tempo em Urântia, com o propósito de experienciar a carreira moroncial ascendente de um mortal dos reinos. Ainda que esse período de vida moroncial esteja para ser passado neste mundo da sua encarnação mortal, sob todos os pontos de vista, porém, será o equivalente à contraparte da experiência dos mortais do sistema de Satânia, os quais passam pela vida moroncial progressiva nos sete mundos das mansões de Jerusém.
190:0.2 (2029.2) Todo esse poder que é inerente a Jesus — o dom da vida — , e o capacitou a ressuscitar dos mortos; é a dádiva mesma da vida eterna que ele outorga aos crentes dos reinos e que assegura, ainda agora, a sua ressurreição dos vínculos da morte natural.
190:0.3 (2029.3) Os mortais dos reinos levantar-se-ão na manhã da ressurreição com o mesmo tipo de corpo de transição, ou moroncial, que Jesus teve quando se levantou da tumba naquela manhã de domingo. Esses corpos não têm sangue circulando, e tais seres não se servem de alimentos materiais comuns; contudo, essas formas moronciais são reais. Quando os vários crentes viram Jesus, depois da sua ressurreição, eles realmente o viram; não foram logrados por ilusões, visões ou alucinações.
190:0.4 (2029.4) Uma fé inquebrantável na ressurreição de Jesus foi a característica cardinal da fé em todas as ramificações do ensinamento inicial do evangelho. Em Jerusalém, na Alexandria, na Antioquia e na Filadélfia, todos os educadores do evangelho uniram-se nesta fé implícita na ressurreição do Mestre.
190:0.5 (2029.5) Ao examinarmos o papel proeminente de Maria Madalena, ao proclamar a ressurreição do Mestre, deveria ficar registrado que Maria era a porta-voz principal para o corpo de mulheres, como Pedro o foi para os apóstolos. Não era uma dirigente das mulheres que trabalhavam para o Reino, mas era a sua instrutora principal e sua porta-voz para o público. Maria tornou-se uma mulher muito circunspecta, de tal modo que a sua ousadia ao falar com um homem, a quem ela considerou como sendo o jardineiro de José, apenas indica o quão aterrorizada ficara por haver encontrado a tumba vazia. Foram a profundidade e a agonia do seu amor e a plenitude da sua devoção, que a levaram a esquecer, por um momento, a convenção que impunha a proibição à mulher judia de abordar um homem estranho.
190:1.1 (2029.6) Os apóstolos não queriam que Jesus os deixasse; por isso não deram importância a todas as suas afirmações sobre a própria morte, nem às suas promessas de ressuscitar. Eles não estavam esperando a ressurreição do modo como ela veio e recusaram-se a acreditar nela até que se confrontassem compulsivamente com a evidência irrefutável e com a prova absoluta das suas próprias experiências.
190:1.2 (2030.1) Quando os apóstolos se recusaram a crer naquilo que as cinco mulheres relataram, quanto a terem visto e falado com Jesus, elas se retiraram: Maria Madalena voltou ao sepulcro e as outras foram de volta para a casa de José, onde estas últimas contaram a sua experiência para a filha dele e às outras mulheres. E as mulheres acreditavam naquilo que ouviam. Pouco depois das seis horas, a filha de José de Arimatéia e as quatro mulheres que haviam visto Jesus seguiram para a casa de Nicodemos, e ali relataram todos esses acontecimentos a José, a Nicodemos, a Davi Zebedeu e aos outros homens reunidos lá. Nicodemos e os outros duvidaram da sua história, duvidaram de que Jesus houvesse ressuscitado dos mortos; e conjecturavam se os judeus não teriam removido o corpo. José e Davi estavam dispostos a acreditar no que ouviram, tanto que se apressaram a sair e inspecionar a tumba; e encontraram tudo exatamente como as mulheres haviam descrito. E foram os últimos a ver o sepulcro assim, pois o sumo sacerdote enviou o capitão dos guardas do templo para a tumba, às sete horas e trinta minutos, a fim de retirar de lá as mortalhas. O capitão enrolou-as todas no lençol de linho e atirou-as dentro de um precipício próximo.
190:1.3 (2030.2) Do sepulcro, Davi e José foram imediatamente para a casa de Elias Marcos, onde se mantiveram em conferência com os dez apóstolos na sala de cima. Apenas João Zebedeu se achava disposto a acreditar, ainda que vagamente, que Jesus houvesse ressuscitado dos mortos. Pedro acreditou a princípio, mas, quando não encontrou o Mestre, caiu em dúvida profunda. Estavam todos dispostos a acreditar que os judeus haviam retirado o corpo de lá. Davi não argumentaria com eles, mas, quando saiu, ele disse: “Vós sois os apóstolos e devíeis compreender essas coisas. Não discutirei convosco; contudo, volto agora para a casa de Nicodemos, onde marquei de me reunir com os mensageiros esta manhã, e, quando eles estiverem reunidos, eu os enviarei para a sua última missão, como arautos da ressurreição do Mestre. Eu ouvi o Mestre dizer que, depois de morrer, ele iria ressuscitar ao terceiro dia, e eu creio nele”. E assim falando aos deprimidos e abandonados embaixadores do Reino, esse chefe autoconvocado da comunicação e da informação despediu-se dos apóstolos. Quando saía da sala de cima, ele deixou a bolsa de Judas, contendo todos os fundos apostólicos, no colo de Mateus Levi.
190:1.4 (2030.3) Eram aproximadamente nove horas e trinta minutos quando o último dos vinte e seis mensageiros de Davi chegou à casa de Nicodemos. Davi prontamente os reuniu no espaçoso pátio e disse-lhes:
190:1.5 (2030.4) “Homens e irmãos, durante todo esse tempo, vós tendes servido a nós, de acordo com um juramento feito a mim e a vós próprios, uns aos outros; e eu vos conclamo a testemunhar que nunca antes coloquei informação falsa nas vossas mãos. Estou a ponto de enviar-vos para a vossa última missão, como mensageiros voluntários do Reino e, assim fazendo, eu vos libero dos vossos juramentos e dissolvo o corpo de mensageiros. Homens, eu declaro a vós que terminamos nosso trabalho. O Mestre não mais tem necessidade de mensageiros mortais; ele ressuscitou dos mortos. Ele nos disse, antes de o haverem prendido, que iria morrer e que levantaria de novo ao terceiro dia. Eu vi a tumba — está vazia. Conversei com Maria Madalena e quatro outras mulheres que falaram com Jesus. Agora eu desfaço este grupo, me despeço de vós e vos envio para as vossas respectivas tarefas; e a mensagem que devereis levar aos crentes é: ‘Jesus ressuscitou dos mortos; a tumba está vazia’”.
190:1.6 (2030.5) A maioria daqueles que estavam presentes trataram de persuadir Davi a não fazer isso. Mas não conseguiram influenciá-lo. Então procuraram dissuadir os mensageiros, mas estes não deram ouvidos às palavras de dúvida. E assim, pouco antes das dez horas da manhã desse domingo, esses vinte e seis corredores saíram como os primeiros arautos do poderoso fato verdadeiro do Jesus ressuscitado. E eles começaram essa missão como haviam iniciado tantas outras, cumprindo o seu juramento feito junto a Davi Zebedeu e entre eles próprios. Esses homens depositavam uma grande confiança em Davi. Partiram para essa tarefa sem ao menos parar para falar com aqueles que haviam visto Jesus; pois eles acreditaram o suficiente na palavra de Davi. A maioria deles confiava no que Davi lhes havia dito e, mesmo aqueles que duvidavam, de algum modo, levaram a mensagem com a mesma certeza e com a mesma rapidez.
190:1.7 (2031.1) Os apóstolos, do corpo espiritual do Reino, nesse dia, estavam reunidos na sala de cima, onde manifestavam temor e expressavam dúvidas, enquanto aqueles leigos, representando a primeira tentativa de socialização do evangelho do Mestre, pela irmandade dos homens, sob as ordens do seu destemido e eficiente líder, corriam para proclamar o Salvador, ressuscitado, de um mundo e de um universo. E eles engajaram-se nesse serviço memorável, antes mesmo que os seus representantes escolhidos se mostrassem dispostos a acreditar na sua palavra ou a aceitar as provas das testemunhas.
190:1.8 (2031.2) Esses vinte e seis mensageiros foram despachados para a casa de Lázaro, em Betânia, e para todos os centros dos crentes, de Berseba, no sul de Damasco, Sidom, ao norte, e de Filadélfia, no leste, até Alexandria, no oeste.
190:1.9 (2031.3) Quando Davi deixou os seus irmãos, foi até a casa de José em busca da sua mãe; os dois então seguiram até Betânia, para juntarem-se à família de Jesus, que os aguardava. Davi hospedou-se com Marta e Maria, em Betânia, até que elas se desfizessem das suas posses terrenas; e depois ele as acompanhou em sua viagem para unirem-se ao seu irmão, Lázaro, na Filadélfia.
190:1.10 (2031.4) Cerca de uma semana depois, João Zebedeu levou Maria, a mãe de Jesus, até a sua casa em Betsaida. Tiago, o irmão mais velho de Jesus, permaneceu com a sua família em Jerusalém. Rute ficou em Betânia com as irmãs de Lázaro. O restante da família de Jesus voltou para a Galiléia. Davi Zebedeu saiu de Betânia com Marta e Maria, indo para a Filadélfia, no princípio de junho, no dia seguinte ao do seu casamento com Rute, a irmã mais nova de Jesus.
190:2.1 (2031.5) Da época da ressurreição moroncial até a hora da sua ascensão espiritual às alturas, Jesus fez dezenove aparições isoladas, na forma visível, para os seus crentes na Terra. Ele não apareceu para os seus inimigos, nem para aqueles que não poderiam fazer um uso espiritual da sua manifestação na forma visível. A sua primeira aparição foi para as cinco mulheres no sepulcro; a sua segunda, para Maria Madalena, também no sepulcro.
190:2.2 (2031.6) A terceira aparição ocorreu por volta do meio-dia nesse domingo, em Betânia. Pouco depois do meio-dia, Tiago, o irmão mais velho de Jesus, estava no jardim de Lázaro, de pé, diante da tumba vazia do irmão ressuscitado de Marta e Maria, repassando na sua mente as novidades trazidas uma hora atrás, pelo mensageiro de Davi. Tiago inclinava-se a acreditar sempre na missão do seu irmão mais velho na Terra, mas havia muito tempo que perdera o contato com o trabalho de Jesus e, assim, tinha deixado dominar-se por graves incertezas sobre as últimas afirmações dos apóstolos, de que Jesus era o Messias. Toda a família estava estupefata e bastante confundida com as notícias trazidas pelo mensageiro. E, quando Tiago ainda encontrava-se diante da tumba vazia de Lázaro, Maria Madalena chegou sobressaltada, e relatou à família as suas experiências daquela madrugada no sepulcro de José. Antes que ela tivesse terminado, chegaram Davi Zebedeu e sua mãe. Rute acreditou, é claro, nesse relato, e também Judá, depois de conversar com Davi e Salomé.
190:2.3 (2032.1) Nesse meio tempo, quando procuraram por Tiago, e antes de encontrarem-no, enquanto permanecia ali no jardim próximo da tumba, Tiago apercebeu-se de uma presença próxima, como se alguém tivesse tocado no seu ombro; e, quando ele voltou-se para olhar, pôde ver a aparição gradual de uma estranha forma ao seu lado. Ele ficou por demais atônito para falar e amedrontado demais para fugir. E então a estranha forma expressou-se com estas palavras: “Tiago, vim com a finalidade de chamar-te para o serviço do Reino. Dá as tuas mãos sinceramente aos teus irmãos e segue os meus passos”. Quando Tiago ouviu o seu nome sendo pronunciado, ele soube que era o seu irmão mais velho, Jesus, que se dirigia a ele. Todas as pessoas apresentavam dificuldades, maiores ou menores, para reconhecer a forma moroncial do Mestre, mas poucos encontravam dificuldade para reconhecer a sua voz e identificar, de algum outro modo, a sua encantadora personalidade, uma vez que ele houvesse começado a comunicar-se com eles.
190:2.4 (2032.2) Quando Tiago percebeu que Jesus estava dirigindo-se a ele, quase caiu de joelhos, exclamando: “Meu pai e meu irmão”; mas Jesus solicitou-lhe que ficasse de pé enquanto ele lhe falava. E caminharam pelo jardim conversando por quase três minutos; falaram sobre as experiências de tempos atrás e anteciparam os acontecimentos do futuro próximo. À medida que se aproximaram da casa, Jesus disse: “Adeus, Tiago, até quando eu os vir a todos juntos”.
190:2.5 (2032.3) Tiago correu para a casa, enquanto eles o procuravam em Betfage, exclamando: “Acabo de ver Jesus e de falar com ele, até mesmo conversei com ele. Não está morto; ele ressuscitou! E desapareceu diante de mim, dizendo: ‘Adeus, até quando eu os vir a todos juntos’”. Mal acabou de falar e Judá chegou e, então, em consideração a este, Tiago contou novamente a experiência que teve com Jesus no jardim. E todos começaram a acreditar na ressurreição de Jesus. Tiago agora anunciava que não iria voltar para a Galiléia, e Davi exclamou: “Ele está sendo visto não apenas por mulheres exaltadas; mesmo os homens de corações fortes começaram a vê-lo. Espero, eu próprio, vê-lo também”.
190:2.6 (2032.4) E Davi não teve de esperar muito, pois a quarta aparição de Jesus para o reconhecimento mortal ocorreu pouco antes das duas horas, nessa mesma casa de Marta e Maria, e Jesus surgiu, bem visivelmente, diante da sua família terrena e dos seus amigos, ao todo vinte pessoas. O Mestre apareceu na porta aberta, dos fundos, dizendo: “A paz esteja convosco. Saudações para aqueles que estiveram próximos de mim na carne e irmandade para os meus irmãos e irmãs no Reino do céu. Como pudestes duvidar? Por que titubeastes por tanto tempo, até seguir, do fundo do coração, a luz da verdade? Vinde, pois, todos vós à irmandade do Espírito da Verdade, no Reino do Pai”. Quando começaram a recobrar-se do choque inicial e do próprio espanto, e iam aproximar-se dele como que para abraçá-lo, Jesus desapareceu das suas vistas.
190:2.7 (2032.5) Todos queriam correr para a cidade e contar aos apóstolos hesitantes sobre o que havia acontecido, mas Tiago os conteve. Apenas a Maria Madalena foi permitido voltar à casa de José. Tiago proibiu que eles colocassem abertamente de público que essa visita moroncial havia acontecido, por causa de algumas coisas que Jesus havia dito a ele enquanto conversavam no jardim. Mas Tiago nunca revelou mais nada sobre a conversa com o Mestre ressuscitado nesse dia na casa de Lázaro, em Betânia.
190:3.1 (2033.1) A quinta manifestação moroncial de Jesus, para que os olhos dos mortais o reconhecessem, aconteceu na presença de umas vinte e cinco mulheres crentes reunidas na casa de José de Arimatéia, por volta das quatro horas e quinze minutos, nessa mesma tarde de domingo. Maria Madalena havia retornado à casa de José, apenas alguns minutos antes dessa aparição. Tiago, o irmão de Jesus, havia solicitado que nada fosse dito aos apóstolos a respeito da aparição do Mestre em Betânia. Ele não havia pedido a Maria que se abstivesse de contar o ocorrido às suas irmãs crentes. Assim, depois de ter pedido segredo a todas as mulheres, Maria relatou o que havia acontecido enquanto ela esteve com a família de Jesus em Betânia. E, no meio mesmo desse relato emocionante, um silêncio súbito e solene caiu sobre elas; e todas contemplaram bem próximo de si a forma totalmente visível de Jesus ressuscitado. Ele saudou-as dizendo: “A paz esteja convosco. Na comunhão do Reino não haverá judeus nem gentios, nem ricos nem pobres, nem livres ou escravos, nem homem ou mulher. Vós também sois chamadas a tornar pública a boa-nova da liberdade da humanidade por meio do evangelho da filiação a Deus no Reino do céu. Ide a todo o mundo proclamar este evangelho e confirmá-lo para os crentes na fé. E, enquanto fazeis isso, não vos esqueçais de ministrar aos doentes e fortalecer os que estão fracos e cheios de temor. E eu estarei sempre convosco, até mesmo nos confins da Terra”. E depois de falar assim, Jesus desapareceu da vista delas, enquanto as mulheres caíram com os seus rostos no chão e adorando-o em silêncio.
190:3.2 (2033.2) Das cinco aparições moronciais de Jesus ocorridas até esse momento, Maria Madalena havia testemunhado quatro.
190:3.3 (2033.3) Como resultado do envio dos mensageiros durante o meio da tarde e em conseqüência do vazamento inconsciente de indicações a respeito dessa aparição de Jesus na casa de José, um rumor chegou até os dirigentes judeus, durante o anoitecer, sobre o que estava sendo relatado em toda a cidade, de que Jesus havia ressuscitado e que muitas pessoas estavam declarando tê-lo visto. Os sinedristas encontravam-se profundamente perturbados com esses rumores. Após uma rápida conversa com Anãs, Caifás convocou uma reunião do sinédrio para as oito horas, naquela noite. Foi nessa reunião que foi tomada a decisão de expulsar das sinagogas qualquer pessoa que fizesse menção à ressurreição de Jesus. Foi sugerido mesmo que qualquer pessoa que afirmasse tê-lo visto deveria ser condenada à morte; essa proposta, contudo, não chegou a ser votada, já que a reunião dispersou-se em uma confusão que beirava ao pânico. Eles haviam ousado pensar que haviam acabado com Jesus. Mas estavam a ponto de descobrir que as dificuldades reais que teriam com o homem de Nazaré estavam apenas começando.
190:4.1 (2033.4) Por volta das quatro horas e trinta minutos, na casa de um certo Flávio, o Mestre fez a sua sexta aparição moroncial para cerca de quarenta gregos crentes reunidos lá. Enquanto estavam empenhados em discutir os relatos da sua ressurreição, o Mestre manifestou-se em meio a eles, a despeito das portas estarem fechadas com ferrolhos seguros, e dirigindo-se a eles, ele disse: “A paz esteja convosco. Embora haja aparecido na Terra e entre os judeus, o Filho do Homem veio para ministrar a todos os homens. No Reino do meu Pai não haverá nem judeus nem gentios; vós sereis todos irmãos — os filhos de Deus. Ide, portanto, a todo o mundo, proclamar este evangelho da salvação, como vós o recebestes dos embaixadores do Reino, e eu os aceitarei em comunhão, na irmandade dos filhos, pela fé na verdade do Pai”. E, tendo falado-lhes assim, ele os deixou; e não mais o viram. Passaram toda a noite dentro da casa; achavam-se por demais tomados de um temor respeitoso e de um medo espantado e não se aventuraram a sair. E nenhum desses gregos dormiu naquela noite; permaneceram acordados, falando sobre essas coisas e esperando que o Mestre pudesse novamente vir a estar com eles. Nesse grupo achavam-se muitos dos gregos que haviam estado no Getsêmani, na ocasião em que Judas traiu Jesus com um beijo e os soldados o prenderam.
190:4.2 (2034.1) Os rumores da ressurreição de Jesus e os relatos a respeito das muitas aparições para os seus seguidores iam espalhando-se rapidamente, e toda a cidade encontrava-se tomada por uma forte emoção. O Mestre já havia aparecido para a sua família, para as mulheres e para os gregos e, dentro em pouco, manifestar- se-ia em meio aos apóstolos. O sinédrio logo irá começar a considerar os novos problemas que, de um modo tão repentino, se precipitaram sobre os governantes judeus. Jesus pensa muito nos seus apóstolos, mas deseja que sejam deixados a sós por algumas horas mais, em reflexão solene e em considerações profundas, antes de estar com eles.
190:5.1 (2034.2) Em Emaús, cerca de onze quilômetros a oeste de Jerusalém, viviam dois irmãos pastores, que haviam passado a semana da Páscoa em Jerusalém assistindo aos sacrifícios, aos cerimoniais e às festas. Cleofas, o mais velho, acreditava parcialmente em Jesus; ao menos, havia sido expulso da sinagoga. O seu irmão, Jacó, não era crente, se bem que tivesse ficado bastante perplexo com o que havia ouvido sobre os ensinamentos e trabalhos do Mestre.
190:5.2 (2034.3) Nesse domingo, à tarde, a uns cinco quilômetros para fora de Jerusalém e a uns poucos minutos antes das cinco horas, enquanto esses dois irmãos caminhavam na estrada para Emaús, eles falavam com grande convicção sobre Jesus, dos seus ensinamentos, do seu trabalho e, mais especialmente, a respeito dos rumores de que a sua tumba estava vazia e de que algumas das mulheres haviam conversado com ele. Cleofas estava a meio caminho de acreditar nesses relatos, mas Jacó insistia em que tudo era provavelmente uma fraude. Enquanto eles conversavam e debatiam desse modo, a caminho de casa, a manifestação moroncial de Jesus, a sua sétima aparição, veio junto a eles à medida que caminhavam. Cleofas muitas vezes ouvira Jesus ensinar e comera com ele nas casas dos crentes de Jerusalém em várias ocasiões. Mas não reconheceu o Mestre nem mesmo quando ele falou abertamente com eles.
190:5.3 (2034.4) Depois de andar um pequeno trecho da estrada junto com eles, Jesus perguntou: “Quais palavras estavam sendo trocadas entre vós, com tamanha convicção, quando eu cheguei?” E quando Jesus falou, eles pararam e olharam para ele com uma triste surpresa. Disse Cleofas: “Como pode ser que estejas em Jerusalém e não saibas das coisas que aconteceram recentemente?” Então o Mestre perguntou: “Que coisas?” Cleofas replicou: “Se não sabes dessas questões, és o único em Jerusalém que não ouviu os rumores a respeito de Jesus de Nazaré, profeta de palavra e feitos poderosos diante de Deus e todo o povo. Os sacerdotes principais e governantes entregaram-no aos romanos e exigiram que o crucificassem. E, assim, muitos de nós estivemos esperando que fosse ele quem iria libertar Israel do jugo dos gentios. Mas isso não é tudo. É já o terceiro dia, desde que foi crucificado, e algumas mulheres nos deixaram estupefatos ao declarar que, muito cedo nesta manhã, foram ao seu sepulcro e o encontraram vazio. E essas mesmas mulheres afirmam que conversaram com esse homem; sustentam mesmo que ele ressuscitou dos mortos. E quando as mulheres relataram isso aos homens, dois dos seus apóstolos correram à tumba e também encontraram-na vazia” — aqui Jacó interrompeu o seu irmão para dizer: “Mas eles não viram Jesus”.
190:5.4 (2035.1) Enquanto caminhavam juntos Jesus disse a eles: “Quão vagarosos sois para compreender a verdade! Quando me dizeis que as vossas conversas são sobre os ensinamentos e o trabalho desse homem, então, posso eu esclarecer-vos já que estou mais do que familiarizado com tais ensinamentos. Não vos lembrais de que esse Jesus ensinou sempre que o seu Reino não é deste mundo; e que todos os homens, sendo filhos de Deus, deveriam encontrar libertação e liberdade no júbilo espiritual, na comunhão e na irmandade do serviço amoroso ao novo Reino da verdade do amor do Pai dos céus? Não lembrais que esse mesmo Filho do Homem proclamou que a salvação de Deus é para todos os homens; que ministrou aos doentes e aflitos e libertando quem que estava atado pelas correntes do medo e escravizados pelo mal? Não sabeis que esse homem de Nazaré disse aos seus discípulos, que deveria ir a Jerusalém, que seria entregue aos seus inimigos, e estes o levariam à morte; mas que ele se levantaria ao terceiro dia? Tudo isso não vos foi dito? E nunca lestes nas escrituras a respeito desse dia da salvação para os judeus e para os gentios, onde se diz que nele todas as famílias da Terra serão abençoadas; que ele ouvirá o apelo dos necessitados e salvará as almas dos pobres que o procuram; que todas as nações o chamarão de abençoado? Que esse Libertador será como a sombra de uma grande rocha em uma terra exaurida. Que ele alimentará o rebanho como um verdadeiro pastor, tomando as ovelhas nos seus braços e carregando-as ternamente no seu colo. Que ele abrirá os olhos dos cegos espirituais e trará os prisioneiros do desespero à liberdade plena e à luz; que todos aqueles que se encontram na escuridão verão a grande luz da salvação eterna. Que ele medicará os corações partidos, proclamará a liberdade aos aprisionados do pecado, e abrirá a prisão para aqueles que estão escravizados pelo medo e tolhidos pelo mal. Que confortará àqueles que estão de luto e outorgará a eles o júbilo da salvação em lugar da pena e do pesar. Que ele será o desejo de todas as nações e o júbilo eterno daqueles que buscam a retidão. Que esse Filho da verdade e da retidão se elevará sobre o mundo, com luz curativa e poder salvador; e até mesmo que salvará o seu povo dos pecados; que realmente buscará e salvará os que estão perdidos. Que não destruirá os fracos, e sim ministrará a salvação a todos os que têm fome e sede de retidão. Que aqueles que acreditam nele terão vida eterna. Que ele irá verter o seu espírito sobre toda a carne, e que esse Espírito da Verdade será para cada crente como uma fonte de água, fazendo jorrar a vida eterna. Não compreendestes quão grande foi o evangelho do Reino que esse homem entregou a vós? Não percebeis quão grande é a salvação que vem a vós?”
190:5.5 (2035.2) Nesta altura eles estavam chegando perto da cidade onde esses dois irmãos moravam. Nenhuma palavra esses dois homens disseram, desde que Jesus havia começado a ensinar a eles, enquanto caminhavam juntos pela estrada. Logo chegaram em frente à sua humilde morada e Jesus estava para deixá-los, indo estrada abaixo, mas eles solicitaram-lhe que entrasse e ficasse com eles. Eles insistiram, como era quase já o cair da noite, que ele permanecesse lá com eles. Finalmente Jesus consentiu e, logo que eles entraram na casa e se sentaram para comer. Deram a ele o pão para abençoar e, quando ele começou a parti-lo e a entregá-lo a eles, os olhos dos dois abriram-se, e Cleofas reconheceu que o convidado deles era o próprio Mestre. E quando ele disse: “É o Mestre” — o Jesus moroncial desapareceu da vista deles.
190:5.6 (2036.1) E então eles comentaram um com o outro: “Não é de espantar que os nossos corações estivessem queimando dentro de nós quando ele nos falou, enquanto caminhávamos pela estrada e enquanto ele abria ao nosso entendimento os ensinamentos das escrituras!”
190:5.7 (2036.2) Eles não se detiveram para comer. Haviam visto o Mestre moroncial e saíram correndo da casa, de volta a Jerusalém, para difundir a boa-nova do Salvador ressuscitado.
190:5.8 (2036.3) Por volta das nove horas, naquela noite, e pouco antes do Mestre aparecer aos dez apóstolos, esses dois irmãos emocionados irromperam na sala de cima, indo ao encontro dos apóstolos, declarando que haviam visto Jesus e conversado com ele. E contaram tudo o que Jesus tinha dito a eles e mesmo que não haviam reconhecido quem ele era, até o momento em que partiu o pão.
O Livro de Urântia
Documento 191
191:0.1 (2037.1) O DOMINGO da Ressurreição foi um dia terrível na vida dos apóstolos; dez deles passaram a maior parte desse dia na sala de cima, com as portas fechadas. Eles poderiam ter saído de Jerusalém, mas receavam ser presos pelos agentes do sinédrio, caso fossem encontrados nas ruas. Tomé remoía -se, sozinho em Betfagé, com os seus problemas. Ele teria feito melhor se tivesse permanecido com os seus companheiros apóstolos, pois podia tê-los ajudado a dirigir as suas discussões por caminhos mais úteis.
191:0.2 (2037.2) Durante todo o dia, João alimentou a idéia de que Jesus havia realmente ressuscitado dos mortos. Ele lembrou que, em nada menos do que cinco vezes, diferentes, o Mestre afirmara que ressuscitaria e que, em pelo menos três vezes, fizera alusão ao terceiro dia. A atitude de João tinha uma influência considerável sobre todos, e especialmente sobre o seu irmão Tiago e sobre Natanael. João os teria influenciado mais, não fosse ele o membro mais jovem do grupo.
191:0.3 (2037.3) O isolamento deles tinha muito a ver com os seus problemas. João Marcos mantinha-os em contato com os acontecimentos no templo e informava-lhes sobre os muitos rumores que eram difundidos na cidade, mas não ocorreu a ele reunir notícias sobre os grupos diferentes de crentes, para os quais Jesus havia já se mostrado. Esse era o tipo de serviço que até então havia sido prestado pelos mensageiros de Davi, mas todos estavam fora, no seu último compromisso de arautos da ressurreição junto àqueles grupos de crentes que moravam longe de Jerusalém. Pela primeira vez, em todos esses anos, os apóstolos compreenderam o quanto dependiam dos mensageiros de Davi para a informação diária, a respeito dos assuntos do Reino.
191:0.4 (2037.4) Como era já típico dele, durante todo o dia, Pedro vacilou emocionalmente, entre a fé e a dúvida, a respeito da ressurreição do Mestre. Pedro não podia esquecer a visão das mortalhas dispostas na tumba, como se o corpo de Jesus houvesse evaporado de dentro delas. “Mas”, raciocinava Pedro, “se ele ressuscitou e se pôde mostrar-se às mulheres, por que não se mostra a nós, seus apóstolos?” Pedro ficava cada vez mais pesaroso, quando pensava que talvez Jesus não tivesse vindo a eles devido à sua presença entre os apóstolos, por ele haver negado a Jesus, naquela noite no pátio de Anás. E Pedro, então, reconfortava- se com as palavras trazidas pelas mulheres: “Ide contar aos meus apóstolos — e a Pedro”. Contudo, encontrar encorajamento nessa mensagem implicava que ele tivesse de acreditar que as mulheres haviam realmente visto e ouvido o Mestre ressuscitado. Assim, Pedro alternou-se entre a fé e a dúvida, durante o dia inteiro, até um pouco depois das oito horas, quando se aventurou a ir até o pátio. Por haver negado ao Mestre, Pedro pensou até em separar-se dos apóstolos para não impedir que Jesus viesse até eles.
191:0.5 (2037.5) Tiago Zebedeu, a princípio, defendia que deviam todos ir até a tumba; era firmemente a favor de fazer algo para ir a fundo no mistério. Foi Natanael que os impediu de ir a público, como queria Tiago, e o fez relembrando-lhes da advertência de Jesus contra colocar em perigo indevidamente as próprias vidas nesses momentos. Por volta do meio-dia, Tiago havia deixado estabelecido, com os outros, que todos aguardariam mantendo-se vigilantes. Pouco falou, pois estava tremendamente desapontado por Jesus não se mostrar a eles, e não sabia das muitas aparições do Mestre aos outros grupos e indivíduos.
191:0.6 (2038.1) André prestou muita atenção a tudo nesse dia. Estava excessivamente perplexo com a situação e se, de dúvidas, ele as tinha mais do que as suas próprias, no entanto, ao menos desfrutava de um certo sentimento de liberdade em relação às responsabilidades de liderar os seus companheiros apóstolos. Ele estava de fato grato por haver sido liberado pelo Mestre do peso da liderança, antes de cair nesse período de desorientação.
191:0.7 (2038.2) Mais do que uma vez, durante as longas e estafantes horas desse dia trágico, a única influência que dava força ao grupo era a contribuição freqüente do conselho filosófico característico de Natanael. Ele fora realmente a influência controladora sobre os dez, durante todo o dia. Nem por uma vez se exprimiu a si próprio, a respeito de crer ou não crer na ressurreição do Mestre. Mas, à medida que o dia passava, ele ficava cada vez mais inclinado a acreditar que Jesus havia cumprido a sua promessa de ressurreição.
191:0.8 (2038.3) Simão zelote estava demasiadamente oprimido para participar das discussões. Pasava a maior parte do tempo reclinado em um estofado, a um canto da sala, com o rosto voltado para a parede; e não havia falado mais do que meia dúzia de vezes durante todo o dia. O conceito que fazia do Reino tinha ido por terra, e ele não podia vislumbrar que a ressurreição do Mestre poderia mudar substancialmente a situação. O seu desapontamento era pessoal por demais e ao mesmo tempo demasiadamente agudo para conseguir recuperar-se logo, mesmo diante de um fato tão estupendo quanto a ressurreição.
191:0.9 (2038.4) Ainda que pareça estranho, Filipe, que geralmente expressava-se pouco, falou muito durante a tarde desse dia. Pouco disse pela manhã, mas durante toda a tarde fez perguntas aos outros apóstolos. Pedro sempre ficava irritado com as perguntas de Filipe, mas os outros as encaravam com bom humor. Filipe estava particularmente desejoso de saber, no caso de Jesus haver realmente saído da tumba, se o seu corpo traria as marcas físicas da crucificação.
191:0.10 (2038.5) Mateus estava bastante confuso; escutava as discussões dos seus companheiros, mas passava a maior parte do tempo repassando mentalmente o problema futuro das finanças deles. À parte a suposta ressurreição de Jesus, Judas fora embora; Davi, sem a menor cerimônia, havia passado a ele os fundos e todos permaneciam sem um líder com autoridade. E antes de chegar a considerar seriamente os argumentos dos demais sobre a ressurreição, Mateus havia já visto o Mestre face a face.
191:0.11 (2038.6) Os gêmeos Alfeus participavam pouco dessas discussões sérias; estavam bastante ocupados com as suas ministrações costumeiras. Um deles expressou a atitude de ambos quando disse, em resposta a uma pergunta feita por Filipe: “Nós não compreendemos a ressurreição, mas a nossa mãe nos diz que falou com o Mestre, e nós acreditamos nela”.
191:0.12 (2038.7) Tomé estava em meio a um dos seus típicos ataques de depressão desesperada. Dormira uma parte do dia e caminhou pelas colinas no resto do tempo. Sentia uma grande necessidade de unir-se aos seus amigos apóstolos, mas o desejo de ficar só era mais forte.
191:0.13 (2038.8) O Mestre retardou a sua primeira aparição moroncial aos apóstolos por várias razões. Primeira: queria que eles tivessem tempo, depois de terem ouvido sobre a sua ressurreição, de pensar bem sobre o que ele lhes dissera sobre a sua morte e sobre a ressurreição quando ainda estava com eles na carne. O Mestre queria que Pedro vencesse algumas das dificuldades que lhe eram peculiares, antes de manifestar-se a todos eles. Em segundo lugar, desejava que Tomé estivesse com eles no momento da sua primeira aparição. João Marcos localizou Tomé na casa do irmão de Simão em Betfagé, nesse domingo pela manhã, trazendo uma informação sobre isso aos apóstolos, por volta das onze horas. A qualquer hora durante esse dia, Tomé teria voltado até eles, se Natanael ou quaisquer dois outros apóstolos tivessem ido buscá-lo. Ele realmente queria retornar, mas tendo saído como o fez, na noite anterior, era orgulhoso demais para voltar tão cedo por sua própria conta. No dia seguinte, tão deprimido ele encontrava-se que demoraria cerca de uma semana para tomar a decisão de retornar. Os apóstolos esperavam por ele, e ele desejava que os seus irmãos o procurassem e lhe pedissem para voltar. Tomé, assim, permaneceu longe dos seus companheiros até o próximo sábado à noite, quando, depois que caiu a noite, Pedro e João foram a Betfagé e o trouxeram de volta. E essa também era uma razão pela qual eles não foram imediatamente para a Galiléia, depois que Jesus apareceu pela primeira vez para eles; eles não iriam sem Tomé.
191:1.1 (2039.1) Eram quase oito e meia da noite desse domingo quando Jesus apareceu para Simão Pedro no jardim da casa de Marcos. Essa foi a sua oitava manifestação moroncial. Pedro estivera vivendo sob uma pesada carga de dúvida e de culpa, desde que havia negado o Mestre. Durante todo o dia de sábado e nesse domingo, ele lutou contra o medo de que talvez não fosse mais um apóstolo. Tremia de horror pela sorte de Judas e chegou mesmo a pensar que também ele próprio havia traído o seu Mestre. Durante toda essa tarde ele pensou que poderia ser a sua presença junto aos apóstolos que estivesse impedindo Jesus de aparecer para eles, desde, claro está, que ele tivesse ressuscitado dos mortos. E foi para Pedro, em tal estado mental e de alma, que Jesus apareceu enquanto o apóstolo deprimido perambulava entre as flores e os arbustos.
191:1.2 (2039.2) Pedro pensou no olhar amoroso do Mestre ao passar pelo portal de Anás, e enquanto remoía na sua mente aquela mensagem maravilhosa que foi trazida para ele logo cedo naquela manhã, pelas mulheres que vieram da tumba vazia: “Ide contar aos meus apóstolos — e a Pedro” — , assim, passando a contemplar essas demonstrações de misericórdia, a sua fé começou a superar as suas dúvidas, e ele permaneceu quieto, cerrando os punhos, e dizendo em voz alta: “Acredito que ele tenha ressuscitado dos mortos; irei dizer isto aos meus irmãos”. E, ao dizer isso, subitamente apareceu em frente dele a forma de um homem, que se dirigiu a ele em um tom familiar, dizendo: “Pedro, o inimigo desejou levar-te, mas eu não desistiria de ti. Eu sabia que não era de coração que tu me havias negado; e, portanto, eu o perdoei antes mesmo de me pedires; mas agora tu deves parar de pensar em ti próprio e nas complicações do momento, enquanto te preparas para levar as boas-novas do evangelho para aqueles que estão na escuridão. Não deves mais ficar preocupado com o que possas obter do Reino, mas deves antes te empenhar naquilo que podes dar àqueles que vivem em extremada miséria espiritual. Prepara-te, Simão, portanto, para a batalha de um novo dia, para a luta contra as trevas espirituais e as dúvidas malignas das mentes naturais dos homens”.
191:1.3 (2039.3) Pedro e o Jesus moroncial caminharam pelo jardim e conversaram sobre coisas do passado, do presente e do futuro, por quase cinco minutos. Então o Mestre desapareceu da vista dele, dizendo: “Adeus, Pedro; até que eu te veja junto com os teus irmãos”.
191:1.4 (2039.4) Por um momento, Pedro foi vencido pela compreensão de que havia falado com o Mestre ressuscitado, e que poderia estar certo de que era ainda um embaixador do Reino. Havia acabado de ouvir o Mestre glorificado exortando-o a ir pregar o evangelho. E, com tudo isso dentro do seu coração, correu até a sala de cima e, ante a presença dos seus companheiros apóstolos, em uma excitação resfolegante, exclamou: “Eu vi o Mestre; ele esteve no jardim. Falei com ele e ele perdoou-me”.
191:1.5 (2040.1) A declaração de Pedro, de que ele havia visto Jesus no jardim, causou uma profunda impressão nos seus companheiros apóstolos, e eles estavam já quase prontos para acabar com as suas dúvidas quando André levantou-se e os advertiu para que não se deixassem influenciar muito pelo relato do seu irmão. André sugeriu que Pedro já houvera antes visto coisas que não eram reais. E, ainda que André não tivesse feito alusão direta à visão da noite no mar da Galiléia, em que Pedro dizia ter visto o Mestre vindo para eles, caminhando sobre as águas, ainda assim disse o suficiente para fazer todos os presentes entenderem que tinha em mente esse incidente. Simão Pedro ficou muito magoado com a insinuação do seu irmão e imediatamente caiu em um silêncio ressentido. Os gêmeos ficaram condoídos por Pedro, e ambos aproximaram-se para expressar a sua compaixão, e dizer que acreditavam nele, e para reafirmar que a própria mãe deles também havia visto o Mestre.
191:2.1 (2040.2) Pouco depois das nove horas, naquela noite, depois da partida de Cleofas e Jacó, enquanto os gêmeos Alfeus confortavam Pedro, e Natanael queixava-se de André, e quando os dez apóstolos se encontravam ainda reunidos, na sala de cima, com todas as portas fechadas com o ferrolho, por medo de serem presos, o Mestre, na forma moroncial, subitamente apareceu em meio a eles, dizendo: “Que a paz esteja convosco. Por que tão amedrontados quando eu apareço, como se estivésseis vendo um espírito? Não vos disse sobre essas coisas quando estive presente entre vós, na carne? Não vos disse que os sumos sacerdotes e os governantes me entregariam para ser morto, que um de vós me trairia e que, ao terceiro dia, me ressuscitaria? De onde, pois, vêm todas as vossas dúvidas; e para que toda essa discussão sobre os relatos das mulheres, de Cleofas e Jacó, e mesmo de Pedro? Por quanto tempo ireis duvidar das minhas palavras e recusar a acreditar nas minhas promessas? Mas, agora, que me estais vendo de fato acreditareis? Mesmo agora, um de vós está ausente. Quando estiverdes juntos novamente e depois que todos souberem, com certeza, que o Filho do Homem ressuscitou da tumba, ide então até a Galiléia. Tenhais fé em Deus; tenhais fé uns nos outros e assim entrareis no novo serviço do Reino do céu. Eu permanecerei em Jerusalém convosco até que estejais prontos para ir à Galiléia. Deixo a minha paz convosco”.
191:2.2 (2040.3) Depois de haver-lhes falado, o Jesus moroncial desapareceu, instantaneamente, da vista deles. E todos caíram com os rostos no chão, louvando a Deus e venerando o Mestre, que havia desaparecido. Essa foi a nona aparição moroncial do Mestre.
191:3.1 (2040.4) O dia seguinte, segunda-feira, foi passado totalmente com as criaturas moronciais, então presentes em Urântia. Como participantes da experiência de transição moroncial do Mestre, mais de um milhão de diretores moronciais e colaboradores haviam vindo para Urântia, junto com mortais de transição de várias ordens dos sete mundos das mansões de Satânia. O Jesus moroncial permaneceu com essas inteligências esplêndidas por quarenta dias. E deu-lhes ensinamentos e aprendeu dos seus diretores sobre a vida de transição moroncial, tal como é vivida pelos mortais dos mundos habitados de Satânia, enquanto passam pelas esferas moronciais do sistema.
191:3.2 (2041.1) Por volta da meia-noite, nessa segunda-feira, a forma moroncial do Mestre estava ajustada para a transição até o segundo estágio de progressão moroncial. Quando voltou a aparecer para os seus filhos mortais na Terra, o fez como um ser moroncial já do segundo estágio. Quanto mais o Mestre progredia na carreira moroncial, mais difícil ficava, tecnicamente, para as inteligências moronciais e os seus colaboradores transformadores, fazer com que o Mestre ficasse visível diante dos olhos mortais e materiais.
191:3.3 (2041.2) Jesus fez o trânsito para o terceiro estágio moroncial na sexta-feira, 14 de abril; para o quarto estágio na segunda, 17 de abril; para o quinto estágio no sábado, 22 de abril; para o sexto estágio na quinta-feira, 27 de abril; para o sétimo estágio na terça-feira, 2 de maio; para a cidadania de Jerusém no domingo, 7 de maio; e dirigiu-se para o abraço dos Altíssimos de Edêntia no domingo, 14 de maio.
191:3.4 (2041.3) Michael de Nébadon, desse modo, completou o seu serviço de experiência no universo, pois nas suas auto-outorgas anteriores, havia já experienciado plenamente a vida dos mortais ascendentes do tempo e do espaço, desde a permanência na sede-central da constelação mesma até o serviço do superuniverso. E foi por meio dessas mesmas experiências moronciais que o Filho Criador de Nébadon realmente completou e terminou, aceitavelmente, a sua sétima e final auto-outorga no universo.
191:4.1 (2041.4) A décima manifestação moroncial de Jesus, para o reconhecimento mortal, ocorreu um pouco depois das oito horas, na terça-feira, 11 de abril, na Filadélfia, onde ele se mostrou a Abner e a Lázaro e a uns cento e cinqüenta dos seus companheiros, incluindo mais de cinqüenta das setenta pessoas do corpo evangélico. Essa aparição ocorreu pouco depois da abertura de um encontro especial na sinagoga, convocado por Abner para discutir a crucificação de Jesus e os relatos mais recentes da ressurreição, que haviam sido trazidos pelos mensageiros de Davi. Posto que o Lázaro ressuscitado era agora um membro desse grupo de crentes, não se fazia difícil para eles acreditarem nos relatos de que Jesus havia ressuscitado dos mortos.
191:4.2 (2041.5) A reunião na sinagoga estava sendo aberta por Abner e Lázaro, que se encontravam, de pé, juntos no púlpito, quando toda a audiência de crentes viu a forma do Mestre aparecer subitamente. Avançando, de onde havia surgido, entre Abner e Lázaro, os quais não haviam observado a sua presença e, saudando a assembléia, Jesus disse:
191:4.3 (2041.6) “Que a paz esteja convosco. Sabeis que temos um Pai nos céus; e que não há senão um evangelho do Reino: das boas-novas da dádiva da vida eterna, que os homens recebem pela fé. Enquanto rejubilais na vossa lealdade ao evangelho, orai ao Pai da verdade para que dissemine nos vossos corações um amor maior pelos vossos irmãos. Deveis amar todos os homens como eu vos amei; devereis servir a todos os homens como vos servi; com compreensão, compaixão e afeição fraternal. Assim, recebei em comunhão a todos os vossos irmãos dedicados à proclamação das boas-novas, sejam eles judeus ou gentios, gregos ou romanos, persas ou etíopes. João proclamou o Reino com antecipação, vós tendes pregado o evangelho em poder; os gregos já pregam as boas-novas; e, em breve, irei enviar o Espírito da Verdade às almas de todos os nossos irmãos que, de uma maneira pouco egoísta, vêm dedicando suas vidas ao esclarecimento de seus companheiros nas trevas espirituais. Sois vós os filhos da luz; portanto, não caiais nos emaranhados do desentendimento da suspeita mortal e da intolerância humana. Se fordes enobrecidos, pela graça da fé, por amardes os que não crêem, não deveríeis também igualmente amar aqueles que são os vossos companheiros e que crêem na família da fé, que está crescendo? Lembrai-vos, na mesma medida em que amardes uns aos outros, todos os homens saberão que sois discípulos meus.
191:4.4 (2042.1) “Ide, então, ao mundo inteiro, proclamar este evangelho da paternidade de Deus e da irmandade dos homens a todas as nações e raças, e sejais sempre sábios na vossa escolha dos métodos para apresentar as boas-novas às raças e tribos diferentes da humanidade. Vós recebestes este evangelho do Reino de graça e do mesmo modo vós dareis as boas-novas a todas as nações. Não temais a resistência do mal, pois estou sempre convosco, até o fim mesmo dos tempos. E a minha paz eu a deixo convosco”.
191:4.5 (2042.2) E ao dizer: “A minha paz eu a deixo convosco”, desapareceu da vista de todos. Com exceção de uma das suas aparições na Galiléia, na qual mais de quinhentos crentes o viram de uma só vez, esse grupo na Filadéfia abrangia o maior número de mortais que o viram em uma única ocasião.
191:4.6 (2042.3) Cedo, na manhã seguinte, enquanto os apóstolos ainda permaneciam em Jerusalém aguardando a recuperação emocional de Tomé, esses crentes da Filadélfia saíram para proclamar que Jesus de Nazaré havia ressuscitado dentre os mortos.
191:4.7 (2042.4) O dia seguinte, quarta-feira, Jesus passou todo o tempo na companhia dos seus companheiros moronciais e, durante as horas do meio da tarde, ele recebeu os delegados moronciais, visitantes dos mundos das mansões de todos os sistemas locais de esferas habitadas, de toda a constelação de Norlatiadeque. E todos se rejubilaram de conhecer o seu Criador, como um da sua própria ordem de inteligências do universo.
191:5.1 (2042.5) Tomé passou uma semana a sós, consigo próprio, nas colinas ao redor do monte das Oliveiras. Durante esse tempo ele viu apenas os que estavam na casa de Simão e João Marcos. Eram nove horas do sábado, 15 de abril, quando os dois apóstolos encontraram-no e o levaram de volta até o ponto de encontro deles, na casa de Marcos. No dia seguinte, Tomé ouviu a narrativa das histórias das várias aparições do Mestre, mas recusou-se firmemente a acreditar. Ele sustentava que Pedro, com o seu entusiasmo, os havia levado todos a pensar que haviam visto o Mestre. Natanael deu-lhe várias razões, mas isso de nada valeu. Havia uma teimosia emocional associada à sua habitual mania de duvidar, e, esse estado mental, combinado à sua tristeza por havê-los abandonado, conspirava para criar uma situação de isolamento que até mesmo o próprio Tomé não entendia totalmente. Ele havia-se separado dos seus companheiros, tomando o seu próprio caminho e, agora, ainda que estivesse de volta ao seio deles, inconscientemente tendia a assumir uma atitude de descontentamento. Ele era vagaroso demais para se render; e não gostava de ceder. Sem ter a intenção, ele realmente estava gostando da atenção que lhe estava sendo dedicada; e experimentava uma satisfação inconsciente pelos esforços que todos os seus companheiros faziam para convencê-lo e convertê-lo. Havia sentido saudades deles por uma semana inteira; e experimentava um prazer considerável com a persistência daquelas atenções.
191:5.2 (2042.6) Estavam todos fazendo a refeição da noite, pouco depois das seis horas, achando-se assentados Pedro, de um lado de Tomé, e Natanael, do outro, quando o apóstolo que duvidava disse: “Não acreditarei, a menos que eu veja o Mestre com os meus próprios olhos e ponha o meu dedo na marca dos pregos”. Estavam sentados como estiveram para a ceia, as portas encontrando-se fechadas e travadas com segurança, quando o Mestre moroncial, de súbito, surgiu, aparecendo na parte interna da curvatura da mesa, de pé, diretamente em frente de Tomé, para dizer:
191:5.3 (2043.1) “A paz esteja convosco. Durante toda uma semana, permaneci aguardando poder aparecer novamente quando estivésseis todos presentes, para que pudésseis uma vez mais ouvir sobre a missão de ir ao mundo inteiro e pregar o evangelho do Reino. Agora, uma vez mais, eu vos digo: Como o Pai me enviou a este mundo, eu vos envio. Como revelei o Pai, vós revelareis o amor divino; não apenas por palavras, mas na vossa vida diária. Eu não vos envio para amar as almas dos homens, mas para amar os homens. Vós não ireis apenas proclamar as alegrias do céu, como também exibireis, na vossa experiência diária, as realidades espirituais da vida divina, pois, pela fé, já tendes a vida eterna, como uma dádiva de Deus. Se mantiverdes assim a vossa fé, quando vier sobre vós, o poder do alto, no Espírito da Verdade, não ireis mais esconder a vossa luz aqui detrás destas portas fechadas; ireis tornar conhecidos o amor e a misericórdia de Deus, a toda a humanidade. Por medo, agora fugis dos fatos de uma experiência desagradável, mas, quando houverdes sido batizados pelo Espírito da Verdade, brava e jubilosamente, saireis para encontrar as novas experiências de proclamar as boas- novas da vida eterna, no Reino de Deus. Podeis permanecer aqui na Galiléia, por um curto período, enquanto estiverdes recuperando-vos do choque da transição entre a falsa segurança da autoridade do tradicionalismo e a nova ordem da autoridade dos fatos, da verdade e da fé, nas realidades supremas da experiência de viver. A vossa missão para com o mundo está fundada no fato de que eu vivi, no vosso meio, uma vida de revelação de Deus, na verdade de que todos vós e todos os outros homens sois filhos de Deus, e consistirá na vida que vivereis entre os homens — a experiência factual e viva de amar os homens e de servir a eles, do mesmo modo que eu vos amei e servi a vós. Que a fé revele a vossa luz ao mundo; que a revelação da verdade abra os olhos cegos pela tradição; que o vosso serviço de amor destrua efetivamente o preconceito engendrado pela ignorância. Aproximando- vos assim dos vossos semelhantes, em compaixão compreensiva e com uma devoção sem egoísmo, ireis conduzi-los ao conhecimento salvador do amor do Pai. Os judeus têm enaltecido a bondade; os gregos têm exaltado a beleza; os hindus têm pregado a devoção; os antigos ascetas têm ensinado a reverência; os romanos têm exigido a lealdade; mas, quanto a mim, quero a vida dos meus discípulos, uma vida mesma a serviço do amor pelos vossos irmãos na carne”.
191:5.4 (2043.2) Depois dessas palavras, o Mestre olhou bem no rosto de Tomé e disse: “E tu, Tomé, que disseste que não acreditarias a menos que pudesses ver-me e colocar o teu dedo nas marcas dos cravos em minhas mãos, agora tu me contemplas e ouves as minhas palavras; e embora não vejas nenhuma marca de cravos nas minhas mãos, pois eu ressuscitei na forma que vós também ireis ter quando partirdes deste mundo, o que irás dizer aos teus irmãos? Irás reconhecer a verdade, pois no teu coração tu já começaste a crer, mesmo quando tão resolutamente afirmaste que não acreditarias. As tuas dúvidas, Tomé, do mesmo modo obstinado que se afirmam, elas também desaparecem. Tomé, peço-te que não te falte a fé, mas que acredites — e sei que tu acreditarás; e ainda de todo o coração”.
191:5.5 (2043.3) Quando ouviu essas palavras, Tomé caiu de joelhos diante do Mestre moroncial e exclamou: “Eu creio! Meu Senhor e meu Mestre!” E então Jesus disse a Tomé: “Tu creste, Tomé, porque me viste e me ouviste realmente. Abençoados sejam aqueles, nas idades que virão, que acreditarão mesmo não havendo visto com os olhos da carne e escutado com os ouvidos mortais”.
191:5.6 (2043.4) E então, enquanto a sua forma movia-se para mais perto da cabeceira da mesa, o Mestre dirigiu-se a todos, dizendo: “E agora ide todos para a Galiléia, onde irei em breve aparecer para vós”. E depois de ter dito isso ele desapareceu da vista deles.
191:5.7 (2044.1) Agora os onze apóstolos ficaram totalmente convencidos de que Jesus havia ressuscitado dos mortos e, muito cedo na manhã seguinte, antes do nascer do dia, eles partiram para a Galiléia.
191:6.1 (2044.2) Enquanto os onze apóstolos estavam a caminho da Galiléia, chegando ao fim da sua viagem, na terça-feira, 18 de abril, por volta das oito e meia da noite, Jesus apareceu para Rodam e oitenta outros crentes, em Alexandria. Essa foi a décima segunda aparição do Mestre, na forma moroncial. Jesus apareceu diante desses gregos e judeus no exato momento em que o relato sobre a crucificação estava sendo concluído por um dos mensageiros de Davi. Esse mensageiro, sendo o quinto da série de corredores de Jerusalém a Alexandria, havia chegado em Alexandria mais tarde e, imediatamente depois de ter a sua mensagem entregue a Rodam, ficou decidida uma convocação dos crentes para receberem, do próprio mensageiro, essa palavra trágica. Por volta das oito horas, o mensageiro, Natam, de Busiris, veio diante desse grupo e contou com detalhes tudo o que havia sido dito a ele pelo corredor anterior. Natam terminou a sua narrativa tocante com estas palavras: “Mas Davi, que nos envia estas palavras, relata que o Mestre, ao prever a sua morte, declarou que iria ressuscitar”. E mal Natam falou, o Mestre moroncial apareceu ali, para ser visto plenamente por todos. E quando Natam sentou-se, Jesus disse:
191:6.2 (2044.3) “A paz esteja convosco. Aquilo para o que o meu Pai enviou-me a este mundo, para que ficasse estabelecido, não se refere apenas a uma raça, a uma nação, nem a um grupo especial de instrutores ou de pregadores. Este evangelho do Reino pertence aos judeus tanto quanto aos gentios, aos ricos tanto quanto aos pobres, aos livres e aos prisioneiros, aos homens e mulheres e até mesmo às crianças pequenas. E todos vós deveis proclamar este evangelho de amor e de verdade, por meio da vida que viveis na carne. Deveis amar uns aos outros com um afeto novo e surpreendente, assim como eu vos tenho amado. Vós servireis à humanidade com uma devoção estupenda, assim como tenho servido a vós. E, quando os homens vos virem amando-os assim, e quando eles contemplarem o modo fervoroso com o qual servis a eles, perceberão que vós vos tornastes companheiros de fé do Reino do céu, e seguirão o Espírito da Verdade que vêem nas vossas vidas, para encontrarem a salvação eterna.
191:6.3 (2044.4) “Assim como o Pai enviou-me a este mundo, assim agora eu vos envio. Sois chamados a levar essas boas-novas até aqueles que se encontram nas trevas. Esse evangelho do Reino pertence a todos que acreditam nele; e não será entregue apenas à custódia dos sacerdotes. Logo, o Espírito da Verdade virá sobre vós, e vos conduzirá a toda a verdade. Ide, portanto, em pregação deste evangelho por todo o mundo, e considerai sempre que eu estou convosco, até o fim mesmo dos tempos”.
191:6.4 (2044.5) Depois de haver falado assim, o Mestre desapareceu da vista de todos. Toda noite aqueles crentes permaneceram juntos ali, rememorando as próprias experiências, como crentes do Reino, e escutando as muitas palavras de Rodam e dos seus colaboradores. E todos eles acreditaram que Jesus havia ressuscitado dos mortos. E podeis imaginar a surpresa do arauto de Davi, com a nova da ressurreição, que chegou dois dias depois de tudo isso, quando eles responderam ao seu anúncio dizendo: “Sim, sabemos, pois nós o vimos. Ele surgiu aqui, aparecendo para nós anteontem”.
O Livro de Urântia
Documento 192
192:0.1 (2045.1) QUANDO os apóstolos saíram de Jerusalém indo à Galiléia, os líderes judeus haviam-se acalmado consideravelmente. Posto que Jesus aparecia apenas para a sua família de crentes no Reino, e já que os apóstolos estavam escondidos e não faziam nenhuma pregação pública, os governantes dos judeus concluíram que o movimento do evangelho afinal havia sido efetivamente derrotado. É claro, estavam desconcertados por causa dos rumores que cada vez mais se disseminavam de que Jesus tinha ressuscitado dos mortos e, de fato, eles dependiam dos guardas subornados para contradizer essas notícias mediante o relato inventado de que um bando dos seus seguidores havia levado o corpo.
192:0.2 (2045.2) Desse momento em diante, até que os apóstolos fossem dispersados, na maré montante da perseguição, Pedro foi reconhecido de maneira geral como o líder do corpo apostólico. Jesus jamais deu a ele tal autoridade, e os seus companheiros apóstolos nunca o elegeram formalmente para essa posição de responsabilidade; ele assumiu-a naturalmente e a mantinha pelo consentimento comum e também porque era o principal pregador dentre eles. Desse momento em diante a pregação pública tornou-se a função principal dos apóstolos. Após o seu retorno da Galiléia, Matias, a quem eles escolheram para tomar o lugar de Judas, tornou-se o tesoureiro.
192:0.3 (2045.3) Durante a semana, eles permaneceram em Jerusalém; Maria, a mãe de Jesus, passou boa parte do tempo com as mulheres crentes que estavam alojadas na casa de José de Arimatéia.
192:0.4 (2045.4) Nessa segunda-feira pela manhã, quando os apóstolos partiram para a Galiléia, João Marcos foi atrás deles. Continuou seguindo-os até fora da cidade e, quando haviam já passado por Betânia, atrevidamente ele aproximou-se, confiando que eles não o mandariam de volta.
192:0.5 (2045.5) Os apóstolos pararam diversas vezes no caminho da Galiléia para contar a história do seu Mestre ressuscitado e, conseqüentemente, não chegaram em Betsaida senão muito tarde na noite da quarta-feira. E já era meio-dia da quinta- feira quando eles acordaram e aprontaram-se para compartilhar o desjejum.
192:1.1 (2045.6) Sexta-feira, 21 de abril, por volta das seis da manhã, o Mestre moroncial fez a sua décima terceira aparição, a primeira para os dez apóstolos na Galiléia, no momento em que o barco deles aproximou-se da margem, perto do local em que em geral se aportava em Betsaida.
192:1.2 (2045.7) Depois de os apóstolos haverem passado a tardinha e as primeiras horas da noite de quinta-feira na casa de Zebedeu, à espera, Simão Pedro sugeriu que fossem pescar. Quando Pedro propôs a pescaria, todos os apóstolos decidiram ir junto. Durante a noite inteira jogaram as redes, mas não pegaram nenhum peixe. Não se importavam muito de não haverem pescado nada, pois tinham muitas experiências interessantes sobre as quais falar; coisas que lhes haviam acontecido muito recentemente em Jerusalém. Todavia, quando veio a luz do dia, eles decidiram voltar a Betsaida. E quando se aproximavam da margem, viram alguém de pé na praia, perto da amarração dos barcos, junto a uma fogueira. Inicialmente eles pensaram que fosse João Marcos que estivesse ali para dar as boas-vindas a eles e à sua pesca, mas, ao chegarem mais perto da margem, viram que estavam enganados — o homem era alto demais para ser João. Não ocorreu a nenhum deles que a pessoa na margem fosse o Mestre. Não compreendiam de todo por que Jesus queria encontrar-se com eles nos locais abertos das suas atividades anteriores e em contato com a natureza, longe dos ambientes fechados de Jerusalém e das suas ligações trágicas ao temor, traição e morte. Jesus havia dito a eles que, se fossem à Galiléia, os encontraria lá e estava para ali cumprir aquela promessa.
192:1.3 (2046.1) Quando jogaram a âncora e se preparavam para entrar no pequeno barco, a fim de irem até a margem, o homem na praia interpelou-os: “Rapazes, pegaram alguma coisa?” E quando eles responderam: “Não”, ele falou de novo: “Jogai a rede do lado direito do barco, e encontrareis os peixes”. Ainda que não soubessem que era Jesus que se tinha dirigido a eles, em uma decisão unânime jogaram a rede como lhes tinha sido instruído e imediatamente ela ficou cheia, e tanto que quase não foram capazes de içá-la. Ora, João Zebedeu era de percepção rápida e, quando viu a rede tão pesada e carregada, ele percebeu que era o Mestre quem havia falado a eles. Quando esse pensamento veio à sua mente, ele inclinou-se e sussurrou a Pedro: “É o Mestre”. Pedro sempre fora um homem de agir sem indecisão e de devoção impetuosa; assim, quando João sussurrou aquilo no seu ouvido, rapidamente ele levantou-se e de um pulo jogou-se na água para chegar mais rápido ao lado do Mestre. Os seus irmãos chegaram pouco depois, dentro do barco pequeno, arrastando a rede de peixes atrás de si.
192:1.4 (2046.2) Nessa altura, João Marcos já estava de pé e, vendo os apóstolos acercando-se da margem com a rede carregada, correu até a praia para saudá-los; e, quando viu onze homens em vez de dez, supôs que aquele a quem não reconhecia seria o Jesus ressuscitado e, diante dos dez, que permaneciam atônitos e em silêncio, o jovem correu até junto ao Mestre e, ajoelhando-se aos seus pés, disse: “Meu Senhor e meu Mestre”. E então Jesus falou, não como o havia feito em Jerusalém, quando os saudou dizendo: “A paz esteja convosco”; mas, com um tom familiar ele dirigiu-se a João Marcos: “Bem, João, estou contente de ver-te novamente e nesta alegre Galiléia, onde podemos reunir-nos com tranqüilidade. Fica conosco, João, e toma a tua refeição matinal”.
192:1.5 (2046.3) Enquanto Jesus falava ao jovem, os dez apóstolos estavam tão surpresos e atônitos que se esqueceram de puxar a rede de peixes para a praia. E então Jesus disse: “Trazei o vosso peixe e preparai uns poucos para comermos. Já temos a fogueira e muito pão”.
192:1.6 (2046.4) No momento em que João Marcos homenageava o Mestre, Pedro, por um momento, chocou-se com a visão dos carvões de fogo reluzentes ali na praia; a cena relembrava tão vividamente o fogo da meia-noite no pátio de Anás, onde ele havia negado ao Mestre, que ele sacudiu-se e, ajoelhando-se aos pés do Mestre, exclamou: “Meu Senhor e meu Mestre!”
192:1.7 (2046.5) Então Pedro juntou-se aos camaradas que traziam a rede. Quando colocaram a pesca em terra firme, contaram os peixes, e havia 153 dos grandes. E então novamente foi cometido o erro de chamar a esse acontecimento de uma outra pescaria milagrosa. Não havia nenhum milagre ligado a esse episódio. Tinha sido meramente um exercício de presciência do Mestre. Ele sabia que os peixes estavam lá e desse modo indicou aos apóstolos onde jogar a rede.
192:1.8 (2047.1) Jesus dirigiu-se a eles, dizendo: “Vinde agora, todos vós, para comer. Até mesmo os gêmeos devem sentar-se enquanto eu converso convosco; João Marcos preparará o peixe”. João Marcos trouxe sete peixes de bom tamanho, os quais o Mestre colocou no fogo e quando ficaram cozidos o rapaz serviu-os a cada um dos dez. Então Jesus partiu o pão e passou-o a João, que, por sua vez, o serviu aos apóstolos famintos. Quando todos eles estavam servidos, Jesus chamou João Marcos para sentar-se enquanto ele próprio servia o peixe e o pão ao rapaz. E, enquanto comiam, Jesus conversou com eles e rememorou as suas muitas experiências na Galiléia e nesse mesmo lago.
192:1.9 (2047.2) Essa foi a terceira vez que Jesus manifestou-se aos apóstolos como um grupo. Inicialmente quando Jesus dirigiu-se a eles, perguntando se haviam pescado algum peixe, eles nem suspeitavam de quem fosse, porque era um fato comum a esses pescadores no mar da Galiléia, ao aproximarem-se da margem, ouvir uma pergunta assim, feita pelos mercadores de peixe de Tariquéia, que normalmente estavam ali para comprar o pescado fresco destinado aos estabelecimentos de secagem do peixe.
192:1.10 (2047.3) Jesus conversou com os dez apóstolos e João Marcos por mais de uma hora, e então ele caminhou pela praia, falando com dois a dois deles — mas não eram os mesmos dois que antes ele havia enviado para pregar juntos. Os onze apóstolos haviam vindo de Jerusalém juntos, mas, quando se aproximavam da Galiléia, Simão zelote ficou mais deprimido ainda, de tal modo que, ao chegarem a Betsaida, ele deixou os irmãos e retornou para a sua casa.
192:1.11 (2047.4) Antes de deixá-los nessa manhã, Jesus indicou que dois dos apóstolos deviam oferecer-se para ir até Simão zelote e trazê-lo de volta naquele mesmo dia. Pedro e André cuidaram disso.
192:2.1 (2047.5) Quando acabaram de comer, e enquanto os outros permaneciam sentados em volta da fogueira, Jesus chamou Pedro e João para que fossem com ele dar uma caminhada pela praia. Enquanto caminhavam, Jesus perguntou a João: “João, tu me amas?” E quando João respondeu: “Sim, Mestre, de todo o meu coração”, o Mestre disse: “Então, João, deixa de lado a tua intolerância e aprende a amar os homens como eu te amei. Devota a tua vida a provar que o amor é a maior coisa neste mundo. É o amor de Deus que compele os homens a buscar a salvação. O amor é o ancestral de toda a bondade espiritual, a essência do que é verdadeiro e belo”.
192:2.2 (2047.6) Jesus então se voltou para Pedro e perguntou: “Pedro, tu me amas?” Pedro respondeu: “Senhor, sabes que eu te amo com toda a minha alma”. Então Jesus disse: “Se me amas, Pedro, alimenta as minhas ovelhas. Não negligencies a ministração aos fracos, aos pobres e aos jovens. Prega o evangelho sem medo e sem preferências; lembra-te sempre de que Deus não tem preferência por ninguém. Serve aos teus semelhantes como eu tenho servido a ti; perdoa os teus companheiros mortais como eu te perdoei. Que a experiência te ensine o valor da meditação e o poder da reflexão inteligente”.
192:2.3 (2047.7) Após haverem andado até um pouco mais adiante, o Mestre voltou-se para Pedro e perguntou: “Pedro, realmente me amas?” Nesse momento Simão disse: “Sim, Senhor, sabes que te amo, Mestre”. E novamente disse Jesus: “Então cuida bem do meu rebanho. Sê um pastor bom e verdadeiro para as ovelhas. Não traias a confiança que depositarem em ti. Não te deixes tomar de surpresa na mão do inimigo. Fica de guarda a todo instante — vigia e ora”.
192:2.4 (2047.8) Quando haviam dado uns poucos passos mais, Jesus voltou-se para Pedro e, pela terceira vez, perguntou: “Pedro, tu me amas verdadeiramente?” E Pedro então, levemente ferido pela desconfiança aparente que o Mestre teria tido dele, disse, com muita emoção: “Senhor, sabes de todas as coisas e, portanto, sabes que real e verdadeiramente eu te amo”. Então Jesus disse: “Alimenta as minhas ovelhas. Não te esqueças do rebanho. Sê um exemplo e uma inspiração para todos os teus irmãos pastores. Ama o rebanho como eu te amei e te devota ao bem-estar dele, como eu devotei a minha vida ao teu bem-estar. E segue os meus passos até o fim”.
192:2.5 (2048.1) Pedro interpretou essa última convocação ao pé da letra — como se devesse continuar seguindo atrás dele — e, dirigindo-se a Jesus, apontou para João, perguntando: “Se eu seguir a ti, o que fará esse homem?” E então, percebendo que Pedro não havia compreendido as suas palavras, Jesus disse: “Pedro, não te preocupes com o que os teus irmãos farão. Se eu quiser que João permaneça aqui, até quando eu voltar, depois que tu fores embora, em que isso te importa? Apenas estejas seguro de seguir os meus passos”.
192:2.6 (2048.2) Essa observação difundiu-se entre os irmãos e foi recebida como uma declaração feita por Jesus de que João não morreria antes que o Mestre retornasse, como muitos pensavam e esperavam, para estabelecer o Reino em poder e glória. E essa interpretação das palavras de Jesus teve um papel importante para trazer Simão zelote de volta ao serviço e mantê-lo servindo.
192:2.7 (2048.3) Quando eles voltaram para junto dos outros, Jesus saiu para caminhar e conversar com André e Tiago. Eles estavam a uma curta distância, quando Jesus disse a André: “André, tu confias em mim?” E quando o antigo dirigente dos apóstolos ouviu Jesus fazer uma tal pergunta, ele parou e respondeu: “Sim, Mestre, confio em ti com toda a certeza, e tu sabes que confio”. Então Jesus disse: “André, se confias em mim, confia ainda mais nos teus irmãos — até mesmo em Pedro. Eu confiei a liderança dos teus irmãos a ti, certa vez. Agora, que te deixo para ir ao meu Pai, deves confiar nos outros. Quando os teus irmãos começarem a dispersar-se por aí, em virtude de amargas perseguições, sê um conselheiro sábio e de muita consideração para com Tiago, o meu irmão na carne, quando colocarem nos ombros dele cargas tão pesadas que ele não terá experiência suficiente para suportar. E então continua confiando, pois não te faltarei. Quando tiveres terminado a tua tarefa aqui na Terra, tu virás até a mim”.
192:2.8 (2048.4) Nesse momento Jesus voltou-se para Tiago, perguntando: “Tiago, tu confias em mim?” E é claro que Tiago respondeu: “Sim, Mestre, eu confio em ti do fundo do meu coração”. Então disse Jesus: “Tiago, se confiares mais em mim, tu serás menos impaciente com os teus irmãos. Se confiares em mim, isso te ajudará a ser compassivo com a irmandade dos crentes. Aprende a pesar as conseqüências das tuas palavras e atos. Lembra-te de que a colheita é feita segundo o que se planta. Ora pela tranqüilidade de espírito e cultiva a paciência. Essas graças, com a fé viva, sustentar-te-ão quando vier a hora de beber da taça do sacrifício. Mas nunca te desanimes; quando terminares aqui na Terra, também tu virás ter comigo”.
192:2.9 (2048.5) Em seguida Jesus conversou com Tomé e Natanael. A Tomé ele disse: “Tomé, tu serves a mim?” Tomé respondeu: “Sim, Senhor, sirvo a ti agora e para sempre”. Então Jesus disse: “Se quiseres servir a mim, serve aos meus irmãos na carne como eu servi a ti. E não te canses desse bem-servir, mas persevera como quem foi ordenado por Deus para esse serviço de amor. Quando tiveres acabado o teu serviço comigo na Terra, servirás a mim na glória. Tomé, tu deves parar de duvidar; tu deves crescer na fé e no conhecimento da verdade. Acredita em Deus, como uma criança, e pára de agir tão infantilmente. Tem coragem; sê forte na fé e poderoso no Reino de Deus”.
192:2.10 (2049.1) Nisso, dirigindo-se a Natanael, o Mestre indagou: “Natanael, é a mim que serves?” E o apóstolo respondeu: “Sim, Mestre, e com toda minha afeição”. Então disse Jesus: “Se serves, pois, a mim, com todo o coração, assegura-te de te consagrares ao bem-estar dos meus irmãos na Terra, com uma afeição incansável. Põe amizade no teu conselho e amor na tua filosofia. Serve ao teu semelhante como eu servi a ti. Sê fiel aos homens como eu vigiei por ti. Sê menos crítico; espera menos de alguns homens, e assim diminuirás a extensão da tua decepção. E quando o trabalho cá embaixo terminar, irás servir a mim no alto”.
192:2.11 (2049.2) Depois disso, o Mestre conversou com Mateus e Filipe. A Filipe ele disse: “Filipe, tu obedeces a mim?” Filipe respondeu: “Sim, Senhor, obedecerei a ti ainda que me custe a vida”. Então disse Jesus: “Se queres obedecer-me, então vai às terras dos gentios e proclama este evangelho. Os profetas disseram-te que obedecer é melhor do que sacrificar. Pela fé te tornaste um filho do Reino, conhecedor de Deus. Não há senão uma lei a ser obedecida — que é o comando de seguir proclamando o evangelho do Reino. Pára de temer os homens; sê destemido ao pregar as boas-novas da vida eterna aos teus semelhantes, os quais permanecem languidamente nas trevas e que têm fome da luz da verdade. Filipe, não mais terás de ocupar-te com o dinheiro e com os bens. Agora estas livre para pregar as boas-novas, como os teus irmãos. E irei antes de ti e estarei contigo até o fim”.
192:2.12 (2049.3) Já, falando a Mateus, o Mestre perguntou: “Mateus, está no teu coração obedecer a mim?” Mateus respondeu: “Sim, Senhor, estou plenamente dedicado a fazer a tua vontade”. Então disse o Mestre: “Mateus, se quiseres obedecer-me, vai ensinar a todos os povos este evangelho do Reino. Não mais proporcionarás aos teus irmãos as coisas materiais da vida; de agora em diante tu também irás proclamar as boas-novas da salvação espiritual. Doravante não tenhas em vista senão obedecer à missão de pregar este evangelho do Reino do Pai. Como eu fiz a vontade do Pai na Terra, do mesmo modo irás cumprir a missão divina. Lembra-te, tanto o judeu quanto o gentio são irmãos teus. Não temas a nenhum homem quando estiveres proclamando as verdades salvadoras do evangelho do Reino do céu. E para onde eu for, irás também em breve”.
192:2.13 (2049.4) E então Jesus caminhou e conversou com os gêmeos Alfeus, Tiago e Judas, e, falando a ambos, perguntou: “Tiago e Judas, vós acreditais em mim?” E ambos responderam: “Sim, Mestre, nós acreditamos”. Em seguida, disse: “Vou deixar- vos em breve. Vedes que já vos deixei na carne. Permanecerei apenas um curto tempo nesta forma, antes de ir para o meu Pai. Vós acreditais em mim — sois meus apóstolos, e sempre o sereis. Continuai acreditando e lembrando da vossa ligação comigo quando eu não estiver mais aqui, e, quando, por acaso, voltardes ao trabalho que fazíeis antes de virdes viver comigo, não permitais nunca que uma mudança das vossas tarefas exteriores influencie a vossa lealdade. Tende fé em Deus, até o fim dos vossos dias na Terra. Nunca esqueçais de que, sendo filhos de Deus pela fé, todo o trabalho honesto do Reino é sagrado. Nada que um filho de Deus faça, pode ser comum. Trabalhai, portanto, de agora em diante, para Deus. E, quando terminardes esse trabalho, eu tenho outros mundos melhores onde, do mesmo modo, trabalhareis para mim. E em todos esses trabalhos, neste mundo e noutros mundos, eu trabalharei convosco, e o meu espírito residirá em vós”.
192:2.14 (2049.5) Eram quase dez horas quando Jesus voltou da sua conversa com os gêmeos Alfeus e, ao deixar os apóstolos, ainda disse: “Adeus, até que os encontre todos no monte da vossa ordenação, amanhã ao meio-dia”. Depois de assim falar, ele desapareceu da vista deles.
192:3.1 (2050.1) Ao meio-dia do sábado, 22 de abril, os onze apóstolos reuniram-se como indicado, no monte perto de Cafarnaum, e Jesus apareceu entre eles. Essa reunião ocorreu no mesmo monte em que o Mestre os havia designado como seus apóstolos e como embaixadores do Reino do Pai na Terra. E essa foi a décima quarta manifestação moroncial do Mestre.
192:3.2 (2050.2) Naquela ocasião os onze apóstolos ajoelharam-se em um círculo em volta do Mestre e ouviram-no repetir as missões deles, viram-no reproduzir a cena da ordenação, e do mesmo modo como eles foram selecionados para o trabalho especial do Reino. E, para eles, tudo isso foi como uma memória da sua primeira consagração ao serviço do Pai, exceto pela oração do Mestre. Quando o Mestre — o Jesus moroncial — orou, nesse momento, foi em um tom de majestade e com palavras tais de poder que os apóstolos nunca tinham antes ouvido. O Mestre agora falava com os governantes dos universos, como quem, no seu próprio universo, tivesse recebido nas suas mãos todo o poder e autoridade. E esses onze homens nunca esqueceram a experiência de re-consagração moroncial à promessa anterior, como embaixadores. O Mestre passou apenas uma hora nesse monte com os seus embaixadores e, depois de fazer uma despedida afetuosa a todos, desapareceu das suas vistas.
192:3.3 (2050.3) E ninguém durante toda uma semana viu Jesus. Os apóstolos realmente não tinham a menor idéia do que fazer, não sabendo se o Mestre tinha ido para o Pai. Nesse estado de incerteza permaneceram em Betsaida. Tinham medo de ir pescar, e de que então ele viesse falar com eles, e que deixassem de vê-lo. Durante toda essa semana, Jesus esteve ocupado com as criaturas moronciais na Terra e com os assuntos da transição moroncial que ele experienciava neste mundo.
192:4.1 (2050.4) A notícia das aparições de Jesus espalhava-se pela Galiléia, e a cada dia um número maior de crentes chegava à casa de Zebedeu para perguntar sobre a ressurreição do Mestre e para saber a verdade sobre essas tão comentadas aparições. Pedro, no início da semana, comunicou que uma reunião pública aconteceria junto ao lago no próximo sábado, às três da tarde.
192:4.2 (2050.5) E assim, no sábado, 29 de abril, às três horas, mais de quinhentos crentes dos arredores de Cafarnaum estavam reunidos em Betsaida para ouvir Pedro pregando o seu primeiro sermão público desde a ressurreição. O apóstolo conseguiu o melhor de si e, quando acabou o seu eloqüente discurso, poucos dos seus ouvintes duvidavam de que o Mestre tivesse ressuscitado dos mortos.
192:4.3 (2050.6) Pedro terminou o seu sermão dizendo: “Nós afirmamos que Jesus de Nazaré não está morto; declaramos que ele levantou-se da tumba; proclamamos que o vimos e falamos com ele”. No momento em que acabara de fazer essa declaração de fé, lá ao seu lado, em plena vista de toda aquela gente, o Mestre apareceu na forma moroncial e, dirigindo-se a eles em um tom familiar, disse: “A paz esteja convosco, e a minha paz eu a deixo convosco”. Depois de aparecer e de assim falar a eles, ele desapareceu da vista de todos. Essa foi a décima quinta manifestação moroncial do Jesus ressuscitado.
192:4.4 (2051.1) Devido a certas coisas ditas aos onze apóstolos, enquanto estavam em conferência com o Mestre, no monte da ordenação, os apóstolos tiveram a impressão de que o seu Mestre iria em breve fazer uma aparição pública diante de um grupo de crentes da Galiléia, e que, depois que o tivesse feito, eles deveriam voltar para Jerusalém. Em conseqüência disso, logo cedo no dia seguinte, domingo, 30 de abril, os onze deixaram Betsaida indo para Jerusalém. Ensinaram e pregaram bastante no caminho, Jordão abaixo e, desse modo, não chegaram na casa dos Marcos em Jerusalém a não ser na quarta-feira, 3 de maio, bem tarde.
192:4.5 (2051.2) Esse foi um triste retorno ao lar para João Marcos. Poucas horas antes de chegar em casa, o seu pai, Elias Marcos, morreu repentinamente de uma hemorragia no cérebro. Se bem que o pensamento na certeza da ressurreição dos mortos tivesse confortado em muito os apóstolos na sua tristeza, ao mesmo tempo lamentaram verdadeiramente a perda do seu bom amigo, que os havia apoiado fortemente mesmo nas horas de grandes problemas e decepções. João Marcos fez o que pôde para confortar a sua mãe e, falando por ela, convidou os apóstolos a continuarem fazendo da sua casa o seu lar. E os onze fizeram dessa sala de cima o seu centro de apoio até depois do Dia de Pentecostes.
192:4.6 (2051.3) Os apóstolos propositalmente haviam chegado em Jerusalém depois do cair da noite para não serem vistos pelas autoridades judaicas. Nem apareceram publicamente no funeral de Elias Marcos. Durante todo o dia seguinte permaneceram silenciosamente reclusos nessa memorável sala de cima.
192:4.7 (2051.4) Na quinta-feira à noite, os apóstolos tiveram um encontro maravilhoso nessa sala de cima e todos se comprometeram a sair na pregação pública do novo evangelho do Senhor ressuscitado, exceto Tomé, Simão zelote e os gêmeos Alfeus. Tinham já sido dados os primeiros passos no sentido da troca do evangelho do Reino — a filiação a Deus e a irmandade dos homens — , pela proclamação da ressurreição de Jesus. Natanael fez oposição a essa mudança no contexto da mensagem pública, mas ele não podia contrariar a eloqüência de Pedro, nem deter o entusiasmo dos discípulos, especialmente o das mulheres crentes.
192:4.8 (2051.5) E assim, sob a vigorosa liderança de Pedro e antes que o Mestre ascendesse ao Pai, os seus bem-intencionados representantes começaram aquele processo sutil de substituir, gradual e seguramente, a religião de Jesus por uma forma nova e alterada de religião sobre Jesus.
O Livro de Urântia
Documento 193
193:0.1 (2052.1) A DÉCIMA sexta manifestação moroncial de Jesus ocorreu na sexta-feira, 5 de maio à noite, no jardim de Nicodemos, por volta das nove horas. Nessa noite os crentes de Jerusalém haviam feito a primeira tentativa de congregarem-se, desde a ressurreição. Reunidos ali, naquele momento, encontravam- se os onze apóstolos, o grupo das mulheres e amigos e ainda cerca de cinqüenta outros discípulos importantes do Mestre, incluindo alguns gregos. Esses crentes estiveram conversando informalmente, por mais de meia hora; nisso, subitamente, o Mestre moroncial surgiu, plenamente visível, e começou imediatamente a instruí-los. Disse Jesus:
193:0.2 (2052.2) “Que a paz esteja convosco. O grupo mais representativo de crentes — apóstolos e discípulos, homens e mulheres — para o qual eu apareci, desde o tempo da minha libertação da carne, é este. Agora, vos conclamo a testemunhar o que eu vos dissera de antemão, que a minha permanência em vosso meio deveria ter um fim; eu vos disse que, em breve, deveria voltar para o Pai. E, naquele momento, vos disse claramente que os principais sacerdotes e governantes dos judeus me entregariam, para que eu fosse levado à morte, e disse que ressuscitaria do túmulo. E por que, então, vos permitis assim ficar desconcertados, quando tudo isso de fato vem a acontecer? E por que ficar tão surpresos quando me levantei do túmulo ao terceiro dia? Não acreditastes em mim, porque ouvistes as minhas palavras sem compreender o significado delas.
193:0.3 (2052.3) “Agora, todavia, deveis dar ouvidos às minhas palavras, para que não cometais novamente o erro de escutar os meus ensinamentos com a mente, enquanto, dentro de vossos corações, deixais de compreender os significados. Desde o começo da minha passagem, como um de vós, vos transmiti que o meu único propósito era revelar o Pai do céu para os filhos Dele, na Terra. Eu vivi a auto- outorga da revelação de Deus, para que vós pudésseis experienciar a carreira de conhecimento de Deus. Revelei Deus como vosso Pai no céu, e revelei a vós como filhos de Deus na Terra. É um fato que Deus ama os Seus filhos. Pela fé, na minha palavra, esse fato torna-se uma verdade eterna e viva nos vossos corações. Quando, pela fé viva, vos tornais divinamente conscientes de Deus, nasceis do espírito tal como filhos da luz e da vida, e da mesma vida eterna, por meio da qual ascendereis, no universo dos universos, e atingireis a experiência de encontrar Deus, o Pai, no Paraíso.
193:0.4 (2052.4) “Eu exorto-vos a lembrar sempre de que a vossa missão, entre os homens, é de proclamar o evangelho do Reino — a realidade da paternidade de Deus e a verdade da filiação do homem. Proclamai toda a verdade das boas-novas, não uma parte apenas do evangelho da salvação. A vossa mensagem não mudou com a experiência da minha ressurreição. A filiação a Deus, pela fé, é ainda a verdade salvadora do evangelho do Reino. Deveis sair e pregar o amor de Deus e o serviço aos homens. O que o mundo mais necessita saber é: que os homens são filhos de Deus e que, pela fé, eles podem de fato compreender e experimentar, diariamente, essa verdade enobrecedora. A minha auto-outorga deveria ajudar todos os homens a saber que são filhos de Deus, mas esse conhecimento não será suficiente se eles não conseguirem captar pessoalmente, por meio da fé, a verdade salvadora de que eles são filhos espirituais vivos do Pai eterno. O evangelho do Reino interessa-se pelo amor do Pai e pelo serviço aos seus filhos na Terra.
193:0.5 (2053.1) “Aqui, entre vós, compartilhais o conhecimento de que ressuscitei dos mortos, e isso não é estranho. Tenho o poder de sacrificar a minha vida e retomá-la; o Pai dá esse poder aos Seus Filhos do Paraíso. Deveríeis animar-vos, nos vossos corações, pelo conhecimento de que os mortos de uma idade entraram na ascensão eterna logo após haver eu deixado o novo túmulo de José. Vivi a minha vida na carne para mostrar como podeis, por meio do serviço do amor, tornar-vos reveladores de Deus aos vossos semelhantes, do mesmo modo que, amando-vos e servindo a vós, me tornei o revelador de Deus para vós. Entre vós eu vivi como o Filho do Homem, para que vós, e todos os outros homens, soubésseis que todos são de fato filhos de Deus. E, pois, ide agora a todo o mundo pregar este evangelho do Reino do céu a todos os homens: Amar os homens como eu vos tenho amado; servir aos semelhantes mortais, como vos servi. De graça recebestes e de graça deveis dar. Devereis permanecer em Jerusalém apenas até que eu vá para o Pai, e até que vos envie o Espírito da Verdade. Ele irá conduzir-vos até a verdade mais ampla, e eu irei convosco a todo o mundo. Estarei sempre convosco, e a minha paz eu a deixo convosco”.
193:0.6 (2053.2) Quando acabou de falar-lhes, o Mestre desapareceu da sua vista. E já era quase o romper do dia quando esses crentes dispersaram-se; havendo permanecido juntos durante toda a noite, falando com seriedade sobre as exortações do Mestre e refletindo sobre tudo o que havia acontecido. Tiago Zebedeu e outros dos apóstolos expuseram-lhes sobre a experiência deles com o Mestre moroncial na Galiléia e explicaram como ele havia, por três vezes, aparecido a eles.
193:1.1 (2053.3) Por volta das quatro horas da tarde de sábado, 13 de maio, o Mestre apareceu para Nalda e cerca de vinte e cinco crentes samaritanos perto do poço de Jacó, em Sichar. Os crentes tinham o hábito de encontrar-se nesse lugar, perto de onde Jesus havia falado a Nalda a respeito da água da vida. Nesse dia, exatamente quando haviam acabado as suas discussões sobre a descrição da ressurreição, Jesus apareceu de súbito diante deles e então disse:
193:1.2 (2053.4) “A paz esteja convosco. Vós vos rejubilais de saber que eu sou a ressurreição e a vida, mas isso de nada vos valerá, a menos que nasçais primeiro do espírito eterno, chegando, por meio disso, a possuir pela fé o dom da vida eterna. Se fordes os filhos, pela fé, do meu Pai, vós nunca morrereis; vós nunca ireis perecer. O evangelho do Reino vos ensinou que todos os homens são filhos de Deus. E essas boas-novas, a respeito do amor do Pai celeste pelos seus filhos na Terra, devem ser levadas a todo o mundo. É chegada a hora em que não ireis adorar a Deus apenas em Gerizim ou em Jerusalém, mas sim onde estiverdes e como estiverdes, em espírito e em verdade. É a vossa fé que salva as vossas almas. A salvação é dádiva de Deus a todos os que são filhos Dele. E não vos deixeis enganar; ao mesmo tempo em que a salvação é uma dádiva livre de Deus e é concedida a todos aqueles que a aceitam pela fé, em seguida virá a experiência de conceber os frutos dessa vida espiritual, tal como é vivida na carne. A aceitação da doutrina da paternidade de Deus implica que vós aceitais também, graciosamente, a verdade conseqüente que é a irmandade dos homens. E se o homem é vosso irmão, ele é mais do que o vosso semelhante, a quem o Pai exige que ameis como a vós próprios. Sendo da vossa própria família, não só amareis ao vosso próprio irmão com uma afeição familiar, mas também servireis a ele como serviríeis a vós próprios. E assim amareis e servireis ao vosso irmão porque, sendo meus irmãos, vós fostes amados e servidos por mim. Ide, então, a todo o mundo falar dessas boas-novas a todas as criaturas de todas raças, tribos e nações. O meu espírito preceder-vos-á, e eu estarei para sempre convosco”.
193:1.3 (2054.1) Esses samaritanos ficaram bastante atônitos com a aparição do Mestre e partiram apressados para as cidades e aldeias vizinhas, divulgando as novas de que haviam visto Jesus e que ele lhes havia falado. E essa foi a décima sétima aparição moroncial do Mestre.
193:2.1 (2054.2) A décima oitava aparição moroncial do Mestre aconteceu em Tiro, na terça- feira, 16 de maio, um pouco antes das nove horas da noite. De novo aparecia ele, ao final de uma reunião de crentes, pouco antes de se dispersarem, dizendo:
193:2.2 (2054.3) “A paz esteja convosco. Vos rejubilais de saber que o Filho do Homem ressuscitou dos mortos, pois, por meio disso sabeis que vós, e os vossos irmãos, também sobreviveis ao falecimento mortal. Mas tal sobrevivência depende de que tenhais nascido previamente para o espírito da busca da verdade e do encontro com Deus. O pão e a água da vida são dados apenas àqueles que têm fome da verdade e sede de retidão — de Deus. O fato de que os mortos ressuscitam, não é em si o evangelho do Reino. Essas grandes verdades e fatos do universo relacionam- se, todos, a este evangelho, pois são uma parte do resultado da crença nas boas-novas e porque se incluem na experiência subseqüente daqueles que se tornam, pela fé, de fato e de verdade, filhos perenes do Deus eterno. Meu Pai enviou-me ao mundo para proclamar a todos os homens a salvação dessa filiação. E assim eu vos envio ao mundo para pregardes a salvação da filiação. A salvação é uma dádiva livre de Deus; e aqueles que nascem do espírito, imediatamente, começarão a mostrar os frutos do espírito no serviço pleno de amor às criaturas semelhantes. E os frutos do espírito divino, gerados nas vidas dos mortais nascidos do espírito e sabedores de Deus, são: serviço pleno de amor, devoção não-egoísta, lealdade corajosa, eqüidade sincera, honestidade esclarecida, esperança imorredoura, confiança segura, ministração misericordiosa, bondade infalível, tolerância plena no perdão e paz duradoura. Se os crentes declarados não conceberem esses frutos do espírito divino nas suas vidas, eles estão mortos; o Espírito da Verdade não está neles; eles são ramos infrutíferos da videira viva, e logo serão podados. O meu Pai exige dos filhos da fé que dêem muitos frutos do espírito. Contudo, se vós não derdes frutos, Ele cavará em volta das vossas raízes e podará os vossos ramos infrutíferos. Cada vez mais deveis dar frutos do espírito no vosso progresso para dentro do Reino de Deus, na direção do céu. Vós podeis entrar no Reino como crianças, mas o Pai exige que cresçais, por meio da graça, até a estatura plena da maturidade espiritual. E quando fordes longe, dar a todas as nações a boa-nova deste evangelho, eu vos precederei e o meu Espírito da Verdade habitará nos vossos corações. A minha paz eu a deixo convosco”.
193:2.3 (2054.4) E então o Mestre desapareceu da vista deles. No dia seguinte, aqueles que levariam essa história a Sidom, e mesmo até Antioquia e Damasco, saíram de Tiro. Jesus tinha estado com esses crentes quando estivera na carne, e eles o reconheceram, muito rapidamente, quando Jesus começou a dar-lhes ensinamentos. Ainda que os seus amigos não conseguissem reconhecer a sua forma moroncial prontamente, assim que ela se tornava visível, eles nunca demoraram a identificar a sua personalidade, tão logo ele começava a falar.
193:3.1 (2055.1) Cedo pela manhã, na quinta-feira, 18 de maio, Jesus fez a sua última aparição na Terra, enquanto uma personalidade moroncial. No momento em que os onze apóstolos iam sentar-se para o desjejum, na sala de cima da casa de Maria Marcos, Jesus apareceu para eles e disse:
193:3.2 (2055.2) “A paz esteja convosco. Eu pedi-vos que permanecêsseis aqui em Jerusalém até que eu ascendesse ao Pai, e até que enviasse a vós o Espírito da Verdade, que em breve será vertido sobre toda a carne, e que vos irá dotar com o poder do alto”. Simão zelote interrompeu Jesus, perguntando: “Então, Mestre, tu irás restaurar o Reino; e nós veremos a glória de Deus manifestada na Terra?” Quando Jesus ouviu a pergunta de Simão, respondeu: “Simão, tu ainda te aténs às idéias antigas sobre o Messias judeu e o reino material. Mas receberás um poder espiritual, quando o espírito houver descido sobre ti, e logo irás a todo o mundo pregar este evangelho do Reino. Do mesmo modo que o Pai enviou-me ao mundo, eu vos envio. E desejo que todos vós ameis uns aos outros e confieis uns nos outros. Judas não mais está conosco, porque o seu amor esfriou e porque ele recusou-se a confiar em vós, os leais irmãos dele. Não lestes nas escrituras onde está escrito: ‘Não é bom para o homem ficar sozinho. Nenhum homem vive para si próprio’? E também onde é dito: ‘Aquele que gostaria de ter amigos deve mostrar-se amigável’? E eu não vos enviei até longe para ensinar, dois a dois, para que não vos tornásseis solitários e para que não caísseis nos erros e tristezas do isolamento? Também sabeis que, quando eu estava na carne, não me permiti permanecer só por períodos longos. Desde o princípio da nossa associação sempre vim mantendo dois ou três de vós constantemente ao meu lado ou muito perto e à mão, até mesmo quando eu comungava com o Pai. Entregai-vos, portanto, confiando uns nos outros. E isso se faz ainda mais necessário, pois, neste dia, vou deixar- vos sós no mundo. A hora é chegada; estou na iminência de ir para o Pai”.
193:3.3 (2055.3) Quando acabou de falar, fez um sinal para que saíssem com ele e os conduziu ao monte das Oliveiras, onde fez a sua despedida preparatória antes de partir de Urântia. Essa foi uma caminhada solene ao monte das Oliveiras. Nenhuma palavra foi pronunciada por qualquer pessoa, desde o momento em deixaram a sala superior, até que Jesus parou junto com eles no monte das Oliveiras.
193:4.1 (2055.4) Foi na primeira parte da mensagem de adeus do Mestre aos seus apóstolos que ele fez alusão à perda de Judas e mostrou o destino trágico do companheiro de trabalho traidor, como uma advertência solene contra os perigos do isolamento social e fraternal. Pode ser de muita ajuda aos crentes, neste e nos tempos futuros, que um breve exame das causas da queda de Judas seja feito, à luz das observações do Mestre e tendo em vista os esclarecimentos acumulados dos séculos seguintes.
193:4.2 (2055.5) Olhando essa tragédia de um modo retrospectivo, concebemos que, primariamente, se Judas desviou-se para o erro, foi porque era muito marcadamente uma personalidade isolada, uma personalidade fechada em si e distante dos contatos sociais comuns. Ele recusou-se persistentemente a confiar nos amigos apóstolos ou a confraternizar-se livremente com eles. Mas ser um tipo isolado de personalidade não teria, em si e por si só, forjado tal erro de Judas, não fosse pelo fato de ele também não haver crescido em amor e em graça espiritual. E então, como se para agravar ainda mais um ponto fraco, ele deu abrigo persistente a ressentimentos e deu forças a inimigos psicológicos, tais como a vingança e a aspiração generalizada de “tirar a diferença”, fosse com quem fosse, por todas as suas decepções.
193:4.3 (2056.1) Essa combinação infeliz de peculiaridades individuais e de tendências mentais conspirou para destruir um homem bem-intencionado, que não conseguiu vencer esses males por meio do amor, fé e confiança. Que Judas não tivesse necessariamente de seguir esse caminho do erro é bem comprovado pelos casos de Tomé e de Natanael: ambos foram também amaldiçoados pela mesma espécie de desconfiança e por um desenvolvimento exagerado das tendências individualistas. Mesmo André e Mateus apresentavam muitas tendências nessa direção; mas todos esses homens cresceram no seu amor por Jesus e pelos companheiros apóstolos, cada vez mais e não menos, com o passar do tempo. Eles cresceram em graça e no conhecimento da verdade. E tornaram-se cada vez mais confiantes nos seus irmãos e, aos poucos, desenvolveram a capacidade de confiar nos companheiros. Judas recusou-se com persistência a confiar nos seus irmãos. Quando se sentia, por causa do acúmulo dos seus conflitos emocionais, compelido a buscar o alívio em alguma expressão própria, ele invariavelmente buscava um conselho pouco sábio, recebendo o consolo dos seus parentes não espiritualizados ou de conhecidos casuais que, ou eram indiferentes, ou mesmo hostis ao bem-estar e ao progresso das realidades espirituais do Reino do céu, do qual ele era um dos doze embaixadores consagrados na Terra.
193:4.4 (2056.2) Judas encontrou a derrota nas suas batalhas de lutas terrenas por causa da fraqueza do seu caráter e dos seguintes fatores, nas suas tendências pessoais:
193:4.5 (2056.3) 1. Era um ser humano do tipo isolado. E, sendo altamente individualista, escolheu tornar-se uma espécie de pessoa definitivamente fechada em si e anti- social.
193:4.6 (2056.4) 2. Quando era criança, a vida se fez fácil demais para ele. Ele ressentia-se amargamente ao ser contrariado. A sua expectativa era a de ganhar sempre; ele era um péssimo perdedor.
193:4.7 (2056.5) 3. Nunca adquiriu uma técnica filosófica para defrontar-se com a decepção. Em vez de aceitar os malogros como um aspecto regular e comum da existência humana, ele recorria infalivelmente à prática de culpar alguém em particular, ou os seus companheiros, como um grupo, por todas as dificuldades e frustrações pessoais.
193:4.8 (2056.6) 4. Era dado a conservar os ressentimentos; e estava sempre alimentando idéias de vingança.
193:4.9 (2056.7) 5. Não gostava de enfrentar os fatos com sinceridade; e era desonesto na sua atitude para com as situações da vida.
193:4.10 (2056.8) 6. Não gostava de discutir os seus problemas pessoais com os seus companheiros próximos; recusava-se a falar sobre as suas dificuldades com os seus amigos verdadeiros e com aqueles que o amavam de fato. Em todos os anos da sua relação, nem por uma vez ele recorreu ao Mestre com um problema puramente pessoal.
193:4.11 (2056.9) 7. Nunca aprendeu que as recompensas verdadeiras, pelo viver com nobreza, são, afinal, prêmios espirituais, os quais nem sempre são distribuídos durante essa curta vida na carne.
193:4.12 (2056.10) O resultado do isolamento persistente da sua personalidade foi que as suas mágoas multiplicaram-se, as tristezas cresceram, as ansiedades aumentaram e o seu desespero aprofundou-se a um ponto quase intolerável.
193:4.13 (2057.1) Conquanto esse apóstolo autocentrado e ultra-individualista haja tido muitos problemas psíquicos, emocionais e espirituais, as suas principais dificuldades foram: na personalidade, ele ser isolado; na mente, ele ser vingativo e cheio de suspeição; no temperamento, ele ser áspero e dado à desforra; emocionalmente, ele ser sem amor e incapaz de perdoar; socialmente, ele não confiar e permanecer fechado em si próprio; no espírito, ele tornar-se arrogante e egoisticamente ambicioso; na vida, ele ignorar aqueles que o amavam; e, na morte, ficar sem amigos.
193:4.14 (2057.2) Esses, pois, são os fatores mentais e as más influências que, juntas, explicam por que um crente de Jesus, outrora bem-intencionado e também sincero, mesmo depois de vários anos de ligação íntima com a personalidade transformadora de Jesus, abandonou os seus companheiros, repudiou uma causa santa, renunciou à sua sagrada convocação e traiu o seu Mestre divino.
193:5.1 (2057.3) Eram quase sete horas e meia da manhã, dessa quinta-feira 18 de maio, quando Jesus chegou à rampa oeste do monte das Oliveiras, com os seus onze apóstolos silenciosos e um tanto desorientados. Desse local, a dois terços da subida até o alto da montanha, podiam contemplar Jerusalém e o Getsêmani. Jesus agora se preparava para dar o seu último adeus aos apóstolos, antes de deixar Urântia. Enquanto Jesus permanecia ali diante deles, todos se ajoelharam em volta dele em um círculo, sem que fossem mandados, e o Mestre disse:
193:5.2 (2057.4) “Eu vos pedi que ficassem em Jerusalém até que fôsseis dotados com o poder do alto. E, agora, estou a ponto de deixar-vos e de ascender ao meu Pai; e, muito em breve, nós enviaremos o Espírito da Verdade a este mundo onde estive; e, quando ele houver chegado, vós ireis começar a nova proclamação do evangelho do Reino, inicialmente em Jerusalém e depois nas partes mais distantes do mundo. Amai aos homens com o amor com o qual eu vos amei, e servi aos semelhantes mortais como eu servi a vós. Pelos frutos do espírito nas vossas vidas, levai as almas a acreditar na verdade de que o homem é um filho de Deus, e de que os homens são irmãos. Lembrai-vos de tudo o que eu vos ensinei e da vida que eu vivi entre vós. O meu amor vos abriga, o meu espírito residirá convosco e a minha paz habitará em vós. Adeus”.
193:5.3 (2057.5) Depois que o Mestre moroncial assim falou, ele desapareceu da vista de todos. Essa assim chamada ascensão de Jesus não foi de nenhum modo diferente dos seus outros desaparecimentos da vista mortal, durante os quarenta dias da sua carreira moroncial em Urântia.
193:5.4 (2057.6) O Mestre foi para Edêntia, passando por Jerusém, onde os Altíssimos, sob a observação do Filho Eterno do Paraíso, liberaram Jesus de Nazaré do seu estado moroncial e, por meio dos canais espirituais da ascensão, devolveram-lhe o status de filiação do Paraíso e a soberania suprema em Sálvington.
193:5.5 (2057.7) Eram cerca de sete horas e quarenta e cinco minutos, dessa manhã, quando o Jesus moroncial desapareceu da vista dos seus onze apóstolos, para iniciar a ascensão à mão direita do seu Pai, a fim de receber a confirmação formal da sua soberania completa do universo de Nébadon.
193:6.1 (2057.8) Atuando sob as instruções de Pedro, João Marcos e os outros foram reunir os principais discípulos na casa de Maria Marcos. Lá pelas dez horas e trinta minutos, cento e vinte dentre os mais notáveis discípulos de Jesus, que viviam em Jerusalém, haviam-se reunido para ouvir o relato da mensagem de despedida do Mestre e para saber da sua ascensão. Entre esses estava Maria, a mãe de Jesus. Ela havia retornado a Jerusalém com João Zebedeu, quando os apóstolos vieram de volta da sua recente viagem à Galiléia. Logo depois de Pentecostes, ela retornaria à casa de Salomé, na Betsaida. Tiago, o irmão de Jesus, também esteve presente a esse encontro, a primeira conferência dos discípulos do Mestre a ser convocada depois do fim da sua carreira planetária.
193:6.2 (2058.1) Simão Pedro tomou a si a incumbência de falar pelos seus amigos apóstolos e fez um relato apaixonado do último encontro dos onze, com o seu Mestre e, de modo bastante tocante, retratou o adeus final do Mestre e o seu desaparecimento para a ascensão. Foi um encontro como não houvera nenhum igual antes neste mundo. Essa parte do encontro durou quase uma hora. Pedro então explicou que eles haviam decidido escolher um sucessor para Judas Iscariotes; e que um recesso seria concedido para que os apóstolos pudessem decidir entre os dois homens que haviam sido sugeridos para essa posição: Matias e Justo.
193:6.3 (2058.2) Os onze apóstolos então desceram e, lá embaixo, concordaram em tirar a sorte para determinar qual desses dois homens deveria tornar-se um apóstolo e servir no lugar de Judas. A sorte escolheu Matias e ele foi declarado como o novo apóstolo. Foi devidamente instalado no seu posto e então apontado como tesoureiro. Mas Matias teve pouca participação nas atividades subseqüentes dos apóstolos.
193:6.4 (2058.3) Logo depois de Pentecostes, os gêmeos voltaram para as suas casas na Galiléia. Simão zelote esteve afastado por algum tempo, antes de sair pregando o evangelho. Tomé distanciou-se por um período menor e então reassumiu os seus ensinamentos. Natanael divergia cada vez mais de Pedro, a respeito de uma pregação sobre Jesus, em lugar de proclamar o evangelho anterior do Reino. Esse desacordo tornou-se tão intenso, por volta de meados do mês seguinte, que Natanael retirou-se, indo para a Filadélfia visitar Abner e Lázaro; e, depois de permanecer lá, por mais de um ano, ele foi para as terras além da Mesopotâmia pregar o evangelho, como ele entendia que devia ser.
193:6.5 (2058.4) Isso deixou apenas seis dos doze apóstolos originais, participando da cena da proclamação inicial do evangelho em Jerusalém: Pedro, André, Tiago, João, Filipe e Mateus.
193:6.6 (2058.5) Por volta do meio-dia, os apóstolos voltaram para os seus irmãos na sala de cima e anunciaram que Matias havia sido escolhido como o novo apóstolo. E então Pedro convocou os crentes para que orassem, a fim de ficarem preparados para receber a dádiva do espírito que o Mestre havia prometido enviar.
O Livro de Urântia
Documento 194
194:0.1 (2059.1) POR VOLTA de uma hora, no início da tarde e no momento em que cerca de cento e vinte crentes estavam empenhados na oração, todos se aperce- beram de uma estranha presença na sala. Ao mesmo tempo os discípulos tornaram-se todos conscientes de uma sensação nova e profunda de alegria espiritual, de segurança e de confiança. Essa consciência nova de força espiritual foi imediatamente seguida por um vigoroso impulso de sair e de proclamar publicamente a palavra do Reino de Deus e as boas-novas de que Jesus havia ressuscitado de entre os mortos.
194:0.2 (2059.2) Pedro levantou-se e declarou que aquilo devia ser a vinda do Espírito da Verdade, que o Mestre lhes havia prometido; e propôs que fossem ao templo e iniciassem a proclamação das boas-novas confiadas às mãos deles. E todos fizeram aquilo que Pedro havia sugerido.
194:0.3 (2059.3) Esses homens haviam sido instruídos e treinados no sentido de que a palavra de Deus, que iriam pregar, devesse ser a paternidade de Deus e a filiação do homem, mas, exatamente nesse momento de êxtase espiritual e de triunfo pessoal, tudo o que esses homens conseguiam pensar, como sendo a melhor informação, como a grande nova, foi no fato de o Mestre haver ressuscitado. E assim eles saíram, dotados de um poder vindo do alto, pregando as boas-novas ao povo — e mesmo a salvação por meio de Jesus — , contudo, não intencionalmente, caíram no erro de substituir a mensagem em si do próprio evangelho, por alguns dos fatos ligados ao evangelho. Sem assim o querer, Pedro caiu nesse erro; os outros o seguiram; e até mesmo Paulo, o qual criou uma religião recente baseada numa nova versão das boas-novas.
194:0.4 (2059.4) O evangelho do Reino de Deus é: o fato da paternidade de Deus, combinado com a verdade resultante da filiação-irmandade dos homens. O cristianismo, como se desenvolveu a partir desse dia, é: o fato de Deus, enquanto Pai do Senhor Jesus Cristo, em associação com a experiência da crença-comunhão com o Cristo ressuscitado e glorificado.
194:0.5 (2059.5) Não é de se estranhar que esses homens, impregnados pelo espírito, se houvessem agarrado à oportunidade de expressar os seus sentimentos de triunfo sobre as forças que tinham tentado destruir o seu Mestre, deixando de lado, desse modo, a influência dos ensinamentos dele. Em momentos como esses mais fácil era lembrarem-se da sua ligação pessoal com Jesus e enlevarem-se com a segurança de que o Mestre ainda estava vivo, de que a sua amizade com ele não havia chegado ao fim; e de que o espírito tinha realmente vindo sobre eles tal como ele havia prometido.
194:0.6 (2059.6) Esses crentes sentiram-se subitamente transladados para um outro mundo, em uma nova existência na alegria, poder e glória. O Mestre havia dito a eles que o Reino viria em poder; e alguns deles pensaram que estavam começando a vislumbrar o que ele havia desejado expressar.
194:0.7 (2059.7) E quando tudo isso é levado em consideração, não fica difícil entender o modo como esses homens puseram-se a pregar um novo evangelho sobre Jesus, em lugar da sua mensagem anterior da paternidade de Deus e da irmandade entre os homens.
194:1.1 (2060.1) Os apóstolos haviam permanecido escondidos por quarenta dias. Ocorreu que era o dia do festival de Pentecostes, e milhares de visitantes de todas as partes do mundo estavam em Jerusalém. Muitos vieram para essa festa, mas a maioria havia permanecido na cidade desde a Páscoa. E, agora, os amedrontados apóstolos saíam de uma reclusão de semanas, para aparecer ousadamente no templo, onde começavam a pregar a nova mensagem de um Messias ressuscitado. E todos os discípulos estavam igualmente conscientes de que haviam recebido algum novo dom espiritual de visão interior e de poder.
194:1.2 (2060.2) Eram aproximadamente duas horas quando Pedro postou-se exatamente naquele mesmo lugar em que o seu Mestre havia ensinado da última vez nesse templo, onde havia pronunciado o chamamento, cheio de paixão, que resultou na conquista de mais de duas mil almas. O Mestre havia ido embora, mas eles descobriram subitamente que esse relato sobre Jesus exercia um grande poder junto ao povo. E não era de se admirar que eles estivessem sendo levados agora, a continuar proclamando aquilo que justificava a sua devoção anterior a Jesus, e que, ao mesmo tempo, era o que compelia todos a acreditarem nele. Seis dos apóstolos participaram desse encontro: Pedro, André, Tiago, João, Filipe e Mateus. Eles conversaram por mais de uma hora e meia e pronunciaram mensagens em grego, hebreu e aramaico, bem como umas poucas palavras noutras línguas das quais tinham algum conhecimento.
194:1.3 (2060.3) Os líderes dos judeus estavam estupefatos diante da audácia dos apóstolos, mas, por causa do grande número dos que acreditavam no seu relato, temiam incomodá-los.
194:1.4 (2060.4) Lá pelas quatro e meia, mais de dois mil novos crentes seguiram os apóstolos até as águas de Siloé, onde Pedro, André, Tiago e João batizaram-nos em nome do Mestre. E estava escuro quando eles acabaram de batizar essa multidão.
194:1.5 (2060.5) Pentecostes era a grande festa do batismo, o tempo de dar as boas-vindas aos prosélitos convertidos de fora, os gentios que desejavam servir a Yavé. Era, portanto, mais fácil que um grande número, tanto de judeus quanto de gentios crentes, se submetesse ao batismo nesse dia. Ao fazer isso, eles não estavam de nenhum modo desligando-se da fé judaica. Mesmo algum tempo depois, esses crentes em Jesus, continuaram sendo uma seita separada dentro do judaísmo. Todos eles, incluindo os apóstolos, permaneciam leais aos requisitos essenciais do sistema cerimonial judaico.
194:2.1 (2060.6) Jesus viveu na Terra e ensinou um evangelho que redimiu a humanidade da superstição de que o homem era um filho do mal; e elevou-o à dignidade de filho de Deus pela fé. A sua mensagem, tal como Jesus a pregou e viveu-a nos seus dias, foi uma solução eficaz para as dificuldades do homem, na época em que foi proposta. E agora, que ele deixou pessoalmente o mundo, ele enviou no seu lugar o Espírito da Verdade, que está destinado a viver no homem e, para cada nova geração, a restabelecer a mensagem de Jesus, de um modo tal que cada grupo novo de mortais, a surgir na face da Terra, tenha uma versão nova e atualizada da palavra de Deus, como um esclarecimento pessoal e um guiamento grupal, que se constituirá em uma solução efetiva para as dificuldades espirituais variadas e sempre novas.
194:2.2 (2060.7) A primeira missão desse espírito é, está claro, fomentar e personalizar a verdade, pois é a compreensão da verdade que constitui a mais elevada forma de liberdade humana. Em seguida, o propósito desse espírito é destruir o sentimento de orfandade do crente. Tendo Jesus estado entre os homens, todos os crentes iriam experienciar uma sensação de solidão, não houvesse o Espírito da Verdade vindo para residir nos corações dos homens.
194:2.3 (2061.1) Esse outorgamento, do espírito do Filho, preparou efetivamente todas as mentes dos homens comuns para a dádiva posterior do espírito do Pai (o Ajustador) a toda a humanidade. Num certo sentido, esse Espírito da Verdade é o espírito, tanto do Pai Universal como do Filho Criador.
194:2.4 (2061.2) Não cometais o erro de esperar ter uma consciência intelectualmente forte e nítida do Espírito da Verdade efundido. O espírito nunca gera uma consciência de si mesmo, mas cria uma consciência de Michael, o Filho. Desde o princípio, Jesus ensinou que o espírito não falaria de si mesmo. A prova, entretanto, do vosso envolvimento com o Espírito da Verdade, não há de ser encontrada na vossa consciência desse espírito, mas, muito mais intensamente, na vossa experiência de uma irmandade mais elevada com Michael.
194:2.5 (2061.3) O espírito veio também para ajudar os homens a relembrarem-se das palavras do Mestre e compreenderem-nas; bem como para iluminá-los, na re-interpretação da vida dele na Terra.
194:2.6 (2061.4) Em seguida o Espírito da Verdade veio para ajudar aos que acreditam a testemunhar sobre as realidades dos ensinamentos de Jesus e sua vida, como ele a viveu na carne e como novamente a vive, de modo renovado e pujante, no indivíduo que crê, em cada nova geração de filhos de Deus plenificados pelo espírito.
194:2.7 (2061.5) Assim, torna-se, pois, evidente que o Espírito da Verdade vem, realmente, para conduzir todos os que crêem, a toda a verdade, ao conhecimento expansivo da experiência da consciência espiritual viva e crescente, na realidade da filiação ascendente e eterna a Deus.
194:2.8 (2061.6) Jesus viveu uma vida que é uma revelação do homem submetido à vontade do Pai, e não um exemplo que todo homem deva literalmente tentar seguir. Essa vida na carne, junto com a sua morte na cruz e a ressurreição subseqüente, tornou- se atualmente um novo evangelho para o resgate, que é pago, assim, com o fim de retomar o homem, de volta, das garras do mal — da condenação de um Deus ofendido. Entretanto, mesmo havendo a palavra de Deus sido grandemente distorcida, permanece o fato de que essa nova mensagem sobre Jesus traz em si muitas verdades e os ensinamentos fundamentais das suas primeiras palavras ao Reino. E, mais cedo ou mais tarde, essas verdades ocultas, da paternidade de Deus e da irmandade dos homens, emergirão para transformar efetivamente a civilização de toda a humanidade.
194:2.9 (2061.7) Mas esses erros do intelecto não interferem, de modo algum, no grande progresso de crescimento, em espírito, dos que crêem. Menos de um mês depois da outorga do Espírito da Verdade, os apóstolos fizeram um progresso espiritual maior do que durante os quatro anos, quase, de convívio amoroso pessoal com o Mestre. Nem a substituição da verdade do evangelho salvador, que é a filiação a Deus, pelo fato da ressurreição de Jesus, tampouco, interferiu na rápida difusão dos seus ensinamentos; ao contrário, os novos ensinamentos sobre a sua pessoa e sobre a sua ressurreição, mesmo ofuscando a mensagem de Jesus, parece haverem também facilitado grandemente a pregação das boas-novas.
194:2.10 (2061.8) O termo “batismo do espírito”, que veio a ter um uso tão geral nessa época, significou meramente a recepção consciente dessa dádiva do Espírito da Verdade e a tomada de consciência desse novo poder espiritual, como uma ampliação de todas as influências espirituais experienciadas até então pelas almas conscientes de Deus.
194:2.11 (2061.9) Desde a outorga do Espírito da Verdade, está o homem sujeito ao ensinamento e ao guiamento de um dom espiritual tríplice: o espírito do Pai, o Ajustador do Pensamento; o espírito do Filho, o Espírito da Verdade; o espírito do Espírito, o Espírito Santo.
194:2.12 (2062.1) De um certo modo, a humanidade está sujeita à influência dupla, de apelo sétuplo, das influências espirituais do universo. As raças evolucionárias primitivas, de mortais, estão submetidas ao contato progressivo com os sete espíritos ajudantes da mente do Espírito Materno do universo local. À medida que o homem progride, escala acima, em inteligência e em percepção espiritual, vão chegando até ele e residindo nele as sete influências dos espíritos superiores. E esses sete espíritos, dos mundos em avanço, são:
194:2.13 (2062.2) 1. O espírito outorgado, do Pai Universal — o Ajustador do Pensamento.
194:2.14 (2062.3) 2. A presença espiritual do Filho Eterno — a gravidade espiritual do universo dos universos; e o canal certo para a comunhão de todos os espíritos.
194:2.15 (2062.4) 3. A presença espiritual do Espírito Infinito — o espírito-mente de toda a criação, a fonte espiritual da semelhança intelectual de todas as inteligências progressivas.
194:2.16 (2062.5) 4. O espírito do Pai Universal e do Filho Criador — o Espírito da Verdade, geralmente visto como o espírito do Filho do Universo.
194:2.17 (2062.6) 5. O espírito do Espírito Infinito e do Espírito Materno do Universo — o Espírito Santo, geralmente considerado o espírito do Espírito do Universo.
194:2.18 (2062.7) 6. O espírito-mente do Espírito Materno do Universo — os sete espíritos ajudantes da mente do universo local.
194:2.19 (2062.8) 7. O espírito do Pai, dos Filhos e dos Espíritos — o espírito, com um nome novo, dos mortais ascendentes dos reinos, depois da fusão da sua alma mortal, nascida do espírito, com o Ajustador do Pensamento; e após haverem-se elevado, subseqüentemente, até a divindade e atingido a glorificação, por meio do status que atingem no Corpo de Finalidade do Paraíso.
194:2.20 (2062.9) E assim a dádiva do Espírito da Verdade trouxe ao mundo e aos seus povos o último dom do espírito, destinado a ajudar na busca ascendente de Deus.
194:3.1 (2062.10) Muitos ensinamentos estranhos e raros estão ligados às primeiras narrativas do Dia de Pentecostes. Os acontecimentos deste dia, em que o novo mestre, o Espírito da Verdade, veio para residir com a humanidade, tornaram-se confusos, em épocas posteriores, por causa das explosões tolas de uma emoção exagerada. A missão principal dessa efusão do espírito do Pai e do Filho é a de ensinar aos homens sobre as verdades do amor do Pai e da misericórdia do Filho. Essas são as verdades da divindade que o homem pode compreender muito melhor que todos os outros traços do caráter divino. O Espírito da Verdade ocupa-se, principalmente, da revelação da natureza do espírito do Pai e do caráter moral do Filho. O Filho Criador, quando esteve encarnado, revelou Deus aos homens; o Espírito da Verdade, no coração, revela o Filho Criador aos homens. Quando o homem colhe, na sua vida, “os frutos do espírito”, ele está simplesmente comprovando as características que o Mestre manifestou na sua própria vida terrena. Quando Jesus esteve na Terra, ele viveu a sua vida como uma personalidade — Jesus de Nazaré. Como espírito residente do “novo instrutor”, desde Pentecostes, o Mestre tem sido capaz, novamente, de viver a sua vida na experiência de todos os crentes que aprenderam e assimilaram a verdade.
194:3.2 (2062.11) Muitas das coisas que acontecem no decurso de uma vida humana são duras para serem compreendidas, difíceis de serem reconciliadas com a idéia de que este é um universo no qual prevalece a verdade e onde a retidão triunfa. Muito freqüentemente parece que o insulto, as mentiras, a desonestidade e a falta de retidão — o pecado — prevalecem. E a fé, afinal, triunfa sobre o mal, o pecado e a iniqüidade? Sim, triunfa. E a vida e a morte de Jesus são a prova eterna de que a verdade da bondade e da fé, na criatura conduzida pelo espírito, será sempre justificada. Quando crucificado, chegaram a zombar de Jesus na cruz dizendo: “Vamos ver se Deus virá para libertá-lo”. E o dia da crucificação ficou escuro, mas, na manhã da ressurreição, estava gloriosamente luminoso; e ainda mais brilhante e mais cheio de júbilo esteve o Dia de Pentecostes. As religiões do desespero pessimista buscam obter a liberação das cargas da vida, elas almejam a extinção em um repouso e em um sonho sem fim. Essas religiões são as do medo e pavor primitivos. A religião de Jesus é uma palavra nova de fé, que há de ser proclamada à humanidade, em meio à sua luta. Essa nova religião está fundada na fé, na esperança e no amor.
194:3.3 (2063.1) A vida mortal deu os mais duros, cruéis e amargos golpes em Jesus; e este homem recebeu todos os golpes desesperados, com fé, coragem e com a determinação inarredável de cumprir a vontade do Pai. Jesus aceitou a vida, em toda a sua realidade terrível, com mestria — até mesmo na morte. Ele não usou a religião como uma liberação para a vida. A religião de Jesus não procura escapar desta vida, com o fito de desfrutar da felicidade de uma outra existência. A religião de Jesus proporciona a felicidade e a paz de uma outra existência espiritual que eleva e enobrece a vida que os homens vivem agora na carne.
194:3.4 (2063.2) Se a religião é um ópio para o povo, assim não é a religião de Jesus. Na cruz ele recusou-se a beber a droga mortal, e o seu espírito, efusionado em toda a carne, é uma influência mundial poderosa que conduz o homem à elevação, levando-o a progredir. O impulso espiritual para o progresso é a força mais poderosa presente neste mundo; aquele que é o verdadeiro crente no aprendizado da verdade possui a alma que progride ativa e dinamicamente sobre a Terra.
194:3.5 (2063.3) No Dia de Pentecostes, a religião de Jesus quebrou todas as restrições das nações e das prisões raciais. Para sempre será verdade que “onde está o espírito do Senhor, há liberdade”. Nesse dia, o Espírito da Verdade tornou-se a dádiva pessoal do Mestre a cada mortal. Esse espírito foi concedido com o propósito de qualificar os crentes mais eficazmente, para que preguem a palavra do Reino de Deus, mas eles confundiram a experiência, de receber o espírito efusionado, com uma parte do novo evangelho que eles estavam formulando inconscientemente.
194:3.6 (2063.4) Não desconsidereis o fato de que o Espírito da Verdade foi outorgado a todos aqueles que têm uma crença sincera; essa dádiva do espírito não veio apenas para os apóstolos. Todos os cento e vinte homens e mulheres reunidos na sala superior receberam o novo mestre, como o receberam todos os homens honestos de coração em todo o mundo. Esse novo mestre foi concedido à humanidade e cada alma o recebeu na proporção do seu amor pela verdade e da sua capacidade de apreender e compreender as realidades espirituais. Afinal, a verdadeira religião libera-se da custódia dos sacerdotes e de todas as castas sagradas e encontra sua manifestação real nas almas individuais dos homens.
194:3.7 (2063.5) A religião de Jesus desenvolve o tipo mais elevado de civilização humana, pois cria o tipo mais elevado de personalidade espiritual e proclama a condição sagrada da pessoa.
194:3.8 (2063.6) A vinda do Espírito da Verdade, em Pentecostes, tornou possível uma religião que não é nem radical nem conservadora; não é nem a velha nem a nova, que não irá ser dominada nem pelos velhos nem pelos jovens. A existência da vida terrena de Jesus proporciona um ponto fixo para a ancoragem do tempo, enquanto o outorgamento do Espírito da Verdade proporciona a expansão eterna e o crescimento interminável da religião que ele viveu e da palavra de Deus por ele proclamada. O espírito conduz para dentro de toda a verdade; ele é o mestre de uma religião que se expande e cresce sempre, de progresso sem fim e de revelação do divino. Esse novo mestre desvelará, para sempre, ao crente em busca da verdade, tudo aquilo que esteve tão divinamente velado e contido na pessoa e na natureza do Filho do Homem.
194:3.9 (2064.1) As manifestações ligadas à outorga do “novo mestre”, e o modo como os homens de várias raças e nações, reunidas em Jerusalém, receberam a pregação dos apóstolos, indicam a universalidade da religião de Jesus. O evangelho do Reino de Deus não devia ser identificado com nenhuma raça, cultura ou língua em particular. Esse Dia de Pentecostes testemunhou um grande esforço do espírito, no sentido de liberar a religião de Jesus dos seus elos herdados dos judeus. Mesmo após essa demonstração da efusão do espírito sobre toda a carne, os apóstolos, no princípio, ainda tentaram impor os quesitos do judaísmo aos convertidos. E até mesmo Paulo teve problemas com os seus irmãos de Jerusalém, porque ele se recusou a submeter os gentios às práticas judaicas. Nenhuma religião revelada pode difundir-se pelo mundo inteiro se comete o grave erro de se deixar permear por uma cultura nacional ou de se ligar a práticas raciais, sociais ou econômicas.
194:3.10 (2064.2) A outorga do Espírito da Verdade foi independente de todas as formas, cerimônias, lugares sagrados e comportamentos especiais da parte daqueles que receberam, em plenitude, a sua manifestação. Quando o espírito veio sobre as pessoas reunidas no salão superior, elas estavam simplesmente sentadas lá, tendo acabado de orar em silêncio. O espírito foi concedido tanto no campo como na cidade. Não foi necessário que os apóstolos se dirigissem a um local isolado, durante anos de meditação solitária, para que recebessem o espírito. Para todo o sempre, Pentecostes desligou a experiência espiritual da noção de que houvesse locais especialmente favorecidos.
194:3.11 (2064.3) Pentecostes, com o seu dom espiritual, estava destinado a desligar a religião do Mestre de qualquer dependência de força física; os mestres dessa nova religião estão agora equipados com armas espirituais. Devem sair para conquistar o mundo com o perdão infalível, com uma boa vontade incomparável e amor abundante. Eles estão equipados para sobrepor o bem ao mal, para vencer o ódio pelo amor, para destruir o temor com uma fé corajosa na verdade. Jesus já havia ensinado aos seus seguidores que a sua religião nunca era passiva; e que os seus discípulos deviam ser sempre ativos e positivos nas suas ministrações de misericórdia e nas suas manifestações de amor. Esses crentes já não consideravam Yavé como o “Senhor das Hostes”. Eles agora consideravam a Deidade eterna como o “Deus, e Pai do Senhor Jesus Cristo”. Pelo menos esse progresso eles fizeram, ainda que não tenham apreendido, inteiramente, a verdade de que Deus é também o Pai de todos os indivíduos.
194:3.12 (2064.4) Pentecostes dotou o homem mortal com o poder de perdoar as agressões pessoais, de manter-se doce em meio à injustiça mais grave, de permanecer firme em face do perigo mais tremendo, e de desafiar os males do ódio e da ira, por meio de atos audazes de amor e de paciência. Urântia passou, na sua história, pela destruição de guerras grandes e arrasadoras. Todos os participantes dessas lutas terríveis encontraram a derrota. Houve apenas um vitorioso; houve apenas um, que saiu dessas lutas amargas com a sua reputação mais elevada — e este foi Jesus de Nazaré e a sua palavra divina, de sobrepujar o mal com o bem. O segredo de uma civilização melhor está contido nos ensinamentos do Mestre, sobre a irmandade dos homens, a boa vontade do amor e confiança mútuos.
194:3.13 (2065.1) Até Pentecostes, a religião havia revelado apenas o homem à procura de Deus; desde Pentecostes, permanece o homem na busca de Deus, mas brilha sobre o mundo o espetáculo de Deus, que também busca o homem e que, tão logo o tenha achado, envia o Seu espírito para residir dentro dele.
194:3.14 (2065.2) Antes dos ensinamentos de Jesus, que culminaram em Pentecostes, as mulheres tinham pouca ou nenhuma posição espiritual, segundo os pequenos dogmas das religiões mais antigas. Depois de Pentecostes, na irmandade do Reino, as mulheres colocaram-se perante Deus em igualdade com os homens. Entre os cento e vinte seres humanos que receberam essa visitação especial do espírito, estavam muitas das mulheres discípulas e elas compartilharam dessas bênçãos igualmente com os crentes masculinos. O homem não mais pode presumir monopolizar o ministério dos serviços religiosos. O fariseu poderia continuar a agradecer a Deus por não “haver nascido mulher, nem leproso, nem gentio”, mas, entre os seguidores de Jesus, a mulher foi para sempre libertada de todas as discriminações baseadas no sexo. Pentecostes pôs fim a todas as discriminações religiosas fundadas em distinções raciais, diferenças culturais, castas sociais, ou preconceito de sexo. Não é de se estranhar que os crentes da nova religião clamassem aos brados: “Onde está o espírito do Senhor, lá está a liberdade”.
194:3.15 (2065.3) Tanto a mãe quanto um irmão de Jesus estavam presentes entre os cento e vinte crentes e, como membros desse grupo comum de discípulos, eles também receberam o espírito efundido. Eles não receberam, de tal dom do bem, nada mais do que os seus semelhantes. Nenhuma dádiva especial foi conferida aos membros da família terrena de Jesus. Pentecostes marcou o fim dos sacerdócios especiais e de toda a crença em famílias sagradas.
194:3.16 (2065.4) Antes de Pentecostes os apóstolos haviam renunciado a muitas coisas por Jesus. Tinham sacrificado os seus lares, famílias, amigos, bens mundanos e posição. Em Pentecostes eles entregaram-se a Deus; e o Pai e o Filho responderam, dando-se ao homem — enviando os Seus espíritos para residir dentro do homem. Essa experiência de perder o eu, e de encontrar o espírito, não foi apenas a da emoção; foi um ato de auto-rendimento inteligente e de consagração sem reservas.
194:3.17 (2065.5) Pentecostes foi o chamado à unidade espiritual, entre os que acreditam na palavra sagrada. Quando o espírito desceu sobre os discípulos, em Jerusalém, a mesma coisa aconteceu na Filadélfia, Alexandria e em todos os outros lugares onde estavam os crentes verdadeiros. Era verdade, literalmente, que “havia uma só alma e só um coração, na multidão dos crentes”. A religião de Jesus é a mais poderosa influência unificadora que o mundo jamais conheceu.
194:3.18 (2065.6) Pentecostes teve o propósito de minimizar a presunção dos indivíduos, grupos, nações e raças. A tensão desse sentimento de presunção aumenta tanto que, periodicamente, desemboca em guerras destrutivas. A humanidade pode ser unificada apenas pelo enfoque espiritual; e o Espírito da Verdade é, neste mundo, uma influência universal.
194:3.19 (2065.7) A vinda do Espírito da Verdade purifica o coração humano e conduz a pessoa, que o recebe, a formular um único propósito de vida, na vontade de Deus e para o bem-estar dos homens. O espírito material do egoísmo foi engolfado por essa nova outorga de altruísmo. Pentecostes, então e agora, significa que o Jesus da história tornou-se o Filho divino da experiência vivente. A exultação, que esse espírito traz ao ser efundido, e, quando é experimentado conscientemente na vida humana, é um tônico para a saúde, um estímulo para a mente e uma energia infalível para a alma.
194:3.20 (2065.8) A prece não trouxe o espírito no Dia de Pentecostes; mas teve muito a ver com a determinação da capacidade de receptividade que caracterizou cada indivíduo crente. A prece não conduz o coração divino à generosidade da dádiva da graça, mas, muito freqüentemente, forma canais mais largos e mais profundos pelos quais a graça e os outorgamentos divinos podem fluir até os corações e as almas daqueles que se lembram assim de manter uma comunhão ininterrupta com o seu Criador, por meio da prece sincera e da adoração verdadeira.
194:4.1 (2066.1) Quando Jesus foi subitamente aprisionado pelos seus inimigos e tão rapidamente crucificado, entre os dois ladrões, os seus apóstolos e discípulos ficaram inteiramente desmoralizados. O pensamento de que o Mestre houvesse sido preso, amarrado, açoitado e crucificado, era demais, até mesmo para os apóstolos. Eles esqueceram-se dos seus ensinamentos e das suas advertências. Ele podia, de fato, ter sido “um profeta poderoso nos feitos e nas palavras, perante Deus e todo o povo”, mas dificilmente seria o Messias que restauraria o reino de Israel, e disso é que eles tinham esperança.
194:4.2 (2066.2) Então veio a ressurreição, que os livra do desespero e que os leva de volta à sua fé na divindade do Mestre. De novo e de novo eles falam com ele; e ele os leva ao monte das Oliveiras, onde se despede e lhes diz que está indo de volta ao Pai. Ele lhes havia dito para permanecer em Jerusalém, até serem dotados com o poder — até que o Espírito da Verdade viesse. E, no Dia de Pentecostes, este novo mestre vem; e eles saem imediatamente para pregar o seu evangelho, com um novo poder. São os seguidores audazes e valentes de um Senhor vivo, não de um líder morto e derrotado. O Mestre vive nos corações desses evangelistas; Deus não é uma doutrina nas suas mentes; tornou-Se uma presença viva nas suas almas.
194:4.3 (2066.3) “Dia a dia eles continuaram perseverando unânimes no templo e repartindo o pão nas suas casas. Comiam juntos com alegria e simplicidade de coração, louvando a Deus e em favores com todo o povo. Estavam todos preenchidos pelo espírito e falavam da palavra de Deus com ousadia. E as multidões dos que acreditavam estavam com um único coração e uma só alma; e nenhum deles dizia que as suas coisas pertenciam apenas a ele; e possuíam todas as coisas dividindo-as.”
194:4.4 (2066.4) O que aconteceu àqueles homens a quem Jesus havia ordenado que saíssem para pregar a palavra do Reino de Deus, a paternidade de Deus e a irmandade entre os homens? Eles têm um novo evangelho; estão ardentes pelo fogo de uma nova experiência; estão repletos de uma energia espiritual nova. A sua mensagem transformou-se subitamente na proclamação do Cristo que ressuscitou: “Jesus de Nazaré, um homem que Deus aprovou por meio de obras poderosas e prodigiosas; a ele, que foi enviado com conhecimento prévio e com o conselho determinado de Deus, vós o crucificastes e matastes. As coisas que Deus havia prenunciado pela boca de todos os profetas, Ele as cumpriu. A esse Jesus, Deus o ressuscitou. Deus o fez tanto Senhor quanto Cristo. Tendo sido, pela mão direita de Deus, exaltado e havendo recebido do Pai a promessa do espírito, ele derrama sobre vós isso que vedes e ouvis. Arrependei-vos, para que sejam apagados os vossos pecados; para que o Pai, pois, possa enviar o Cristo, antes anunciado a vós, o mesmo Jesus; a quem os céus devem receber até os tempos da restauração de todas as coisas”.
194:4.5 (2066.5) O evangelho do Reino, a mensagem de Jesus, havia, subitamente, sido transformado no evangelho do Senhor Jesus Cristo. Eles agora proclamavam os fatos da sua vida, morte e ressurreição e pregavam a esperança de um pronto retorno dele a este mundo, para concluir o trabalho que começara. Assim, a mensagem dos primeiros crentes tinha a ver com a pregação sobre os fatos da sua primeira vinda e com o ensinamento da esperança da sua segunda vinda, um evento que eles consideravam estar muito próximo.
194:4.6 (2067.1) Cristo estava a ponto de se transformar no credo da igreja que rapidamente se formava. Jesus vive; ele morreu pelos homens; ele trouxe o espírito; e ele virá de novo. Jesus preencheu todos os pensamentos dos homens e determinou todo o conceito novo sobre Deus e sobre tudo o mais. Eles estavam por demais entusiasmados com a nova doutrina de que “Deus é Pai do Senhor Jesus”, para preocuparem-se com a velha mensagem de que “Deus é o Pai amantíssimo de todos os homens”, e mesmo de cada indivíduo. É bem verdade que uma manifestação maravilhosa de amor fraternal e de uma boa vontade inigualável surgiu nas primeiras comunidades de crentes. Mas era uma irmandade de crentes em Jesus, não uma comunidade de irmãos na família do Reino do Pai nos céus. A boa vontade deles cresceu do amor nascido do conceito da autodoação de Jesus e não do reconhecimento da irmandade do homem mortal. Contudo, estavam repletos de alegria e viveram vidas tão novas e únicas que todos os homens foram atraídos para os seus ensinamentos sobre Jesus. Cometeram o grande erro de tomar os comentários vivos e ilustrativos a respeito do evangelho do Reino de Deus pelo evangelho em si, mas ainda assim aquela era a maior religião que a humanidade havia conhecido até então.
194:4.7 (2067.2) Inequivocamente, uma nova comunidade estava surgindo no mundo. “A multidão de crentes continuava perseverante nos ensinamentos e na comunhão com os apóstolos, na partilha do pão e nas orações. Entre si, chamavam-se de irmão e irmã, saudavam-se com um beijo sagrado e dedicavam-se a ministrações aos pobres. Sendo uma comunidade de vida, bem como de adoração, não eram comunitários por obrigação, mas pelo desejo de compartilhar seus bens com os irmãos de crença. Eles esperavam, confiantes, que Jesus retornasse, para completar o estabelecimento do Reino do Pai, ainda naquela geração. Essa espontaneidade ao compartilhar as posses terrenas não era um aspecto direto do ensinamento de Jesus, ela surgiu porque esses homens e mulheres confiavam sinceramente que ele retornaria a qualquer dia, para completar o seu trabalho e consumar o Reino. Mas os resultados finais, desse experimento bem-intencionado de amor fraternal irrefletido, foram desastrosos e trouxeram sofrimentos. Milhares de crentes honestos venderam suas propriedades e dispuseram de todos os bens de capitais e outros bens produtivos. Com o passar do tempo, os recursos minguantes daquele sistema cristão de “compartilhar por igual” chegaram ao fim — mas o mundo não. Muito cedo os crentes em Antioquia estavam fazendo uma coleta para que os demais crentes, em Jerusalém, não morressem de fome.
194:4.8 (2067.3) Naqueles dias eles celebraram a Ceia do Senhor, do modo como foi estabelecida; quer dizer, reuniram-se para uma refeição social de bom companheirismo e compartilharam do sacramento ao final da refeição.
194:4.9 (2067.4) Inicialmente eles batizavam em nome de Jesus; passaram quase vinte anos antes que começassem a batizar em “nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”. O batismo era o único quesito para admissão à comunidade de crentes. Não tinham ainda nenhuma organização; era simplesmente a irmandade de Jesus.
194:4.10 (2067.5) Essa seita de Jesus estava crescendo rapidamente e uma vez mais os saduceus preocupavam-se com ela. Os fariseus pouco se incomodavam com a situação, vendo que nenhum dos ensinamentos, de nenhum modo, interferia com a observância das leis judaicas. Mas os saduceus começaram a encarcerar os líderes da seita de Jesus, até que fossem convencidos a aceitar os conselhos de Gamaliel, um dos rabinos líderes que lhes disse: “Afastai-vos desses homens e deixai-os em paz, pois se esse conselho ou essa obra for dos homens, derrubar-se-á por si; mas, se for de Deus, não sereis capaz de derrubá-la, e que não sejais apanhados lutando contra Deus”. Eles decidiram seguir o conselho de Gamaliel e sobreveio um período de paz e calma em Jerusalém, durante o qual o novo evangelho sobre Jesus espalhou-se rapidamente.
194:4.11 (2068.1) E assim tudo andava bem em Jerusalém, até a época da chegada dos gregos, em grande número, vindos de Alexandria. Dois dos alunos de Rodam chegaram em Jerusalém e converteram muitos entre os helenistas. Entre os seus primeiros convertidos, estiveram Estevão e Barnabé. Esses hábeis gregos não tinham o ponto de vista dos judeus e não se adequaram tão bem ao seu modo de adoração e a outras práticas cerimoniais. E foram os feitos desses crentes gregos que acabaram com as relações pacíficas entre a irmandade de Jesus e os fariseus e saduceus. Estevão e o seu companheiro grego começaram a pregar mais conforme o que Jesus ensinara, e isso os colocou em conflito imediato com os potentados judeus. Num dos sermões públicos de Estevão, quando ele chegou ao ponto objetável do discurso, eles dispensaram todas as formalidades do julgamento e começaram a apedrejá-lo ali mesmo, até a morte.
194:4.12 (2068.2) Estevão, o líder da colônia grega dos crentes de Jesus em Jerusalém, assim, tornou-se o primeiro mártir da nova fé e a causa específica para que acontecesse a organização formal da igreja cristã inicial. Essa nova crise levou ao reconhecimento de que os crentes não podiam continuar como uma seita dentro da fé judaica. Todos eles concordaram que deviam separar-se dos não-crentes; e um mês depois da morte de Estevão a igreja em Jerusalém foi organizada, sob a liderança de Pedro; e Tiago, o irmão de Jesus, passou a ser o seu dirigente titular.
194:4.13 (2068.3) E então irromperam as novas e incansáveis perseguições feitas pelos judeus, de modo que os instrutores ativos da nova religião sobre Jesus, que subseqüentemente em Antioquia foi denominada de cristianismo, saíram até os confins do império proclamando Jesus. Para levar essa mensagem, antes do tempo de Paulo, a liderança estava nas mãos dos gregos; e esses primeiros missionários, como também os posteriores, seguiram a rota antiga dos passos de Alexandre, indo até a Antioquia, por Gaza e Tiro e, depois, até a Macedônia, pela Ásia Menor; e então para Roma e na direção de todos os confins do império.
O Livro de Urântia
Documento 195
195:0.1 (2069.1) OS RESULTADOS da pregação de Pedro, no Dia de Pentecostes, foram tais que decidiram sobre as políticas futuras e determinaram os planos da maioria dos apóstolos, nos seus esforços para proclamar o evangelho do Reino. Pedro foi o verdadeiro fundador da igreja cristã; Paulo levou a mensagem cristã aos gentios, e os crentes gregos difundiram-na por todo o império romano.
195:0.2 (2069.2) Embora o povo hebreu, limitado às tradições e dominado pelos sacerdotes, enquanto povo, se recusasse a aceitar que o evangelho de Jesus, da paternidade de Deus e da irmandade dos homens, fosse a proclamação de Pedro e de Paulo, da ressurreição e da ascensão de Cristo (o cristianismo subseqüente), todo o restante do império romano acabou sendo receptivo aos ensinamentos cristãos que evoluíam. Nesse momento a civilização ocidental estava intelectualmente cansada da guerra e encontrava-se também profundamente cética a respeito de todas as religiões e filosofias existentes sobre o universo. Os povos do mundo ocidental, beneficiários da cultura grega, tinham uma respeitável tradição de um passado grandioso. Eles podiam contemplar a herança de grandes realizações na filosofia, na arte, na literatura e nos progressos políticos. Mas, ao lado de todas essas realizações, não tinham tido nenhuma religião que satisfizesse à alma. Os seus anseios espirituais permaneciam insatisfeitos.
195:0.3 (2069.3) E subitamente, sobre tal cenário da sociedade humana, foram lançados os ensinamentos de Jesus, adotados na mensagem cristã. Uma nova ordem de vida, assim, foi apresentada aos corações insaciados desses povos do Ocidente. Essa situação significava um conflito imediato entre as práticas religiosas mais antigas e a nova versão cristianizada da mensagem de Jesus ao mundo. Um tal conflito resultaria em uma vitória definida, fosse da nova crença, ou da mais antiga, ou fosse em algum grau de concessões feitas por alguma dessas partes. A história mostra que a luta levou a um comprometimento sob a forma de concessões. O cristianismo presumiu abranger coisas demasiadamente maiores do que qualquer povo pudesse assimilar em uma ou duas gerações. Não se tratava de uma chamada espiritual simples, como a que Jesus havia apresentado à alma dos homens; abrangia, desde muito cedo, uma atitude sobre os rituais religiosos, a educação, a magia, a medicina, a arte, a literatura, a legislação, o governo, a moral, a regulamentação do sexo, a poligamia e, em um grau limitado, até mesmo a escravidão. O cristianismo não veio meramente como uma nova religião — como algo pelo qual todo o império romano e todo o Oriente estivessem esperando — mas como uma nova ordem de sociedade humana. E, com uma tal pretensão, precipitou rapidamente o colapso moral-social das idades. Os ideais de Jesus, tal como foram reinterpretados pela filosofia grega e socializados pela cristandade, desafiavam agora, com ousadia, as tradições da raça humana incorporadas à ética, à moralidade e à religião da civilização ocidental.
195:0.4 (2069.4) De início, o cristianismo conseguiu convertidos apenas nos estratos sociais e econômicos mais baixos. Mas, por volta do segundo século, o melhor da elite da cultura greco-romana voltava-se cada vez mais para essa nova ordem de crença cristã, para esse novo conceito de propósito de vida e meta de existência.
195:0.5 (2070.1) Como é que essa nova mensagem, de origem judaica, que quase fracassara na sua terra de nascimento, capturou tão rápida e eficazmente o melhor mesmo das mentes do império romano? O triunfo do cristianismo sobre as religiões filosóficas e os cultos dos mistérios deveu-se aos fatores:
195:0.6 (2070.2) 1. A organização. Paulo era um grande organizador e os seus sucessores mantiveram o ritmo que ele estabeleceu.
195:0.7 (2070.3) 2. O cristianismo estava profundamente helenizado. Abrangia o melhor da filosofia grega, bem como a nata da teologia hebraica.
195:0.8 (2070.4) 3. Mas, melhor do que tudo, trazia em si um ideal novo e grande, o eco da vida auto-outorgada de Jesus e o reflexo da sua mensagem de salvação, para toda a humanidade.
195:0.9 (2070.5) 4. Os líderes cristãos estavam dispostos a fazer concessões ao mitraísmo, pois a melhor metade dos que haviam aderido ao cristianismo fora conquistada do culto da Antioquia.
195:0.10 (2070.6) 5. Do mesmo modo, a próxima e mais recente das gerações de líderes da cristandade fez outras concessões mais ao paganismo, tanto que até Constantino, o imperador romano, foi conquistado para a nova religião.
195:0.11 (2070.7) E os cristãos fizeram uma barganha astuta com os pagãos, pois adotaram a pompa ritualística dos pagãos obrigando-os a aceitar a versão helenizada do cristianismo paulino. O acordo que fizeram com os pagãos foi melhor do que aquele que concluíram com o culto mitráico, mas, mesmo naquele compromisso inicial de concessão, eles saíram mais do que vencedores, pois tiveram êxito em eliminar as imoralidades grosseiras e também numerosas outras práticas repreensíveis do mistério persa.
195:0.12 (2070.8) Esses líderes iniciais da cristandade, sabiamente ou não, comprometeram deliberadamente os ideais de Jesus, em um esforço para salvar e promover muitas das suas idéias, e nisso eles tiveram um êxito iminente. Mas não vos enganeis! Esses ideais do Mestre, ainda que comprometidos, estão latentes no seu evangelho e terminarão por fazer valer todo o seu poder diante do mundo.
195:0.13 (2070.9) Por meio dessa paganização do cristianismo, a velha ordem teve muitas vitórias menores, de natureza ritualista, mas os cristãos ganharam a ascendência, pois:
195:0.14 (2070.10) 1. Foi tocada uma nota da moral humana, uma nota nova e de conotação enormemente mais elevada.
195:0.15 (2070.11) 2. Um conceito novo e ampliado de Deus foi passado ao mundo.
195:0.16 (2070.12) 3. A esperança de imortalidade tornou-se um ponto de reafirmação, dentro de uma religião reconhecida.
195:0.17 (2070.13) 4. Jesus de Nazaré foi dado à alma sedenta do homem.
195:0.18 (2070.14) Muitas das grandes verdades, ensinadas por Jesus, foram quase perdidas nesses comprometimentos e concessões iniciais, mas elas ainda permanecem como que adormecidas nessa religião de cristianismo paganizado, que é, por sua vez, a versão paulina da vida e dos ensinamentos do Filho do Homem. E o cristianismo, mesmo antes de ser paganizado, foi profundamente helenizado. O cristianismo deve muito aos gregos, bastante mesmo. Em Nicéia, um grego vindo do Egito, levantou-se corajosamente para desafiar a assembléia, e tão destemidamente o fez que o concílio não ousou obscurecer o conceito da natureza de Jesus; pois a verdade mesma da auto-outorga havia estado em perigo de ser perdida para o mundo. O nome desse grego era Atanásio e, não fossem a eloqüência e a lógica desse crente, a força persuasiva de Ários teria triunfado.
195:1.1 (2071.1) A helenização da cristandade, na realidade, começou naquele dia memorável em que o apóstolo Paulo, diante do conselho de Areópagos, em Atenas, falou aos atenienses sobre “o Deus Desconhecido”. Lá, à sombra da Acrópolis, esse cidadão romano proclamou aos gregos a sua versão da nova religião, que havia tido origem na terra judaica da Galiléia. E havia coisas estranhamente semelhantes na filosofia grega e em muitos ensinamentos de Jesus. Tinham uma meta em comum — ambos visavam o soerguimento do indivíduo. Os gregos, por meio da emergência social e política do indivíduo; e Jesus, por meio da emergência moral e espiritual do homem. Os gregos ensinavam o liberalismo intelectual que conduzia à liberdade política; Jesus ensinava o liberalismo espiritual que conduzia à liberdade religiosa. Essas duas idéias, colocadas juntas, constituíam um novo e poderoso código para a liberdade humana, e prognosticavam, para o homem, a sua liberdade social, política e espiritual.
195:1.2 (2071.2) O cristianismo veio à existência e triunfou sobre todas a religiões, então em contenda, principalmente por causa de duas coisas:
195:1.3 (2071.3) 1. A mente grega estava disposta a tomar emprestadas idéias novas e boas, ainda que fosse dos judeus.
195:1.4 (2071.4) 2. Paulo e os seus sucessores estavam dispostos a comprometerem-se, mas fazendo concessões astuciosas e sagazes; eles eram negociantes teológicos perspicazes.
195:1.5 (2071.5) Na época, Paulo dirigiu-se a Atenas pregando “Cristo e o Cristo Crucificado”, os gregos, espiritualmente sedentos, encontravam-se em uma busca inquiridora, interessada e, na realidade, de busca da verdade espiritual. Nunca vos esqueçais de que a princípio os romanos combateram o cristianismo, enquanto os gregos adotaram-no; e de que foram os gregos que literalmente forçaram os romanos, subseqüentemente, a aceitar essa nova religião, já então modificada como uma parte da cultura grega.
195:1.6 (2071.6) Os gregos veneravam a beleza, os judeus a santidade; mas ambos os povos amavam a verdade. Durante séculos os gregos pensaram e debateram seriamente sobre todos os problemas humanos — sociais, econômicos, políticos e filosóficos — , exceto sobre a religião. Poucos entre os gregos haviam dado atenção maior à religião; eles não levavam muito a sério nem a própria religião. Durante séculos os judeus haviam negligenciado esses outros campos do pensamento ao devotar suas mentes à religião. Eles levavam a própria religião bastante a sério, talvez até em demasia. Iluminado pelo conteúdo da mensagem de Jesus, o produto de séculos de pensamento desses dois povos, agora unidos, transformava-se na força motriz de uma nova ordem de sociedade humana e, em uma certa medida, de uma nova ordem de crença e de prática humana religiosa.
195:1.7 (2071.7) A influência da cultura grega havia já penetrado as terras do Mediterrâneo Oriental, quando Alexandre expandiu a civilização helênica no mundo do Oriente próximo. Os gregos saíam-se muito bem com a sua religião e a sua política, enquanto estiveram organizados em pequenas cidades-Estado, mas, quando o rei macedônio ousou expandir a Grécia, como um império, que se estendia do Adriático ao rio Indus, os problemas começaram. A arte e a filosofia da Grécia estavam perfeitamente à altura da expansão imperial, mas não era bem assim com a administração política grega, nem com a religião. Depois que as cidades-Estado da Grécia conseguiram expandir-se como império, os seus deuses paroquiais pareciam um pouco esquisitos. Os gregos realmente estavam procurando um Deus único, um Deus maior e melhor, quando a versão cristianizada da antiga religião judaica chegou a eles.
195:1.8 (2072.1) O império helenista, enquanto tal, não podia durar. A sua influência cultural continuou, mas só durou até assegurar para si o gênio político romano do Ocidente, para a administração do império, e depois que obteve do Oriente uma religião cujo Deus único possuía a dignidade imperial.
195:1.9 (2072.2) No primeiro século depois de Cristo, a cultura helênica havia já atingido os seus níveis mais elevados; o seu retrocesso havia começado; o aprendizado avançava, mas a genialidade declinava. Foi nessa mesma época que as idéias e os ideais de Jesus, parcialmente incorporados ao cristianismo, concorreram para salvar a cultura e o conhecimento gregos.
195:1.10 (2072.3) Alexandre havia atacado o Oriente com a dádiva cultural da civilização da Grécia; Paulo assaltou o Ocidente com a versão cristã do evangelho de Jesus. E, em todos os lugares em que a cultura grega prevaleceu, em todo o Ocidente, também o cristianismo helenizado criou raiz.
195:1.11 (2072.4) A versão oriental da mensagem de Jesus, não obstante haver permanecido mais fiel aos ensinamentos dele, continuou seguindo a atitude de Abner de não fazer comprometimentos sob forma de concessões. E nunca progrediu como o fez a versão helenizada, permanecendo enfim perdida no movimento islâmico.
195:2.1 (2072.5) Os romanos incorporaram a cultura grega na totalidade, colocando governos representativos em lugar de governos por áreas. E em breve essa mudança favoreceu o cristianismo, pois Roma trouxe a todo o mundo ocidental uma nova tolerância para línguas, povos e mesmo religiões estrangeiras.
195:2.2 (2072.6) Grande parte da perseguição inicial aos cristãos, em Roma, deveu-se apenas ao uso infeliz que faziam do termo “reino” nas suas pregações. Os romanos eram tolerantes com toda e qualquer religião, mas ressentiam-se muito de qualquer coisa que tivesse o sabor de rivalidade política. E, assim, quando essas perseguições iniciais, devidas tão somente a mal-entendidos, tiveram fim, o campo para a propagação religiosa encontrava-se bem aberto. Os romanos estavam interessados na administração política; eles não se importavam muito com a arte nem com a religião, eram tolerantes com ambas de um modo extraordinário.
195:2.3 (2072.7) A lei oriental era severa e arbitrária; a lei grega era fluida e artística; a lei romana era dignificada e inspiradora de respeito. A educação romana induzia uma lealdade inédita e impassível. Os romanos do período inicial eram indivíduos politicamente devotados e consagrados de um modo sublime. Eram honestos, zelosos e dedicados aos seus ideais, mas não possuíam uma religião digna de ser chamada como tal. Não é de se admirar que os instrutores gregos tivessem sido capazes de persuadi-los a aceitar o cristianismo de Paulo.
195:2.4 (2072.8) E esses romanos eram um grande povo. Eles puderam governar o Ocidente porque se governavam bem a si próprios. Uma honestidade sem par, uma tal devoção e um autocontrole tão decidido formavam o solo ideal para receber e fazer crescer a cristandade.
195:2.5 (2072.9) Foi fácil para esses greco-romanos tornarem-se tão espiritualmente devotados a uma igreja institucionalizada, quanto o eram politicamente ao Estado. Os romanos combateram a igreja apenas quando temeram que ela estivesse competindo com o Estado. Roma, tendo uma filosofia nacional tímida e pouca cultura nativa, tomou a cultura grega como sua própria e fez de Cristo, com valentia, a sua própria filosofia moral. O cristianismo converteu-se na cultura moral de Roma, mas dificilmente tornou-se a sua religião, no sentido de ser, para aqueles que abraçaram a nova religião, uma experiência individual de crescimento espiritual, a religião de um modo pleno. É verdade, de fato, que muitos indivíduos a penetraram com mais profundidade, saindo da superfície de toda essa religião estatal, e encontraram alimento para as suas almas nos valores reais dos significados, mascarados por trás das verdades latentes do cristianismo helenizado e paganizado.
195:2.6 (2073.1) Os estóicos e o seu apelo inflexível à “natureza e à consciência” haviam preparado bem toda a Roma para receber Cristo, pelo menos em um sentido intelectual. O romano era, por natureza e por educação, um legislador; ele venerava até mesmo as leis da natureza. E agora, no cristianismo, ele divisava as leis de Deus nas leis da natureza. Um povo que pôde produzir Cícero e Virgílio estava amadurecido para o cristianismo helenizado de Paulo.
195:2.7 (2073.2) E, pois, esses gregos romanizados forçaram tanto os judeus quanto os cristãos a filosofarem sobre a própria religião, a coordenarem as idéias dessa religião, a sistematizarem os seus ideais e a adaptarem as práticas religiosas às correntes predominantes de vida. E tudo isso foi enormemente ajudado pela tradução das escrituras hebraicas para o grego e pela redação do Novo Testamento, na língua grega.
195:2.8 (2073.3) Contrariamente aos judeus e a muitos outros povos, os gregos vinham, há muito tempo, crendo provisoriamente na imortalidade, em alguma espécie de sobrevivência após a morte e, já que esse era o núcleo mesmo do ensinamento de Jesus, era certo que o cristianismo significasse um forte apelo para eles.
195:2.9 (2073.4) Uma sucessão de vitórias da cultura grega e da política romana havia consolidado as terras do Mediterrâneo como um império, com uma língua e uma cultura, e preparou o mundo ocidental para um só Deus. O judaísmo contribuiu com esse Deus, mas o judaísmo não era aceitável como uma religião para esses gregos romanizados. Filo ajudou alguns a mitigarem as suas objeções, mas o cristianismo revelou a eles um conceito melhor de um Deus único e, prontamente, eles o abraçaram.
195:3.1 (2073.5) Após a consolidação do governo político romano, e depois da disseminação do cristianismo, os cristãos se viram com um Deus, um grande conceito religioso, mas sem um império. Os greco-romanos se viram com um grande império, mas sem um Deus para servir de conceito religioso adequado à adoração do império e à sua unificação espiritual. Os cristãos aceitaram o império; o império adotou o cristianismo. Os romanos forneceram uma unidade de governo político; os gregos, uma unidade de cultura e de instrução; o cristianismo, uma unidade de prática e de pensamento religioso.
195:3.2 (2073.6) Roma suplantou a tradição do nacionalismo por meio do universalismo imperial e, pela primeira vez na história, tornou possível que raças e nações diferentes, pelo menos nominalmente, aceitassem uma religião única.
195:3.3 (2073.7) O cristianismo ganhou a preferência de Roma, em uma época na qual havia uma grande luta entre os ensinamentos enérgicos dos estóicos e as promessas de salvação dos cultos dos mistérios. O cristianismo trouxe o conforto repousante e o poder libertador para um povo espiritualmente sedento, cuja língua não possuía nenhuma palavra para “ausência de egoísmo”.
195:3.4 (2073.8) O que deu maior poder à cristandade foi o modo pelo qual os seus crentes viveram vidas de serviço e, mesmo, o modo pelo qual morreram pela própria fé, durante os tempos iniciais de perseguições drásticas.
195:3.5 (2073.9) O ensinamento a respeito do amor de Cristo pelas crianças logo colocou um fim à prática disseminada de expor as crianças à morte, quando não eram desejadas, particularmente as meninas.
195:3.6 (2074.1) O plano inicial do culto cristão foi tomado, em sua quase totalidade, ao das sinagogas judaicas, e modificado pelo ritual mitraico; posteriormente, muito do fausto pagão foi acrescentado a ele. A espinha dorsal da igreja cristã inicial consistia de prosélitos gregos do judaísmo, que se cristianizaram.
195:3.7 (2074.2) O segundo século depois de Cristo foi o melhor período, em toda a história do mundo, para uma boa religião fazer progressos no mundo ocidental. Durante o primeiro século, a cristandade havia-se preparado, por meio de lutas e de concessões, para criar raízes e espalhar-se rapidamente. A cristandade adotou o imperador; mais tarde, o imperador adotou o cristianismo. Essa foi uma grande época para uma nova religião ser disseminada. Existia liberdade religiosa; as viagens se haviam generalizado e inexistiam entraves para o livre pensamento.
195:3.8 (2074.3) O ímpeto espiritual de aceitar nominalmente o cristianismo helenizado chegou a Roma tarde demais para impedir o declínio moral já bem avançado, ou para compensar a deterioração racial já bem estabelecida e crescente. Essa nova religião era uma necessidade cultural para a Roma imperial, e é uma grande infelicidade que não se haja tornado um meio de salvação espiritual em um sentido mais amplo.
195:3.9 (2074.4) Mesmo uma boa religião não podia salvar um grande império dos resultados óbvios da falta de participação do indivíduo nos assuntos do governo, do excesso de paternalismo, do exagero e da grosseria dos abusos na coleta dos impostos, do comércio desequilibrado com o Levante, que acabou com o ouro, da loucura dos prazeres, do clichê da padronização romana, da degradação da mulher, da escravidão e da decadência racial, das epidemias físicas, e de uma igreja estatal que se tornou institucionalizada quase até o ponto da esterilidade espiritual.
195:3.10 (2074.5) Em Alexandria, contudo, as condições não eram assim tão desfavoráves. As primeiras escolas continuavam mantendo muitos dos ensinamentos de Jesus sem comprometimentos e concessões. Pantaenos ensinou a Clemente, e passou a colaborar com Natanael, proclamando Cristo na Índia. Embora alguns dos ideais de Jesus hajam sido sacrificados na edificação do cristianismo, deveria aqui, com toda a justiça, ficar registrado que, ao final do segundo século, praticamente todas as grandes mentes do mundo greco-romano, passaram a ser cristãs. O triunfo estava próximo de ser completo.
195:3.11 (2074.6) E esse império romano perdurou tempo suficiente para assegurar a sobrevivência do cristianismo, mesmo depois do império entrar em colapso. Mas nós temos conjecturado, freqüentemente, sobre o que teria acontecido a Roma e ao mundo, caso tivesse sido aceito o evangelho do Reino em lugar do cristianismo grego.
195:4.1 (2074.7) A igreja, estando subordinada à sociedade e aliada à política, ficava condenada a compartilhar do declínio intelectual e espiritual na chamada “idade das trevas” européia. Nessa época, a religião tornou-se mais e mais monástica, ascética e regulamentada. Num sentido espiritual, o cristianismo estava hibernando. Durante esse período, existiu, junto com essa religião adormecida e secularizada, uma corrente contínua de misticismo, uma experiência espiritual fantástica que beirou à irrealidade e que, filosoficamente, foi semelhante ao panteísmo.
195:4.2 (2074.8) Nesses séculos de trevas e de desespero, de novo a religião passou a ser algo de segunda mão. O indivíduo se encontrava quase perdido diante da autoridade superofuscante da tradição e do ditatorialismo da igreja. Uma nova ameaça espiritual surgiu na criação de uma galáxia de “santos”, os quais, se presumia, exerciam especial influência nas cortes divinas, e que, por isso, se se apelasse eficazmente para eles, seriam capazes de interceder pelo homem perante os Deuses.
195:4.3 (2075.1) Mas a cristandade estava tão suficientemente socializada e paganizada que, conquanto fosse impotente para frustrar a vinda da idade das trevas, se encontrava mais bem preparada para sobreviver a esse período prolongado de trevas morais e de estagnação espiritual. E o cristianismo perdurou durante a longa noite da civilização ocidental e funcionou ainda como uma influência moral no mundo, quando do alvorecer da renascença. A reabilitação do cristianismo, depois de passar pela idade das trevas, resultou na vinda à existência de numerosas seitas de ensinamentos cristãos, as crenças adequando-se aos tipos especiais — o intelectual, o emocional e o espiritual — de personalidades humanas. E muitos desses grupos especiais de cristãos, ou de famílias religiosas, ainda persistiam à época em que se fazia a apresentação deste documento.
195:4.4 (2075.2) O cristianismo traz em si a história de ter-se originado numa transformação, não intencional, da religião de Jesus, em uma religião sobre Jesus. E ainda apresenta a história de haver experimentado a helenização, a paganização, a secularização, a institucionalização, a deterioração intelectual, a decadência espiritual, a hibernação moral, a ameaça de extinção, o rejuvenescimento posterior, a fragmentação e, mais recentemente, uma relativa reabilitação. Essa genealogia indica a vitalidade inerente e a posse de vastos recursos de recuperação. E esse mesmo cristianismo está agora presente no mundo civilizado de povos do mundo ocidental e tem à frente uma luta pela existência que é ainda menos auspiciosa do que aquelas crises acidentadas que caracterizaram as suas batalhas passadas para alcançar o predomínio.
195:4.5 (2075.3) A religião confronta-se agora com o desafio de um novo tempo de mentes científicas e de tendências materialistas. Nessa luta gigantesca entre o secular e o espiritual, a religião de Jesus finalmente irá triunfar.
195:5.1 (2075.4) O século vinte trouxe ao cristianismo, e a todas as outras religiões, novos problemas a serem resolvidos. Quanto mais alto ascende uma civilização, mais premente torna- se o dever de “primeiro buscar as realidades do céu”, em todos os esforços do homem, para estabilizar a sociedade e facilitar a solução dos seus problemas materiais.
195:5.2 (2075.5) A verdade, muitas vezes, torna-se confusa e até enganosa, quando é desmembrada, fracionada, isolada e demasiadamente analisada. A verdade viva ensina, ao buscador da verdade, corretamente, apenas quando ela é abraçada em plenitude e como uma realidade espiritual viva, não como um fato dentro de uma ciência material, nem como uma inspiração de uma arte intermediária.
195:5.3 (2075.6) A religião é a revelação ao homem do seu destino eterno e divino. A religião é uma experiência puramente pessoal e espiritual e deve ser, sempre, diferenciada de outras formas elevadas de pensamento, tais como:
195:5.4 (2075.7) 1. A atitude lógica do homem para com as coisas da realidade material.
195:5.5 (2075.8) 2. A apreciação estética que o homem tem da beleza, em contraste com a fealdade.
195:5.6 (2075.9) 3. O reconhecimento ético que o homem tem das obrigações sociais e do dever político.
195:5.7 (2075.10) 4. Mesmo o senso de moralidade humana, em si e por si próprio, não é religioso.
195:5.8 (2075.11) A religião está destinada a encontrar aqueles valores no universo que exigem fé, confiança e certeza; a religião culmina na adoração. A religião descobre, para a alma, os valores supremos que estão em contraposição aos valores relativos descobertos pela mente. Um tal discernimento interior supra-humano só pode ser alcançado por meio da experiência religiosa verdadeira.
195:5.9 (2075.12) Não se pode sustentar um sistema social duradouro, sem uma moralidade baseada em realidades espirituais, assim como não se poderia sustentar o sistema solar sem a gravidade.
195:5.10 (2076.1) Não tenteis satisfazer a curiosidade, nem gratificar todos os desejos latentes de aventura que surgem na alma, em uma curta vida na carne. Sede pacientes! Não vos deixeis ceder à tentação de lançar-vos em um mergulho desregrado em aventuras baratas e sórdidas. Domai as vossas energias e refreai as vossas paixões; sede calmos enquanto aguardais o desdobrar majestático de uma carreira interminável de aventuras progressivas e de descobertas emocionantes.
195:5.11 (2076.2) Na confusão sobre a origem do homem, não percais de vista o seu destino eterno. Não vos esqueçais de que Jesus amou até mesmo às crianças pequenas, e de que, para sempre, ele deixou claro o grande valor da personalidade humana.
195:5.12 (2076.3) Ao observardes o mundo, lembrai-vos de que as manchas negras do mal, que podeis ver, se destacam sobre o fundo branco do bem último. Vós não vedes meramente manchas brancas do bem, mostrando-se miseravelmente sobre o fundo negro do mal.
195:5.13 (2076.4) Quando há tantas verdades, e tão boas, a se fazerem públicas e proclamadas, por que deveriam os homens insistir tanto no mal do mundo, só porque ele parece ser um fato? As belezas dos valores espirituais da verdade geram mais prazer e são mais enaltecedoras do que o fenômeno do mal.
195:5.14 (2076.5) Na religião, Jesus defendeu e seguiu o método da experiência, do mesmo modo que a ciência moderna busca a técnica pela experimentação. Nós encontramos Deus por meio dos guiamentos do discernimento espiritual interior, mas nós nos aproximamos desse discernimento da alma por meio do amor pelo belo, da busca da verdade, da lealdade ao dever e da adoração à bondade divina. Mas de todos esses valores, o amor é o guia verdadeiro para o discernimento autêntico.
195:6.1 (2076.6) Involuntariamente, os cientistas fizeram a humanidade precipitar-se em um pânico materialista; eles deram início a uma corrida irrefletida ao banco moral dos tempos, mas esse banco de experiência humana tem vastos recursos espirituais; e pode suportar as demandas que lhe estão sendo feitas. Apenas os homens impensados entram em pânico com os ativos espirituais da raça humana. Quando o pânico materialista-secular houver chegado ao fim, a religião de Jesus não terá ido à bancarrota. O banco espiritual do Reino do céu estará pagando, com fé, esperança e certeza moral, a todos aqueles que recorrerem a ele “em Seu nome”.
195:6.2 (2076.7) Não importando quais possam ser os conflitos aparentes entre o materialismo e os ensinamentos de Jesus, podeis permanecer seguros de que, nas idades que virão, os ensinamentos do Mestre triunfarão completamente. Na realidade, a verdadeira religião não irá envolver-se em nenhuma controvérsia com a ciência, pois não se ocupa em absoluto com as coisas materiais. Para a religião a ciência é simplesmente indiferente, apesar de ter uma simpatia por ela, enquanto se preocupa supremamente com o cientista.
195:6.3 (2076.8) A busca do conhecimento meramente, sem a interpretação da sabedoria que o acompanha e sem o discernimento interior espiritual da experiência religiosa, finalmente leva ao pessimismo e ao desespero humano. Uma dose de conhecimento, se pequena, pode ser algo verdadeiramente desconcertante.
195:6.4 (2076.9) Na época em que estes documentos foram escritos, o pior da era materialista já havia chegado ao fim; o dia de uma melhor compreensão já está no seu alvorecer. As mentes mais elevadas do mundo científico não são mais totalmente materialistas na sua filosofia, e o grosso e comum do povo ainda inclina-se nessa direção em conseqüência de ensinamentos anteriores. Mas essa idade de realismo físico é apenas um episódio passageiro na vida do homem sobre a Terra. A ciência moderna deixou a verdadeira religião — os ensinamentos de Jesus, como traduzidos nas vidas dos seus crentes — intocada. Tudo o que a ciência fez foi destruir as ilusões infantis das falsas interpretações da vida.
195:6.5 (2077.1) A ciência é uma experiência quantitativa, a religião é uma experiência qualitativa, no que concerne à vida do homem na Terra. A ciência lida com os fenômenos; a religião, com as origens, os valores e as metas. Designar causas como explicação de fenômenos físicos é confessar ignorância das ultimas coisas e, ao fim, apenas leva o cientista diretamente de volta à primeira grande causa — o Pai Universal do Paraíso.
195:6.6 (2077.2) A passagem violenta, de uma era de milagres para uma idade de máquinas, revelou-se como sendo de todo desconcertante para o homem. A engenhosidade e a habilidade das falsas filosofias do mecanismo desmentem as pretensões puramente mecanicistas. A agilidade fatalista da mente de um materialista contradiz, para sempre, as suas afirmações de que o universo é um fenômeno energético cego e sem propósito.
195:6.7 (2077.3) O naturalismo mecanicista de alguns homens, supostamente instruídos, e o secularismo impensado, do homem nas ruas, estão ambos ocupados exclusivamente com as coisas; eles estão desprovidos de todos os valores reais, das recompensas e das satisfações de uma natureza espiritual, assim como estão despojados de fé, esperança e certezas eternas. Um dos grandes problemas da vida moderna é que o homem pensa que ele é ocupado demais para encontrar tempo para a meditação espiritual e para a devoção religiosa.
195:6.8 (2077.4) O materialismo reduz o homem a um autômato sem alma e faz dele um mero símbolo aritmético, incluído, sem ter poder, na fórmula matemática de um universo pouco romântico e muito mecânico. Mas de onde provém todo esse vasto universo de matemáticas, sem um Mestre Matemático? A ciência pode discorrer sobre a conservação da matéria, mas a religião torna válida a conservação das almas humanas — e preocupa-se com a experiência delas ligada às realidades espirituais e valores eternos.
195:6.9 (2077.5) O sociólogo materialista de hoje observa uma comunidade, faz um relatório sobre ela e deixa o povo como ele o encontrou. Há dezenove séculos, alguns galileus pouco instruídos observaram Jesus dando a sua vida, como uma contribuição espiritual para a experiência interior do homem, e então eles saíram da Galiléia e viraram todo o império romano de cabeça para baixo.
195:6.10 (2077.6) Os líderes religiosos, contudo, estão cometendo um grande erro ao tentar convocar o homem moderno para a batalha espiritual, com um soar medieval de trombetas. A religião deve prover-se de lemas novos e atuais. Nem a democracia, nem qualquer outra panacéia política, tomará o lugar do progresso espiritual. As religiões falsas podem representar uma fuga da realidade, mas, com o seu evangelho, Jesus conduziu o homem mortal à entrada de uma realidade eterna de progresso espiritual.
195:6.11 (2077.7) Dizer que a mente “surgiu” da matéria nada explica. Se o universo fosse apenas um mecanismo e a mente uma parte da matéria, nós nunca teríamos duas interpretações diferentes de qualquer fenômeno observado. Os conceitos da verdade, da beleza e da bondade não são inerentes, seja à física seja à química. Uma máquina não pode conhecer, e muito menos conhecer a verdade, ter fome de retidão ou valorizar a bondade.
195:6.12 (2077.8) A ciência pode ser física, mas a mente do cientista que discerne a verdade é de todo supramaterial. A matéria não conhece a verdade, nem pode amar a misericórdia nem se comprazer com as verdades espirituais. As convicções morais baseadas no esclarecimento espiritual, e com raízes na experiência humana, são tão reais e certas quanto as deduções matemáticas baseadas nas observações físicas, mas em um nível diferente, mais elevado.
195:6.13 (2077.9) Se os homens não passassem de máquinas, eles reagiriam mais ou menos uniformemente a um universo material. Não existiria a individualidade, e a personalidade menos ainda.
195:6.14 (2077.10) A existência do mecanismo absoluto do Paraíso, no centro do universo dos universos, na presença da volição inqualificável da Segunda Fonte e Centro, torna para sempre certo que as causas determinantes não sejam a lei exclusiva do cosmo. O materialismo existe, mas ele não é exclusivo; o mecanismo existe, mas ele não é inqualificável nem irrestrito; o determinismo existe, mas ele não está só.
195:6.15 (2078.1) O universo finito da matéria tornar-se-ia finalmente uniforme e determinista, não fosse a presença combinada da mente e do espírito. A influência da mente cósmica injeta constantemente a própria espontaneidade nos mundos materiais.
195:6.16 (2078.2) A liberdade, ou a iniciativa, em qualquer reino da existência, é diretamente proporcional ao grau de influência espiritual e de controle da mente-cósmica; e isto é, na experiência humana, o grau de realidade com que vós fazeis a “vontade do Pai”. E assim, uma vez que vós começais a encontrar Deus, esta é a prova conclusiva de que Deus já vos encontrou.
195:6.17 (2078.3) A busca sincera da bondade, da beleza e da verdade conduz a Deus. E cada descoberta científica demonstra a existência tanto da liberdade, quanto da uniformidade no universo. O descobridor estava livre para fazer a descoberta. A coisa descoberta é real e aparentemente uniforme, ou então não poderia ter-se tornado conhecida como uma coisa.
195:7.1 (2078.4) Quão tolo é, para o homem de mente material, permitir que teorias vulneráveis, como as de um universo mecanicista, privem-no dos recursos espirituais vastos da experiência pessoal da verdadeira religião. Os fatos nunca contradizem a fé espiritual real; as teorias, sim, podem contradizer. Melhor seria se a ciência ficasse devotada à destruição da superstição, em vez de ficar tentando arruinar a fé religiosa — a crença humana nas realidades espirituais e nos valores divinos.
195:7.2 (2078.5) A ciência deveria fazer materialmente, pelo homem, o que a religião faz por ele, espiritualmente: ampliar o horizonte da vida e tornar a sua personalidade mais abrangente. A verdadeira ciência não pode manter uma disputa duradoura com a religião verdadeira. O “método científico” é meramente um padrão intelectual de avaliação, com o qual se medem as aventuras materiais e as realizações físicas. Mas, como é material e totalmente intelectual, ele passa a ser inteiramente inútil na avaliação das realidades espirituais e das experiências religiosas.
195:7.3 (2078.6) A incoerência do mecanicista moderno é tal que: se o universo fosse meramente material e o homem apenas uma máquina, o homem seria completamente incapaz de se reconhecer como tal e, do mesmo modo, esse homem-máquina seria totalmente inconsciente do fato da existência de um tal universo material. O desalento e desespero materialista da ciência mecanicista fracassou por não reconhecer o fato de que a mente do cientista é residida por um espírito, e este é o discernimento supramaterial, mesmo, dessa mente, que está a formular tal conceito errôneo e autocontraditório de um universo materialista.
195:7.4 (2078.7) Os valores do Paraíso, de eternidade e de infinitude, de verdade, de beleza e bondade, estão ocultos dentro dos fatos dos fenômenos dos universos do tempo e do espaço. Mas é necessário o olho da fé, ao mortal nascido do espírito, para detectar e discernir esses valores espirituais.
195:7.5 (2078.8) As realidades e os valores do progresso espiritual não são uma “projeção psicológica” — um mero sonho diurno glorificado da mente material. Tais coisas são antecipações espirituais do Ajustador residente, o espírito de Deus vivendo na mente do homem. E que as vossas incursões, fraca e confusamente visualizadas adentro da teoria da “relatividade”, não perturbem os vossos conceitos da eternidade e da infinitude de Deus. E, todas as vezes que fordes solicitados a respeito da necessidade da vossa auto-expressão, não cometais o erro de omitir a expressão do Ajustador, a manifestação do vosso eu melhor e mais real.
195:7.6 (2079.1) Se esse fosse um universo apenas material, o homem material nunca seria capaz de alcançar o conceito do caráter mecanicista de uma existência, assim tão exclusivamente material. Esse conceito mecanicista do universo é, em si mesmo, um fenômeno não-material da mente, e toda a mente é de origem não-material; não importando quão radicalmente ela possa parecer ser condicionada materialmente e controlada mecanicamente.
195:7.7 (2079.2) O mecanismo mental parcialmente evoluído, do homem mortal, não é superdotado de consistência e sabedoria. A vaidade do homem freqüentemente ultrapassa a sua razão e ilude a sua lógica.
195:7.8 (2079.3) O próprio pessimismo do materialista mais pessimista é, em si e por si próprio, prova suficiente de que o universo do pessimista não é totalmente material. O otimismo e o pessimismo são, ambos, reações conceituais em uma mente consciente dos valores, tanto quanto dos fatos. Se o universo fosse verdadeiramente o que o materialista considera que ele seja, o homem, como máquina humana, seria então desprovido de todo o reconhecimento consciente daquele fato mesmo. Sem a consciência do conceito de valor, dentro da mente nascida do espírito, o homem não poderia reconhecer, de nenhum modo, o fato do materialismo do universo, e os fenômenos mecanicistas da operação do universo. Uma máquina não pode ser consciente da natureza ou do valor de uma outra máquina.
195:7.9 (2079.4) Uma filosofia mecanicista da vida e do universo não pode ser científica, porque a ciência reconhece apenas as coisas materiais e os fatos, lidando apenas com eles. A filosofia é, inevitavelmente, supracientífica. O homem é um fato material da natureza, mas a sua vida é um fenômeno que transcende os níveis materiais da natureza, pois ela tem os atributos de controle da mente e as qualidades criativas do espírito.
195:7.10 (2079.5) O esforço sincero do homem, para transformar-se em um mecanicista, representa o fenômeno trágico do esforço fútil daquele homem para cometer o suicídio intelectual e moral. Mas ele não o pode fazer.
195:7.11 (2079.6) Se o universo fosse apenas material e se o homem fosse apenas uma máquina, não haveria a ciência para encorajar o cientista a postular essa mecanização do universo. Máquinas não podem medir, classificar, nem avaliar a si próprias. Uma tal obra do trabalho da ciência poderia apenas ser executada por alguma entidade que tenha um status supramaquinal.
195:7.12 (2079.7) Se a realidade do universo é ser apenas uma imensa máquina, então o homem deve estar do lado de fora do universo e separado dele, pois só assim o homem pode reconhecer tal fato e tornar-se consciente e dono de um discernimento de uma tal avaliação.
195:7.13 (2079.8) Se o homem é apenas uma máquina, por meio de qual técnica é que ele chega a acreditar ou a proclamar saber que ele próprio é apenas uma máquina? A experiência de uma avaliação autoconsciente, do próprio eu, nunca é um atributo de uma mera máquina. Um mecanicista autoconsciente e reconhecido é a melhor resposta possível ao mecanicismo. Se o materialismo fosse um fato, não poderia haver nenhum mecanicista autoconsciente. E também é verdade que, para cometer atos imorais, alguém tem antes de ser uma pessoa moral.
195:7.14 (2079.9) A própria pretensão do materialismo implica uma consciência supramaterial da mente, e que presuma afirmar tais dogmas. Um mecanismo poderia deteriorar- se, mas nunca progredir. Máquinas não pensam, criam, sonham, aspiram a algo nem idealizam, nem anseiam pela verdade, nem têm sede de retidão. Elas não motivam as suas vidas com a paixão de servir a outras máquinas, nem de escolher como meta própria de progresso eterno a tarefa sublime de encontrar Deus e de esforçar-se para ser igual a Ele. Máquinas nunca tomam posições intelectuais, emocionais, estéticas, éticas, morais ou espirituais.
195:7.15 (2079.10) A arte prova que o homem não é mecanicista, mas não prova que ele é espiritualmente imortal. A arte é a morôncia do mortal, o domínio intermediário entre o homem, o ser material, e o homem, o ser espiritual. A poesia é o esforço de escape das realidades materiais e aproximação dos valores espirituais.
195:7.16 (2080.1) Numa civilização evoluída, a arte humaniza a ciência, enquanto, por sua vez, ela é espiritualizada pela religião verdadeira — o discernimento dos valores espirituais e eternos. A arte representa a avaliação humana e tempo-espacial da realidade. A religião é o abraço divino dos valores cósmicos e denota progresso eterno na ascensão e na expansão espiritual. A arte do tempo é perigosa apenas quando se torna cega para os padrões espirituais dos arquétipos divinos que a eternidade reflete como sombras da realidade do tempo. A arte verdadeira é a manipulação eficiente das coisas materiais da vida; a religião é a transformação enobrecedora dos fatos materiais da vida, e nunca cessa na sua avaliação espiritual da arte.
195:7.17 (2080.2) Quão tolo é presumir que um autômato poderia conceber uma filosofia do automatismo, e quão ridículo seria supor que pudesse presumir formar o conceito de outros autômatos companheiros e irmãos!
195:7.18 (2080.3) Qualquer interpretação científica do universo material torna-se sem valor, a menos que venha do devido reconhecimento ao cientista. Nenhuma apreciação da arte será genuína a menos que seja acompanhada do reconhecimento do artista. Nenhuma avaliação da moral vale a pena, a menos que inclua o moralista. Nenhum reconhecimento da filosofia será edificante, se ignorar o filósofo, e a religião não pode existir sem a experiência real do religioso que, nessa e por meio dessa mesma experiência, está buscando encontrar Deus e conhecê-lo. Do mesmo modo, o universo dos universos fica sem significado se separado do EU SOU, o Deus infinito que o fez e que continuamente o administra.
195:7.19 (2080.4) Os mecanicistas — humanistas — tendem a se alienar, junto com as correntes materiais. Os idealistas e os espiritualistas ousam usar os seus remos com inteligência e vigor para, aparentemente, modificar o curso puramente material das correntes da energia.
195:7.20 (2080.5) A ciência vive por meio das matemáticas da mente; a música expressa o bater do tempo das emoções. A religião é o ritmo espiritual da alma, em harmonia tempo-espacial com as medidas melódicas mais elevadas e eternas da Infinitude. A experiência religiosa é algo na vida humana que é verdadeiramente supramatemático.
195:7.21 (2080.6) Para a linguagem, um alfabeto representa o mecanismo do materialismo, enquanto as palavras que exprimem os significados de mil pensamentos, grandes idéias e ideais nobres — de amor e ódio, de covardia e coragem — representam as atuações da mente, dentro do escopo definido tanto pela lei material, quanto pela espiritual, dirigido pela afirmação da vontade da personalidade e limitado pelo dom inerente à situação.
195:7.22 (2080.7) O universo não é como as leis, mecanismos e constantes de uniformidades que o cientista descobre e que acaba por considerar como sendo ciência. O universo é mais como um cientista curioso, pensador, que escolhe, que é criativo e que combina e discrimina e que, assim, observa os fenômenos do universo e classifica os fatos matemáticos inerentes às fases mecanicistas do lado material da criação. O universo não é, também, como a arte do artista; mas é mais como o artista que pesquisa, sonha, aspira a algo e avança, e que busca transcender o mundo das coisas materiais, em um esforço para alcançar uma meta espiritual.
195:7.23 (2080.8) O cientista, não a ciência, percebe a realidade de um universo de energia e de matéria, que evolui e que avança. O artista, não a arte, demonstra a existência do mundo transitório moroncial, que se interpõe entre a existência material e a liberdade espiritual. O religioso, não a religião, comprova a existência das realidades do espírito e os valores divinos que devem ser encontrados ao longo do progresso para a eternidade.
195:8.1 (2081.1) Mesmo depois de estarem, o materialismo e o mecanicismo, mais ou menos superados, a influência devastadora do secularismo, do século vinte, contudo, ainda estará frustrando a experiência espiritual de milhões de almas desprecavidas.
195:8.2 (2081.2) O secularismo moderno tem sido fomentado por duas influências mundiais. O pai do secularismo foi a estreiteza e o afastamento de Deus, da chamada ciência do século dezenove e do século vinte — a ciência ateísta. A mãe do secularismo moderno foi a igreja cristã medieval totalitarista. O secularismo teve o seu início num protesto que surgiu contra o domínio quase completo da igreja cristã institucionalizada, sobre a civilização ocidental.
195:8.3 (2081.3) Na época desta revelação, o clima intelectual e filosófico predominante, tanto na vida européia como na vida americana, é decididamente secular — humanista. Durante trezentos anos, o pensamento ocidental vem se mostrando progressivamente mais secularizado e leigo. A religião tornou-se uma influência cada vez mais apenas só de nome, um exercício muito mais de ritual. A maioria daqueles que se professam cristãos, na civilização ocidental, na verdade são inconscientemente leigos ou secularizados.
195:8.4 (2081.4) Foi necessária uma grande força, uma influência poderosa, para libertar o pensamento e o viver, dos povos ocidentais, da garra paralisadora de uma dominação totalitária eclesiástica. O secularismo rompeu com os grilhões do controle da igreja e, agora, por sua vez, ele ameaça estabelecer um tipo novo e sem Deus de domínio sobre os corações e mentes do homem moderno. Um estado político tirânico e ditatorial é a herança direta do materialismo científico e do secularismo filosófico. Assim que o secularismo liberta o homem da dominação da igreja institucionalizada, ele vende o homem para a servidão escrava do estado totalitarista. O secularismo liberta o homem da escravidão eclesiástica apenas para traí-lo, entregando-o à tirania da escravidão política e econômica.
195:8.5 (2081.5) O materialismo nega a Deus, o secularismo simplesmente O ignora; ao menos essa foi a atitude inicial. Mais recentemente, o secularismo comprometeu-se numa atitude mais militante, assumindo tomar o lugar da religião de cuja servidão totalitarista ele fugiu certa vez. O secularismo do século vinte tende a afirmar que o homem não precisa de Deus. Mas tomai cuidado! Essa filosofia, sem Deus, da sociedade humana levará apenas à intranqüilidade, à animosidade, à infelicidade, à guerra e a um desastre mundial.
195:8.6 (2081.6) O secularismo nunca poderá trazer a paz à humanidade. Nada pode tomar o lugar de Deus na sociedade humana. Mas prestai bastante atenção! Não vos apresseis em abandonar os benefícios da revolta secular contra o totalitarismo eclesiástico. A civilização ocidental desfruta hoje de muitas liberdades e satisfações, resultantes da revolta secular. O grande erro do secularismo foi que, ao revoltar-se contra o controle, quase total, da autoridade religiosa sobre a vida, e depois de alcançar a libertação dessa tirania eclesiástica, os secularistas passaram a instituir uma revolta contra o próprio Deus, algumas vezes tacitamente, abertamente em outras.
195:8.7 (2081.7) À revolta secularista vós deveis a criatividade espantosa do industrialismo norte-americano e o progresso material sem precedentes da civilização ocidental. E, porque a revolta secularista foi muito longe e perdeu de vista a verdadeira religião e a Deus, seguiram-se também uma colheita inesperada de guerras mundiais e uma falta de estabilidade internacional.
195:8.8 (2081.8) Não é necessário que se sacrifique a fé em Deus para que se possa desfrutar das bênçãos da revolta secularista moderna: a tolerância, o serviço social, o governo democrático e as liberdades civis. Não foi necessário aos secularistas antagonizarem a verdadeira religião para promover a ciência e para avançar com a educação.
195:8.9 (2082.1) Contudo, o secularismo não é o único progenitor de todos esses ganhos recentes na ampliação da vida. Por detrás dos ganhos do século vinte não estão apenas a ciência e o secularismo, mas também os trabalhos espirituais, não reconhecidos nem considerados, da vida e dos ensinamentos de Jesus de Nazaré.
195:8.10 (2082.2) Sem Deus, sem religião, o secularismo científico não pode nunca coordenar suas forças, harmonizar os seus interesses, as suas raças e os seus nacionalismos, divergentes e competitivos. Essa sociedade humana secularista, não obstante os seus feitos materialistas sem paralelos, está desintegrando-se vagarosamente. A força coesiva principal a resistir a essa desintegração, de antagonismos, é o nacionalismo. E o nacionalismo é a maior barreira para a paz mundial.
195:8.11 (2082.3) A fraqueza inerente ao secularismo é que ele se descarta da ética e da religião, a troco de política e de poder. Vós simplesmente não podeis estabelecer a irmandade dos homens se ignorardes ou se negardes a paternidade de Deus.
195:8.12 (2082.4) O otimismo secular social e político é uma ilusão. Sem Deus, nem a independência, nem a liberdade, nem a propriedade, nem a riqueza conduzirão à paz.
195:8.13 (2082.5) A secularização completa da ciência, da educação, da indústria e da sociedade pode conduzir apenas ao desastre. No primeiro terço do século vinte, os urantianos mataram mais seres humanos do que os que foram mortos durante toda a dispensação cristã até aquela época. E isso é apenas o começo da pavorosa ceifa do materialismo e do secularismo; destruições ainda mais terríveis ainda estão para vir.
195:9.1 (2082.6) Não negligencieis o valor da vossa herança espiritual, o rio da verdade correndo pelos séculos, mesmo pelos tempos estéreis de uma idade materialista e secular. Em todos os vossos esforços condignos para livrar-vos das crenças supersticiosas das idades passadas, certificai-vos de que conservais a verdade eterna. Mas sede pacientes! Quando a revolta atual, da superstição, estiver terminada, as verdades do evangelho de Jesus persistirão gloriosamente, iluminando um caminho novo e melhor.
195:9.2 (2082.7) Mas o cristianismo paganizado e socializado permanece na necessidade de um novo contato com os ensinamentos reais de Jesus, não comprometidos por concessões; pois ele definha na falta de uma nova visão da vida do Mestre na Terra. Uma revelação nova e mais plena da religião de Jesus está destinada a vencer num império de secularismo materialista e a derrotar uma corrente mundial de naturalismo mecanicista. Urântia está agora agitada e à beira de uma das suas épocas mais assombrosas e encantadoras de reajustamento social, de estimulação moral e de iluminação espiritual.
195:9.3 (2082.8) Os ensinamentos de Jesus, ainda que grandemente modificados, sobreviveram aos cultos dos mistérios da sua época natal, à ignorância e à superstição da idade medieval das trevas, e estão, ainda agora, triunfando lentamente sobre o materialismo, o mecanicismo e o secularismo do século vinte. E esses tempos de grandes provações, e de ameaças de derrotas, são sempre tempos de grandes revelações.
195:9.4 (2082.9) A religião necessita de novos líderes, de homens e mulheres espirituais, que ousarão depender apenas de Jesus e dos seus ensinamentos incomparáveis. Se o cristianismo persistir em negligenciar a sua missão espiritual e continuar a ocupar- se de problemas sociais e materiais, o renascimento espiritual deve esperar a vinda desses novos instrutores da religião de Jesus, que irão devotar-se exclusivamente à regeneração espiritual dos homens. E, então, essas almas nascidas do espírito irão rapidamente preencher os quesitos de liderança e de inspiração, para a reorganização social, moral, econômica e política do mundo.
195:9.5 (2083.1) A idade moderna recusar-se-á a aceitar uma religião que seja inconsistente com os fatos e fora de harmonia com as suas concepções mais elevadas da verdade, da beleza e da bondade. É chegada a hora de uma redescoberta dos fundamentos verdadeiros e originais do cristianismo atual, distorcido por concessões — a vida verdadeira e os ensinamentos de Jesus.
195:9.6 (2083.2) O homem primitivo viveu uma vida de servidão supersticiosa ao medo religioso. O homem moderno, civilizado, tem pavor do pensamento de cair no domínio de fortes convicções religiosas. O homem pensante tem sempre temido estar aprisionado a uma religião. Quando uma religião forte e atuante ameaça dominá-lo, ele invariavelmente tenta racionalizá-la, tradicionalizá-la e institucionalizá- la, esperando com isso ter o controle dela. Com esse procedimento, até mesmo uma religião revelada torna-se feita pelo homem e dominada pelo homem. As mulheres e os homens modernos, de inteligência, fogem da religião de Jesus, por causa do medo que têm do que ela fará a eles — e com eles. E todos esses medos são bem fundados. A religião de Jesus de fato domina e transforma os seus crentes, exigindo que os homens dediquem as suas vidas a buscar um conhecimento do que é a vontade do Pai no céu, exigindo que as energias da vida sejam consagradas ao serviço altruísta da irmandade dos homens.
195:9.7 (2083.3) Os homens e as mulheres egoístas simplesmente não pagarão esse preço, nem mesmo pelo maior tesouro espiritual jamais oferecido ao homem mortal. Só quando se houver tornado desiludido o bastante, por desapontamentos tristes que acompanham as buscas tolas e decepcionantes do egoísmo, e depois da descoberta da esterilidade da religião formalizada, é que o homem dispor-se-á a voltar-se, de todo o coração, para o evangelho do Reino, a religião de Jesus de Nazaré.
195:9.8 (2083.4) O mundo necessita mais de uma religião de primeira mão. Mesmo o cristianismo — a melhor das religiões do século vinte — não é apenas uma religião sobre Jesus, mas é amplamente uma religião na qual os homens experimentam coisas por intermédio de outras pessoas. Eles tomam a sua religião totalmente como é passada pelos instrutores religiosos consagrados. Que despertar experimentaria o mundo, se pudesse tão somente ver Jesus como ele realmente viveu na Terra, e conhecer, de primeira mão, os ensinamentos dados pela sua própria vida! As palavras que descrevem as coisas belas não conseguem emocionar como as próprias coisas, nem podem as palavras de um credo inspirar as almas dos homens, como o pode a experiência de conhecer a presença de Deus. Mas a fé atenta sempre manterá a porta da esperança da alma do homem aberta para a entrada das realidades espirituais eternas dos valores divinos dos mundos além deste.
195:9.9 (2083.5) A cristandade tem ousado rebaixar o nível dos seus ideais diante do desafio da usura humana, da loucura das guerras e do desejo ardente de poder; mas a religião de Jesus permanece sendo a convocação espiritual imaculada e transcendente, apelando para o que há de melhor no homem, para que ele se eleve acima de todos esses legados de evolução animal e, por meio da graça, para que alcance as alturas morais do verdadeiro destino humano.
195:9.10 (2083.6) O cristianismo está ameaçado de morte lenta, pelo formalismo, pela super- organização, pelo intelectualismo e por outras tendências não espirituais. A moderna igreja cristã não é aquela irmandade de crentes dinâmicos à qual Jesus encarregou continuadamente com a missão de efetuar a transformação espiritual das gerações sucessivas da humanidade.
195:9.11 (2083.7) O chamado cristianismo tornou-se um movimento social e cultural, tanto quanto uma crença e uma prática religiosa. As correntes do cristianismo moderno drenam muitos antigos pântanos pagãos e muitos marasmos bárbaros; muitas bacias culturais antigas vertem as suas águas nessa corrente cultural de hoje, bem como os mananciais dos altos platôs galileus os quais se supõe serem a sua fonte exclusiva.
195:10.1 (2084.1) O cristianismo de fato prestou um grande serviço a este mundo, mas agora é Jesus que se faz mais necessário. O mundo necessita ver Jesus vivendo novamente na Terra, na experiência de mortais nascidos do espírito e que efetivamente revelem o Mestre a todos os homens. É inútil falar de um renascimento da primitiva cristandade; vós deveis seguir para frente, partindo de onde estais. A cultura moderna deve tornar-se espiritualmente batizada com uma nova revelação da vida de Jesus e iluminada por um novo entendimento do seu evangelho de salvação eterna. E quando Jesus tornar-se elevado assim, ele atrairá todos os homens para si. Os discípulos de Jesus, mais do que conquistadores, deveriam ser fontes transbordantes de inspiração e de vida elevada para todos os homens. A religião é apenas um humanismo elevado, até que seja tornado divino pela descoberta da realidade da presença de Deus, na experiência pessoal.
195:10.2 (2084.2) A beleza e a sublimidade, a humanidade e a divindade, a simplicidade, a singularidade e a unicidade da vida de Jesus na Terra apresentam um quadro tão impressionante e tão atraente de salvação do homem e de revelação de Deus, que os teólogos e os filósofos de todos os tempos deveriam ficar efetivamente impedidos de ousar formar credos ou de criar sistemas teológicos de servidão espiritual a partir dessa auto-outorga transcendental de Deus, na forma do homem. Em Jesus, o universo produziu um homem mortal em quem o espírito do amor triunfou sobre as limitações materiais do tempo e suplantou o fato da origem física.
195:10.3 (2084.3) Tende sempre em mente que Deus e os homens necessitam uns dos outros. Eles são mutuamente necessários para a realização plena e final da experiência eterna da personalidade, no destino divino da finalidade do universo.
195:10.4 (2084.4) “O Reino de Deus está dentro de vós” foi provavelmente a maior afirmação que Jesus fez, junto com a declaração de que o seu Pai é um espírito vivo cheio de amor.
195:10.5 (2084.5) Ao conquistar almas para o Mestre, não é a primeira légua, a da obrigação, do dever ou da convenção, que irá transformar o homem e o seu mundo, mas é mais a segunda légua, a de serviço livre, de devoção e amor à liberdade, a que representa o esforço semelhante ao de Jesus, para alcançar o irmão no amor e para colocá-lo sob a guia espiritual, na direção da meta divina mais elevada da existência mortal. O cristianismo, ainda hoje, percorre, com disposição, a primeira légua; mas a humanidade definha e tropeça nas trevas morais, porque há tão poucos homens fazendo a segunda légua — tão poucos seguidores professos de Jesus e que realmente vivem e amam, como ele ensinou os seus discípulos a viver, a amar e a servir.
195:10.6 (2084.6) O chamamento à aventura de edificar uma sociedade humana nova e transformada por meio do renascimento espiritual da irmandade, no Reino de Jesus, deveria comover e apaixonar a todos aqueles que crêem nele, de um modo como os homens não se comovem desde os dias em que eles perambulavam pela Terra como companheiros dele na carne.
195:10.7 (2084.7) Nenhum sistema social ou regime político que nega a realidade de Deus pode contribuir de uma forma construtiva e duradoura para o avanço da civilização humana. A cristandade, tal como está hoje subdividida e secularizada, representa o maior de todos os obstáculos ao avanço da humanidade; e isso é verdade, especialmente no que concerne ao Oriente.
195:10.8 (2084.8) O domínio eclesiástico é, agora e sempre, incompatível com aquela fé viva, com o crescimento do espírito e com a experiência original, e de primeira mão, dos camaradas de fé de Jesus, na irmandade dos homens, na associação espiritual do Reino do céu. O desejo louvável de conservar as tradições das realizações passadas, muitas vezes, leva à defesa de sistemas obsoletos de adoração. O desejo bem-intencionado, de realimentar sistemas antigos de pensamento, efetivamente, impede a promoção eficaz de meios e métodos novos e adequados que satisfaçam os anseios espirituais das mentes que se expandem, e avançam, dos homens modernos. Do mesmo modo, as igrejas cristãs do século vinte permanecem como grandes obstáculos, ainda que totalmente inconscientes, ao avanço imediato do evangelho verdadeiro — os ensinamentos de Jesus de Nazaré.
195:10.9 (2085.1) Muitas pessoas sinceras, que de bom grado ofereceriam a sua lealdade ao Cristo do evangelho, acham bastante difícil sustentar, com entusiasmo, uma igreja que demonstra tão pouco do espírito da vida e dos ensinamentos dele, mesmo lhes havendo sido ensinado, erroneamente, que ele a teria fundado. Jesus não fundou a chamada igreja cristã, mas, de todos os modos coerentes com a sua natureza, ele fomentou-a como sendo o melhor expoente existente do trabalho da sua vida na Terra.
195:10.10 (2085.2) Se a igreja cristã ousasse tão-só esposar o programa do Mestre, milhares de jovens, aparentemente indiferentes, apressar-se-iam a alistar-se em um tal empreendimento espiritual, e eles não hesitariam em ir até o fim nessa grande aventura.
195:10.11 (2085.3) A cristandade se defronta seriamente com a condenação que está incorporada em um dos seus próprios slogans: “Uma casa dividida, contra si própria, não poderá sobreviver”. O mundo não cristão dificilmente render-se-á a uma cristandade dividida em seitas. O Jesus vivo é a única esperança de uma unificação possível da cristandade. A verdadeira igreja — a fraternidade de Jesus — é invisível, é espiritual e é caracterizada pela unidade, não necessariamente pela uniformidade. A uniformidade seria uma marca, para o mundo físico, de natureza mecanicista. A unidade espiritual é fruto da união de fé com o Jesus vivo. A igreja visível deveria recusar-se a continuar impedindo o progresso da irmandade invisível e espiritual do Reino de Deus. E essa fraternidade está destinada a tornar-se um organismo vivo, ao contrário de uma organização social institucionalizada. Ela pode, muito bem, servir-se dessas organizações sociais, mas não deve ser suplantada por elas.
195:10.12 (2085.4) Apesar de tudo, mesmo o cristianismo do século vinte não deve ser menosprezado. Ele é o produto do gênio moral dos homens sabedores de Deus, de muitas raças, durante muitos séculos, e tem sido verdadeiramente um dos grandes poderes para o bem na Terra e, portanto, nenhum homem deveria considerá-lo superficialmente e sem o devido apreço, não obstante os seus defeitos inerentes e adquiridos. O cristianismo ainda consegue movimentar as mentes dos homens de reflexão, por meio de emoções morais poderosas.
195:10.13 (2085.5) E não há uma desculpa para o envolvimento da igreja no comércio e na política; alianças ímpias como essas são traições flagrantes ao Mestre. E os amantes genuínos da verdade tardarão em esquecer que essa poderosa igreja institucionalizada tem, freqüentemente, ousado sufocar as fés recém-nascidas e perseguir àqueles que conceberam a verdade e que, na oportunidade, apareceram em vestimentas não ortodoxas.
195:10.14 (2085.6) Infelizmente, é bem verdade que essa igreja não teria sobrevivido, caso não tivesse havido homens no mundo que preferissem o seu estilo de adoração. Muitas almas, espiritualmente indolentes, têm a necessidade ardente de uma religião antiga e autoritária, de tradição sagrada nos rituais. A evolução humana e o progresso espiritual dificilmente são suficientes para capacitar todos os homens a prescindirem de uma autoridade religiosa. E a fraternidade invisível do Reino pode muito bem incluir esses grupos familiares de várias classes e temperamentos sociais caso eles estejam dispostos apenas a tornarem-se filhos de Deus, guiados pelo espírito. Mas, nessa fraternidade de Jesus, não há lugar para a rivalidade sectária, para amargas rixas grupais, nem para afirmações de superioridade moral e de infalibilidade espiritual.
195:10.15 (2086.1) Esses vários agrupamentos de cristãos podem servir para acomodar numerosos tipos diferentes de possíveis crentes, entre os vários povos da civilização ocidental, mas essa divisão da cristandade representa uma grande fraqueza, quando ela intenta levar o evangelho de Jesus aos povos orientais. Aquelas raças ainda não compreendem que possa haver uma religião de Jesus separadamente, e de algum modo à parte, do cristianismo, que cada vez mais está tornando-se uma religião a respeito de Jesus.
195:10.16 (2086.2) A grande esperança para Urântia está na possibilidade de uma nova revelação de Jesus, com uma apresentação nova e ampliada da sua mensagem de salvação, que espiritualmente una, no serviço amoroso, as numerosas famílias daqueles que atualmente são os seus professos seguidores.
195:10.17 (2086.3) Mesmo a educação secular poderia ajudar, nesse grande renascimento espiritual, caso desse mais atenção ao trabalho de ensinar aos jovens como efetuar um planejamento de vida e realizar progressos de caráter. O propósito de toda a educação deveria ser fomentar e realizar o propósito supremo da vida, o desenvolvimento de uma personalidade na grandeza e no equilíbrio. Há uma grande necessidade do ensino da disciplina da moral, em lugar de tanta autogratificação. Com essa base, e por meio do seu incentivo espiritual, a religião pode contribuir para a ampliação e o enriquecimento da vida mortal, e mesmo para a segurança e o engrandecimento da vida eterna.
195:10.18 (2086.4) O cristianismo é uma religião gerada por adequações extemporâneas, e por isso deve operar em baixa velocidade. As atuações em alta velocidade espiritual devem esperar a nova revelação e uma aceitação mais geral da verdadeira religião de Jesus. O cristianismo, contudo, é uma religião poderosa, visto que os discípulos comuns de um carpinteiro crucificado lançaram os ensinamentos que conquistaram o mundo romano, em trezentos anos, e então triunfaram sobre os bárbaros, que arruinaram Roma. Esse mesmo cristianismo predominou — absorvendo e engrandecendo — sobre todas as correntes da teologia hebraica e da filosofia grega. E então, quando essa religião cristã entrou em coma, durante mais de mil anos, em resultado de uma dose excessiva de mistérios e paganismo, ela ressuscitou e virtualmente reconquistou todo o mundo ocidental. O cristianismo contém o suficiente dos ensinamentos de Jesus para imortalizar-se.
195:10.19 (2086.5) Se o cristianismo pudesse abranger mais dos ensinamentos de Jesus, daria uma ajuda bem maior ao homem moderno para resolver os seus problemas novos e cada vez mais complexos.
195:10.20 (2086.6) O cristianismo sofre de uma grande limitação, porque se tornou identificado, nas mentes de todo o mundo, com uma parte do sistema social, da vida industrial e dos padrões morais da civilização ocidental; e assim o cristianismo parece haver patrocinado, involuntariamente, uma sociedade que titubeia sob a culpa de tolerar uma ciência sem idealismo, uma política sem princípios, uma riqueza sem trabalho, um prazer sem restrições, um conhecimento sem caráter, um poder sem consciência e uma indústria sem moralidade.
195:10.21 (2086.7) A esperança, para o cristianismo moderno, é a de que ele possa cessar de apadrinhar os sistemas sociais e as políticas industriais da civilização ocidental e, ao mesmo tempo, a de que ele humildemente se curve diante dessa cruz que ele louva com tanta valentia, e que passe a aprender de novo, de Jesus de Nazaré, sobre as maiores verdades que o homem mortal pôde jamais escutar — o evangelho vivo da paternidade de Deus e da irmandade dos homens.
O Livro de Urântia
Documento 196
196:0.1 (2087.1) JESUS possuía uma fé sublime, e de todo o coração, em Deus. Ele experimentou os altos e baixos comuns da existência mortal, mas religiosamente nunca duvidou da certeza da vigilância e do guiamento de Deus. A sua fé era fruto do discernimento nascido da atividade da presença divina do seu Ajustador residente. A sua fé não era nem tradicional nem meramente intelectual; era totalmente pessoal e puramente espiritual.
196:0.2 (2087.2) O Jesus humano via Deus como sendo santo, justo e grande, assim como verdadeiro, belo e bom. Todos esses atributos da divindade, ele os focalizava na sua mente como a “vontade do Pai no céu”. O Deus de Jesus era, ao mesmo tempo, “O Santo de Israel” e “O Pai vivo e amoroso do céu”. O conceito de Deus, como um Pai, não foi original de Jesus, mas ele exaltou e elevou essa idéia como uma experiência sublime, realizando uma nova revelação de Deus e proclamando que todo ser mortal é um filho desse Pai de amor, um filho de Deus.
196:0.3 (2087.3) Jesus não se apegou à fé em Deus como o faria uma alma que se debate em luta contra o universo, ou que se agarra à luta de morte contra um mundo hostil e pecaminoso; ele não recorreu à fé meramente como uma consolação em meio a dificuldades, ou como um conforto em meio à ameaça do desespero; a fé não era apenas uma compensação ilusória para as realidades desagradáveis e os sofrimentos da vida. Ao enfrentar todas as dificuldades naturais e as contradições temporais da existência mortal, ele experimentou a tranqüilidade da confiança suprema e inquestionável em Deus e desfrutou a imensa emoção de viver, pela fé, na própria presença do Pai celeste. E essa fé triunfante foi uma experiência viva de realização real do espírito. A grande contribuição de Jesus para os valores da experiência humana não foi de haver revelado tantas idéias novas sobre o Pai no céu, mas foi mais por ele haver, tão magnífica e humanamente, demonstrado um tipo novo e mais elevado de fé viva em Deus. Nunca, em todos os mundos deste universo, na vida de qualquer mortal, Deus tornou-se uma tão viva realidade como na experiência humana de Jesus de Nazaré.
196:0.4 (2087.4) Na vida do Mestre, em Urântia, este e todos os outros mundos da criação local descobriram um tipo novo e mais elevado de religião, baseada em relações espirituais pessoais com o Pai Universal e totalmente validada pela autoridade suprema da experiência pessoal genuína. Essa fé viva de Jesus era mais do que uma reflexão intelectual, e não era uma meditação mística.
196:0.5 (2087.5) A teologia pode fixar, formular, definir e dogmatizar a fé, mas, na vida humana de Jesus, a fé era pessoal, viva, original, espontânea e puramente espiritual. Essa fé não era uma reverência à tradição, nem uma mera crença intelectual que ele mantinha como um credo sagrado, era mais uma experiência sublime e uma convicção profunda mantendo-o em segurança. A sua fé era tão real e todo-inclusiva que varreu para longe, absolutamente, quaisquer dúvidas espirituais e destruiu efetivamente todos os desejos conflitantes. Nada foi capaz de afastá-lo de ancorar-se espiritualmente nessa fé fervorosa, sublime e destemida. Mesmo na derrota aparente ou nas fortes dores do desapontamento e do desespero ameaçador, ele permaneceu calmamente na presença divina, livre de medo e totalmente consciente da invencibilidade espiritual. Jesus desfrutou da certeza revigorante da posse de uma fé inflexível e, em cada uma das situações de provação, demonstrou infalivelmente uma lealdade inquestionável à vontade do Pai. E essa fé magnífica não se intimidou, mesmo diante da ameaça cruel e esmagadora de uma morte ignominiosa.
196:0.6 (2088.1) Em um gênio religioso, uma fé espiritual muito forte, com freqüência, leva diretamente ao fanatismo desastroso, ao exagero do ego religioso, mas não aconteceu assim com Jesus. Ele não foi afetado desfavoravelmente, na sua vida prática, pela sua extraordinária fé e pela realização espiritual, porque essa exaltação espiritual era uma expressão totalmente inconsciente e espontânea, na sua alma, da sua experiência pessoal com Deus.
196:0.7 (2088.2) A fé espiritual ardente e indomável de Jesus nunca se tornou fanática, pois nunca chegou a afetar os seus julgamentos intelectuais equilibrados a respeito dos valores correspondentes das situações sociais, econômicas e morais, práticas e comuns da vida. O Filho do Homem foi uma personalidade humana esplendidamente unificada; foi um ser divino perfeitamente dotado; e era também magnificamente coordenado, como combinação de ser humano e divino, funcionando na Terra como uma personalidade única. O Mestre sempre coordenava a fé da alma com o juízo da sabedoria da experiência amadurecida. A fé pessoal, a esperança espiritual e a devoção moral foram sempre correlacionadas em uma unidade religiosa, sem par, de associação harmoniosa com a compreensão profunda da realidade e da sacralidade de todas as lealdades humanas — a honra pessoal, o amor familiar, a obrigação religiosa, o dever social e a necessidade econômica.
196:0.8 (2088.3) A fé de Jesus visualizou todos os valores do espírito como sendo encontrados no Reino de Deus; e por isso ele disse: “Buscai primeiro o Reino do céu”. Jesus viu, na fraternidade avançada e ideal do Reino, a realização e o cumprimento da “vontade de Deus”. A essência mesma da oração que ele ensinou aos seus discípulos foi: “Que venha a nós o vosso Reino; que a vossa vontade seja feita”. E assim, tendo concebido o Reino como consistindo na vontade de Deus, ele devotou-se à causa da sua realização com um auto-esquecimento espantoso e um entusiasmo incontido. Mas, durante toda a sua intensa missão e na sua vida extraordinária, a fúria do fanático nunca esteve presente, nem a insignificância, de fachada, do egotista religioso.
196:0.9 (2088.4) A vida inteira do Mestre foi condicionada, consistentemente, por essa fé viva, por essa experiência religiosa sublime. Essa atitude espiritual dominou totalmente o seu pensamento e o seu sentimento, a sua crença e a sua oração, o seu ensinamento e a sua pregação. Essa fé pessoal de um filho, na certeza e na segurança do guiamento e da proteção do Pai celeste, conferiu à sua vida única um dom profundo de realidade espiritual. E ainda, a despeito dessa profunda consciência de relação íntima com a divindade, esse galileu, esse Galileu de Deus, quando era chamado de Bom Mestre, imediatamente dizia: “Por que me chamais de bom?” Quando nós nos defrontamos com um auto-esquecimento tão esplêndido, começamos a compreender como o Pai Universal achou possível manifestar, tão plenamente, a Si próprio, nele e revelar-Se por meio dele aos mortais dos reinos.
196:0.10 (2088.5) Jesus levou a Deus, como homem deste reino, a maior de todas as oferendas: a consagração e a dedicação da sua própria vontade ao serviço majestoso de fazer a vontade divina. Jesus sempre interpretou, e de um modo consistente, a religião, nos termos totais da vontade do Pai. Quando estudardes a carreira do Mestre, no que diz respeito à prece ou a qualquer outro aspecto da vida religiosa, não procureis tanto o que ele ensinou, mas deveis procurar o que ele fez. Jesus nunca orou por dever religioso. Para ele, a prece foi uma expressão sincera da atitude espiritual, uma declaração de lealdade da alma, uma demonstração da devoção pessoal, uma expressão da gratidão, um modo de evitar a tensão emocional, uma prevenção para os conflitos, uma exaltação intelectiva, um enobrecimento do desejo, uma demonstração da decisão moral, um enriquecimento do pensamento, um revigoramento das inclinações mais elevadas, uma consagração do impulso, um esclarecimento de pontos de vista, uma declaração de fé, uma rendição transcendental da vontade, uma afirmação sublime de confiança, uma revelação de coragem, uma proclamação da descoberta, uma confissão de devoção suprema, uma validação da consagração, uma técnica de ajustamento das dificuldades e uma mobilização poderosa, dos poderes combinados da alma, para suportar todas as tendências humanas de egoísmo, mal e pecado. Ele viveu exatamente uma vida na prece e na consagração devotada a fazer a vontade do seu Pai e terminou a sua vida de modo triunfante, exatamente com uma dessas orações. O segredo da sua vida religiosa sem par foi essa consciência da presença de Deus; e ele a alcançou por meio da oração inteligente e da adoração sincera — de comunhão ininterrupta com Deus — e não por indicações, vozes, visões, nem por práticas religiosas extraordinárias.
196:0.11 (2089.1) Na vida terrena de Jesus, a religião foi uma experiência viva, um movimento direto e pessoal da reverência espiritual à prática da retidão. A fé de Jesus deu frutos transcendentais do espírito divino. A sua fé não era imatura e crédula como a de uma criança, mas, sob muitos pontos de vista, ela assemelhou-se à confiança, sem suspeitas, da mente infantil. Jesus confiou em Deus, do mesmo modo que uma criança confia em um pai. Ele tinha uma profunda confiança no universo — exatamente a confiança que uma criança tem no ambiente dos seus pais. A fé de Jesus, uma fé de todo o coração, na bondade fundamental do universo, em muito se assemelhou à confiança que a criança tem na segurança no seu meio ambiente terreno. Ele dependeu do Pai celeste, tal uma criança se apóia no seu pai terreno, e a sua fé fervorosa nunca, nem por um momento, duvidou da certeza de que o Pai celeste velava por ele. Ele não se perturbava seriamente com temores, dúvidas e ceticismos. A descrença não inibiu a expressão livre e original da sua vida. Ele combinou a coragem sólida e inteligente de um homem amadurecido, com o otimismo sincero e crente de uma criança confiante. A sua fé cresceu, alcançando um nível tão elevado de confiança que era desprovida de temores.
196:0.12 (2089.2) A fé de Jesus atingiu a pureza da confiança de uma criança. A sua fé foi tão absoluta e desprovida de dúvidas que se fez sensível ao encanto do contato com os companheiros e às maravilhas do universo. O seu senso de dependência do divino foi tão completo e tão confiante, que trouxe a alegria e a certeza de uma segurança pessoal absoluta. Não houve nada de hesitante e simulado na sua experiência religiosa. Nessa inteligência gigantesca de um homem adulto, a fé da criança reinou, suprema, em todas as questões relacionadas à consciência religiosa. Não é estranho que uma vez ele haja dito: “Se não vos tornardes como crianças pequenas, não entrareis no Reino”. Não obstante a fé de Jesus ser como a de uma criança, não era infantil em nenhum sentido.
196:0.13 (2089.3) Jesus não exige que os seus discípulos acreditem nele, mas que eles acreditem junto com ele, que acreditem na realidade do amor de Deus e, com toda a confiança, que aceitem a certeza da segurança da filiação ao Pai celeste. O Mestre deseja que todos os seus seguidores compartilhem totalmente da sua fé transcendente. Jesus, de um modo muito tocante, desafiou os seus seguidores, não apenas a acreditarem naquilo em que ele acreditava, mas também a acreditarem como ele acreditava. Esta é a significação plena da sua única e suprema exigência: “Siga-me”.
196:0.14 (2090.1) A vida terrena de Jesus foi devotada a um grande propósito — fazer a vontade do Pai, viver a vida humana, religiosamente e pela fé. A fé de Jesus foi confiante como a de uma criança, mas sem a menor presunção. Ele tomou decisões firmes e viris, enfrentou corajosamente múltiplas decepções, com resolução suplantou dificuldades extraordinárias e cumpriu de modo inabalável os rudes requisitos do dever. Foi necessária uma vontade forte e uma confiança firme para acreditar no que Jesus acreditava, e como ele acreditava.
196:1.1 (2090.2) A devoção de Jesus à vontade do Pai, e ao serviço do homem, representou mais do que a decisão mortal e a determinação humana; foi uma consagração, de todo o seu coração, à outorga de um amor sem reservas. Não importa quão grande seja o fato da soberania de Michael, vós não deveis privar os homens do Jesus humano. O Mestre ascendeu ao alto como um homem, tanto quanto um Deus; ele pertence aos homens; e os homens pertencem a ele. Que pena que a própria religião fosse ser tão mal interpretada a ponto de esconder dos mortais atribulados o Jesus humano! Que as discussões sobre a humanidade ou sobre a divindade do Cristo não obscureçam a verdade salvadora de que Jesus de Nazaré foi um homem religioso que, pela fé, chegou a conhecer e a fazer a vontade de Deus; ele foi o homem mais religioso que já viveu em Urântia.
196:1.2 (2090.3) Os tempos amadureceram o suficiente, a ponto de se poder constatar a ressurreição simbólica do Jesus humano, saindo do seu túmulo, dentre as tradições teológicas e os dogmas religiosos de dezenove séculos. Jesus de Nazaré não deve mais ser sacrificado, nem mesmo ao conceito esplêndido do Cristo glorificado. Que serviço transcendente seria prestado se, por intermédio dessa revelação, o Filho do Homem fosse retirado do túmulo da teologia tradicional para ser apresentado como o Jesus vivo, à igreja que leva o seu nome, e para todas as outras religiões! Seguramente a irmandade cristã de crentes não hesitaria em fazer os ajustes de fé, e de práticas de vida, que a capacitassem a poder “seguir o” Mestre na demonstração da sua vida verdadeira de devoção religiosa, a fazer a vontade do seu Pai, e à consagração ao serviço desinteressado dos homens. Será que aqueles que chamam a si de cristãos professos temem criar uma irmandade auto-suficiente e de respeitabilidade social não consagrada, será que temem o desajuste econômico egoísta? Acaso a cristandade institucionalizada teme que a autoridade eclesiástica tradicional esteja em perigo, ou mesmo que seja arruinada, se o Jesus da Galiléia for restabelecido nas mentes e nas almas dos homens mortais, como o ideal de vida religiosa pessoal? Em verdade, os reajustes sociais, as transformações econômicas, o rejuvenescimento moral e as revisões religiosas da civilização cristã seriam drásticas e revolucionárias se a religião viva de Jesus pudesse subitamente suplantar a religião teológica sobre Jesus.
196:1.3 (2090.4) “Seguir Jesus” significa compartilhar pessoalmente a fé religiosa dele e entrar no espírito da vida do Mestre, consagrada ao serviço desinteressado dos homens. Uma das coisas mais importantes, na vida humana, é encontrar aquilo em que Jesus acreditava, é descobrir seus ideais e lutar para a realização do seu propósito elevado de vida. De todo o conhecimento humano, o que é de maior valor é poder conhecer a vida religiosa de Jesus e como ele viveu-a.
196:1.4 (2090.5) O povo comum ouviu Jesus com alegria, e será de novo sensível à apresentação da sua vida humana sincera de motivação religiosa consagrada, se essas verdades forem novamente proclamadas ao mundo. O povo ouvia-o com alegria porque ele era um deles, um leigo despretensioso; o maior de todos os instrutores religiosos foi, em verdade, um leigo.
196:1.5 (2091.1) Não deveria ser a meta dos crentes do Reino imitar literalmente os aspectos exteriores da vida de Jesus na carne, mas sim compartilhar a sua fé; confiar em Deus como ele confiou em Deus e acreditar nos homens como ele acreditou nos homens. Jesus nunca discutiu, fosse sobre a paternidade de Deus, fosse sobre a irmandade dos homens; ele foi uma ilustração viva da primeira, e uma comprovação profunda da segunda.
196:1.6 (2091.2) Exatamente como os homens devem progredir, da consciência do humano à compreensão e realização do divino, assim Jesus ascendeu, desde a natureza de homem à consciência da natureza de Deus. E o Mestre fez essa grande ascensão, do humano ao divino, por meio da realização conjunta da fé do seu intelecto mortal e dos atos do seu Ajustador residente. A compreensão factual do alcançar da totalidade da divindade (ao mesmo tempo plenamente consciente da realidade da sua humanidade) foi acompanhada de sete estágios de consciência da fé de divinização progressiva. Esses estágios de auto-realização progressiva ficaram marcados pelos acontecimentos extraordinários seguintes, na experiência de auto-outorga do Mestre:
196:1.7 (2091.3) 1. A chegada do Ajustador do Pensamento.
196:1.8 (2091.4) 2. O mensageiro de Emanuel, que apareceu para ele em Jerusalém quando ele tinha cerca de doze anos de idade.
196:1.9 (2091.5) 3. As manifestações que acompanharam o seu batismo.
196:1.10 (2091.6) 4. As experiências no monte da Transfiguração.
196:1.11 (2091.7) 5. A ressurreição moroncial.
196:1.12 (2091.8) 6. A ascensão espiritual.
196:1.13 (2091.9) 7. O abraço final do Pai do Paraíso, conferindo-lhe a soberania ilimitada do seu universo.
196:2.1 (2091.10) Algum dia, uma reforma na igreja cristã poderá causar um impacto suficientemente profundo de retomada dos ensinamentos religiosos inalterados de Jesus, o autor, a fonte e a realização da nossa fé. Vós podeis pregar uma religião sobre Jesus, mas, por força, vós deveis viver a religião de Jesus. No entusiasmo de Pentecostes, Pedro inaugurou involuntariamente uma nova religião, a religião do Cristo ressuscitado e glorificado. Mais tarde, o apóstolo Paulo transformou esse novo evangelho no cristianismo, uma religião que incorporava as suas próprias visões teológicas e que retratava a sua própria experiência pessoal com o Jesus da estrada de Damasco. A boa-nova do evangelho do Reino fundamenta-se na experiência religiosa pessoal do Jesus da Galiléia; o cristianismo baseia-se quase que exclusivamente na experiência religiosa pessoal do apóstolo Paulo. A quase totalidade do Novo Testamento é devotada, não a retratar a vida religiosa, significativa e inspiradora, de Jesus, mas a uma discussão da experiência religiosa de Paulo e a um retrato das suas convicções religiosas pessoais. As únicas exceções notáveis, dentro dessa afirmação, afora certas partes de Mateus, de Marcos e de Lucas, são o Livro dos Hebreus e a Epístola de Tiago. Mesmo Pedro, nos seus escritos, apenas uma vez reflete a vida pessoal religiosa do seu Mestre. O Novo Testamento pode ser um documento cristão esplêndido, mas é um documento que pouco tem de Jesus.
196:2.2 (2091.11) A vida de Jesus na carne retrata um crescimento religioso transcendente, desde as idéias iniciais do pavor primitivo e da reverência humana, passando por anos de comunhão espiritual pessoal, até que ele finalmente chegue àquele estado avançado e elevado de consciência da sua unidade com o Pai. E assim, em uma curta vida, Jesus passou por aquela experiência religiosa de progresso espiritual que o homem começa, na Terra, e que comumente completa apenas ao concluir a sua longa permanência nas escolas de aprendizado espiritual, nos níveis sucessivos da sua carreira pré-paradisíaca. Jesus progrediu, partindo de uma consciência puramente humana, das certezas da fé da experiência religiosa pessoal, até as alturas espirituais sublimes da realização efetiva da sua natureza divina e, daí, para a consciência da sua associação íntima com o Pai Universal, a fim de dirigir um universo. Ele progrediu do status humilde, de dependência mortal, que o levou espontaneamente a dizer àquele que o chamou de Bom Mestre: “Por que me chamais de bom? Ninguém é bom a não ser Deus”, até aquele estado sublime de consciência, da divindade realizada que o levou a exclamar: “Qual dentre vós me sentencia de haver pecado?” E essa ascensão progressiva, do humano ao divino, foi uma realização exclusivamente mortal. E quando havia alcançado a divindade, assim, ele era ainda o mesmo Jesus humano, o Filho do Homem, tanto quanto o Filho de Deus.
196:2.3 (2092.1) Marcos, Mateus e Lucas guardam alguma coisa do quadro do Jesus humano lançando-se na luta magnífica para determinar a vontade divina e para cumprir essa vontade. João apresenta um quadro do Jesus triunfante, caminhando na Terra, na consciência plena da divindade. O grande erro, cometido por aqueles que estudaram a vida do Mestre, é que alguns o conceberam como inteiramente humano, enquanto outros o consideraram apenas como divino. Durante toda a sua experiência ele foi, em verdade, tanto humano quanto divino; como ainda agora o é.
196:2.4 (2092.2) Mas o maior erro cometido consta de que, enquanto ficou reconhecido que o Jesus humano possuía uma religião, o Jesus divino (Cristo) transformou-se em uma religião, quase que da noite para o dia. O cristianismo, de Paulo, assegurou a adoração do Cristo divino, mas quase totalmente perdeu de vista o valente Jesus da Galiléia, humano, que lutou pelo valor da sua fé religiosa pessoal, e o heroísmo do seu Ajustador residente, que ascendeu do nível inferior da humanidade para tornar-se um com a divindade, transformando-se, assim, no novo caminho vivo pelo qual todos os mortais podem ascender, dessa forma, da humanidade à divindade. Os mortais, em todos os estágios de espiritualidade e em todos os mundos, podem encontrar, na vida pessoal de Jesus, tudo que os fortalecerá e inspirará, no seu progresso do nível espiritual mais baixo, até os valores divinos mais elevados, do começo ao fim de toda a experiência religiosa pessoal.
196:2.5 (2092.3) Na época em que foi escrito o Novo Testamento, os autores não apenas acreditavam muito profundamente na divindade do Cristo ressuscitado, como também acreditavam, devota e sinceramente, no seu retorno imediato à Terra, para consumar o Reino celeste. Esta fé fortalecida, no retorno imediato do Senhor, teve muito a ver com a tendência de omitir, nos registros, aquelas referências que retratavam as experiências e os atributos puramente humanos do Mestre. Todo o movimento cristão teve a tendência de afastar-se do retrato humano de Jesus de Nazaré, orientando-se para a exaltação do Cristo ressuscitado, o Senhor Jesus Cristo glorificado, e que em breve retornaria.
196:2.6 (2092.4) Jesus fundou a religião da experiência pessoal, ao fazer a vontade de Deus e ao servir à irmandade humana; Paulo fundou uma religião na qual o Jesus glorificado tornou-se o objeto da adoração, e a irmandade consistiu nos irmãos que eram crentes do Cristo divino. Na dádiva outorgada por Jesus, esses dois conceitos eram potenciais na sua vida divino-humana e, em verdade, é uma pena que os seus seguidores não houvessem conseguido criar uma religião unificada, que poderia ter dado um reconhecimento próprio a ambas, à natureza humana e à natureza divina do Mestre, tal como estavam inseparavelmente ligadas na sua vida terrena e tão gloriosamente expostas no evangelho original do Reino.
196:2.7 (2093.1) Vós não ficaríeis, nem chocados, nem perturbados pelos fortes pronunciamentos de Jesus; e para isso basta que vos lembreis de que ele foi o religioso mais devotado, e de todo o seu coração, em todo o mundo. Ele era um mortal totalmente consagrado e dedicado, sem reservas, a fazer a vontade do seu Pai. Muitas das suas afirmações, aparentemente duras, eram mais como uma confissão pessoal de fé e uma promessa de devoção, do que comandos dados para os seus seguidores. E foi essa mesma singularidade de propósito, e de devoção não-egoísta, que o capacitou a efetivar um progresso, tão extraordinário, na conquista da mente humana, em uma vida tão curta. Muitas das suas declarações deveriam ser consideradas como confissões do que ele exigia de si próprio, em vez de uma exigência para todos os seus seguidores. Na sua devoção à causa do Reino, Jesus queimou todas as pontes atrás de si; ele sacrificou tudo o que pudesse ser um obstáculo para a realização da vontade do seu Pai.
196:2.8 (2093.2) Jesus abençoava os pobres, porque em geral eles eram sinceros e pios; ele condenava os ricos, porque em geral eram devassos e irreligiosos. Ele condenaria igualmente os pobres irreligiosos e louvaria os ricos consagrados e pios.
196:2.9 (2093.3) Jesus fez os homens sentirem-se, no mundo, como se estivessem em casa; ele os libertou do tabu escravizador e ensinou a eles que o mundo não é fundamentalmente mau. Ele não almejou escapar da sua vida terrestre; ele dominou uma técnica de fazer a vontade do Pai de um modo aceitável, enquanto na carne. Ele atingiu uma vida religiosa idealista, em meio, mesmo, a um mundo realista. Jesus não partilhou da visão pessimista que Paulo tinha da humanidade. O Mestre via os homens como filhos de Deus e anteviu um futuro magnífico e eterno para aqueles que escolhiam sobreviver. Ele não foi um cético moral; ele via o homem positivamente, não negativamente. Ele via a maioria dos homens como fracos, mais do que como perversos, mais como perturbados do que depravados. Mas, não importando o status deles, eram todos filhos de Deus e irmãos seus.
196:2.10 (2093.4) Ele ensinou os homens a dar um elevado valor a si próprios, no tempo e na eternidade. Por causa da estima elevada, que tinha pelos homens, Jesus estava disposto a dedicar-se ao serviço ininterrupto da humanidade. E foi esse infinito apreço ao finito, o que fez da regra de ouro um fator vital na sua religião. Que mortal deixaria de se elevar pela fé extraordinária que Jesus tinha nele?
196:2.11 (2093.5) Jesus não propôs regras para o avanço social; a sua missão era religiosa; e a religião é uma experiência exclusivamente individual. A última meta, e de realização mais avançada da sociedade, não pode esperar nunca transcender a fraternidade que Jesus ofereceu aos homens: baseando-a no reconhecimento da paternidade de Deus. O ideal de toda a realização social apenas pode ser cumprido com a vinda deste Reino divino.
196:3.1 (2093.6) A experiência espiritual religiosa pessoal é uma solução eficiente para a maior parte das dificuldades mortais; ela seleciona, avalia e ajusta eficazmente todos os problemas humanos. A religião não remove, nem destrói os problemas humanos, mas dissolve-os, absorve-os, ilumina-os e transcende-os. A verdadeira religião unifica a personalidade, preparando-a para ajustar efetivamente todas as exigências mortais. A fé religiosa — o guiamento efetivo da presença divina residente — capacita, infalivelmente, o homem sabedor de Deus a lançar uma ponte sobre o abismo existente entre a lógica intelectual que reconhece a Primeira Causa Universal como sendo um Isso, de um lado, e aquelas afirmações efetivas da alma que declaram que essa Primeira Causa é Ele, o Pai Universal do evangelho de Jesus, o Deus pessoal da salvação humana.
196:3.2 (2094.1) Há apenas três elementos na realidade universal: o fato, a idéia e a relação. A consciência religiosa identifica essas realidades como ciência, filosofia e verdade. A consciência filosófica estaria inclinada a ver essas atividades como razão, sabedoria e fé — a realidade física, a realidade intelectual e a realidade espiritual. O nosso hábito é designar essas realidades como coisa, significado e valor.
196:3.3 (2094.2) A compreensão progressiva da realidade é equivalente a uma aproximação de Deus. A descoberta de Deus, a consciência da identidade com a realidade, é equivalente à experiência do eu completo, da inteireza do eu, da totalidade do eu. Experienciar a realidade total é a compreensão-realização plena de Deus, a finalidade da experiência de conhecer a Deus.
196:3.4 (2094.3) A somatória total da vida humana é o conhecimento de que o homem é educado pelo fato, enobrecido pela sabedoria e salvo — justificado — pela fé religiosa.
196:3.5 (2094.4) A certeza física consiste na lógica da ciência; a certeza moral, na sabedoria da filosofia; a certeza espiritual, na verdade da experiência religiosa autêntica.
196:3.6 (2094.5) A mente do homem pode alcançar altos níveis de discernimento espiritual, e esferas correspondentes de divindade de valores, porque ela não é totalmente material. Há um núcleo espiritual na mente do homem — o Ajustador, de presença divina. Há três evidências distintas de que esse espírito reside na mente humana:
196:3.7 (2094.6) 1. A comunhão humanitária — o amor. A mente puramente animal pode ser gregária por autoproteção, mas apenas o intelecto residido pelo espírito é altruísta, de um modo não-egoísta, e ama incondicionalmente.
196:3.8 (2094.7) 2. A interpretação do universo — a sabedoria. Apenas a mente residida pelo espírito pode compreender que o universo é amigável para com o indivíduo.
196:3.9 (2094.8) 3. A avaliação espiritual da vida — a adoração. Apenas o homem residido pelo espírito pode compreender-realizar a presença divina e buscar atingir uma experiência mais plena a partir desse gosto antecipado de divindade.
196:3.10 (2094.9) A mente humana não cria valores reais; a experiência humana não gera o discernimento universal. Quanto a esse discernimento, o reconhecimento dos valores morais e o discernimento dos significados espirituais, tudo o que a mente humana pode fazer é descobrir, reconhecer, interpretar e escolher.
196:3.11 (2094.10) Os valores morais do universo tornam-se uma posse intelectual, pelo exercício dos três julgamentos básicos, ou escolhas, da mente mortal:
196:3.12 (2094.11) 1. O autojulgamento — a escolha moral.
196:3.13 (2094.12) 2. O julgamento social — a escolha ética.
196:3.14 (2094.13) 3. O julgamento de Deus — a escolha religiosa.
196:3.15 (2094.14) Assim, parece que todo o progresso é efetuado por uma técnica conjunta de evolução revelacional.
196:3.16 (2094.15) Se um amante divino não vivesse no homem, ele não poderia amar generosa e espiritualmente. Se um intérprete não vivesse na mente do homem, ele não poderia verdadeiramente compenetrar-se da unidade do universo. Se um bom avaliador não residisse dentro do homem, ele possivelmente não poderia apreciar os valores morais e reconhecer os significados espirituais. E esse amante provém da fonte mesma do amor infinito; aquele intérprete é uma parte da Unidade Universal; e o avaliador é filho do Centro e Fonte de todos os valores absolutos da realidade divina e eterna.
196:3.17 (2095.1) A avaliação moral, daquilo que tem um significado religioso — o discernimento espiritual — , denota a escolha do indivíduo entre o bem e o mal, a verdade e o erro, o material e o espiritual, o humano e o divino, o tempo e a eternidade. A sobrevivência humana é, em uma grande medida, dependente da consagração da vontade humana à escolha daqueles valores destacados por esse selecionador- de-valores-espirituais — o intérprete e unificador residente. A experiência religiosa pessoal consiste de duas fases: a descoberta, na mente humana, e a revelação do espírito divino residente. Por meio de uma supersofisticação ou como resultado da conduta irreligiosa de pretensos religiosos, um homem, ou mesmo uma geração de homens, pode escolher suspender os seus esforços para descobrir o Deus que reside neles; eles podem deixar de progredir e de alcançar a revelação divina. Mas tais atitudes, de não-progressão espiritual, não podem perdurar por muito tempo, por causa da presença e da influência do Ajustador do Pensamento residente.
196:3.18 (2095.2) Essa experiência profunda, com a realidade do residente divino, transcende, para sempre, a rude técnica materialista das ciências físicas. Vós não podeis colocar a alegria espiritual sob a observação de um microscópio; vós não podeis pesar o amor em uma balança; vós não podeis medir os valores morais; nem podeis estimar a qualidade da adoração espiritual.
196:3.19 (2095.3) Os hebreus possuíam uma religião de sublimidade moral; os gregos fizeram evoluir uma religião da beleza; Paulo e os seus confrades fundaram uma religião de fé, de esperança e de caridade. Jesus revelou e exemplificou uma religião de amor: a segurança no amor do Pai, com alegria e satisfação conseqüentes de compartilhar esse amor no serviço da fraternidade humana.
196:3.20 (2095.4) Toda vez que faz uma escolha moral de reflexão, o homem experiencia imediatamente uma nova invasão divina na sua alma. A escolha moral é parte da religião, como motivo de resposta interna às condições externas. E essa religião real não é uma experiência puramente subjetiva. Ela significa o conjunto da subjetividade do indivíduo, empenhado em uma resposta significativa e inteligente à objetividade total — o universo e o seu Criador.
196:3.21 (2095.5) A experiência extraordinária e transcendente de amar e de ser amado não é apenas uma ilusão psíquica, porque é tão puramente subjetiva. A única realidade verdadeiramente divina e objetiva, que é associada aos seres mortais, o Ajustador do Pensamento, funciona para a observação humana, aparentemente, como um fenômeno exclusivamente subjetivo. O contato do homem com a realidade objetiva mais elevada, de Deus, dá-se apenas por intermédio da experiência puramente subjetiva de conhecê-Lo, de adorá-Lo, de realizar a filiação a Ele.
196:3.22 (2095.6) A verdadeira adoração religiosa não é um monólogo fútil de auto-enganação. A adoração é uma comunicação pessoal com o que é divinamente real, com aquilo que é a fonte mesma da realidade. Por intermédio da adoração, o homem aspira a ser melhor e por meio dela finalmente ele alcança o melhor.
196:3.23 (2095.7) A idealização da verdade, da beleza, da bondade, e o serviço prestado a estas, não são substitutos para a experiência religiosa genuína — a realidade espiritual. A psicologia e o idealismo não equivalem à realidade religiosa. As projeções feitas pelo intelecto humano podem de fato originar deuses falsos — deuses à imagem do homem — , mas a verdadeira consciência de Deus não tem tal origem. A consciência de Deus habita em nós, na presença do espírito residente. Muitos dos sistemas religiosos do homem vêm de formulações do intelecto humano, mas a consciência de Deus não vem necessariamente como uma parte de sistemas grotescos de escravidão religiosa.
196:3.24 (2095.8) Deus não é uma mera invenção do idealismo do homem; Ele é a fonte mesma de todos os discernimentos e valores supra-animais. Deus não é uma hipótese formulada para unificar os conceitos humanos da verdade, da beleza e da bondade; Ele é a personalidade de amor, de Quem se derivam todas essas manifestações do universo. A verdade, a beleza e a bondade no mundo do homem são unificadas pela espiritualidade crescente da experiência dos mortais que ascendem às realidades do Paraíso. A unidade na verdade, na beleza e na bondade só pode ser realizada na experiência espiritual da personalidade conhecedora de Deus.
196:3.25 (2096.1) A moralidade é o solo preexistente essencial, da consciência pessoal de Deus; é a realização pessoal da presença interna do Ajustador, mas essa moralidade não é, nem a fonte da experiência religiosa, nem o discernimento espiritual resultante. A natureza moral é supra-animal, mas é subespiritual. A moralidade é equivalente ao reconhecimento do dever, à compreensão-realização da existência do certo e do errado. A zona moral que se interpõe entre o tipo de mente animal e os tipos humanos de mente, como a moroncial, funciona entre a esfera material e a espiritual de realização da personalidade.
196:3.26 (2096.2) A mente evolucionária é capaz de descobrir a lei, a moral e a ética; mas o espírito outorgado, o Ajustador residente, revela, à mente humana em evolução, o provedor da lei, o Pai-fonte de tudo o que é verdadeiro, belo e bom; e um homem, assim iluminado, tem uma religião e está espiritualmente equipado para começar a longa e aventurosa busca de Deus.
196:3.27 (2096.3) A moralidade não é necessariamente espiritual; ela pode ser pura e integralmente humana; se bem que a verdadeira religião acentue todos os valores morais, tornando-os mais significativos. A moralidade sem religião não consegue revelar a bondade última, e também não consegue assegurar a sobrevivência; nem a dos seus próprios valores morais. A religião assegura a elevação, a glorificação e a sobrevivência de tudo o que a moralidade reconhece e aprova.
196:3.28 (2096.4) A religião está acima da ciência, da arte, da filosofia, da ética e da moral, mas sem ser independente delas. E estão, todas estas, indissoluvelmente inter- relacionadas na experiência humana, pessoal e social. A religião é a suprema experiência do homem, enquanto ele permanece na sua natureza mortal; mas a linguagem finita torna, para sempre, impossível à teologia retratar adequadamente a experiência religiosa verdadeira.
196:3.29 (2096.5) O discernimento religioso possui o poder de transformar a derrota em desejos mais elevados e em novas determinações. O amor é a mais elevada motivação que o homem pode utilizar na sua ascensão no universo. Mas o amor, despojado da verdade, da beleza e da bondade, é um sentimento apenas, uma distorção filosófica, uma ilusão psíquica, um engano espiritual. O amor deve ser sempre redefinido em níveis sucessivos de progressão moroncial e de progressão espiritual.
196:3.30 (2096.6) A arte resulta da tentativa do homem de escapar da falta de beleza no seu meio ambiente material; é um gesto na direção do nível moroncial. A ciência é o esforço do homem para resolver os enigmas aparentes do universo material. A filosofia é uma tentativa do homem de unificar a experiência humana. A religião é o gesto supremo do homem, o seu magnífico movimento, na tentativa de alcançar a realidade final, na sua determinação de encontrar Deus e de ser como Ele.
196:3.31 (2096.7) No domínio da experiência religiosa, a possibilidade espiritual é uma realidade potencial. O impulso espiritual que leva o homem a avançar não é uma ilusão psíquica. Pode ser que nem toda a fantasia do homem sobre o universo seja um fato, mas muito nela é verdadeiro.
196:3.32 (2096.8) A vida de alguns homens é grande e demasiadamente nobre para se abaixar ao nível de um sucesso conquistado. O animal deve adaptar-se ao meio ambiente, mas o homem religioso transcende o seu ambiente e, desse modo, escapa das limitações do mundo material presente, por meio desse discernimento do amor divino. Esse conceito de amor gera, na alma do homem, aquele esforço supra-animal para encontrar a verdade, a beleza e a bondade; e quando as encontra, ele é glorificado no abraço delas; e é consumido pelo desejo de vivê-las e cumpri-las segundo a retidão.
196:3.33 (2097.1) Não vos desencorajeis; a evolução humana ainda está em progresso, e a revelação de Deus ao mundo, em Jesus e através de Jesus, não deixará de acontecer.
196:3.34 (2097.2) O grande desafio ao homem moderno é realizar uma comunicação melhor com o Monitor divino que reside dentro da mente humana. A maior aventura do homem na carne consiste no esforço, bem equilibrado e sadio, de ultrapassar as fronteiras da autoconsciência penetrando nos domínios imprecisos da consciência embrionária da alma, em um esforço, de todo o seu coração, para alcançar a região fronteiriça da consciência do espírito — esse, o contato com a divina presença. Essa experiência constitui a consciência de Deus, uma experiência que confirma, de um modo poderoso, a verdade preexistente da experiência religiosa de conhecer a Deus. Uma consciência tal, do espírito, é equivalente ao conhecimento da factualidade da filiação a Deus. De qualquer outro modo, a certeza da filiação é uma experiência de fé.
196:3.35 (2097.3) E a consciência de Deus é equivalente à integração do eu com o universo, nos seus níveis mais elevados de realidade espiritual. Apenas o conteúdo espiritual, de qualquer valor, é imperecível. Aquilo que é mesmo verdadeiro, belo e bom não pode perecer, pois, na experiência humana. Se o homem escolher a não-sobrevivência, então o Ajustador sobrevivente conservará, consigo, aquelas realidades nascidas do amor e nutridas pelo serviço. E todas essas coisas são uma parte do Pai Universal. O Pai é amor vivo, e a vida do Pai está nos seus Filhos. E o espírito do Pai está nos filhos dos seus Filhos — os homens mortais. Quando tudo estiver dito e feito, a idéia de um Pai será ainda o conceito humano mais elevado de Deus.